Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2750/10.4BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/11/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IVA
FACTURAS FALSAS
ÓNUS DA PROVA
Sumário:Quando a AT desconsidera facturas que reputa de falsas aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I– RELATÓRIO

S... Sociedade de Construções Lda, veio deduzir impugnação judicial contra o acto tributário de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respectivos juros compensatórios, respeitante ao 4º trimestre de 2005, no montante de € 22.865,76.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença de 23 de Março de 2019, julgou improcedente a impugnação judicial.

Inconformada, a S... interpôs recurso jurisdicional de tal decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

A)

Vem o presente Recurso interposto da Douta Sentença de fls. dos autos na parte em que julgou improcedente a Impugnação apresentada pela Recorrente, por via da qual sindicou os actos de liquidação adicional de IVA e juros compensatórios, respectivamente com os n.ºs 08... e 083..., referentes ao quarto trimestre de 2005, no valor total de € 22.865,76 (vinte e dois mil, oitocentos e sessenta e cinco euros e setenta e seis cêntimos).

B)

Não se pode a Impugnante, ora Recorrente, conformar com o entendimento do Tribunal “a quo”.

C)

Da prova efectivamente produzida, em concreto das declarações prestadas pelo legal representante da Recorrente, resultou, tal como havia alegado, que entre mesma e a sociedade B... existiu um contrato de subempreitada, de fim finalístico (tendo o próprio Tribunal “a quo” reconhecido haver resultado da prova produzida a existência de relações comerciais – reais – entre ambas as sociedade) e que as transacções operadas no âmbito dessa relação foram tituladas pelas facturas emitidas, dado que os contratos celebrados não foram reduzidos a escrito [Declarações prestadas por P..., em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, minutos 09:36 a 15:47 e 16:41 a 19:46, 25:36 a 26:16 e 44:38 a 44:57]

D)

As quais foram corroboradas pelo depoimento prestado pela Testemunha M..., que, sendo trabalhadora da Recorrente no ano de 2004, referiu ter conhecimento da existência dessa relação comercial da mesma com a sociedade B..., sua razão de ser e contornos [Declarações prestadas por M... em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, minutos 01:11:16 a01:12:41]

E)

E também a prova documental produzida nos autos foi de molde a corroborar a versão dos factos apresentada pela Recorrente, designadamente no que se refere ao aumento da facturação descrito pelo Legal representante da Recorrente.

F)

Designadamente os documentos juntos pela Recorrente, sob “Doc. 1” a “Doc. 6”, com o requerimento que dirigiu aos autos em 26.01.2018 (Declarações Anuais de Informação Contabilística e Fiscal apresentadas pela Recorrente junto da AT e que espelham o volume de facturação nos anos de 2003, 2004 e 2005 e declarações de remunerações entregues à Segurança Social e mapas de férias, documentos esses dos quais resulta o número de trabalhadores com que contava a Recorrente naqueles períodos) e “Doc. 7” a “Doc.9” (comunicações trocadas entre a Recorrente e as sociedades de construções para quais prestou os serviços descritos nas facturas em crise, de onde resultam as solicitações e insistências destas que conduziram à necessidade da contratação pela Recorrente dos serviços da sociedade B...).

G)

Prova essa da qual resultou demonstrado o motivo subjacente à celebração dos contratos que entre a mesma e a sociedade B...: a estrutura produtiva da Recorrente, designadamente a sua mão-de-obra disponível, ser insuficiente para assegurar a realização da totalidade dos trabalhos que, em determinados momentos, foram em simultâneo adjudicados, fruto do acréscimo da actividade da construção nessas datas.

H)

Tanto o Legal Representante da Recorrente como a Testemunha M..., elencaram e identificaram quais os trabalhos efectivamente realizados pela sociedade B... e aos quais se referem as facturas que por essa sociedade foram emitidas, designadamente as facturas com os números 502 e 503 [Declarações prestadas por P..., em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, minutos 53:08 a 54:14, 01:01:01 a 01:01:33, 01:01:55 a 01:02:37 e declarações prestadas por M..., em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, minutos 01:09:05 a 01:10:19, 01:10:46 a 01:10:53 e 01:11:50 a 01:12:12]

I)

Declarações essas que foram corroboradas pela prova documental produzida, em especial “Doc. 7” a “Doc.27”, juntos com o requerimento que a Recorrente dirigiu aos autos em 26.01.2018, correspondente a comunicações trocadas entre a mesma e as sociedades pelas quais havia sido contratada para a realização das referidas obras, bem como registos fotográficos dos trabalhos aí executados.

J)

E também o teor dos documentos juntos pela Recorrente com o requerimento que dirigiu aos autos em 07.02.2018, na sequência do Douto Despacho proferido em 29.01.2018, e que traduzem os registos diários mantidos pelo Legal Representante da Recorrente, manuscritos, sobre o número de trabalhadores que se encontram, no período temporal em questão, afectos às obras a que se referem as facturas em crise.

K)

Tal factualidade é de molde a permitir alcançar um juízo de veracidade sobre as operações em questão, diferentemente daquele que foi o entendimento do Tribunal “a quo”. Donde, dúvidas não poderão subsistir – havendo de se ter por provado – que as facturas em com os números 502 e 503 se reconduziram a trabalhos efectivamente realizados pela sociedade sua emissora, B....

L)

Como de resto sucedeu com as facturas com os números 422, 423 e 424, as quais foram aceites pela Administração Fiscal. Pois que, se reportam à mesma relação comercial, a trabalhos da mesma natureza e realizados em moldes idênticos.

M)

No que concerne a uma eventual irregularidade das facturas com os números 502 e 503, esclareceu o legal representante da Recorrente nunca haver duvidado da regularidade dessas facturas que lhe foram entregues, assim como nunca tal questão lhe foi suscitadas pelo técnico oficial de contas encarregue da contabilidade da Recorrente. Sendo que tal foi reiterado pela testemunha M..., afirmando haver tido contacto direto com tais documentos, os quais nunca lhe suscitaram qualquer dúvida [Declarações prestadas por P..., em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, minutos 32:01 a 33:57, 34:20 a 35:10, 36:07, 37:38 a 37:46, 37:56 a 39:06, 39:15 a 40:57, 43:01 a 43:36 e declarações prestadas por M..., em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, minutos 01:13:02 a 01:14:53 e 00:52 a 02:21 ]

N)

Da prova produzida, a que antes se aludiu resulta, de forma notória, clara e inequívoca, corroborada versão dos factos apresentada pela Recorrente, afirmando assim a veracidade das facturas e desmistificando os putativos indícios de que se socorreu a Autoridade Tributária para concluir pela falsidade das mesmas, dúvidas não podendo subsistir quanto à circunstância de que entre a Recorrente e a sociedade B... foram celebrados, verbalmente, contratos de prestações de serviços, motivados pelas necessidades da Recorrente – de reforço de mão-de-obra para a realização dos trabalhos adjudicados à mesma - e, bem assim, que os trabalhos descritos nas facturas em crise foram efectivamente realizados por B... e pagos pela Recorrente.

O)

Segundo as regras do ónus da prova, antes de se poder onerar a Recorrente com a prova de que as facturas em causa corresponderam a prestações de serviços efectivas, era à Administração Tributária que caberia demonstrar que tais facturas dizem respeito a operações simuladas, designadamente por referência às facturas com os números 422, 423 e 426 (aceites pela Administração Tributária, sem reserva).

P)

A Autoridade Tributária não produziu a prova que, como se disse, se lhe impunha produzir, antes pelo contrário, demonstrou a Recorrente – em face da prova que apresentou e e se produzir –, de forma cabal, que as operações tituladas pelas facturas em crise foram reais.

Q)

S.M.O., mal andou o Tribunal “a quo” ao dar por não provados os factos identificados sob 1), 2) e 3 ) do elenco dos factos não provados, os quais se impõem – antes a prova efectivamente produzida – dar como provados.

R)

Devendo, pois, ser revogada a Sentença recorrida e, em sua substituição, ser proferida decisão que dê como provados os factos elencados sob 1), 2) e 3) dos factos não provados e, em consequência, julgue procedente Impugnação deduzida pela Recorrente.

NESTES TERMOS E nos demais de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve ser julgado procedente o presente recurso, sendo substituída a Douta Sentença recorrida por decisão que, julgando procedente a Impugnação apresentada pela Recorrente, determine a anulação dos actos de liquidação adicional de IVA e juros compensatórios, respectivamente com os n.ºs 08... e 083..., referentes ao quarto trimestre de 2005, no valor total de € 22.865,76

É o que, com o douto suprimento que se pede, se espera, por ser de JUSTIÇA!!


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A Fazenda Pública, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-
-alegar
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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal (EMMP) emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso interposto da sentença.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

“Com interesse para a decisão da causa, considera-se provada a seguinte factualidade:

A) A Impugnante exerce a sua actividade no âmbito da construção de edifícios residenciais e não residenciais, encontrando se inscrita com o CAE 0041200 cfr. relatório de inspecção tributária a fls. 40 e seguintes do PAT.

B) A sociedade «B... Construção Civil, Lda.» manteve relações comerciais com a Impugnante, no âmbito de contrato de subempreitada - cf. acordo

C) Na sequência de acção externa de consulta, recolha e cruzamento de elementos, realizada pela Divisão de Investigação da Fraude e de Ações Especiais (DSIFAE), relativamente a B... Construção Civil, Lda., que concluiu pela existência de indícios fortes de emissão de facturas falsas quer por parte do mesmo, quer por terceiros alheios à sociedade, foi determinada a realização da acção inspectiva à Impugnante por ter sido indiciado como utilizador das referidas facturas. - cfr. Relatório de Inspecção Tributária a fls. 37 e seguintes do PAT;

D) Em 04/07/2006, pela Direcção de Serviços de Investigação da Fraude e de Ações Especiais, foi recolhido em auto de declarações do sócio gerente da sociedade “B... – Construção Civil Lda., no qual declarou ter a certeza absoluta de que nunca mandou fazer facturas da sociedade “B... – Construção Civil Lda., em qualquer tipografia situada em Queluz, ou no Alto da Cova da Moura – Buraca, ou em Sacavém, e que no início da actividade, mandou fazer 3 livros de facturas numa tipografia em Odivelas e 1 livro numa tipografia no Cacém e que a partir daí, todas as facturas têm sido feitas em Beja, na tipografia B... cfr. f l s. 17 e 19 em anexo ao Relatório de Inspecção, a fls. 51 e 52 do processo de reclamação graciosa apenso.

E) Em cumprimento da ordem de serviço n.º OI 2007047123 de 05 /07/2007, teve início procedimento interno de inspecção à contabilidade da Impugnante, pelos Serviços de Inspecção Tributária Divisão II, no sentido de proceder às correcções que se mostrassem devidas, relativamente ao sujeito passivo, como utilizador de facturas, indiciadas como falsas emitidas pelo contribuinte B... Construção Civil Lda., com o NIPC 5... - cfr. Relatório de Inspecção Tributária a fls. 37 e seguintes do PAT.

F) Na sequência da referida inspecção, foi elaborado Relatório de Inspecção junto a fls. 37 a 48 do PAT apenso aos autos, cujo teor se considera integralmente reproduzido, e que aqui se transcreve parcialmente, na parte relevante para a decisão da causa: «II. 2 – Objectivos, Âmbito e Incidência Temporal (…)No decurso desta acção de inspecção, foi o mesmo notificado, para a apresentação de alguns elementos contabilísticos, entre os quais o Balancete Analítico, o extracto da “Conta 72 – Prestação e Serviços” e cópia de alguns elementos de suporte aos lançamentos realizados nesta Conta, de valor mais elevado.

Pela análise efectuada aos elementos contabilísticos enviados, pode constatar-se que:

- O sujeito passivo realiza proveitos através da venda de mercadorias (17%) e da prestação de serviços (83%) e apresenta na sua contabilidade um vasto número de clientes – estão identificados na “Conta 21 – clientes cerca de 4 dezenas de entidades;

- Das 6 facturas de maior valor, solicitadas e disponibilizadas pelo contribuinte, 5 delas apresentam como descritivo, “fornecimento e montagem de serralharia” e a restante discrimina “fornecimento de estruturas metálica”;

- Encontram-se discriminadas no Balancete Analítico do sujeito passivo, na “Conta 22 – Fornecedores”, quase 7 dezenas de entidades, no entanto, apenas um destes fornecedores se encontra contabilizado na “conta 621 – Subcontratos”, cujo valor corresponde aproximadamente a 67% dos Fornecimentos e Serviços Externos, e que se trata da empresa “B... Construção Civil, Lda.”, que deu origem à presente acção de inspecção.

- As 5 únicas facturas lançadas na conta 621, que respeitam à empresa acima identificada, somam o valor de € 248.947,64 (sem IVA) e apresentam como discriminação “execução de trabalhos de construção civil” e “execução de lages, pilares e vigas de ferro”.

III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

Na sequência da acção inspectiva realizada, foram detectadas as seguintes informações irregulares, em sede de IRC e IVA, no exercício de 2005, adiante qualificadas e fundamentadas.

3.1 Análise no âmbito do IRC

3.1.1. Correcções efectuadas ao lucro tributável

Face à informação transmitida pela Direcção de Serviços de Investigação da Fraude e de Ações Especiais, o suporte formal (factura ou documento equivalente) ao custo contabilizado pelo Sujeito Passivo S... – Sociedade de Construções, Lda., referente aos serviços prestados pelo Subempreiteiro B... Construção Civil, que contribuíram para o apuramento e declaração do lucro tributável/matéria tributável, do sujeito passivo em análise, não corresponde aos serviços efectivamente prestados pelo mesmo.

De facto, no decurso de uma investigação administrativa desenvolvida pela DSIFAE à empresa “B...”, foi ouvido em “Termo de Declarações o seu sócio “B... (fls. 17 e 19 em Anexo), que confirmou ter mandado emitir, no início de actividade:

- 3 livros de facturas a uma tipografia em Odivelas, posteriormente identificada como sendo de V..., com o NIF 1…;

- 1 livro de facturas numa tipografia no Cacém, posteriormente identificada com o nome Gráfica F..., Lda., e NIF 5…;

- Todas as facturas seguintes na Tipografia B..., Lda., em Beja, com o NIF 5…

Não foram reconhecidas, pelo mesmo, livros de facturas impressas em outras tipografias.

As facturas contabilizadas pelo sujeito passivo em análise, cujas cópias se juntam em anexo, folhas 20 a 25 em anexo. (…)

As facturas 502 e 503 contabilizadas pelo sujeito passivo, foram impressas pela “Gráfica S..., Lda.”, com o NIF 5..., sediada na Amadora, e de acordo com o Sócio da empresa “B..., Lda.”, ouvido em termo de declarações, pela DSIFAE, apenas reconhece ter requisitado facturas na Tipografia B..., pelo que se conclui que os serviços não foram prestados por si, nem pelos seus colaboradores, mas sim por alguém alheio à empresa.

Refere-se ainda que, a assinatura do nome B..., que consta nas facturas acima contabilizadas pelo sujeito passivo é muito distinta da que consta do Termo de declarações assinado pelo próprio, que aliás não sabe ler nem escrever, apenas conseguindo desenhar o seu nome em letras maiúsculas.

Face ao exposto, as facturas n.º 502 e 503, impressas pela gráfica S..., “formalmente” emitidas pela sociedade “B...” ao sujeito passivo em análise, no montante total de € 98.510,00, não podem ser aceites fiscalmente como um custo, pelo simples motivo de que se tratam de facturas indiciadas como falsas e/ou de favor, que não forma sequer emitidas pelo próprio e como tal serão de corrigir, considerando-se dispensáveis à manutenção da actividade produtiva do sujeito passivo em análise.”

(…) 3.2 Análise no âmbito do IVA

Conforme relatado e fundamentado no ponto 3.1.1. deste Relatório, procede-se à correcção do IVA, indevidamente deduzido pelo sujeito passivo, no montante global de € 20.687,10, por se apresentar suportado por facturas indiciadas como falsas e/ou de favor “formalmente” emitidas pelo prestador de serviços “B..., Lda.”, infringindo assim, o disposto no artigo 20.º n.º1 do CIVA, em conjugação com o artigo 19.º n.º3 do mesmo diploma.”

Face ao exposto, a correcção de IVA deduzido indevidamente, respeita ao período de 0512T, no montante de € 20.687,10, conforme se pode comprovar pelo quadro seguinte:


«Imagem no original»


(…) - cfr. Relatório de Inspecção Tributária a fls. 37 e seguintes do PAT;

G) Com data de 30/12/2005, foi emitida em nome da Impugnante a factura com o n.º 502, impressa na “Gráfica S... Lda.”, com sede na Rua B..., Amadora, no valor total de € 83 437,97 e IVA no montante de € 14 480,97, com a seguinte descrição no campo “designação”: “Execução de vários trabalhos de construção civil na vossa obra M... Pedrogão ” – cfr. documento de fls. 56 do processo de reclamação graciosa apenso;

H) Com data de 30/12/2005, foi emitida em nome da Impugnante a factura com o n.º 503, com data de 30/12/2005, impressa na “Gráfica S... Lda.”, com sede na Rua B..., Amadora, no valor total de € 35 759,13 e IVA no montante de € 6 206,13, com a seguinte descrição no campo “designação”: “Trabalhos de construção civil na vossa obra S... Campo Pequeno ” – cfr. documento de fls. 60 do processo de reclamação graciosa apenso;

I) A sociedade B... Lda., prestou serviços à Impugnante nas obras designadas “Pedrogão” e “Campo Pequeno” – cfr. depoimento de parte e prova testemunhal;

J) Em 16/10/2008, sobre o Relatório de inspecção, pelo Chefe de Divisão foi proferido despacho de concordância por se ter considerado que «Dos fundamentos deles constantes resulta que se encontram verificados os pressupostos legais e de facto para, mantendo-se a avaliação directa da matéria colectável, proceder às correcções técnicas propostas, nos termos e fundamentos da parte final dos artigos 16.º n.º 1 e 17.º n.º 1, ambos do CIRC, e art.º82.º do CIVA, conjugados com os artigos 81.º e 84.º da LGT.» na sequência do que foi emitido Documento de Cobrança – Único com vista à liquidação e cobrança do(s) imposto(s) nele(s) quantificado(s). – cfr. Relatório de Inspecção Tributária a fls. 37 e seguintes do PAT;

K) Na sequência das correcções efectuadas, foram emitidas as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado referentes ao quarto trimestre de 2005 n.o 08... e de juros compensatórios n.º 083..., respectivamente nos montantes de € 20.687,10 e € 2.178,66 - cf. fls. 20 a 23 do PAT e fls. 18 do processo de reclamação graciosa apenso;

L) O prazo para pagamento voluntário das quantias liquidadas terminou em 06/04/2009 - cfr. documento de fls. 26 a 29 do PAT;

M) Em 25/03/2009, a Impugnante deduziu reclamação graciosa, das liquidações adicionais mencionadas em K), a qual foi instaurada sob o n.º 15... e indeferida por despacho do Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, datado de 20/08/2009 – cfr. fls. 4 e seguintes e 75 do processo de reclamação graciosa apenso;

N) Em 24/09/2009, a Impugnante apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a qual foi instaurado sob o n.º 920/09 - SI e foi indeferido por despacho do Subdiretor Geral, de 26/07/2010 – cfr. fls. 3 e seguintes do processo de recurso hierárquico apenso;

O) Em 18/08/2010, a Impugnante tomou conhecimento da decisão de indeferimento do recurso hierárquico mencionado em N) – cfr. aviso de recepção assinado junto no processo de recurso hierárquico apenso não numerado;

P) Em 16/11/2010 foi apresentada, na Repartição de Finanças de Loures petição inicial da presente impugnação – cfr. fls. 5 a 20 dos autos.

Com interesse para a decisão, dos factos alegados não ficou provado que:

1) Que as facturas n.ºs 502 e 503 tenham sido emitidas pela sociedade B... Lda.;

2) Que os serviços discriminados nas facturas n.ºs 502 e 503, emitidas à Impugnante, com data de 30/12/2005, tenham sido efectivamente prestados;

3) Não se provou igualmente, que a Impugnante tivesse efectuado pagamentos a favor da “B..., Construção Civil e Obras Públicas Unipessoal, Lda.”, relativamente às facturas acima mencionadas.

Motivação

A convicção do Tribunal, relativamente à matéria de facto dada como provada, resultou da análise crítica e conjugada da prova documental constante dos autos e do processo administrativo em apenso, dos depoimentos de parte e da prova testemunhal, conforme indicado em cada uma das alíneas.

No que se refere à factualidade considerada não provada, o convencimento do tribunal resultou igualmente do depoimento da testemunha e das declarações de parte, produzidos em sede de inquirição judicial, bem como do confronto dos mesmos com os documentos existentes no processo e processo administrativo instrutor.

Relativamente aos factos provados constantes das alíneas B) e I) do probatório, os mesmos resultaram das declarações de P..., responsável legal da sociedade e do depoimento da testemunha M....

Dadas as funções que exercem na sociedade Impugnada, o legal representante da Impugnante e a testemunha inquirida, responsável pelas tarefas administrativas nesta sociedade, revelaram conhecer a actividade da sociedade em causa e o modus operandi da mesma.

As referidas declarações, revelaram-se credíveis quantos aos factos genéricos referidos, permitindo ao tribunal perceber que entre a Impugnante e a sociedade B... existiram relações comerciais, tendo esta última prestado serviços nas obras designadas, pelos mesmos, “Campo Pequeno” e “Pedrogão”.

Da ponderação realizada do depoimento da testemunha e das declarações do legal representante, resulta, contudo, não ser possível dar como provado os factos supra referidos com os nºs 1, 2 e 3.

Desde logo, não foi possível provar, quem emitiu as facturas em causa.

Resultando do depoimento referido e das declarações de parte, que a sociedade B..., prestou serviços na obra designada “Pedrogão Grande” e “Campo Pequeno” (cfr. Alínea I) do probatório), não resultaram concretizados que serviços em concreto foram prestados por aquela sociedade e se os designados nas facturas nºs 502 e 503, foram efectivamente executados ou os que os trabalhos realizados na obra “Pedrógão Grande” correspondam aos descritos nas facturas em causa (Facto não provado n.º 2).

As declarações e o testemunho prestados revelaram-se genéricos e pouco circunstanciados, relativamente aos alegados serviços prestados, revelando desconhecer, em concreto, se os serviços descritos foram prestados e que tipo de trabalhos de construção civil estiveram em causa no âmbito das facturas referidas.

Quanto aos documentos juntos aos autos pela Impugnante, nomeadamente, as comunicações trocadas entre a Impugnante e as sociedades pelas quais foi contratada, os registos fotográficos e as notas manuscritas tomadas pelo representante legal, apesar de se referirem a serviços prestados nas obras referenciadas, não permitem concluir que se referem aos trabalhos descritos nas facturas em causa. Obviando a possibilidade do tribunal de formular um juízo de convencimento quanto à materialidade dos serviços constantes das facturas emitidas e ora postas em causa.

Quanto aos pagamentos dos valores constantes das facturas, quer a testemunha, quer o responsável legal da sociedade, referiram que os mesmos foram efectuados, não concretizando de que forma, em que datas e a quem foram entregues os valores, não permitindo, dar como provado o alegado (cfr. Facto não provado n.º 3)”.


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- De Direito

Como dissemos, a ora Recorrente deduziu impugnação judicial contra a liquidação adicional de IVA (e juros compensatórios), do ano de 2005 (4º trimestre), no montante de € 22.865,76.

Tal acto tributário de liquidação adicional resultou, em síntese, da concretização de correcções operadas em sede inspectiva, fundadas na seguinte conclusão extraída no RIT: “as facturas n.º 502 e 503, impressas pela gráfica S..., “formalmente” emitidas pela sociedade “B...” ao sujeito passivo em análise, no montante total de € 98.510,00, não podem ser aceites fiscalmente como um custo, pelo simples motivo de que se tratam de facturas indiciadas como falsas e/ou de favor, que não forma sequer emitidas pelo próprio e como tal serão de corrigir, considerando-se dispensáveis à manutenção da actividade produtiva do sujeito passivo em análise.”. Consequentemente, foi invocado o disposto no nº3 do artigo 19º do CIVA e corrigido o imposto deduzido com base nas apontadas facturas.

A impugnação judicial foi - já vimos - julgada improcedente no TT de Lisboa.

Com efeito, o Tribunal a quo julgou improcedente a impugnação judicial de IVA tendo decidido, por um lado, que a AT reuniu, como lhe competia, indícios suficientes para considerar que as facturas nºs 502 e 503 emitidas pela sociedade “B... – Construções Civis, Lda.” não titulavam efectivas e reais prestações de serviços e, por outro lado, que a Impugnante, ora Recorrente, não logrou provar a materialidade das operações tituladas pelas apontadas facturas.

Perante a discordância com o decido em 1ª instância, foi interposto o presente recurso jurisdicional, sintetizado nas conclusões acima transcritas. A leitura atenta das conclusões permite identificar as questões que nos vêm dirigidas:

(i) - Muito clara e extensamente vem posta em causa a matéria de facto não provada, a qual, a Recorrente, entende que deve ser considerada provada, atenta a prova testemunhal produzida e a documental junta aos autos e que indica;

(ii) - Insurge-se, igualmente, a Recorrente contra o entendimento do Tribunal a quo, segundo o qual a AT cumpriu, como lhe competia, o ónus de alegar e demonstrar os factos-índice bastantes para considerar que as facturas nºs 502 e 503, emitidas pelo emitente B... Lda, não têm subjacentes reais operações;

(iii) - Considera, ainda, a Recorrente que, contrariamente ao entendido pela sentença recorrida, foi feita a prova da materialidade das operações subjacentes à emissão das duas facturas desconsideradas, o que, ao não ter sido concluído, encerra um erro de julgamento do TT de Lisboa.

Vejamos em detalhe, começando pela impugnação da matéria de facto, tendo presente que o artigo 640° do CPC impõe um especial ónus de alegação a cargo do Recorrente que pretende impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto que não se confunde com a mera discordância com tal decisão.

Com efeito, dispõe o artigo 640º do CPC, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, o seguinte:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.° 2 do artigo 636°."

Estes requisitos foram cumpridos pela ora Recorrente, bastando considerar que foi devidamente autonomizada a prova documental a considerar, como a testemunhal, o que resulta claramente da indicação das passagens da gravação da prova, cujos depoimentos se mostram transcritos no corpo da alegação recursória.

Vejamos, então, lembrando que consta dos factos não provados o seguinte:

1) Que as facturas n.ºs 502 e 503 tenham sido emitidas pela sociedade B... Lda.;

2) Que os serviços discriminados nas facturas n.ºs 502 e 503, emitidas à Impugnante, com data de 30/12/2005, tenham sido efectivamente prestados;

3) Não se provou igualmente, que a Impugnante tivesse efectuado pagamentos a favor da “B..., Construção Civil e Obras Públicas Unipessoal, Lda.”, relativamente às facturas acima mencionadas.

Desde já se diga, quanto ao facto não provado 3, que nenhum dos depoimentos ou documentos referidos adianta qualquer dado relativamente ao concreto pagamento das facturas (para além da singela afirmação do pagamento em si mesmo), razão pela qual o mesmo se mantém inalterado.

Quanto aos pontos 1 e 2 transcritos, considerados os depoimentos convocados e, bem assim, os documentos indicados, conclui-se que a prova avançada não permite alterar a formulação dos factos, passando a considerar-se provado o que foi tido por não provado.

Tenha-se presente que não está em causa o aumento da facturação e dos trabalhos de construção por parte da Impugnante; nem tão-pouco a sua necessidade de recorrer a mão-de-obra externa, inclusive à sociedade B... Lda. Isto, aliás, é aceite pela sentença, como decorre do teor das alíneas B), G), H) e I) dos factos provados.

Portanto, que a Recorrente recorreu ao serviços e pessoal da B... não há dúvidas. O que não ficou esclarecido – e este Tribunal corrobora o entendimento do Tribunal a quo – é se os serviços descritos nas facturas desconsideradas (nºs 502 e 503) foram efectivamente prestados pela dita sociedade emitente.

E aqui, a este propósito, sufragamos o entendimento do TT que refere que “as declarações e o testemunho prestados revelaram-se genéricos e pouco circunstanciados, relativamente aos alegados serviços prestados, revelando desconhecer, em concreto, se os serviços descritos foram prestados e que tipo de trabalhos de construção civil estiveram em causa no âmbito das facturas referidas”.

Em suma, e sem necessidade de maiores considerações, julga-se improcedente este primeiro esteio do recurso, improcedendo a impugnação da matéria de facto.


*

Estabilizada a matéria de facto, avancemos para o erro de julgamento de direito.

Prosseguindo na análise, entramos na questão de saber se a AT podia, ou não, ter corrigido o IVA em causa, cuja dedução não foi aceite, o que passa por saber se reuniu os indícios suficientes de que as facturas em causa, emitidas com os nºs 502 e 503, pela sociedade B... Lda, em 2005, não titulam reais operações.

Nos presentes autos, a AT convocou o regime previsto no artigo 19º, nº 3 Código do IVA para justificar a não dedutibilidade do IVA suportado pela Impugnante, nos termos do qual, à data dos factos, se dispunha que “Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente”.

Ora, para a Recorrente, contrariamente ao que foi decidido pelo TT de Lisboa, deve concluir-se pela “veracidade das facturas e desmistificando os putativos indícios de que se socorreu a Autoridade Tributária para concluir pela falsidade das mesmas”, não subsistindo dúvidas “quanto à circunstância de que entre a Recorrente e a sociedade B... foram celebrados, verbalmente, contratos de prestações de serviços, motivados pelas necessidades da Recorrente – de reforço de mão-de-obra para a realização dos trabalhos adjudicados à mesma - e, bem assim, que os trabalhos descritos nas facturas em crise foram efectivamente realizados por B... e pagos pela Recorrente”.

Vejamos o que dizer a este propósito, começando por lembrar as regras de repartição do ónus da prova a ter em conta.

Como tem sido realçado, reiterada e uniformemente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção – vide, entre muitos outros, os acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.

Assim sendo, importa analisar se a AT fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que às apontadas facturas contabilizadas pela Impugnante, ora Recorrente, não subjazem as operações que, alegadamente, teriam implicado a respectiva emissão.

Tenha-se em conta, como também é aceite, que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/12 (processo nº 00964/06.0 BEPRT).

Ou seja, a AT não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada da(s) operação(ões) referida(s) na(s) factura(s) ser(em) simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT.

Como se refere no acórdão do TCAN, de 23 de Novembro de 2012 (proc. nº 1523/05.0 BEVIS-Aveiro), “no que concerne à prova que compete à Administração – (…) - o que é imprescindível é que aquela a faça de factos suficientes indiciadores a que o Tribunal possa concluir, “em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” (expressão de Castro Mendes citado por Saldanha Sanches), pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada naquela factura”.

Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.

Feito este enquadramento, passamos a seguir o recente acórdão deste TCA, proferido em 28/01/21, no processo 2752/10.0 BELRS, o qual respeita precisamente às mesmas facturas nºs 502 e 503, emitidas pela sociedade B... Lda, na medida em que a desconsideração das mesmas se reflectiu no IRC (aqui, IVA), do exercício de 2005, acórdão que se convoca, além do mais, tendo presente o disposto no 3º do artigo 8º do Código Civil – “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”.

Lê-se em tal aresto, no essencial, o seguinte:

“(…)

Vejamos no caso em apreço se, conforme invoca a Recorrente, a AT não cumpriu com o seu ónus, tomando-se em consideração os indícios recolhidos pela AT e vertidos no probatório.

Importa assim analisar que indicadores seguros, credíveis e consistentes da falsidade das facturas foram recolhidos pela AT.

Resulta da matéria assente que a liquidação ora impugnada resulta de uma acção inspectiva interna ao exercício de 2005, na sequência de uma acção externa por parte da Divisão de Investigação da Fraude e de Acções Especiais (DSIFAE), ao sujeito passivo B..., Construção Civil Lda. (NIPC 505728249) que concluiu pela existência de indícios fortes de emissão de facturas falsas quer por parte do mesmo, quer por terceiros alheios à sociedade, na qual, a ora impugnante é indiciada como utilizador das referidas facturas.

O sócio-gerente da sociedade B... – CONSTRUÇÃO CIVIL LDA., prestou declarações perante a Divisão de Investigação da Fraude e de Acções Especiais (DSIFAE) tendo afirmado que nunca mandou fazer facturas da sociedade em tipografias sitas em Queluz ou no Alto da Cova da Moura-Buraca ou em Sacavém, que no início da actividade da sociedade mandou fazer 3 livros numa tipografia em Odivelas e um livro numa tipografia no Cacém, que a partir daí todas as facturas têm sido feitas numa tipografia em Beja, a Tipografia B..., Lda.

Assim, aqueles serviços aceitaram as facturas emitidas pela sociedade B... – Construção Civil, Lda., impressas pela Tipografia B..., Lda., que perfazem o montante total de € 179.080,00 e desconsideraram as facturas nºs 502 e 503 impressas pela Gráfica S..., Lda., no montante total de € 119.197,10 que, reputaram de fictícias (…).

Cumpre, então, aferir, atento o elenco referido supra, se a AT logrou reunir indícios seguros e suficientes de que as operações, tituladas pelas faturas elencadas no RIT e que estiveram na base das correções técnicas em causa, não correspondiam a operações reais.

Reitere-se que nestas situações, em termos de ónus da prova a cargo da AT, é pacífico que esta não tem de provar a simulação, mas tem apenas de recolher indícios de que as operações a que se referem as faturas não ocorreram efetivamente. Nestes casos, como já referido, cessa a presunção de veracidade da contabilidade, passando o ónus da prova para o sujeito passivo, cabendo a este demonstrar a efetividade das operações, individualmente consideradas.

Com base na matéria assente o tribunal a quo concluiu que a AT recolheu indícios que apontam com elevado grau de probabilidade que a sociedade B..., Lda., não emitiu as facturas em causa, sendo esses indícios suficientes para sustentar que estamos perante operações simuladas, sem qualquer aderência à realidade.

Desde já se afirma que não concordamos com o decidido, explicitando de seguida porque assim o entendemos.

Ressalte-se o que já afirmámos anteriormente, no sentido de que é suficiente que a AT demonstre a existência de “indícios fundados” (indícios que devem ser objectivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais) para fazer cessar a presunção de veracidade a favor do contribuinte, prevista no art. 75.º da LGT, não sendo necessário demonstrar a falsidade das facturas. E que basta à AT evidenciar a consistência daquele juízo, invocando factos que traduzam uma probabilidade elevada, capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade, não sendo ainda necessário que faça prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratório, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240.º do CC) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende. Podendo ainda a AT ter em consideração elementos obtidos através de fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes.

No caso em apreço, a sociedade B... – Construções Civis, Lda., emitiu em nome da ora Recorrente no exercício de 2005 diversas facturas, nas quais se incluem as duas facturas que a AT considerou como falsas, baseando-se para o efeito:

- nas declarações do sócio-gerente daquela sociedade que afirmou não ter solicitado quaisquer livros de facturas na tipografia que consta indicada nas facturas nºs 502 e 503, sendo a tipografia B... a emissora das suas facturas;

- que a assinatura que consta naquelas facturas difere da que consta no auto de declarações prestado pelo representante daquela sociedade à DSIFAE e das que constam das outras facturas emitidas;

Ora, ponderando os indícios recolhidos julgamos ser manifestamente insuficientes para se concluir que as facturas são fictícias, ou seja, esses indícios não traduzem uma probabilidade séria e elevada de que as prestações de serviços subjacentes às facturas não foram efectivamente prestadas à Recorrente, tanto mais que foram aceites as demais facturas emitidas pela mesma sociedade, sem ter sido susciada a dúvida sobre a veracidade das operações nelas tituladas.

Na verdade parece-nos insuficiente reputar duas facturas como fictícias com base apenas na declaração do sócio-gerente da emitente quanto à tipografia e no facto de a assinatura constante nas mesmas ser diferente das restantes, pelo que, deveriam tais elementos externos à sociedade impugnante terem sido complementados e concatenados com mais elementos recolhidos na sociededade impugnante de forma a reforçar os indícios de que tais operações não correspondiam a operações reais.

(…)

Concluímos assim que a AT não recolheu indícios suficientes e seguros que traduzam uma probabilidade séria de que estamos perante operações simuladas, pelo que a AT não cumpriu com o seu ónus da prova, sendo que a presunção de veracidade prevista no art. 75º da LGT, quanto à declaração referente ao IRC de 2005 não foi afastada, e, nessa medida a correção efectuada padece de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito e consequentemente deve ser anulada”.

Ora, efectivamente, como se decidiu no acórdão transcrito, face à exigência de uma real consistência dos indícios que devem ser reunidos (fortes, seguros e objetivos) quanto à falsidade das facturas, também aqui se entende que o esforço instrutório e de investigação da AT devia ter ido mais longe, não se podendo bastar com os elementos carreados para os autos.

Saliente-se, inclusivamente, que a circunstância de alegadamente a assinatura que consta das facturas em causa diferir da que consta no auto de declarações prestado pelo representante da emitente à DSIFAE não é sequer inquestionável, pois a assinatura surge, onde é aposta, sempre desenhada em letra de imprensa e, nessa medida, as apontadas divergências não são evidentes.

Por outro lado, o outro indício invocado – relativo à tipografia que emitiu os livros de facturas – ainda que não despiciendo, deveria ter sido o ponto de partida para maiores esforços instrutórios, desencadeando a obtenção de elementos junto do sujeito passivo, ora Recorrente, o que não se mostra feito (como pagamentos, obtenção de correspondência entre os visados etc), como também junto da tipografia em causa.

Fazer assentar esta correcção – traduzida na não aceitação da dedução do IVA incluído das facturas nº 502 e 503 – unicamente nas declarações do emitente, afigura-se-nos manifestamente pouco, tanto mais que o dito emitente das factursa consabidamente (e aceite pela AT) prestou no ano em causa serviços à S..., nas obras do Campo Pequeno e de Pedrogão (cfr. alíneas B, G, H e I do probatório).

Face ao decidido no transcrito acórdão de 28 de Janeiro último, que aqui se recupera, mais não resta que julgar procedentes as conclusões atinentes à questão que vínhamos analisando relativamente à falta de indícios da falsidade das facturas. Consequentemente, impõe-se revogar a sentença recorrida, julgando procedente a impugnação judicial e anulando as liquidações (imposto e juros compensatórios) em conformidade.

Fica, assim, prejudicada a apreciação da questão atinente à prova da materialidade das operações tituladas pelas facturas nº 502 e 503.


*


III- Decisão

Nesta conformidade, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso jurisdicional e, em consequência, revogar a sentença recorrida, julgar procedente a impugnação judicial e anular as liquidações contestadas.


Custas pela Recorrida.

Registe e Notifique.

Lisboa, 11/02/21.


Catarina Almeida e Sousa

Hélia Gameiro

Jorge Cortês