Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1407/19.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/23/2020
Relator:VITAL LOPES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL;
PRESCRIÇÃO;
CITAÇÃO;
PROVA.
Sumário:1. A citação do executado tem, não só o efeito instantâneo de inutilizar o tempo decorrido, mas também o efeito duradouro de obstar ao decurso da prescrição até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo em que a citação é levada a cabo (arts. 326.°, n.° 1, e 327.°, n.° 1, do CC).
2. O reconhecimento deste duplo efeito - instantâneo e duradouro - à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado, não viola o princípio da legalidade tributária ou as garantias dos contribuintes.
3. Não se podendo relacionar, com o grau de certeza exigida em direito probatório, o talão de A/R com a citação da reclamante, nomeadamente por existirem incongruências entre a data do mandado de citação e a que consta como sendo a do registo da expedição; por o talão de A/R não ter aposto qualquer carimbo dos CTT, nem constar dos autos o documento que corporiza a citação feita em cumprimento do respectivo mandado, impõe-se que os autos baixem ao tribunal recorrido para diligências complementares visando o esclarecimento dos factos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

B.........., Lda., recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa na parte em que julgou improcedente a reclamação apresentada do despacho de 21/03/2019, do Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Loures 1, proferido no processo executivo n.º .......... que não declarou prescritas as dívidas exequendas.

Com o requerimento de recurso, a Recorrente juntou alegações, que termina com as seguintes e doutas conclusões:
«
Conclusões
38. Impugna a ora recorrente o facto dado como provado em 3, considerando que o Aviso de Recepção não se mostra assinado por pessoa que integre os órgãos sociais ou os quadros da sociedade ora recorrente.
39. Sendo certo que, devolvido o Aviso de Recepção à AT com assinatura de terceiro, não cumpriu o orgão da execução com o que determina o artigo 241.º (actual 233.º) do Código de Processo Civil.
40. Não foi a ora recorrente citada para o processo executivo n.º .......... como não foi para o processo executivo n.º .........., ainda que a AT expressamente tenha afirmado que o tinha feito, indicando inclusive a data de 10.08.2007. Nesse sentido não há qualquer causa de interrupção do prazo de prescrição.
41. Impugna o facto dado como provado em 4 e 5, na medida em que não há prova de qualquer notificação de penhora feita à ora recorrente no âmbito do processo executivo n.º .........., sendo que, de acordo com os elementos notificados, juntos pela FP, não resulta algum, cujo aviso de recepção tenha sido assinado por orgão social ou funcionário da empresa.
42. Quanto ao facto provado em 6, ainda que de momento sem interesse para a discussão uma vez que não logrou a FP prova da citação, de igual modo se impugna, considerando que nenhum despacho de apensação foi notificado à ora recorrente.
43. Quanto a fundamentos de Direito, incorre em erro a sentença recorrida na medida em que não apresentou a ora recorrente em 09.07.2010 (vide folhas 11 in fine e 12 ab initio) pedido de anulação da designação da data para a venda do imóvel. Apresentou sim, em 09.07.2010 pedido a anulação de venda, uma vez ter o imóvel ter sido vendido e adjudicado.
44. Sustentada tal perspectiva da sentença recorrida, na informação do Chefe do Serviço de Finanças, parcialmente transcrita no ponto 9 dos factos provados, necessariamente que terá de ser dada sem efeito por não corresponder à verdade.
45. Quanto a ter dado a sentença recorrida como provada a citação para o processo executivo n.º .........., que já se impugnou, mal se compreende, uma vez que por despacho de 12.11.2019 da Mma Juiz foi pedida a junção dos ofícios de citação correspondentes aos avisos de recepção, não tendo a FP junto algum que fosse.
46. Ao invés, juntou sim os ofícios citação relativos à citação dos gerentes, em reversão, sendo que sobre isso já a recorrente se pronunciou na resposta que apresenta ao Tribunal em 12.12.2019.
47. Definitivamente não tem o orgão da execução qualquer ofício citação em nome da ora recorrente tendo em vista citá-la para o processo executivo n.º .........., pois se o tivesse tinha feito a sua junção, como de resto fez, diga-se, sem qualquer interesse para os presentes autos, dos ofícios citação enviados aos gerentes.
48. Donde, concluir-se, que não foi cumprido o despacho da Mma Juiz de 12.11.2019, sendo certo que, ainda assim, apenas sustentado no aviso de recepção assinado por terceiro, dá a sentença recorrida como provada a citação da ora recorrente em 31.08.2006.
49. Ainda sobre o douto despacho da Mma Juiz de 12.11.2019 notificado à FP através da referência 006766397 de 13.11.2019, no sentido de dar cumprimento ao mesmo, responde a FP em 28.11.2019 dando conhecimento à ora recorrente.
50. Dispondo a ora recorrente de prazo para efeitos de resposta, exerce esse direito a 12 de Dezembro de 2019 pelas 13:52:14
51. Estranhamente apresenta a sentença recorrida a data de 12 de Dezembro de 2019 indicando a hora de colocação na plataforma, de 15:16:07, o que faz pressupor que não foi levado em consideração o contraditório exercido pela ora recorrente sobre a resposta da FP ao despacho da Mma Juiz de 12.11.2019, dando a própria sentença recorrida como cumprido o seu douto despacho, mesmo não tendo sido junto qualquer oficio citação dos solicitados à FP, ou seja, endereçados à ora recorrente de forma a harmonizar com o aviso de recepção.
52. Ainda quanto a fundamentos de direito, folhas 12, 2.º parágrafo, erradamente refere a sentença recorrida citações, quando já deu uma citação como não provada, declarando a divida prescrita.
53. Prosseguindo, no mesmo parágrafo, em jeito de substituição do orgão da execução fiscal, defendendo que, a apreciação dos possíveis efeitos que aquele pedido de anulação podia ou não ter na contagem do prazo de prescrição, ficara prejudicado e nesse sentido, improcede o vicio de falta de fundamentação aduzido pela reclamante.
54. Não alcança a ora recorrente o que pretendeu a sentença recorrida dizer, na medida em que, se assim era, uma vez terem as citações acontecido antes do pedido da anulação, não da decisão da designação da data para a venda do bem imóvel, mas da anulação da venda do imóvel, seria o orgão da execução que tinha de o dizer e não a sentença recorrida.
55. Embora, o pedido de anulação de venda, propriamente dito, nada tenha que ver com a decisão dos presentes autos.
56. Apenas foi feita a contextualização da história, com a indicação do pedido da anulação da venda (anulada por Acórdão do TCA Sul – Proc. 09175/15) e a reclamação que vem a dar causa ao processo n.º 576/18.6 BELRS, porque, desde inicio, defende a ora recorrente que o pedido de anulação da venda do imóvel não tem a virtuosidade de interromper ou suspender o prazo de prescrição da divida, resultando demonstrado da prova feita nos presentes autos, que em momento algum foi o prazo de prescrição interrompido, com o acto de citação, uma vez que este não se concretizou.
57. Com o devido respeito, não andou bem a sentença recorrida ao ter decidido como decidiu, em vários momentos substituindo-se ora ao Orgão da Execução Fiscal, acabando a dar a citação para o processo executivo n.º .........., como concretizada, sustentada a sua perspectiva apenas num Aviso de Recepção, assinado por terceiro, sem que tivesse dado cumprimento ao estabelecido no artigo 241.º do CPC, sendo que instada a FP a juntar cópia dos ofícios citação correspondentes aos avisos de recepção, não o fez.
58. Ao invés, juntou os ofícios citação (em reversão) endereçados aos gerentes, sendo que nenhum interesse em termos da prova que foi solicitada, têm para os presentes autos.
59. Em face do que fica provado, não tendo sido citada a ora recorrente em 31 de Agosto de 2006, contrariamente ao facto dado como provado em 3, não foi em momento algum interrompido o prazo de prescrição e nesse sentido, deve a douta decisão do Tribunal ad quem declarar a divida prescrita.
Termos em que nos melhores de direito, deve o presente recurso ser aceite porque em tempo, concedendo o Tribunal ad quem provimento ao mesmo por provado, substituindo assim a sentença recorrida por outra, que conclua pela ausência de citação para o processo executivo n.º .......... visto não ter sido dado cumprimento pela FP ao douto Despacho da Mma Juiz de 12.11.2019, que expressamente solicitava cópia das citações correspondentes aos avisos de recepção e, nesse sentido, não tendo havido acto susceptível de interromper a prescrição, deve ser reconhecida a prescrição da divida, na data de 31 de Dezembro de 2010 (para o IRS relativo ao período de tributação de 2002) e 31 de Dezembro de 2011 (para o IRC relativo ao período de tributação de 2003).».

A Recorrida não contra-alegou.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer em que conclui pela improcedência do recurso.

Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cf. artigo 278.º, nº5, do CPPT e artigo 657.º, nº4, do CPC), vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão central que importa resolver reconduz-se a saber se a sentença incorreu em erro, de facto e de direito, ao julgar não prescritas as dívidas de IRS/2002 e IRC/2003, em cobrança no processo de execução fiscal n.º...........

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância deixou-se consignado em sede factual:
«
Com relevância para a decisão da excepção da caducidade do direito de acção e da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1. Em 26/07/2006 foram emitidas em nome da Reclamante as seguintes certidões de dívida:
NúmeroTributoValor
2006/605194IRC - 2003€145.233,85
2006/608598IRS - 2002€108,74
2006/608598IRS - 2002€108,74
- cf. certidões de dívida a págs. 138 do SITAF;
2. Em 26/07/2006 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º .......... contra a Reclamante para a cobrança coerciva das dívidas identificadas no ponto anterior – cf. autuação e certidões de dívida a págs. 138 do SITAF;
3. Pelo ofício «Mandado de Citação» foi determinada a citação da Reclamante para o processo de execução fiscal n.º .......... para proceder ao pagamento da quantia exequenda ou requerer o pagamento em prestações, dação em pagamento ou deduzir oposição, tendo o aviso de recepção, com as referências de registo «RP……………PT» e «n.º do processo ..........», sido assinado em 31/08/2006 - cf. ofício e aviso de recepção a págs. 90 e 138 do SITAF;
4. Pelo ofício «Comunicação de Penhora» no âmbito do processo de execução fiscal n.º .......... foi comunicado à Reclamante o seguinte: «Aos 16 de Abril de 2009 (…) foi penhorado o bem abaixo referenciado, ficando o executado (…) nomeado fiel depositário. (…) Identificação do prédio: Distrito – 15-Setúbal; Concelho: 07-Montijo; Freguesia: 01- Canha; Secção: A3; Artigo Matricial N.º 5; (…)» - cf. ofício, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a págs. 90 do SITAF;
5. O ofício referido no ponto anterior foi remetido à Reclamante por carta registada com aviso de recepção, tendo este sido assinado em 26/05/2009 – cf. aviso de recepção a págs. 90 do SITAF;
6. Ao processo de execução fiscal n.º .......... foi apenso o processo de execução fiscal n.º .........., por dívida de IRS - retenção na fonte de 2007, no valor de €86,04, tendo sido aquele eleito como processo principal – cf. facto não controvertido;
7. Em 14/02/2018, a Reclamante apresentou reclamação da decisão que designou o dia 06/03/2018 para a realização da venda de bem imóvel que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o n.º 576/18.6BELRS – cf. petição a págs. 130 do SITAF e factos não controvertidos;
8. Em 05/11/2018, a Reclamante apresentou ao serviço de finanças de Loures 1 e no âmbito dos processos de execução fiscal n.º .......... e apensos um requerimento com o seguinte teor: «B… (…) executada nos autos à margem identificados, vem requerer (…) nos termos do disposto no artigo 48º e 49º da LGT declare prescrita a dívida constante dos autos à margem identificados (…): 1. Nos termos do que dispõe o n.º 1 do artigo 48º da LGT, as dívidas tributárias prescrevem no prazo de 8 anos (…). 3. Nos termos do que estabelece o n.º 1 do artigo 49º da LGT, interrompem a prescrição (…). 5. A requerente não apresentou qualquer meio processual dos expressos no n.º 1 do artigo 49º da LGT (…). 6. Donde, a interrupção da prescrição só poderia ter ocorrido com a citação da dívida executiva à sociedade. 7. Quanto à suspensão do prazo de prescrição legal, estabelece o n.º 4 do citado artigo 49º da LGT que (…).9. Ora, no caso dos presentes autos não se verificou qualquer causa de suspensão do prazo de prescrição (…) o incidente de anulação de venda suscitado (…) não teve essa virtuosidade. (…) Termos em que requer (…) vistos os fundamentos aduzidos e o que resulta expresso no douto Acórdão do TCA Sul 576/18.6BELRS, declare prescrita a dívida constante dos autos e respectivos apensos (…) considerando que para além de não caber o incidente de anulação de venda nas situações taxativas (…) no n.º 4 do artigo 49º da LGT (…), não foi determinada a suspensão da cobrança da dívida. (…)» - cf. requerimento, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a págs. 1 do SITAF;
9. Em 21/03/2019, o chefe do serviço de finanças de Loures 1 decidiu que relativamente à Reclamante a dívida exequenda do processo de execução fiscal n.º .......... e apensos não está prescrita por não ter decorrido o prazo legal de prescrição nos termos do disposto nos artigos 48º e 49 da LGT com os seguintes fundamentos: «1 –A devedora originária (…) citada em 29/08/2006 (PEF ..........) e 10/08/2007 (PEF ..........) foram, pois, nestas datas que ocorreram as respectivas interrupções do prazo de prescrição, nos termos do disposto no art. 48º n.º 1 e 49º ambos da LGT.; (…) 3- Em 09/07/2010 requereu a devedora originária a anulação da venda (…) o qual foi deferido por acórdão transitado em julgado no dia 21/03/2016, proferido no processo 09175/15 do Tribunal Central Administrativo Sul (…); No passo dia 25/01/2018 foi marcada nova venda judicial (…) sendo que em 14/02/2018 foi apresentada pela executada uma reclamação nos termos do art. 276º do CPPT (..:). 5- Em relação aos responsáveis subsidiários: (…) 6. Relativamente à interrupção (…) o mesmo não apenas inutiliza para a prescrição o tempo decorrido até à data e, que se verificou o facto interruptivo (…) como obsta ao início da contagem do novo prazo de prescrição enquanto o processo executivo não findar (…)» – cf. despacho e informação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a págs. 8 do SITAF;
10. A decisão referida no ponto anterior foi remetida à Reclamante por carta registada em 27/03/2019 - cf. ofício e comprovativo de registo dos CTT com a referência RF………….PT a págs. 32 do SITAF;
11. Em 11/04/2019, a Reclamante remeteu por correio registado a presente reclamação ao serviço de finanças de Loures 1 - cf. comprovativo de registo dos CTT aposto no envelope a págs. 12 do SITAF.
*
Com interesse para a decisão da causa não foi provada a seguinte factualidade:
1. A Reclamante foi citada para o processo de execução fiscal n.º .......... em 10/08/2007.
*
Nada mais se provou com interesse para a decisão da excepção da caducidade do direito de acção e da causa.
*
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da excepção da caducidade do direito de acção e da causa com base na posição das partes assumidas nos articulados e na análise crítica e conjugada dos documentos constantes dos autos e identificados nos factos provados.
A matéria de facto não provada decorre da circunstância de a Fazenda Pública não ter produzido prova documental apta a demonstrar os factos alegados na contestação.».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Constitui princípio elementar em matéria processual, o de que o tribunal de recurso deve conhecer de todas as questões que, tendo sido ou devendo ter sido objecto de decisão no tribunal recorrido, sejam submetidos à sua apreciação, isto é, constituam objecto de impugnação, a qual se encontra delimitada pelas conclusões da motivação do recurso.

Tal princípio, como a jurisprudência o tem vindo a salientar, comporta, porém, uma ampliação e uma restrição; a ampliação verifica-se perante questões de conhecimento oficioso, que a lei impõe sejam sempre conhecidas pelo tribunal de recurso independentemente de terem sido invocadas; a restrição é a que resulta dos poderes de cognição do tribunal de recurso.

Assim delimitado o âmbito do recurso, pelas conclusões da motivação constata-se que a Recorrente impugna os factos constantes dos pontos 3, 4, 5 e 6 da matéria assente, que entende não estarem suportados nos elementos probatórios dos autos. Vejamos.

O facto vertido no ponto 3 da matéria assente [Pelo ofício «Mandado de Citação» foi determinada a citação da Reclamante para o processo de execução fiscal n.º .......... para proceder ao pagamento da quantia exequenda ou requerer o pagamento em prestações, dação em pagamento ou deduzir oposição, tendo o aviso de recepção, com as referências de registo «RP…………..PT» e «n.º do processo ..........», sido assinado em 31/08/2006 - cf. ofício e aviso de recepção a págs. 90 e 138 do SITAF] suporta-se, como se diz na fundamentação, nos documentos de fls.90 e 138 do SITAF.

Como se alcança de fls.138, foi efectivamente extraído mandado de citação da reclamante/Recorrente no PEF .........., para proceder ao pagamento da quantia exequenda e acrescido ou requerer o pagamento em prestações, dação em pagamento ou deduzir oposição. No entanto, não evidenciam os autos que o talão de aviso de recepção de fls.90 que tem a reclamante por destinatário se refira ao cumprimento do mandado, ou seja, à própria citação, a qual não consta do processo.

Isso, por um lado; por outro, o aviso de recepção, contém as referências «RP……….PT» e «n.º do processo ..........», mas também contém a data de «2006-08-09», que mal se compatibiliza com a data do mandado, extraído em 2006-08-29, embora o talão de A/R esteja assinado e datado de 31/08/2006 pela pessoa a quem foi entregue no destino e dele fez constar o nome «H..........»; acresce que, estranhamente, nenhum carimbo dos CTT está aposto no talão de A/R, nomeadamente no espaço reservado a “marca do dia da estação que devolve o aviso”. Haverá, pois, que reformular aquele ponto do probatório.

Relativamente aos pontos 4 [Pelo ofício «Comunicação de Penhora» no âmbito do processo de execução fiscal n.º .......... foi comunicado à Reclamante o seguinte: «Aos 16 de Abril de 2009 (…) foi penhorado o bem abaixo referenciado, ficando o executado (…) nomeado fiel depositário. (…) Identificação do prédio: Distrito – 15-Setúbal; Concelho: 07-Montijo; Freguesia: 01- Canha; Secção: A3; Artigo Matricial N.º ..; (…)» - cf. ofício, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a págs. 90 do SITAF] e 5 [O ofício referido no ponto anterior foi remetido à Reclamante por carta registada com aviso de recepção, tendo este sido assinado em 26/05/2009 – cf. aviso de recepção a págs. 90 do SITAF], vistos os documentos indicados na fundamentação da decisão, constata-se existir oficio dirigido à reclamante/Recorrente comunicando a penhora de um imóvel no PEF .......... efectuada em 16/04/2009; referenciado a essa comunicação está o aviso de recepção com número de registo RP ………… PT e data de 2009-05-16, dirigido e endereçado à ora Recorrente, o qual, no espaço reservado a “completar no destino” tem indicado “este aviso foi assinado por pessoa a quem foi entregue a carta e que se comprometeu após a devida advertência a entregá-la prontamente ao destinatário”, mais constando dos “elementos de identificação de quem recebeu na carta” o número de documento oficial 348051-8, emitido em 30/09/2004, o nome H.........., a data de 26/05/09 e uma assinatura ilegível. O talão de A/R tem ainda aposto carimbo dos CTT com a data de 2009-05-27 no campo reservado a “marca do dia da estação que devolve o aviso”.

Assim, contrariamente ao que pretende a Recorrente, não se impõe decisão de facto contrária à impugnada, até porque saber se a Recorrente foi, ou se considera efectivamente notificada, é uma conclusão a extrair de factos, como tal, insusceptível de ser levada ao probatório.

Quanto ao ponto 6, o que dele consta como facto provado é a apensação do PEF n.º .......... ao PEF n.º .........., passando este último a ser o processo principal, não a notificação da apensação à Recorrente, pelo que não colhe a impugnação da decisão de facto baseada em que “nenhum despacho de apensação foi notificado à ora Recorrente”.

Em vista do exposto, reformula-se o ponto 3 do probatório, e adita-se um ponto 3-A, que passam a ter a seguinte redacção:

3. Foi extraído em 2006-08-29 mandado de citação da reclamante/Recorrente no PEF .........., para proceder ao pagamento da quantia exequenda e acrescido ou requerer o pagamento em prestações, dação em pagamento ou deduzir oposição (fls.138 SITAF);

3-A. Consta a fls.90 do SITAF um aviso de recepção endereçado à reclamante contendo as referências «RP…………PT», «n.º do processo ..........», data «2006-08-09», assinado e datado de 31/08/2006 pela pessoa a quem foi entregue no destino e dele fez constar o nome «H..........», não constando nenhum carimbo dos CTT aposto no talão de A/R, nomeadamente no espaço reservado a “marca do dia da estação que devolve o aviso”.

Estabilizado o probatório, é com ele que avançamos na apreciação das demais questões do recurso. E como vimos, a questão controvertida prende-se com a prescrição da dívida, que a Recorrente estende verificar-se e a sentença não, no pressuposto entendimento de que se verificou a citação da executada e este facto interruptivo não só inutiliza, para a prescrição, todo o tempo decorrido anteriormente, como o novo prazo da prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.

De facto, como vem sublinhando a doutrina e a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo a citação do executado tem, não só o efeito instantâneo de inutilizar o tempo decorrido, mas também o efeito duradouro de obstar ao decurso da prescrição até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo em que a citação é levada a cabo (artigos 326.°, n.° 1, e 327.°, n.° 1, do Código Civil) – neste sentido, podem ver-se entre muitos, os mais recentes Acórdãos daquele alto tribunal de 27.01.2016, recurso 1698/15, de 20.05.2015, recurso 1500/14 e de 26.08.2015, recurso 1012/15, e bem assim Jorge Lopes de Sousa, “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária – Notas Práticas”, 2ª ed., 2010, pág. 70.

Nesta linha de entendimento, estando em causa dívidas de IRS/2002 e IRC/2003, cujos prazos de prescrição de 8 anos se iniciam, posto que se tratam de impostos periódicos, em 01/01/2003 e 01/01/2004 (art.º48/1 da LGT), tais prazos completar-se-iam em 31/12/2010 e 31/12/2011, respectivamente, não fosse o efeito interruptivo da citação da própria Recorrente (art.º49/1 da LGT), que a sentença assumiu ter ocorrido em 31/08/2006, facto de que a Recorrente discorda, alegando nunca ter sido citada e, como assim, não ter ocorrido o suposto efeito interruptivo nem o efeito duradouro obstativo do decurso do prazo da prescrição até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo executivo.

E de facto, como se alcança das considerações supra expostas na apreciação da impugnação da decisão de facto, há incongruência patente entre a data do mandado de citação (29/08/2006) e a que consta do talão de A/R como sendo a de entrega da correspondência para expedição na estação de depósito dos CTT (09/08/2006); o talão de A/R não contém qualquer carimbo dos CTT, nomeadamente, no espaço reservado a “marca do dia da estação que devolve o aviso”; não consta dos autos o documento que corporiza a citação que terá sido feita em cumprimento do mandado.

Perante o quadro traçado de incongruências e omissões nos elementos relativos à citação da reclamante, entendemos que a Mma. Juiz a quo não ajuizou correctamente ao concluir que a citação da reclamante ocorreu na data de 31/08/2006, que corresponde àquela aposta no aviso por quem supostamente o recebeu, pois, reitera-se, há elementos conflituantes e omissões que não permitem relacionar, com o grau de certeza exigido em direito probatório, aquele talão de A/R com a citação da reclamante.
Não obstante a Recorrida ter afirmado no processo não dispor de mais elementos relativos à citação da aqui Recorrente, sendo esta uma questão factual decisiva, impõe-se, ao abrigo do dever do inquisitório e da verdade material (artigos 13/1 do CPPT e 411.º do CPC), que os autos baixem ao tribunal recorrido para diligências complementares visando o esclarecimento cabal dos factos relativos à citação da reclamante/Recorrida, nomeadamente junto da AT e dos CTT, ouvindo-se se necessário for e em audiência contraditória (art.º118.º do CPPT) a pessoa que assinou o aviso e nele se encontra identificada, com posterior prolação de nova sentença que tenha em conta o resultado das diligências preconizadas.

Assim, concede-se provimento do recurso e, revogando a decisão recorrida, ordena-se a baixa dos autos ao Tribunal Tributário de Lisboa para diligências complementares e prolação de nova decisão.

5- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes-desembargadores da 2.ª Subsecção do CT deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância para as diligências preconizadas e prolação de nova decisão que tenha em conta o resultado das mesmas.

Sem custas.

Lisboa, 23 de Abril de 2020



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Vital Lopes




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Luísa Soares




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Mário Rebelo