Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04486/11
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/18/2011
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IRS.
DONATIVOS.
DESCARACTERIZAÇÃO
Sumário:1.O conceito de doação, como benefício fiscal, para ter efeitos de dedução à colecta em sede de IRS (tal como em IRC), encontrava-se delimitado negativamente no Estatuto do Mecenato, não podendo pela sua entrega, serem concedidas contrapartidas que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial às entidades públicas ou privadas nele previstas;

2. Tendo a AT desconsiderado tal benefício fiscal sem respaldo em materialidade subsumível a tal previsão legal, enferma o acto de liquidação respectivo de erro sobre os pressupostos de direito, inquinando o mesmo do vício de violação de lei e conduzindo à respectiva anulação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. Miguel …………………..e Deborah ………., identificados nos autos, dizendo-se inconformados com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, vieram da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


1ª Nos termos do disposto nos artigos 3° n.º 1 alínea h) e 5° do Estatuto do Mecenato, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 74/99, de 16 de Março, os donativos atribuídos pelas pessoas singulares a estabelecimentos de ensino onde se ministrem cursos legalmente reconhecidos pelo Ministério da Educação são dedutíveis à colecta do ano a que dizem respeito.
2ª Da fundamentação do acto impugnado retira-se que a mera circunstância de os dependentes dos doadores frequentarem o estabelecimento de ensino beneficiário do donativo fez presumir a falta do carácter de liberalidade da doação e constitui razão suficiente para a exclusão do benefício.
3ª Tal restrição ao benefício fiscal em causa equivale à sua negação pura e simples.
4ª O acto impugnado violou por isso o disposto nos art.s 3° n.º 1 alínea h) e 5º do Estatuto do Mecenato, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 74/99, de 16 de Março.
5ª A Sentença a quo absteve-se de se pronunciar sobre o demonstrado vício de violação de lei imputado ao acto impugnado enfermando assim da nulidade prevista no art. 125°, n.º 1, in fine do CPPT e no art. 668º, n.º1, d) do Código de
Processo Civil.
6ª A fundamentação do acto impugnado é ilegal porque é insuficiente, obscura, e contraditória e não é contextual.
7ª As razões para a rejeição da dedução à colecta do IRS invocadas na fundamentação do acto não foram concretizadas.
8ª É insuficiente a fundamentação do acto tributário que atribui a natureza de "complemento de educação" aos donativos feitos pelos Recorrentes a favor do estabelecimento de ensino frequentado pelos seus dependentes, para excluir a sua dedução à colecta, sem identificar qualquer nexo entre os encargos com a educação dos dependentes dos Recorrentes e os donativos.
9ª É contraditória a fundamentação do acto tributário que reconhecendo que os Recorrentes suportaram o custo das propinas dos seus dependentes; que não pondo em causa que as mesmas equivalem ao montante devido pela generalidade dos demais alunos pela frequência do mesmo estabelecimento de ensino e que reconhecendo que a entidade donatária confirmou a autenticidade dos donativo, ainda assim persiste na liquidação adicional de IRS.
10ª A Administração Tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares emitidas sobre a interpretação das normas tributárias que estiverem em vigor no momento do facto tributário (então artigo 68 n.º4 alínea b) da LGT).
11ª A circular n.º 12 de 19.04.2002 alertou para a existência de um pressuposto básico que já decorreria do dever de instrução e da descoberta da verdade material a que os serviços de inspecção tributária estão vinculados.
12ª A circular n.º 12 de 19.04.2002 foi veiculada um ano e oito meses antes da prolação do acto impugnado.
13ª Constitui doutrina dessa circular que "para a qualificação de um donativo no âmbito do Estatuto do Mecenato, deve apurar-se se a regalia eventualmente facultada pelo beneficiário do mesmo confirma o espírito de liberalidade do doador, ou se, pelo contrário, permite concluir pela existência de uma intenção de enriquecimento".
14ª Os serviços de inspecção tributária não apuraram se havia alguma regalia facultada aos impugnantes, nem cuidaram de ponderar se a eventual regalia permitiria concluir pela existência de uma intenção de enriquecimento, como lhes competia.
15ª Os serviços de inspecção tributária violaram as instruções da circular n.º 12 de 19.04.2002.
16ª A liquidação impugnada é, assim, ilegal quer por violar o Estatuto do Mecenato, quer por ter sido emitida em violação da doutrina da Administração Tributária e estar deficientemente fundamentada.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogada a douta decisão recorrida e anulado o acto tributário impugnado.
Pede-se ainda a condenação da Administração Tributária ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos legais.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, dizendo subscrever a fundamentação da sentença recorrida bem como do parecer pré-sentencial, que no mesmo caminho laborou.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a conhecer: Se a sentença recorrida padece do vício formal de omissão de pronúncia conducente à declaração da sua nulidade; E padecendo, e declarando-se nula a sentença recorrida e conhecendo este Tribunal em substituição, se a liquidação adicional em causa, teve por respaldo matéria insusceptível de desconsiderar o respectivo montante declarado de donativos, face ao seu conceito legal tal como se encontra configurado no Estatuto do Mecenato.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A. Os Impugnantes no ano de 2001, entregaram à Fundação ………………………., NIF ……….……., o montante de 26.000.000$00 (€ 129.687,45), conforme resulta dos documentos juntos que se dão por integralmente reproduzidos, e resumem no quadro seguinte:
Data Valor Cheque
12.02.2001 4.000.000$00 ………………, do Banco Espírito Santo 12.12.2001 8.000.000$00 …………….., do Banco Espírito Santo 12.12.2001 14.000.000$00 ………………., do Banco Espírito Santo Total 26.000.000$00 (€ 129.687,45)
Doc. n.º 2 a 4, de fls. 24 a 26, respectivamente [embora o nome próprio do doador, ora Impugnante, não coincida com o do documento, correspondendo à designação em língua inglesa (Michael em vez de Miguel), o número de identificação fiscal e a morada coincidem com os do sujeito passivo]. Do Doc. 10 da PI constante igualmente de fls. 55 e 56 do PAT, resulta ainda que a Administração Tributária questionou a instituição donatária sobre a autenticidade destes donativos, que os confirmou por escrito, como resulta da alínea N adiante.
B. Dos comprovativos do recebimento dos montantes acima enunciados, consta a seguinte menção:
"Este donativo não é em troca de qualquer bem ou serviço mas somente para o efeito de prestar uma ajuda Financeira à dita Fundação ……………………….. ao abrigo do artigo 39° n. 1 da lei do Mecenato."
Doc. n.º 2 a 4, de fls. 24 a 26, respectivamente.
C. Os impugnantes pagaram à mesma Fundação, NIF …………………, no ano lectivo 2001/2002, referente a propinas escolares dos seus dependentes, o valor de € 21.084,38 (4.227.038$00) - Doc. n.º5, a fls. 27.
D. A Fundação ………………………………… rege-se pelas normas constantes dos seus Estatutos, de onde retiramos o seguinte:
"(. . .)
Artigo Terceiro
(Fins)
a) A Fundação tem por finalidade principal sustentar a existência e o funcionamento do estabelecimento particular de ensino "The American ………………………….." ou qualquer outro que venha a criar.
b) A Fundação poderá, acessoriamente desempenhar outras actividades complementares nos domínios da educação, da cultura e da cooperação entre Portugal e os Estados Unidos da América.
c) A Fundação não terá fins lucrativos.
Artigo Quarto
(Cooperação com a Administração Pública)
A Fundação orientará as suas actividades exclusivamente para fins de utilidade pública, aceitando colaborar com a Administração central e local e sujeitando-se aos deveres e princípios consagrados no Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de Novembro.
Artigo Quinto
(Património )
Um. O património da Fundação é composto pelos seguintes elementos:
(...)
d) Os donativos que receba de forma regular ou ocasional;
(...)" - Doc. de fls. 58 a 64
E. Em 30.04.2002, os Impugnantes entregaram a Declaração Modelo 3 de IRS, respeitante aos rendimentos auferidos em 2001, tendo desta feito constar, entre outros valores, um donativo de € 129.687,45 à Fundação ………………………….. - Parcialmente alegado no artigo da P.I. e Informação de fls. 36 do PAT.
F. Em 12.08.2002, foi efectuada pela Direcção-Geral dos Impostos, a liquidação de IRS do exercício de 2001, n.º ……………………., que se dá por integralmente reproduzida, apurando um valor a pagar de € 53.769,18, até 30.09.2002- Doc. n.º 6, a fls. 28.
G. Por ofício com o n.º 0273140, foram os Impugnantes notificados de que a sua declaração de IRS referente ao ano de 2001 havia sido seleccionada para análise dos seus elementos - Doc. n.º 7, a fls. 29.
H. Por documento de 22.08.2002, foi o Impugnante notificado do "projecto de decisão de alterações efectuadas à sua declaração mod. 3 do IRS do ano de 2001", para o Direito de Audição Prévia, conforme notificação junta aos autos, que se dá por integralmente reproduzida, e de onde resulta o seguinte:
"(.. .)
RESULTADO DA VERIFICAÇÃO
Em face da análise dos elementos apresentados concluo pela existência das seguintes correcções:
CATEGORIAS/ELEMENTOS VALOR DECLARADO CORIGIDO PARA:
Abatimentos - Deduções
Donativos 133.559,65 € 776.306 €
(. . .)
Fundamentação: Não poderem ser considerados como donativos os valores pagos à "Fundação ………………………….. no total de 12.000.000$00, por se entender que é um complemento com a educação dos dependentes.
(...)" - Doc. n.º 8, a fls. 30.
I. O Impugnante exerceu o seu direito de audição prévia, em 27.08.2002, conforme documento junto aos autos, que se dá por integralmente reproduzido, do qual resulta ter o este declarado:
"Não concordar com as correcções que lhe foram efectuadas na sua declaração de rendimentos Mod. 3 de IRS, relativa ao ano de 2001 argumentando o seguinte:
1. Os donativos à FEAL orçaram em €129.687,45 e não 12.000.000$00
2. Foram pagas propinas referentes ao ano lectivo 2001/2002 de € 21.084,38 para os três dependentes, valor equivalente ao que a Escola factura a outros alunos.
3. Não compete à Direcção de Finanças ajuizar sobre "complementos de educação". Se os dependentes estivessem no ensino público, um donativo a fundação criada pelo Estado, teria o mesmo "entendimento"?
4. A correcção a ser feita (que não e aceite) seria para € 3.872,20 e não € 776.306." - Doc. n.º9, a fls. 31.
J. A Direcção-Geral dos Impostos procedeu à liquidação adicional de IRS, de acordo com o projecto decisão mencionado na alínea H, sem notificar os Impugnantes do relatório final - Artigo 19° da P.I não impugnado.
K. Em 03.06.2003, foi efectuada pela Direcção-Geral dos Impostos, a liquidação adicional de IRS do exercício de 2001, n.º………………….., no valor de € 11.642,77, que se dá por integralmente reproduzida - Doc. n.º 1 (cont.), a fls.20.
L. Os Impugnantes foram notificados da liquidação n.º …………………, referida na alínea anterior, por carta registada com aviso de recepção expedida em 9 de Dezembro de 2003 - Doc. n.° 1 (cont.), a fls. 21.
M. Os Impugnantes requereram a notificação da fundamentação do acto de liquidação, referido na alínea anterior, por documento dirigido ao Director-Geral dos Impostos, entregue na 1ª Rep. Finanças Cascais, a 18 de Dezembro de 2003, que se dá por integralmente reproduzido - Doc. de fls. 39 do PAT apenso.
N. Em resposta a este pedido, os Impugnantes um documento designado por "INFORMAÇÃO", que se dá por integralmente reproduzido, e onde consta o seguinte:
"(...)
Após analise dos vários elementos apresentados pelo sujeito passivo, verificámos que para documentar os valores declarados nas deduções à colecta, como donativos, apresentou três recibos no valor total de 26.000.000$00 emitidos pela "Fundação ……………………", a mesma entidade que emite idêntico recibo de 4.227.038$00 para documentar as despesas com a educação dos três dependentes que frequentam aquela escola.
(...)
Questionada aquela instituição sobre a autenticidade daqueles factos, veio a mesma confirma-lo com o ofício de 06.DEZ. 01 cuja fotocópia se junta.
Parece-nos no entanto duvidosa a autenticidade daqueles donativos de forma a podermos enquadra-los no Estatuto do Mecenato aprovado pelo Decr.Lei 74/99 de16 de Março.
Com efeito, uma doação é um acto de plena liberalidade, e entendemos que não há doação quando atrás desta suposta liberalidade existe qualquer interesse, directo ou indirecto, imediato ou mediato. No presente caso, se o doador faz todos os anos doações ao colégio, - a coberto da "Fundação" ­frequentado pelos filhos, há nitidamente uma relação causa e efeito que desvirtua aquela liberalidade, visto que tais avultados donativos nestas circunstâncias originam necessária e indubitavelmente uma mais-valias para o doador, ou para os membros do seu agregado familiar, que pode muito bem resultar na anulação ou redução dos custos das mensalidades.
Pretendemos não considerar portanto aqueles donativos para efeitos de deduções em IRS, pelo que notificamos o sujeito passivo para exercer o direito de audição prévia sobre a proposta das correcções, tendo ele manifestado por escrito a sua discordância alegando que não compete à Direcção de Finanças ajuizar sobre os complementos de educação.
Entendemos que esta situação deve ser ponderada e analisada superiormente, talvez com a verificação junto da visada escola sobre os efeitos destes donativos, que poderão estender-se a outros contribuintes, como procedimento normal da instituição, no entanto superiormente se decidirá com se entender mais conveniente.
Quanto ao caso pontual e constatando que o Sujeito Passivo não nos ofereceu na sua argumentação, dados novos que contrariem a nossa posição quanto aos ditos donativos, iremos proceder à correcção oficiosa da declaração conforme notificação efectuada." - Doc. 10 da P.I., constante igualmente de fls. 55 e 56 do PAT
O. O Impugnante consta dos quadros da Administração da Fundação ……………………………….. - cfr. ponto 34 da Informação aos Serviços, para a qual remete a Contestação e print informático referente a “Visão do Contribuinte", respectivamente a fls. 87 do PAT apenso.
P. A petição inicial deu entrada no tribunal no dia 9 de Fevereiro de 2004 - cfr. carimbo aposto a fls. 2.
*
Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa.
*
A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos, não impugnados, e das informações oficiais constantes dos autos, conforme referido no probatório.


4. Na matéria da sua conclusão 5ª das alegações do recurso, vêm os ora recorrentes assacar à sentença recorrida o vício formal de omissão de pronúncia, a existir, conducente à declaração da sua nulidade – ainda que a final se tenham “esquecido” de formular o respectivo pedido, já que apenas peticionam ...deve ser dado provimento ao presente recurso, revogada a douta decisão recorrida e anulado o acto tributário (1) ... - porque o mesmo a ocorrer gerar, na realidade, a nulidade desta, nos termos do disposto nos art.ºs 668.º n.º1 alínea d), 660.º n.º2 e 713.º n.º2 do Código de Processo Civil (CPC), 143.º e 144.º do Código de Processo Tributário (CPT), e hoje dos art.ºs 124.º e 125.º do CPT, importa por isso conhecer, em primeiro lugar, desta invocada nulidade.

Aquela invocada nulidade só pode ocorrer, nos termos daquelas normas citadas em primeiro lugar, quando o Juiz deixe de pronunciar-se em absoluto de questão que deva conhecer, que por isso tenha sido submetida à sua apreciação e da qual não conheça, nem o seu conhecimento tenha sido considerado prejudicado pela solução dada a outra(s), como constitui jurisprudência abundante (2).

Como sabiamente invocava o Professor Alberto dos Reis - Código de Processo Civil Anotado, volume V, (Reimpressão), pág. 142 e segs - «Esta nulidade está em correspondência directa com o 1.º período da 2.ª alínea do art.º 660.º. Impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras....
São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão».

Consubstanciam, no caso, os recorrentes, tal omissão de pronúncia, por a M. Juiz do Tribunal "a quo", na sentença recorrida não ter conhecido ... A Sentença a quo absteve-se de se pronunciar sobre o demonstrado vício de violação de lei imputado ao acto impugnado enfermando assim da nulidade prevista no art. 125°, n.º 1, in fine do CPPT e no art. 668º, n.º1, d) do Código de Processo Civil... , sendo assim esta a concreta “questão” que apontam como tendo sido omitido o seu conhecimento na sentença recorrida e que por si tenha sido articulada na respectiva petição inicial de impugnação judicial, sendo certo, na verdade, que o juiz deve conhecer na sentença, ...das questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não de todos os argumentos ou raciocínios expendidos pelo recorrente para sustentar a sua posição, nos termos do disposto no art.º 660.º n.º2 do CPC, tendo contudo, no caso, adiante-se desde já, a M. Juiz do Tribunal ”a quo” incorrido neste vício formal dos limites do conhecimento do objecto da reclamação, nela tendo conhecido de menos do que lhe cabia conhecer.

É que, como bem salientam os recorrentes, tal questão do vício de violação de lei ou seja no erro sobre os pressupostos do direito aplicado, não deixaram os mesmos desde logo, de articular ao longo de grande parte da matéria dos art.ºs 21.º a 37.º da sua petição inicial de impugnação judicial, como de fls 6 a 9 dos autos se pode ver, sendo esse um dos fundamentos por que entendem que a liquidação deva ser anulada, constituindo a mesma, pois, uma questão a conhecer na sentença recorrida e da qual deveria extrair as devidas ilações jurídicas (ainda que os mesmos não tenham, na matéria do seu art.º 60.º, aqui, onde parecem sintetizar todos os vícios assacados ao acto impugnado, como parece extrair-se da expressão, “em suma”, invocado também tal vício, ao lado dos demais, como um dos vícios susceptíveis de conduzirem à mesma anulação da liquidação).

Porém, lendo e perscrutando a sentença recorrida, nela não se vê rasto de tal questão ter sido conhecida, começando a mesma desde logo quanto aos vícios a conhecer, que os restringiu aos de violação do direito de audição prévia, ao de falta de fundamentação e de violação de informação prévia vinculativa da administração tributária, que depois, ao longo da fundamentação da mesma sentença, consequentemente, apenas deste vícios conheceu, que não daquele outro que não elencou para dele conhecer, pelo que omitiu conhecimento sobre uma das causas de pedir formuladas na respectiva petição inicial de impugnação incorrendo no citado vício conducente à declaração da sua nulidade.

Assim, a M. Juiz do Tribunal “a quo” não conheceu daquela questão e nem a mesma ficou prejudicada no seu conhecimento pela solução alcançada na decisão recorrida, pelo que a mesma padece do vício de omissão de pronúncia, conducente à declaração da sua nulidade, já que tal matéria não configura apenas uma mera argumentação mas sim uma verdadeira “questão” no sentido vertido nas normas dos art.ºs 668.º, n.º1, alínea d) e 660.º, n.º2 do CPC, tendo o juiz o dever de sobre ela se pronunciar, enquanto elemento integrador da petição inicial dos impugnantes sendo um dos que foi articulado como (também) conduzindo à procedência do pedido formulado de anulação do acto impugnado, levando à procedência da mesma impugnação judicial.

No caso, não tendo a M. Juiz do Tribunal “a quo” conhecido e decidido da invocada e verdadeira questão, consistente no vício de violação de lei, pelos ora recorrentes formulado, que era susceptível de levar à procedência do respectivo pedido, desta forma deixou de conhecer desta “questão”, enquanto factualidade enformadora com aptidão para conduzir à procedência da presente impugnação judicial, pelo que ocorreu a apontada omissão de pronúncia, assim não podendo deixar de proceder a matéria da conclusão do recurso atinente a este vício formal, sendo de declarar nula a sentença recorrida.


Procede assim, a matéria desta conclusão do recurso, sendo de declarar nula a mesma sentença.


5. Declarada nula a sentença recorrida que pôs termo ao processo, nos termos dos disposto no n.º1 do art.º 715.º do CPC (3), deve este Tribunal conhecer do objecto da apelação, em substituição do Tribunal “a quo”, já que os autos fornecem os necessários elementos para o efeito.

Neste conspecto, caberia a este Tribunal discriminar a matéria provada da não provada, que fosse relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito – cfr. art.ºs 123.º, n.º2 do CPPT, 511.º, n.º1 e 659.º, n.º2 do CPC – o que por economia de meios se faz por remissão para as alíneas A. a P. da sentença ora declarada nula e que nesta parte se repristina, por a mesma cumprir tal desiderato, em que da mesma as partes nem discordavam no presente recurso, não se alcançando necessidade de a mesma ser acrescida com qualquer uma outra.


5.1. E conhecendo em substituição do Tribunal recorrido, a primeira questão a conhecer é a do invocado vício de violação de lei, por erro nos seus pressupostos de direito, primeira questão articulada pelos impugnantes na matéria da sua petição inicial de impugnação, ao abrigo do disposto no art.º 124.º, n.º2, b) do CPPT, já que todos os vícios por si articulados, a procederem, apenas dimanam na anulabilidade do acto de liquidação que não na sua inexistência ou na sua nulidade.

Tal matéria foi pelos mesmos articulada nos art.ºs 21.º a 37.º da mesma petição com vasta argumentação e que se pode resumir à crítica feita ao acto de liquidação enquanto apoiado na falta de espírito de liberalidade dessas doações, como a AT entendeu, já que ela repousa, para lhe retirar tal carácter, que mesma não existe sempre que em qualquer doação em que o autor nela tenha qualquer interesse, directo ou indirecto, imediato ou mediato, equivale, a postergar tal direito à dedução, pura e simples, por nunca se poder afirmar que o mesmo não venha a ter lugar, o que violaria os art.ºs 5.º e 3.º, n.º1, alínea b) do Estatuto do Mecenato que o consagram.

Como é sabido o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias enumeradas no art.º 1.º do seu Código, aprovado pelo art.º 1.º do Dec-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro e com entrada em vigor em 1-1-1989, por força do seu art.º 2.º.

No caso, estão em causa os rendimentos da categoria A (trabalho dependente) que, como se não encontram em causa, os impugnantes fizeram declarar na sua declaração de rendimentos, mas que a AT, veio posteriormente a corrigir no respectivo apuramento do imposto, por virtude da não aceitação dos montantes declarados pelos mesmos a título de doações, constantes na matéria da alínea A. do probatório fixado, donde resultou a liquidação adicional ora impugnada.

Nos termos do disposto no art.º 2.º do Dec-Lei n.º 74/99, de 16 de Março, foi revogado o art.º 56.º do Código do IRS (CIRS), sendo que no apuramento do rendimento colectável em sede de IRS, (como também em sede de IRC), veio aquele diploma aprovar no seu art.º 1.º, o Estatuto do Mecenato, o qual, nos artigos seguintes, veio regular o apuramento do mesmo nos casos em que tivessem existido donativos suportados pelos sujeitos passivos do imposto.

Tal diploma, veio ainda definir, ele próprio, na norma do seu art.º 1.º, n.º2, o alcance e delimitar o conceito de donativo relevante para este efeito fiscal, nos seguintes termos:
Para os efeitos do disposto no presente diploma, apenas têm relevância fiscal os donativos em dinheiro ou espécie concedidos sem contrapartidas que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial às entidades públicas ou privadas nele previstas, cuja actividade consista predominantemente na realização de iniciativas nas áreas social, cultural, ambiental, científica ou tecnológica, desportiva ou educacional.

Tendo o legislador fiscal definido, ele próprio e delimitado tal conceito enquanto com relevância para este efeito de apuramento do rendimento tributável em sede destes dois impostos, é com o recurso a tal sede que temos de preencher tal estalão legal nos termos do disposto no art.º 11.º da LGT, em detrimento do sentido e alcance do conceito geral de doação, previsto no art.º 940.º e segs do Código Civil, no que em ambos possam divergir.

Assim, nos termos supra citados, tem de ser aceite como donativo a importância entregue pelo sujeito passivo a entidades públicas ou privadas ... sem contrapartidas que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial às entidades públicas ou privadas nele previstas, cuja actividade consista predominantemente na realização de iniciativas nas áreas social, cultural, ambiental, científica ou tecnológica, desportiva ou educacional.

O art.º 3.º do mesmo Estatuto sobre a epígrafe Mecenato cultural, ambiental, científico ou tecnológico, desportivo e educacional, no que às pessoas colectivas diz respeito, dispõe no seu art.º 1.º, que são considerados custos ou perdas do exercício...:
a)...
...
h) Estabelecimentos de ensino onde se ministrem cursos legalmente reconhecidos pelo Ministério da Educação;
...

Norma esta que é aplicada ao apuramento dos rendimentos das pessoas singulares, nos termos do disposto no art.º 5.º do mesmo Estatuto, nos seguintes termos:
Os donativos atribuídos pelas pessoas singulares residentes em território nacional, nos termos e condições previstas nos artigos anteriores, são dedutíveis à colecta do ano a que dizem respeito, com as seguintes especificidades:
a)...
...

No caso, a AT desconsiderou os montantes de doações a tal título inscritos na respectiva declaração de rendimentos por ...se entender que é um complemento com a educação dos dependentes (cfr. matéria da alínea H) do probatório, extraída do doc. constante a fls 30 dos autos e igualmente a fls 61 do PAT), sendo que para assim concluir a AT se apoiou em alguns elementos que considerou como indícios e considerandos, como sejam os de que os mesmos não representam uma doação livre e plena, por detrás estarem ou poderem estar, um qualquer interesse, directo ou indirecto, imediato ou mediato ...podendo resultar, na anulação ou redução dos custos das mensalidades (cfr. informação de fls 55 do mesmo PAT).

Quanto ao invocado interesse (imediato ou mediato) por detrás da intenção de quem procede à doação ao ente em causa, não constitui, legalmente, nos termos supra citados, obstáculo à relevância de tais doações como benefício fiscal, mas tão só ... as contrapartidas que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial às entidades públicas ou privadas nele previstas..., ou sejam, as contrapartidas delas directamente derivadas e que nelas tenham a sua fonte, não abrangendo, naturalmente, as contrapartidas indivisíveis que, atribuídas à escola no caso, todos os alunos beneficiem com a possível melhoria da sua qualidade do ensino em geral nela ministrado, incluindo os dependentes dos impugnantes e reflexamente, estes próprios, enquanto pais na esfera de quem se radicam os poderes-deveres atinentes ao exercício do poder paternal, nos termos do disposto nos art.ºs 1877.º e segs do Código Civil.

Quanto à possível anulação ou redução dos custos das mensalidades dos dependentes dos impugnantes, como a AT também aventou, ainda que como hipótese, foi matéria que se não provou – cfr. matéria da alínea I), no seu ponto 2. - onde, em sede do direito de audiência prévia, o impugnante veio a invocar, ter pago, a título de mensalidades dos seus três educandos, exactamente a mesma quantia que a Escola factura aos outros alunos, matéria sobre que a AT nem veio a pronunciar-se após tal audiência prévia como de fls 55/56 do PAT se pode colher - cfr. art.º 60.º, n.º6, na redacção de então – pelo que a mesma também não pode servir para descaracterizar o referido conceito de doação para efeitos fiscais, no âmbito da referida Lei do Mecenato, aqui em causa.

É certo que, como certamente também aconteceu com a AT, não deixa de impressionar que os impugnantes tenham contribuído com montantes tão elevados para doações a favor de tal entidade que os seus educandos se encontravam a frequentar sem, em troca, venham a receber qualquer contrapartida individualizada ou benefício directo, mas isso era matéria que a AT teria de ter logrado obter em ordem a desconsiderar tais montantes da sua declaração de rendimentos, já que os impugnantes gozam da presunção da sua veracidade, nos termos do disposto nos art.ºs 75.º da LGT e 59.º do CPPT.


Assim, não tendo a AT carreado, no âmbito do procedimento de inspecção, quaisquer elementos susceptíveis de descaracterizarem tais importâncias entregues pelos impugnantes à entidade beneficiária, como de verdadeiros donativos, não pode a importância em causa de então 12.000.000$00, deixar de ser considerada como tal ao abrigo do citado Estatuto do Mecenato, violando a liquidação impugnação do vício de violação de lei, por erro nos seus pressupostos legais, conducente à sua anulação e não sendo de conhecer dos demais vícios assacados ao mesmo acto, por prejudicados, face à procedência da impugnação pelo fundamento supra conhecido, nos termos do disposto no art.º 660.º, n.º2 do CPC.

Quanto ao pedido de condenação da AT em juros indemnizatórios, não se conhece do mesmo por apenas ter sido efectuado nas conclusões do recurso que não na respectiva petição inicial de impugnação judicial.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder provimento ao recurso e em declarar nula a sentença recorrida e conhecendo em substituição, em julgar procedente a impugnação e em anular a liquidação correspondente.


Custas pela Fazenda Pública, mas só na 1.ª Instância, já que deduziu contestação onde pugnava pela improcedência da impugnação.


Lisboa, 18 de Outubro de 2011-10-24
Eugénio Sequeira
Lucas Martins
Aníbal Ferraz (vencido, relativamente ao decidido quanto aos juros indemnizatórios)


(1) Ainda que, desde logo, na matéria da mesma conclusão tenham referido ser esse efeito de nulidade o daí derivado.
(2) Cfr. entre outros, os acórdãos do STA de 2.10.1996 (ambos), recursos n.ºs 20472 e 20491.
(3) As normas invocadas deste Código reportam-se às anteriores às introduzidas pela reforma do Dec-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, que entraram em vigor em 1-1-2008 e apenas são aplicáveis aos processos iniciados desde então, o que não é caso do presente.