Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:124/10.6 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/10/2022
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:CASH POOLING
CARÊNCIAS DE TESOURARIA
IMPOSTO DO SELO
LEI INTERPRETATIVA
LEI INOVADORA
Sumário:I. O regime de recursos constante do CPPT, resultante da alteração efetuada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, aplica-se a todas as situações em que a decisão tenha sido proferida a partir da entrada em vigor da referida lei, designadamente no caso de processos instaurados antes de 2012.

II. Os contratos de cash pooling ou de gestão centralizada de tesouraria são um mecanismo a que recorrem sociedades que se encontrem em relação de domínio ou de grupo, visando otimizar a gestão de tais recursos.

III. As operações de cash pooling, por referência ao ano de 2005, estão sujeitas à tributação em imposto do selo nos termos do disposto no art.º 4.º, n.º 1, do CIS e na verba 17.1.4 da TGIS.

IV. Para efeitos de aplicação da norma de isenção prevista na al. g) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, cabe ao sujeito passivo provar (i) a existência de carências de tesouraria; e (ii) que o financiamento em causa se destinou exclusivamente à cobertura de tais carências de tesouraria.
A alínea h) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março, é uma norma inovadora.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 17.01.2020, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por Z..., S.A. (doravante Recorrida ou Impugnante, atualmente designada N..., S.A.), que teve por objeto a liquidação de imposto do selo (IS) n.º 2007 6430003398, referente ao exercício de 2005.

Apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“A) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou totalmente procedente a impugnação deduzida por Z..., S.A., contra o ato de liquidação de Imposto do Selo (IS) com o nº 2007 6430003398, referente ao exercício de 2005, no valor de € 742.456,06, a que acrescem juros compensatórios no montante de € 69.636,40, na parte referente a “operações financeiras”, no montante de € 239.176.06 e, bem assim, os respetivos atos de liquidação de juros compensatórios, na sequência do indeferimento da reclamação graciosa que apresentou contra a citada liquidação e, anulou os atos de liquidação de imposto do Selo sobre “operações financeiras” e respetivos juros, referente ao exercício de 2005, condenando a Fazenda Pública ao pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, em montante a liquidar em execução de sentença e à restituição à Impugnante do valor de imposto indevidamente liquidado e pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, contados desde a data do seu pagamento até à data da emissão da respetiva nota de crédito a favor da Impugnante.

B) Em causa nos autos está o enquadramento, em termos de Imposto do Selo, dos empréstimos de curto prazo concedidos pela ora Recorrida à sociedade dominante P...Televisão por Cabo ..., S.A., nomeadamente a aplicação da isenção prevista na alínea g) do n.° 1, do artigo 7.° do Código do Imposto do Selo.

C) Entendeu o Tribunal a quo que “(…) a satisfação das carências de tesouraria das sociedades dominadas constitui uma obrigação das SGPS” e, portanto, considera-se uma situação de carência de tesouraria relevante para efeitos de aplicação do disposto na alínea g), do n.° 1, do artigo 7 ° do Código do Imposto do Selo a inexistência, no âmbito da SGPS de fundos próprios de curto prazo disponíveis para fazer face aos compromissos da SGPS.

D) E, finaliza o Tribunal a quo dispondo que “Tendo como pressuposto que a satisfação das carências de tesouraria das sociedades dominadas constitui uma obrigação das SGPS, o financiamento concedido pela Impugnante à P...Televisão por Cabo ..., S.A., enquadra-se na alínea g) do n.° 1 do artigo 7° do Código do Imposto do Selo, na medida em que se destinou a satisfazer as necessidades de tesouraria desta, consubstanciadas na ausência de fundos disponíveis de curto prazo para fazer face aos seus compromissos consistentes na concessão de crédito às suas dominadas em situação de carência de tesouraria”.

E) Discordando a posição assumida na sentença ora em crise, a Fazenda Pública considera que os empréstimos concedidos à sociedade P...Televisão por Cabo ..., S.A. não ocorreram por esta apresentar carências de tesouraria, disponibilizando a ora Recorrida meios financeiros à sociedade P...Televisão por Cabo ..., S.A. independentemente da existência de carências de tesouraria, uma vez que a cobertura de carências de tesouraria não é o propósito exclusivo de gestão dos excedentes de tesouraria.

F) Estamos neste âmbito perante o que a doutrina designa de sistema de “Cash Pooling”, o qual se consubstancia num serviço financeiro que poderá ser utilizado entre contas bancárias de uma só empresa, ou entre contas bancárias de várias empresas do mesmo grupo, tratando-se da gestão conjunta desses capitais na vertente da rendibilidade do capital.

G) Através de excedentes de tesouraria que existam de forma dispersa em várias contas, e/ou carências de tesouraria noutras contas, poderá proceder-se à sua gestão conjunta e possibilitar a concessão de créditos entre empresas do grupo.

H) A ora Recorrida concedeu fundos à sociedade P...Televisão por Cabo ..., S.A., não se destinando tais empréstimos a cobrir carências de tesouraria, não se podendo, por isso, considerar como estando no escopo da isenção de Imposto do Selo prevista na alínea g) do n.º 1 do art.º 7.º do Código do Imposto do Selo.

I) O Cash Pooling enquanto mecanismo de gestão consolidada da tesouraria das diversas empresas de um grupo de sociedades, centralizando essa gestão numa das empresas que compõem o grupo ou através de uma empresa destinada para o efeito, permite a consolidação (virtual ou real) diária dos saldos bancários de cada uma das empresas do grupo, de forma a constituir um saldo único (virtual ou real) global, numa conta bancária gerida pela entidade centralizadora, à qual o banco debita ou credita juros.

J) Por via deste mecanismo de gestão consolidada de tesouraria, possibilita-se, entre outras vantagens, a libertação de recursos para outras atividades e o reforço da capacidade negocial.

K) Cada sociedade que integra o sistema de Cash Pooling do grupo no qual se integra a ora Recorrida, recebe nas suas contas bancárias individuais os valores resultantes das prestações de serviço realizadas, transferindo diariamente os montantes em causa para as contas da Z...Multimédia, a entidade centralizadora, que posteriormente efetua os pagamentos que sejam devidos a fornecedores, colaboradores e outras entidades.

L) Incumbe à Z...Multimédia, entidade centralizadora a dupla responsabilidade de gerir os excessos e as necessidades de tesouraria das empresas do grupo no qual se integra a ora Recorrida, incluindo as suas próprias necessidades de tesouraria.

M) Qualquer sistema de Cash Pooling é, por natureza e por força dos princípios de gestão financeira que lhe subjazem, um instrumento de gestão de carências de tesouraria de grupos de sociedades.

N) Em sede de procedimento inspetivo, e notificada a ora Recorrida para se pronunciar acerca dos empréstimos concedidos a empresas do grupo sob a forma de operações de tesouraria não isentas, a ora Recorrida afirmou que “esta operação se consubstancia numa colocação dos excedentes de tesouraria, gerados pela empresa, na P… Televisão por Cabo, …, S.A., a qual por não ter necessidade dos mesmos procedeu à sua transferência para a P...Multimédia ..., S.A.” [Cfr. fl. 32 do Relatório de Inspeção Tributária]

O) Extrai-se claramente do Relatório de Inspeção Tributária, sem que a ora Recorrida tivesse provado o contrário, que os excedentes de tesouraria da Z...TV CABO são geridos pela Z...MULTIMÉDIA, que os utiliza tendo em conta as suas próprias necessidades ou de várias empresas do grupo ou ainda de uma otimização da sua rentabilidade se colocados no mercado.

P) Portanto, a cobertura de carências de tesouraria não configura o propósito exclusivo da existência do sistema de Cash Pooling, estando a ora Recorrida sujeita a imposto de selo, nos termos da verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo. Neste sentido, o Acórdão do STA de 28/11/2018, no âmbito do processo n.º 06/11.4BESNT 0436/16, disponível em www.dgsi.pt

Q) Estamos perante uma concessão de crédito sob a forma de conta corrente, enquadrável, para efeitos fiscais, nas normas de incidência prevista no artigo 1.º, n.º1 do Código do Imposto do Selo (CIS) e verbas 17.1 e 17.1.1 a 17.1.4, da Tabela Geral do Imposto do Selo(TGIS), anexa ao referido Código.

R) Relativamente ao entendimento do Tribunal a quo de que o “depoimento das testemunhas ouvidas, foi esclarecedor do ponto de vista técnico, no que tange ao conceito de “carências de tesouraria”, e relevante, face à factualidade considerada pelos Serviços de Fiscalização no RIT”, discorda-se da afirmação.

S) As testemunhas limitaram-se a descrever em sede de inquirição, o conceito de “Cash Pooling” e não de “carências de tesouraria”, não tendo as mesmas conhecimento direto dos factos, uma vez que ao tempo desempenhavam funções diversas na ora Recorrida.

T) A prova testemunhal, é, no seu todo, insuficiente e vaga relativamente à situação em causa, limitandose os mesmos no seu depoimento à enunciação de conceitos teóricos que pouca ou nenhuma relevância têm no caso, uma vez que os mesmos se apresentam como testemunhas e não como peritos.

U) A prova testemunhal tem de ser valorada em consonância com a prova documental apresentada, não tendo a virtualidade de provar factos apenas justificáveis documentalmente, como sucede no caso concreto.

V) Pelo exposto, não tendo a decisão ora recorrida, acompanhado, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub judice, considera-se verificado um erro de julgamento por ter sido considerado preenchida a norma de isenção de Imposto do Selo prevista na alínea g) do n.º 1 do art.º 7.º do Código do Imposto do Selo, quando a averiguação da situação concreta determinaria uma conclusão diversa.

X) Alega-se ainda erro notório na apreciação da prova, designadamente relativamente ao disposto no ponto C) dos factos dados como provados, uma vez que do mesmo consta implicitamente, como realidade subjacente ao descritivo, quer dos inspetores tributários, quer da própria Recorrida quando responde à notificação, a referência ao “Cash Pooling”, o qual não teve coincidência com o sentido da decisão e com a fundamentação de direito da mesma. Impunha-se à douta sentença recorrida, perante o probatório, fazer uma correspondência perfeita entre os factos dados como provados e o decidido, o que não aconteceu, manifestando a fundamentação jurídica da decisão uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária ou de todo insustentável, e por isso incorreta, o que conduziu à injusta decisão contra a ora Recorrente.

Pelo que, nestes termos se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente procedente a presente Impugnação Judicial, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão, julgando legal a sobredita correção.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença, como é de Direito e Justiça”.

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“A) Em discussão nos autos de Impugnação Judicial esteve a pretensão da RECORRIDA de anulação do acto de liquidação de Imposto do Selo n.º 2007 6430003398, na parte referente a "operações financeiras”, no montante de € 239.176.06 e, bem assim, dos actos de liquidação de juros compensatórios n.º 2007 00002014386 a 2007 00002014393, na parte correspondente à liquidação de Imposto do Selo referente a "operações financeiras", no valor de € 22.432,79, relativos ao exercício de 2005, todos praticados pelo Senhor Director-geral dos Impostos, com fundamento na sua ilegalidade, por, entre outros vícios, desrespeito do previsto na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo.

B) De acordo com o entendimento da RECORRIDA – que foi integralmente sufragado pelo Tribunal a quo na Sentença recorrida – os actos tributários que constituem o objecto dos presentes autos são ilegais designadamente, por não aplicação da isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo.

C) Segundo o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo na Sentença recorrida, resulta do regime jurídico aplicável às SGPS que: “(…) a actividade acessória de concessão de crédito às sociedades suas dominadas pode visar suprir, na esfera das sociedades dominantes, a responsabilidade legal pelo cumprimento das obrigações assumidas pelas sociedades suas dominadas”. (cfr. Página 29 da Sentença recorrida).

D) Mais conclui o Tribunal a quo, no que respeita à prova relativa às carências de tesouraria: “Em síntese, a satisfação das carências de tesouraria das sociedades dominadas constitui uma obrigação das SGPS, razão pela qual a inexistência de fundos próprios de curto prazo disponíveis para fazer face a esses compromissos da SGPS, configurará uma situação de carência de tesouraria relevante para efeitos de aplicação do disposto na alínea g), do n.º1, do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo.” (cfr. Página 30 da Sentença recorrida).

E) Pelo que, tendo em consideração este entendimento, no que diz respeito ao caso concreto da RECORRIDA considerou – e bem – aquele Tribunal: “(…) O financiamento concedido pela Impugnante à P...Televisão por Cabo ..., S.A., enquadra-se na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, na medida em que se destinou a satisfazer as necessidades de tesouraria desta, consubstanciadas na ausência de fundos disponíveis de curto prazo para fazer face aos seus compromissos consistentes na concessão de crédito às suas dominadas em situação de carência de tesouraria.” (cfr. Página 30 da Sentença recorrida).

F) Tendo ainda clarificado o Tribunal a quo que: “(…) de acordo com a prática e literatura financeira, a tesouraria de uma sociedade é apurada da seguinte forma: Fundo de Maneio (FM) – Necessidade de Fundo de Maneio (NFM), em que: FM=Capital próprio + Passivo de m/1 prazo – activo de m/1 prazo [e] NFM = Activo circulante (excepto Disponibilidades) – passivo circulante de curto prazo.” (cfr. Páginas 30 e 31 da Sentença recorrida).

G) Concluindo, também, com base nesta fórmula que: “(…) aplicando esta fórmula aos valores constantes do Balanço da P...Televisão por Cabo ..., S.A., nos períodos em que os empréstimos foram concedidos, a impugnante comprova as carências de tesouraria daquela empresa, conforme alínea j) do probatório.” (cfr. Página 31 da Sentença recorrida).

H) Não se conformando com teor da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, vem a Administração tributária interpor Recurso da mesma, referindo para o efeito que o contrato de cash pooling implementado pelo (actual) Grupo NOS, não implica, necessariamente a existência de carências de tesouraria, mais afirmando: “(…) que a cobertura de carências de tesouraria não seja o propósito exclusivo da gestão dos excedentes de tesouraria. Conclui-se assim que a T... Cabo, SA. disponibiliza meios financeiros à P...Televisão por Cabo ..., SA independentemente de carências de tesouraria” (cfr. Página 5 das Alegações de Recurso).

I) Neste sentido, resulta das Alegações apresentadas que: “A Autoridade Tributária e Aduaneira discorda do entendimento do Tribunal a quo, considerando que os empréstimos concedidos à sociedade P...Televisão por Cabo ... não ocorreram por esta apresentar carências de tesouraria, disponibilizando a ora Recorrida meios financeiros à sociedade P...Televisão por Cabo ..., S.A. independentemente da existência de carências de tesouraria, uma vez que a cobertura de carências de tesouraria não é o propósito exclusivo de gestão dos excedentes de tesouraria.” (cfr. Página 13 das Alegações de Recurso).

J) Ora, não pode a RECORRIDA concordar com a argumentação da Administração tributária por considerar que a mesma não tem qualquer aderência à realidade, designadamente na parte respeitante à prova da existência de carências de tesouraria.

K) A este respeito, importa, desde logo, atender às finalidades desta prática designada de gestão centralizada de tesouraria, que configura um sistema que permite uma gestão dos défices ou excessos de tesouraria ao nível de um grupo de empresas, tendo em vista a rentabilização das disponibilidades de liquidez existentes dentro do próprio grupo.

L) Os contratos de cash pooling, apesar de não regulamentados especificamente na lei portuguesa, são, assim, hoje em dia, uma manifestação típica da tendência crescente para o posicionamento dos agentes económicos em grupo, como solução para os riscos que a intensidade da actividade empresarial moderna acarreta, como estímulo à competitividade e, bem assim, como garantia de continuidade ou perenidade dos negócios explorados.

M) Ao tratar as diversas entidades participantes como se apenas de uma única se tratasse, o cash pooling é um mecanismo que permite a esse conjunto empresarial uma poupança óbvia ao nível dos custos com juros (por comparação com uma situação de gestão individualizada de liquidez).

N) Efectivamente, ao fazer uma optimização da relação entre a rendibilidade e a liquidez (a disponibilidade de recursos), o cash pooling proporciona vantagens materiais nada despiciendas, como a referida diminuição dos juros associados a contas devedoras, quando o saldo global virtual é nulo ou positivo.

O) Neste sentido, é inequívoco que o sistema de cash pooling do Grupo se assume, por definição, como um instrumento de gestão de carências de tesourarias das sociedades que o compõem.

P) Aliás, a própria Administração tributária parece concordar de forma inequívoca com este entendimento, ao referir nas Alegações deste Recurso que apresenta que: “Neste sentido, qualquer sistema de cash pooling é, por natureza e por força dos princípios de gestão financeira que lhe subjazem, um instrumento de gestão de carências de tesouraria de grupos de sociedades.”

Q) Ora tal objectivo – de suprimento de carências de tesouraria – foi exactamente o que motivou a implementação deste mecanismo, como bem reconheceu o Tribunal a quo.

R) Com efeito, como bem reconheceu o Tribunal a quo, e tal como resultou, também, da prova testemunhal produzida, a razão subjacente às carências de tesouraria – que se verificam no presente caso –, prende-se com o facto de as SGPS não terem actividade operacional e, consequentemente, não terem, directamente, uma fonte de rendimento que lhe permita satisfazer todas as necessidades de tesouraria das demais entidades do grupo.

S) Pelo que, tais operações de financiamento de curto prazo ocorridas no âmbito do Grupo não podem – tal como bem entendeu o Tribunal a quo – deixar de ser enquadradas na norma de isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, quer pela sua natureza, quer pela realidade do caso concreto da RECORRIDA.

T) Em qualquer caso, no que respeita, em concreto, à prova da existência de carências de tesouraria, importa desde logo notar que o conceito de carências de tesouraria para efeitos da aplicação da isenção ora em apreço não pode ser aferido em função de um “saldo de caixa negativo”, nem tão pouco de um saldo médio mensal, devendo antes reconduzir-se, numa óptica mais abrangente e adequada à realidade deste tipo de operações, a entradas de fundos tendo em vista cobrir a diferença negativa entre as necessidades resultantes da actividade da empresa e os recursos necessários para o financiamento da sua actividade operacional.

U) Na verdade, e tendo presente a indispensabilidade por parte da Administração Tributária de uma fórmula que comprove as carências, como refere o Tribunal a quo, as carências de tesouraria deverão ser aferidas tendo por base a fórmula que tem por referência os valores do Fundo de Maneio (FM) – Necessidade de Fundo de Maneio (NFM), devendo considerar-se que existe uma situação de carências de tesouraria quando a diferença entre ambos os valores é negativa.

V) Sendo que tal como considerou – e bem – aquele Tribunal com base na prova produzida “(…) aplicando esta fórmula aos valores constantes do Balanço da P...Televisão por Cabo ..., S.A., nos períodos em que os empréstimos foram concedidos, a impugnante comprova as carências de tesouraria daquela empresa, conforme alínea j) do probatório.” (cfr. Página 31 da Sentença recorrida).

W) Efectivamente, tendo por base a referida formula de cálculo, a prova da existência de carências de tesouraria resulta inequivocamente, do teor do Documento 6 junto à petição inicial e, bem assim, do quadro síntese constante do ponto 86 da referida petição (e reproduzido nas presentes contra-alegações),cujo teor evidencia os rácios de tesouraria, nos períodos em análise.

X) Na verdade, a metodologia proposta pela Administração tributária assume um carácter excessivamente teórico, na medida em que para que a mesma seja aplicável é necessário que se verifique um matching perfeito ou bastante próximo da exigibilidade dos activos e passivos de uma sociedade, sendo este um pressuposto contrário à realidade económica da maioria das empresas a operar em Portugal.

Y) Por outro lado, para além de assentar em premissas erradas e desfasadas da realidade, o entendimento veiculado pela Administração tributária não tem em consideração as carências de tesouraria na restante estrutura financeira do Grupo.

Z) Pelo que, deverá o presente Recurso ser considerado improcedente e, consequentemente, ser mantida a Sentença recorrida, determinando-se assim a anulação do acto de liquidação de Imposto do Selo e, bem, assim, do acto de liquidação de juros compensatórios dele dependente, por emitidos em desrespeito pelo disposto no nas alíneas g) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo.

AA) Por fim, e sendo certo que neste caso ficou inequivocamente provada a existência de carências de tesouraria, importa ainda fazer uma referência à alteração, constante da Proposta de Lei do Orçamento de Estado para 2020, que se concretiza na nova redacção da alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, e que, ao que tudo indica, entrará em vigor brevemente (aguardando-se apenas a correspondente promulgação).

BB) Com efeito, através da referida Proposta de Lei, já aprovada pela Assembleia da República, o legislador veio clarificar a aplicabilidade da isenção de Imposto do Selo às operações efectuadas ao abrigo de contratos de gestão de tesouraria, num contexto de grupo, suprimindo a referência ao conceito de carências de tesouraria.

CC) Neste sentido, a nova alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo determina a isenção de Imposto do Selo aos: “Os empréstimos, incluindo os respectivos juros, por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo.”

DD) Com esta alteração – que pressupõe a manutenção da alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, cuja aplicabilidade se discute nos presentes autos –, atenta a Doutrina e jurisprudência sobre esta matéria, parece-nos que o legislador veio clarificar o alcance de uma isenção genericamente aplicável a operações financeiras, nesta parte referente à realidade dos contratos de gestão de tesouraria, no âmbito da qual a referência às carências de tesouraria sendo redundante, tem vindo a gerar controvérsia.

25. Assim, atendendo ao objectivo de consagração desta norma– alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo – no sentido de clarificação do regime anteriormente previsto, não poderá a mesma deixar de ser considerada como uma norma interpretativa, devendo também por este motivo (admitindo a entrada em vigor da referida norma já aprovada na Assembleia da República), o presente Recurso ser considerado improcedente, e consequentemente ser determinada a manutenção da Sentença recorrida, que determinou a anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo e respectivos actos de liquidação de Juros Compensatórios e correspondente indemnização pela garantia prestada.

Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, sempre com o douto suprimento de vossas excelências, deverá ser considerado improcedente o recurso apresentado pela fazenda pública, com todas as demais consequências legais, designadamente a manutenção da sentença recorrida, que determina a procedência da impugnação judicial apresentada contra o acto de liquidação de imposto do selo emitido com referência ao ano de 2005, na parte referente a operações financeiras com a consequente condenação da administração tributária à restituição do imposto pago indevidamente acrescido de juros indemnizatórios e indemnização por prestação indevida de garantia”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

Questão prévia suscitada pela Recorrida:

a) Deve o presente recurso ser rejeitado, por intempestividade do mesmo?

Questão suscitada pela Recorrente:

b) Verifica-se erro de julgamento, dado que não estão preenchidos os pressupostos para a aplicação da isenção prevista na alínea g) do n.º 1, do art.º 7.º do Código do Imposto do Selo (CIS)?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) Impugnante é uma sociedade anónima que exerce a actividade de telecomunicações por fio, inscrita com o CAE 061100, estando enquadrada, em sede de IVA no regime normal com periodicidade mensal, e em sede de IRC no regime geral de tributação – cfr. fls. 283 do Processo Administrativo apenso (PAT), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

B) Em cumprimento das Ordens de Serviço n.ºs 01200700047/48, de 25-01-2006, os Serviços de Inspecção Tributária da Divisão de Inspecção a Empresas Não Financeiras da DGCI, efectuaram uma acção de inspecção externa, aos elementos contabilístico-fiscais referentes aos exercícios de 2004 e 2005, da empresa CATVP T... Cabo, SA. , anterior designação da ora impugnante, de âmbito geral, com o objectivo de verificar o cumprimento da situação tributária global, na qual foram efectuadas correcções em sede de Imposto do Selo - cfr. Relatório da Inspecção Tributária apenso (RIT).

C) Em 16-11-2007, foi elaborado o relatório de fiscalização, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, onde consta a fundamentação para as referidas correcções de 2005, e das quais com interesse para a causa se destacam as seguintes (cfr. RIT apenso):

«(…) I. CONCLUSÕES DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO

1.2. Descrição sucinta das Conclusões da Acção de Inspecção

(…)

1.2.2. Exercício de 2005

(…)

1.2.2.2. Imposto do Selo

(…)

1.2.2.2.2 - Empréstimos Concedidos a Empresas do Grupo sob a forma de Operações de Tesouraria não isentas

O sujeito passivo não liquidou imposto de selo no crédito concedido sob a forma de operações de tesouraria à P...Televisão por Cabo ..., SA, conforme disposto no ponto 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto-do-Selo, no montante de 239.176,06€ (ver ponto 3.2.2.2.1).

(…)

3 DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES À MATÉRIA TRIBUTÁVEL E AO IMPOSTO ENCONTRADO DIRECTAMENTE EM FALTA

(…)

3.2. Exercício de 2005

(…)

3.2.2 - Imposto do Selo

(…)

3.2.2.2 — Empréstimos Concedidos a Empresas do Grupo sob a forma de Operações de Tesouraria não isentas

3.2.2.2.1 P...Televisão por Cabo ..., SA

I. Descrição dos Factos

O sujeito passivo concedeu empréstimos sob a forma de aplicações de tesouraria, à P...Televisão por Cabo ..., SA, empresa que detém a T... Cabo, SA. a 100%, que contabilizou na Conta 252110000 - Empresas do Grupo / Empréstimos Concedidos. O empréstimo foi concedido em 2004.12.29 e totalmente reembolsado em 2005.06.15.

Foi notificado o sujeito passivo para comprovar a liquidação de imposto do selo nesta operação ou caso esta não tenha ocorrido, justificar demonstrando, ao abrigo de que norma de isenção não a efectuou. Foi igualmente solicitado, de acordo com o n.° 2 do art.° 14° da LGT para que este identificasse e demonstrasse, os pressupostos dessa isenção, designadamente os que se referissem eventualmente à cobertura de carências de tesouraria da entidade beneficiária, apresentando os documentos que julgassem convenientes.

Em resposta à notificação, o sujeito passivo veio responder que esta operação se consubstancia numa colocação dos excedentes de tesouraria gerados pela empresa, na P...Televisão por Cabo ..., SA, a qual por não ter necessidade dos mesmos procedeu à sua transferência para a P...Multimédia ..., SA, concluindo que “estas transferências de fundos são destinadas a optimizar a gestão dos excedentes de tesouraria gerados no grupo, procedendo-se nomeadamente à colocação de fundos em outras empresas do grupo com carências de tesouraria, pelo que estas operações se encontram isentas do imposto do selo ao abrigo da alínea g) do art.° 7° daquele Código”.

II. Enquadramento Legal

Em conformidade com o n.° 1 do art° 1º do Código do Imposto do Selo, este “incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, (...)previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens”.

De acordo com a alínea b) do n.° 1 do art.° 2° do CIS, são sujeitos passivos do imposto as “entidades concedentes do crédito e da garantia ou credoras de juros, prémios, comissões e outras contraprestações", que no caso é a T... Cabo, SA. .

O encargo do imposto é atribuído ao titular do interesse económico que, no caso da concessão do crédito, é o utilizador do crédito, conforme disposto na alínea f) do n.° 3 do art.° 3º do CIS.

Vem o art.º 5° do referido diploma legal, na sua alínea g), estabelecer o momento em que a obrigação tributária se considera constituída, sendo que nas “operações de crédito, no momento em que forem realizadas ou, se o crédito for utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outro meio em que o prazo não seja determinado nem determinável, no ultimo dia de cada mês”.

Por outro lado, vem alegar o sujeito passivo que se encontram isentos de imposto do selo as “operações financeiras, incluindo os respectivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carências de tesouraria e efectuadas por (...) sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) a favor de sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenham participações previstas no n° 2 do artigo 1º e nas alíneas b) e c) do n.° 3 do artigo 3º do Decreto-Lei n° 495/88, de 30 de Dezembro, e, bem assim, efectuadas em benefício da sociedade gestora de participações sociais que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo" (alínea g) do n.° 1 do art.° 7º do CIS).

Importa desta forma verificar o preenchimento dos pressupostos de isenção, aplicáveis ao caso concreto e presentes na alínea acima transcrita, pressupostos esses que constituem condições cumulativas para o benefício da isenção e que a seguir se destacam:

a) crédito concedido por prazo não superior a um ano

b) crédito destinado exclusivamente à cobertura de carências de tesouraria

c) crédito concedido pelas sociedades participadas em benefício da SGPS que com ela estejam em relação de domínio ou de grupo

Podemos concluir que estão satisfeitas as condições do ponto a) uma vez que a concessão de fundos ocorreu em 2004.12.29 e em 2005.06.15 procedeu-se ao seu reembolso e do ponto c) por se verificar uma relação de domínio entre a P...Televisão por Cabo ..., SA e a T... Cabo, SA. .

A propósito do ponto c) vejamos o que diz o Código das Sociedades Comerciais e o Plano Oficial de Contabilidade. Em conformidade com o art.° 486° do CSC, diz-nos o seu n.° 1 “considera-se que duas sociedades estão em relação de domínio quando uma delas, dita dominante, pode exercer, directamente ou por sociedades ou pessoas (...), sobre a outra, dita dependente, uma influência dominante” e presume-se que uma sociedade é dependente de uma outra se esta, directa ou indirectamente quando “detém uma participação maioritária no capital”, de acordo com a alínea a) do n.° 2 do mesmo artigo, o que se considera verificado no caso em apreço por a P...Televisão por Cabo ..., SA deter 100% do capital da T... Cabo, SA. .

Acresce que o ponto 2.7 do Plano Oficial de Contabilidade - Tratamento de ligações entre empresas, refere que “tendo em conta as ligações existentes entre si, em consequência da titularidade de partes de capital ou de outras direitos, as empresas classificam-se, sob o ponto de vista contabilístico, em a) empresas do grupo, b) empresas associadas e c) outras empresas” sendo que as “empresas do grupo são as empresas que fazem parte de um conjunto compreendido por empresa-mãe e empresas filiais”.

Da verificação da existência de carências de tesouraria:

Importa agora avaliar se os empréstimos de tesouraria concedidos às já referidas entidades se destinaram à cobertura de carências de tesouraria das mesmas, conforme referido no ponto.b). A análise do cumprimento destes requisitos deve ser aferido relativamente à:

· natureza das operações praticadas

· situação financeira do beneficiário (P...Televisão por Cabo ..., SA).

Da natureza das operações praticadas:

Da análise à resposta à notificação concluiu-se que as colocações de fundos são efectuadas no âmbito da gestão dos excedentes de tesouraria do grupo económico PTM. Por outro lado, os elementos contabilísticos da T... Cabo, SA. reflectem que a operação tem o seu início e terminus em 2004.12.31 e 2005.06.15 respectivamente e em virtude da mesma, a T... Cabo, SA. debita juros à P...Televisão por Cabo ..., SA no montante de 24.874,36€ e 1.406.088,19€ em 2004 e 2005 respectivamente, os quais contabiliza na conta 781400000 — Juros Obtidos/Empréstimos Concedidos, conforme Anexo X (fls.1).

Na Nota 16 do ABDR, os juros incluídos na conta 78 e discriminadas na nota 45 são referentes a juros de empréstimos às empresas do grupo, nestes se incluindo o empréstimo à P...Televisão por Cabo ..., SA.

Assim, no âmbito de uma gestão de excedentes de tesouraria as empresas do grupo conduzem os seus excedentes para a PTM. Os fundos recebidos poderão ser utilizados tendo em vista as próprias necessidades da SGPS ou de várias empresas do grupo ou ainda uma optimização da sua rentabilidade se colocados no mercado. Neste sentido, poderemos afirmar que a cobertura de carências de tesouraria não seja o propósito exclusivo de gestão dos excedentes de tesouraria. Conclui-se assim que a T... Cabo, SA. disponibiliza meios financeiros à P...Televisão por Cabo ..., SA independente da existência de carências de tesouraria.

Da situação financeira na esfera do beneficiário:

Não obstante os fundos não se destinarem exclusivamente à cobertura de carências de tesouraria, conforme referido anteriormente, importa todavia avaliar se os meios financeiros concedidos pela T... Cabo, SA. à empresa mãe P...Televisão por Cabo ..., SA vieram suprir necessidades de tesouraria desta última.

Relativamente a esta questão são de salientar dois factos:

i. Tendo em consideração que existem carências de tesouraria quando os fundos de curto prazo disponíveis numa empresa (activos) são insuficientes para fazer face aos compromissos/ obrigações (passivo), com referência ao mesmo horizonte temporal; então o sujeito passivo para demonstrar o pressuposto da isenção em causa deveria ter apresentado, relativamente à data, ou num espaço temporal próximo em que os fundos foram concedidos à P...Televisão por Cabo ..., SA, que os respectivos meios de caixa, que em conformidade com a Directriz Contabilística 14, ponto 3 Definições – “para efeitos da presente Directriz, aos termos a seguir indicados é atribuído um significado específico, a saber: Caixa - compreende o numerário e os depósitos bancários imediatamente mobilizáveis;” se revelavam inferiores aos passivos a incorrer ainda que o grau de liquidez dos activos disponíveis seja pelo menos igual ao prazo de exigibilidade dos passivos a incorrer, demonstrando nesse momento a existência de tesouraria negativa ou em ruptura.

Acresce que sendo a tesouraria de uma empresa deficitária num determinado momento, salvo as situações de tesouraria deficitárias permanentes, o que nos remete para desequilíbrios na estrutura de capitais, relativamente ao qual, a empresa necessita de fundos para fazer face a essa carência, os elementos comprovativos da isenção controvertida, deverão ser reportados a esse preciso momento, conforme refere Hélder Caldeira Menezes em “Elementos para o estudo da estrutura financeira da empresa” Desta forma não demonstrou o sujeito passivo o pressuposto da isenção.

ii. No ponto 3) da resposta à notificação vem o sujeito passivo referir que “Por sua vez a P...Televisão por Cabo ..., SA não tendo necessidade desses fundos (...)” facto que desde logo denota que a cedência de fundos à P...Televisão por Cabo ..., SA não visou cobrir carências.de tesouraria, mas que pelo contrário, foi efectuada no âmbito de uma operação mais abrangente - a gestão dos excedentes da tesouraria do grupo PTM - que como se demonstrou anteriormente não tem como objectivo exactamente colmatar carências de tesouraria.

Não sendo possível isentar as operações em causa de imposto do seio, terá que se determinar o valor tributável, que de acordo com a regra geral disposta no n.° 1 do art.° 9º do CIS, “é o que resulta da Tabela Geral”, sendo as taxas do imposto “as constantes da Tabela anexa em vigor no momento em que o imposto é devido” (n.° 1 do art.° 22° do CIS), não podendo haver a “(...)acumulação de taxas de imposto relativamente ao mesmo acto ou documento” conforme o n.° 2 do art.° 22° do CIS.

Em conformidade com a verba 17.1. da Tabelas Geral do imposto do selo, que de seguida se transcreve: ¯17. Operações Financeiras: 17.1. Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título, incluindo a cessão de créditos, o factoríng e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor; considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato “sobre o respectivo valor, em função do prazo: 17.1.4. Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididas por 30 - 0,04%”, o valor tributável é o resultante do montante dos empréstimos sob a forma de operações de tesouraria que não se destinaram exclusivamente à cobertura de carências de tesouraria, ao qual deve ser aplicada a taxa de 0,04%, de acordo com o descrito no ponto 17.1.4. da Tabela Anexa ao Código do Imposto do Selo.

Ocorre ainda, que pelo disposto no n.° 1 do art° 23° do CIS, “a liquidação do imposto do seio compete aos sujeitos passivos referidos no n.° 1 do artigo 2º do mesmo diploma, sendo que ¯sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação ou a entrega de parte ou da totalidade do imposto devido, acrescerão ao montante do imposto juros compensatórios, de harmonia com o artigo 35° da LGT”, pelo disposto no n.° 1 do art.° 40° do CIS.

Vem ainda, o n.° 2 do art.° 40° do CIS, referir que os juros compensatórios “serão contados dia a dia, a partir do dia imediato ao termo do prazo para a entrega do imposto ou, tratando-se de retardamento da liquidação, a partir do dia em que o mesmo se iniciou, até à data em que for regularizada ou suprida a falta”.

Como o sujeito passivo não efectuou a correspondente liquidação do imposto seio, serão devidos juros compensatórios, nos termos do n.° 10 do art.° 35° da Lei Geral Tributária, sendo “a taxa dos juros compensatórios é equivalente à taxa dos juros legais fixados nos termos do n° 1 do artigo 559° do Código Civil”, que se encontra fixada pela Portaria n.° 291/ 2003 de 8 Abril, em 4%.

Por fim, importa saber, que o pagamento do imposto é efectuado pelas pessoas ou entidades a quem compete a liquidação, conforme disposto no art.° 41° do CIS, pelo que será a T... Cabo, SA. a entidade a proceder ao pagamento do imposto do selo.

III. Conclusões

Face ao exposto e atendendo ao facto da justificação apresentada pelo sujeito passivo não comprovar que os empréstimos concedidos se destinavam a cobrir carências de Tesouraria, desta forma não se encontra isento de liquidação de imposto de selo pela alínea g) do n.° 1 do art.° 7º do CIS, pelo que é apurado Imposto do Selo em falta no montante de 239.176,06€, como demonstrado no Anexo XXIII. (…) »

D) Na sequência da correcção a que se refere a alínea anterior, foi efectuada a Demonstração de Liquidação de Imposto de Selo n.º 2007 6430003398, no montante total de € 812.092,46, tendo a parte ora impugnada o valor de € 239.176,06, relativo a “Operações financeiras” e respectivos juros compensatórios, com data limite de pagamento em 02-01-2008 (cfr. doc. 1 junto com a petição inicial).

E) A Impugnante prestou garantia bancária no âmbito do processo de execução fiscal nº 3107200801020897, instaurado para cobrança coerciva da liquidação identificada na alínea anterior – cfr. doc. 9 junto à PI.

F) Em 29-01-2008, foi apresentada reclamação graciosa relativamente liquidação referida na alínea D), na parte relativa a operações financeiras, tendo a mesma sido instaurada sob o n.° 3107200804000560 (cfr. Processo de Reclamação Graciosa (PRG) apenso).

G) Em 11-12-2009, a reclamação graciosa foi objecto de despacho do indeferimento (cfr. fls. 519 a 525 do PRG apenso).

H) Em 24-02-2010, foi interposto recurso hierárquico contra o indeferimento da reclamação graciosa (cfr. Recurso Hierárquico (RH) apenso aos autos).

I) A presente impugnação foi deduzida em 13-01-2010 (cfr. fls. 2 do suporte físico dos autos).

J) A sociedade P…, Televisão por Cabo …, em 2005 apresentava as seguintes carências de tesouraria (cfr. doc. 6 junto com petição inicial):


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K) A Impugnante procedeu ao pagamento da liquidação impugnada em 20-12-2013 (cfr. fls. 407/SITAF)”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Não existem factos não provados com interesse para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada resulta da análise dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, que não foram impugnados, nos factos alegados pelas partes, corroborados pelos documentos juntos, conforme discriminado em cada uma das alíneas do probatório, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos bem como o do PAT, PRG e RH.

O depoimento das testemunhas ouvidas, foi esclarecedor do ponto de vista técnico, no que tange ao conceito de “carências de tesouraria”, e relevante, face à factualidade considerada pelos Serviços de Fiscalização no RIT”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada:

L) Deu entrada na direção de finanças de Lisboa, a 14.12.2009, documento remetido pela Impugnante, que dera entrada no Serviço de Finanças de Lisboa 8 a 07.12.2009, relativo ao exercício do direito de audição, na sequência do projeto de indeferimento da reclamação graciosa referida em F) (cfr. fls. 338 a 518 do processo administrativo – reclamação graciosa).

M) Na sequência do referido em L), foi elaborada informação, na direção de finanças de Lisboa, datada de 05.01.2010, da qual consta designadamente o seguinte:


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…” (cfr. fls. 521 a 525 do processo administrativo – reclamação graciosa).

N) Sobre a informação referida em M), foi proferido parecer pela coordenadora, a 13.10.2010, com o seguinte teor:

…” (cfr. fls. 520 verso do processo administrativo – reclamação graciosa).

O) No seguimento do referido em N) e na sequência de parecer de concordância, foi proferido, a 22.01.2010, despacho de concordância com a informação referida em M) e os demais pareceres (cfr. fls. 520 do processo administrativo – reclamação graciosa).

P) A Impugnante teve conhecimento da decisão mencionada em O) (cfr. recurso hierárquico, no qual a referida decisão é indicada como decisão recorrida – cfr. fls. 3 do processo administrativo – recurso hierárquico).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da rejeição do recurso

Considera, antes de mais, a Recorrida que o recurso deve ser rejeitado, em virtude da sua intempestividade, dado, em seu entender, ser aplicável o regime de recursos previsto no CPPT na redação anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro.

Vejamos.

A Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, que entrou em vigor a 16.11.2019, alterou de forma significativa o regime de recursos previsto no CPPT.

Assim, nos termos do regime que vigorou até novembro de 2019, a interposição de recursos relativos a sentenças de impugnação judicial, como in casu, implica dois momentos: um primeiro, no qual a parte que pretende recorrer apresenta, no prazo de 10 dias a contar da notificação da sentença, requerimento a declarar tal intenção (cfr. o então art.º 280.º, n.º 1, e o art.º 282.º, n.º 2, ambos do CPPT), requerimento esse sobre o qual deve recair despacho de admissão ou não admissão do recurso; um segundo, após ser proferido e notificado despacho de admissão do recurso, consubstanciado na apresentação das respetivas alegações, no prazo de 15 dias a contar da notificação (cfr. art.º 282.º, n.º 3, do CPPT).

Depois da redação dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, o regime de recursos foi alterado, em termos similares aos já constantes quer do processo administrativo quer do processo civil.

Assim, nos termos do atual n.º 1 do art.º 282.º do CPPT, “[o] prazo para a interposição de recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão recorrida”.

Em termos de aplicação da lei no tempo, concretamente em matéria de recursos, o art.º 13.º da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, prescrevia o seguinte:

“1 - As alterações efetuadas pela presente lei ao Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, na sua redação atual, são imediatamente aplicáveis, com as seguintes exceções:

(…) c) Aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2012, aplicam-se as alterações às normas relativas aos recursos dos atos jurisdicionais” (sublinhados nossos).

Esta disposição legal foi objeto de imediata crítica, porquanto, resultando da sua leitura, que, em matéria de recursos, o n.º 1 corpo e a sua alínea c) diziam uma e a mesma coisa (ou seja, a aplicação do novo regime às decisões proferidas a partir da entrada em vigor da lei), não deixava de causar perplexidade a formulação adotada de consagração de uma exceção que, afinal, decorria da regra.

Nesse seguimento, o mencionado art.º 13.º foi alterado pela Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, nos seguintes termos:

“1 - As alterações efetuadas pela presente lei ao Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, na sua redação atual, são imediatamente aplicáveis, com as seguintes exceções:

(…) c) Aos recursos interpostos em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2012, aplica-se o regime legal:

i) Na redação conferida pela presente lei às normas relativas aos recursos dos atos jurisdicionais, se a decisão for proferida a partir da entrada em vigor da presente lei;

ii) Na redação anterior à presente lei, quanto às normas relativas aos recursos dos atos jurisdicionais, se a decisão for proferida antes da data de entrada em vigor da presente lei, mesmo que, neste caso, o recurso seja interposto posteriormente à sua entrada em vigor”.

Ora, ainda que nos pareça que a mencionada alínea c) já decorre da regra geral constante do corpo do n.º 1, o legislador quis clarificar que, no caso de processos instaurados antes de janeiro de 2012 (como é o caso), o novo regime só não se aplica se a decisão tiver sido proferida antes da data de entrada em vigor da lei em causa, ainda que o recurso já seja interposto na sua vigência.

No caso dos autos, a sentença foi proferida a 17.01.2020, já depois da entrada em vigor da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro (16.11.2019), pelo que é, in casu, aplicável o novo regime de recursos a que nos referimos, mesmo atendendo à redação inicial do art.º 13.º da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, pelos motivos já referidos.

Assim sendo, o recurso apresentado é tempestivo.

Como tal, carece de razão a Recorrida nesta parte.

Passando à apreciação das questões suscitadas pela Recorrente.

III.B. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto, na sua perspetiva, não se verificam os pressupostos para a aplicação da isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS.

Antes de mais, refira-se que, não obstante nas conclusões formuladas, sejam feitas observações, pela Recorrente, atinentes à prova testemunhal, a decisão proferida sobre a matéria de facto não foi objeto de impugnação nos termos previstos no art.º 640.º do CPC. Não o tendo sido, carece de relevância qualquer apreciação sobre o alegado a este respeito.

Vejamos então.

In casu, em termos de factualidade pertinente, temos o seguinte, no tocante ao ponto de partida da atuação da administração tributária (AT):

a) A Impugnante concedeu crédito, sob a forma de operações de tesouraria, à sociedade então designada de PT Televisão por Cabo, SGPS, no valor de 239.176,06 Eur. – cfr. RIT;

b) Foi concedido a 29.12.2004 e reembolsado a 15.06.2005 – cfr. RIT;

c) A AT considerou que, estando demonstrados os pressupostos previstos no art.º 7.º, n.º 1, al. g), do CIS, no tocante ao facto de o crédito ter sido concedido por prazo não superior a um ano e por sociedade participada em benefício da SGPS, não ficou demonstrado que o mesmo se destinasse à cobertura de carências de tesouraria, considerando que a Impugnante disponibiliza tais meios independentemente da existência de carências de tesouraria.

Vejamos então.

Os contratos de cash pooling ou de gestão centralizada de tesouraria são um mecanismo a que recorrem sociedades que se encontrem em relação de domínio ou de grupo, visando otimizar a gestão de tais recursos.

Com a Lei do Orçamento do Estado para 2020, foi consagrada uma isenção de IS para os empréstimos concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedade com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo [cfr. o atual art.º 7.º, n.º 1, al. h) do CIS].

Até tal momento, esta situação não foi salvaguardada pelo legislador, pelo que estes contratos eram sujeitos a IS, podendo ou não, no seu âmbito, surgir situação de isenção, atento o disposto na al. g) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, como veremos infra.

A este respeito chama-se à colação do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.11.2018 (Processo: 06/11.4BESNT 0436/16), onde se refere:

“Dispõe a verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto de selo que, o crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30.

Resumidamente, a situação de facto é a seguinte: a A………., Lda (A……..) celebrou um contrato com a A’……….. (A’………), pelo qual se comprometeu a transferir todos os excedentes de tesouraria para esta A’……….., entidade responsável pela gestão centralizada de tesouraria do grupo A…….. Por outro lado, passou a poder beneficiar dos fundos da A’……….., no caso de necessitar dos mesmos.

(…) Ocorreu, portanto, uma ou mais operações de transferência de saldos entre a(s) conta(s) da impugnante e a(s) conta(s) da entidade centralizadora, a A’…………, que não podem deixar de consubstanciar financiamentos concedidos através da realização de operações de tesouraria, verificando-se, assim, a concessão de crédito a que alude a referida verba 17.1.4 da TGIS.

Com esta verba do IS pretende-se tributar as transferências de saldos entre a impugnante, enquanto empresa nacional, e a entidade centralizadora, sedeada na Suécia, devendo tais transferências de saldos ser qualificadas como financiamentos concedidos também para efeitos do disposto no artigo 4º, n.º 1 do CIS. (…)

E tais transferências de saldos, tanto são tributadas quando ocorrem entre empresas nacionais, entre empresas de estados-membros ou até entre empresas de estados-membros e de países terceiros, aplicando-se sempre as normas constantes dos artigos 1º. n º 1, 2º, b), 3º, n.º 1, f), 4º, n.º 1, 23º, n.º 1, 41º e 44º, todos do CIS.

(…) Efectivamente a operação de transferência de capitais realizada entre a impugnante e a dita A’…………, e ao contrário do que defende a impugnante, tem que ser necessariamente subsumida ao disposto no artigo 4º, n.º 1 do CIS e respectiva verba 17.1.4 da TGIS, desde logo porque tem que ser qualificada como uma operação de crédito com contrapartida, isto é, remunerada por via do pagamento dos juros calculados a uma taxa acordada entre as partes e durante o período de tempo de duração da cedência do capital. E sempre que haja a utilização desse mesmo capital por parte da A’………..–crédito utilizado- ocorre a possibilidade de tributação ao abrigo das normas respeitantes ao CIS e à TGIS atrás indicadas” [v. igualmente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.02.2020 (Processo: 02244/12.3BEPRT 0898/17)].

Assim, em princípio, à época, as operações decorrentes do cumprimento de um contrato de cash pooling, eram tributadas em sede de IS.

A questão que aqui se coloca, no entanto e como já referimos, tem a ver com a aplicação, in casu, da norma de isenção prevista na al. g) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS.

Era a seguinte a redação da mencionada disposição legal, à época:

“1 - São também isentos do imposto:

(…) g) As operações financeiras, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria e efetuadas por sociedades de capital de risco (SCR) a favor de sociedades em que detenham participações, bem como as efetuadas por sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) a favor de sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenham participações previstas no nº 2 do artigo 1º e nas alíneas b) e c) do nº 3 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 495/88, de 30 de Dezembro, e, bem assim, efetuadas em benefício da sociedade gestora de participações sociais que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo”.

Portanto, para que a situação em concreto seja subsumível nesta norma de isenção, necessário se torna que:

a) Se trate de operações financeiras por prazo não superior a um ano;

b) Exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria;

c) Efetuadas em benefício da sociedade gestora de participações sociais que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo (cfr. J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, Os Impostos sobre o Património Imobiliário. O Imposto do Selo, Engifisco, Lisboa, 2005, p. 585).

In casu, a própria AT reconhece no RIT que estamos perante operações de prazo inferior a um ano, efetuadas em benefício de SGPS em relação de domínio ou de grupo com a Impugnante.

O único pressuposto controvertido tem a ver com a circunstância de tais operações se destinarem a cobrir exclusivamente carências de tesouraria.

Com efeito, a este respeito, a Recorrente defende que os empréstimos concedidos não ocorreram em virtude de a P...Televisão por Cabo ..., S.A. apresentar carências de tesouraria, mas, sim, que foram concedidos independentemente dessas carências de tesouraria.

Refira-se, a este respeito, que, de facto, um sistema de cash pooling não implica, per se, que as transferências efetuadas sejam com o objetivo de suprir carências de tesouraria. É, sim, um sistema que visa uma otimização de gestão da tesouraria de um grupo, independentemente de existirem ou não tais carências, designadamente por parte do cash pool leader (ou seja, a empresa que centraliza, dentro do grupo, as transferências que são efetuadas).

Como referem Jorge Belchior Laires e Rui Pedro Martins (Imposto do Selo, Almedina, Coimbra, 2020, pp. 210 e 211), “não poderá considerar-se, simplesmente, que os financiamentos ocorridos neste âmbito, só por si, evidenciam a existência de uma ‘carência de tesouraria’, pois a sua forma de funcionamento pode gerar, efetivamente, disponibilizações de fundos sem que tal carência exista”.

Portanto, em casos como o dos autos, cabe à Impugnante provar (i) a existência de carências de tesouraria; e (ii) que o financiamento em causa se destinou exclusivamente à cobertura de tais carências de tesouraria.

Cumpre, então, aferir se, in casu, a Recorrida logrou demonstrar, como era seu ónus, que as transferências em causa visaram exclusivamente a cobertura de carências de tesouraria.

Desde já se adiante que se considera que tal não ficou provado.

É certo que, conforme decorre de J) do probatório e não foi impugnado, ficou provado que a sociedade P…, Televisão por Cabo …, apresentou carências de tesouraria ao longo de todo o ano de 2005.

No entanto, nada ficou provado no sentido de estabelecer um nexo de causalidade entre as operações efetuadas pela Impugnante e o respetivo destino.

Ou seja, nada nos permite concluir no sentido de que as operações em causa se destinaram exclusivamente a cobrir tais carências de tesouraria, o que se revela fundamental para efeitos de aplicação da norma de isenção em causa.

Como é referido no RIT, não resulta demonstrado que a disponibilização dos meios tenha sido efetuada pela existência de carências de tesouraria.

Aliás, a própria Impugnante, em sede de procedimento inspetivo, afirmou que “esta operação se consubstancia numa colocação dos excedentes de tesouraria, gerados pela empresa, na P… Televisão por Cabo, …, S.A., a qual por não ter necessidade dos mesmos procedeu à sua transferência para a P...Multimédia ..., S.A”, afirmação que reflete que as operações não visaram exclusivamente cobrir quaisquer carências de tesouraria.

Como tal, não tendo tal sido provado pela Impugnante, não estão demonstrados os pressupostos para a aplicação da norma de isenção constante da al. g) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS.

Refira-se, finalmente, que, ao contrário do que defende a Recorrida, não se considera que a alínea h) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março, tenha caráter interpretativo.

Explicitemos.

Nos termos do art.º 13.º, n.º 1, do Código Civil, “[a] lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda que não homologada, ou por atos de análoga natureza”.

Mas, para que tal ocorra, temos de estar perante uma verdadeira lei interpretativa.

Nas palavras de Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1994, pp. 245 a 247):

“Este texto começa por estabelecer que a lei interpretativa se integra na lei interpretada, querendo com isto significar que relativamente a leis desta natureza não há que aplicar o princípio da não retroactividade (...). // [A] razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo a consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da LA com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são de natureza interpretativa aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado. // Para que uma LN possa ser realmente interpretativa são necessários, pois, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei” (sublinhados nossos).

As leis interpretativas podem ser reputadas como tal no texto do diploma legal ou pode essa caraterização ser feita pelo aplicador.

Ora, no caso dos autos, do texto do diploma legal não resulta que o legislador tenha considerado ser tal norma de cariz interpretativo.

Por outro lado, considerando o demais contexto, nada faz concluir pelo caráter interpretativo do normativo em análise.

Com efeito, não existia qualquer situação controversa em torno não subsunção dos contratos de cash pooling à al. g) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, que faça com que a atual al. h) do n.º 1 do mesmo art.º 7.º seja encarada como uma tomada de posição do legislador, de entre as soluções admissíveis.

É evidente que havia e há diferendos judiciais em torno da matéria, mas não se pode concluir que tal circunstância, per se, consubstancia situação controversa para os efeitos de se considerar determinada norma como interpretativa. Ou seja, não se conhece controvérsia doutrinal ou jurisprudencial que justifique entender-se a norma em causa como verdadeiramente interpretativa, do ponto de vista material.

Por outro lado, atente-se na redação da referida al. h):

“h) Os empréstimos, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo”.

As diferenças entre esta alínea e a previsão da al. g) são visíveis, desde logo porque a alínea h) não faz depender da isenção de qualquer destino exclusivo à cobertura de carências de tesouraria.

Trata-se, sim, da previsão de uma nova isenção, com concretas caraterísticas e distinta das demais consagradas.

Aliás, este caráter inovatório também se extrai do relatório do Orçamento do Estado para 2020 Disponível para consulta em https://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063484
d364c793968636d356c6443397a6158526c6379395953565a4d5a5763765247396a6457316c626e527663306c7561574e7059585270646d45764d6d4d7a5954526a596a51744d5751304e6930304e54686b4c5467774e4455744e6d526c5a5756684e7a55784d47466b4c6e426b5a673d3d&fich=2c3a4cb4-1d46-458d-8045-6deeea7510ad.pdf&Inline=true.
, onde se refere:

“Também como forma de apoio à tesouraria das empresas, isenta-se de Imposto do Selo todas as operações financeiras de curto prazo realizadas entre sociedades em relação de domínio ou de grupo no âmbito de contratos de gestão centralizada de tesouraria (cash pooling)”.

Estando nós perante uma norma que, do ponto de vista material, não é interpretativa, a mesma não se aplica a eventos passados.

Como tal, assiste razão à Recorrente.

Considerando o decidido e dado que o Tribunal a quo não conheceu integralmente as restantes questões invocadas pela Recorrida, uma vez que se dispõe de todos os elementos necessários, passa-se ao seu conhecimento em substituição (art.º 665.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT). Com efeito, na sua petição, a Recorrida invoca falta de fundamentação dos atos de liquidação, violação do art.º 60.º, n.º 1, al. a), da Lei Geral Tributária (LGT), falta de fundamentação do RIT e falta de fundamentação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa. O Tribunal a quo conheceu da falta de fundamentação da liquidação (incluindo na parte relativa aos juros compensatórios) e do RIT, conjuntamente, o que não foi posto em causa e que implica que tenha resultado prejudicada a alegada violação do art.º 60.º, n.º 1, al. a), da LGT, porquanto a mesma estava associada ao alegado desconhecimento dos fundamentos da liquidação, que a Impugnante referia não saber se estavam ou não contidos no RIT, sendo que não é controvertido que, em sede de ação inspetiva, a Impugnante exerceu o seu direito de audição (cfr. art.º 35.º da petição inicial).

Resta, pois, apreciar a alegada falta de fundamentação da decisão proferida em sede de reclamação graciosa.

III.C. Da falta de fundamentação da decisão proferida em sede de reclamação graciosa

Alega a Impugnante, a este propósito, que tal decisão não é clara no que respeita ao conceito de carência de tesouraria e que refere não ter sido exercido o direito de audição, quando tal não corresponde à verdade.

Quanto ao dever de fundamentação dos atos administrativos em geral, o mesmo insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no art.º 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual “os atos administrativos (…) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Ao nível dos atos tributários, o dever de fundamentação formal encontra-se especificamente previsto no art.º 77.º da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

“A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão…” Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 676., para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do ato em causa.

Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado.

Antes de mais, refira-se que, ainda que se conclua que a decisão proferida sobre a reclamação graciosa padece de falta de fundamentação, tal vício não afeta a liquidação que consubstancia o objeto mediato da presente impugnação, comportando apenas a anulação da mencionada decisão [cfr., v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 25.06.2009 (Processo: 0345/09) e de 19.09.2018 (Processo: 0242/17)].

Por outro lado, compulsada a decisão proferida em sede de reclamação graciosa, verifica-se que a mesma está suficientemente fundamentada, considerando que não foi feita prova de que os empréstimos tivessem sido realizados exclusivamente com o objetivo de fazer face a carências de tesouraria, justificando tal posição.

Quanto ao direito de audição, como resulta da informação proferida, o mesmo foi analisado. Com efeito, fora feita uma decisão anteriormente, na qual os argumentos esgrimidos pela Impugnante não tinham sido apreciados, o que foi suprido na decisão final da reclamação graciosa.

Como tal, não assiste razão à Impugnante.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar improcedente a presente impugnação;

b) Custas pela Recorrida em ambas as instâncias;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 10 de fevereiro de 2022

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)