Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03621/09
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/09/2009
Relator:José Correia
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL. RECLAMAÇÃO NOS TERMOS DO ARTº 276º DO CPPT. DISPENSA DE GARANTIA NOS TERMOS DO ARTº 52º, Nº 4 DA LGT. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.
Sumário:I) -Os pressupostos da dispensa de prestação de garantia, referidos no n° 4 do art. 52° da LGT, são a existência de prejuízo irreparável que seja causado pela prestação da garantia e a manifesta falta de meios económicos para a prestar. E em relação a ambos os casos, a lei impõe, ainda, que a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
II) -Ao executado incumbe provar que, apesar da insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores

III) -Revelando os autos que o recorrente tem possibilidades económicas para prestar a garantia fixada, nem se tornava necessário aquilatar da verificação dos demais requisitos da dispensa da prestação da caução, v.g. se a recorrente efectivamente teve culpa na insuficiência ou inexistência de bens.

IV) – A eventual dificuldade que possa resultar para o executado de provar o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição àquele do ónus da prova respectivo, sendo sobre o executado que pretenda a dispensa de garantia, invocando explicita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.

V) -Não está abrangido pelo dever legal de fundamentação a fundamentação substancial que é caracterizada pela exigência da existência dos pressupostos reais e dos motivos concretos aptos a suportarem uma decisão legítima de fundo pelo que, para aferir da validade da fundamentação do acto, o que se impõe é fazer a análise da prova recolhida nos autos sob o prisma da fundamentação formal, captando da decisão os elementos que comprovem ou infirmem que se trata de uma exposição sucinta dos factos e das regras jurídicas em que se fundam, que os seus destinatários concretos, pressupostos cidadãos diligentes e cumpridores da lei, ficam em condições de fazer a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente.

VI) -Resultando da análise dos elementos de suporte para onde remete a decisão em causa, que a fundamentação neles contida é clara e congruente e permite à destinatária a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente, manifestamente que existe fundamentação formal não ocorrendo a violação do disposto nos artigos 268°, n° 3, da Constituição da República, dos artºs. 124º, nº 1, a) e b) 125º e 133º, nº 1 e nº 2, al. d), todos do Código do Procedimento Administrativo e 77º da LGT.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDA-SE, EM CONFERÊNCIA, NA 2ª SECÇÃO DESTE TRIBUNAL:

1. – A FAZENDA PÚBLICA, inconformada com a decisão proferida pelo Sr. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria proferido nos autos de recurso interposto nos termos do artº 276º do CPPT e que deferiu o pedido de revogação do despacho do Chefe do Serviço de Finanças que indeferira o pedido de dispensa de prestação de garantia deduzido por Anabela ..., dela recorre concluindo as suas alegações como segue:
1. A sentença recorrida considera ilegal o despacho do órgão de execução fiscal, por violação do preceituado no art° 52° da LGT, entendendo haver lugar à dispensa de prestação de garantia nos autos de execução fiscal, uma vez que a penhora dos imóveis da executada/revertida, pode vir a importar o imediato vencimento e exigibilidade da totalidade das dívidas, atenta a cláusula dos contratos de empréstimo relativos aos créditos hipotecários a que recorreu, em 1997 e 2002, que a obrigam a não onerar os imóveis, sob pena de vencimento da totalidade da dívida, o que a ocorrer lhe causaria prejuízo irreparável.
2. A admitir-se tal possibilidade, estaria criado um novo tipo de bens relativamente impenhoráveis, quando na verdade, situados no campo dos direitos reais de garantia, tal função e respectivo contrato não são prejudicados pela penhora que venha a ser registada pela Fazenda Nacional, em processo em que o credor garantido - credor com garantia real, como o são no caso as entidades bancárias com quem a executada/revertida celebrou contratos de empréstimo - tem a possibilidade de exercitar o seu direito.
3. Doutro modo, ficariam lesados os direitos dos demais credores, caso prevalecesse a possibilidade do credor com garantia real que primeiro registasse o seu direito real de garantia, inviabilizasse por essa via a efectivação de quaisquer outros direitos reais de garantia dos demais credores do devedor.
4. O que traduziria ainda, a possibilidade de colocar na disponibilidade daquele credor (entidade bancária) a tutela dos interesses dos demais credores na relação jurídica.
5. Acresce que, no âmbito da tutela dos interesses defendidos pelo Estado, também não lhe está disponível a faculdade de interagir ou intervir em tais contratos do dito domínio privado, pelo que, também, e na mesma medida, não poderão ficar lesados os seus créditos nessa medida.
6. Se é verdade que em direito civil a regra é "tudo é permitido do que não proibido", também é verdade que os contratos celebrados a essa luz normativa, não podem prejudicar nem ir contra o interesse público, na medida que os credores aqui o representam, designadamente, quando se tratam de interesses ligados à esfera fiscal do Estado.
7. Sendo certo ainda, que a suspensão da execução fiscal, só pode ser declarada nas situações previstas na lei sob pena de responsabilidade da entidade que a decrete contra legem, não violando tal entendimento o princípio da segurança jurídica e da estabilidade das decisões judiciais ínsitos no art° 2° da Constituição da República Portuguesa.
8. Assim, não podem os créditos do Estado ficar prejudicados pela celebração de contratos particulares com entidades bancárias à margem das garantias dos restantes credores, que assim, sempre ficariam destituídos ou desprovidos de garantia que tais bens dão ao ressarcimento dos valores em dívida pelo executado.
9. Caso contrário, qualquer contribuinte devedor perante a Administração Tributária, mediante a celebração de contratos de empréstimo com as entidades bancárias, dos imóveis por si adquiridos, em idênticas condições - como alias é recorrente da forma daqueles contratos, tornaria inviável o recebimento dos créditos quer da Administração Tributária, quer dos restantes credores a quem o contribuinte/executado devesse qualquer quantia, designadamente, decorrente da sua actividade comercial.
10. Se tal cláusula fosse de forma a interpretar a sua aplicação como no presente caso, a todas as situações de créditos com o Estado, não haveria possibilidade de efectuar penhoras e as vendas ficariam impossibilitadas de se fazer, já que, sempre haveria por essa forma prejuízo para os executados.
11. Donde, o prejuízo de que se fala não é irreparável, na medida em que pode ser demonstrado e reparado pelas regras da acção de indemnização.
12. Mas nem por isso, o interesse particular pode relevar perante o interesse do credor Estado, que como consequência, conduz necessariamente ao pagamento, em primeira linha, dos credores com garantia real que sobre o imóvel tenham constituído ónus ou encargos a seu favor.
13. Quando a consequência deriva do não pagamento ao Estado, para cumprimento do contrato feito dentro dos limites que a liberdade contratual civil permite, e que são amplos, diga-se de passagem,
14. não pode essa liberdade contratual, enquanto ditame do direito civil, pretender sobrepor-se ao princípio da legalidade subjacente e orientador do ordenamento jurídico -tributário, que responde pelas normas de tributação à arrecadação da receita liquidada.
15. Ou, estaria aberta a porta ao encerramento da cobrança, inibida que ficaria a coercividade da mesma, por qualquer outro credor de cobrar os seus créditos.
16. O processo de execução fiscal visa a satisfação do interesse público na cobrança dos créditos fiscais, de uma forma célere e totalmente vinculada à lei, no âmbito da prossecução do interesse público, consagrado no art° 266° n° 1 da Constituição da República Portuguesa, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
17. O interesse público é o interesse colectivo e geral de uma determinada comunidade visando o bem-comum ("quodhomines num solum visant, sed bene vivant").
18. À luz do princípio da legalidade, o interesse público não pode prosseguir de qualquer modo, e muito menos de forma arbitrária, senão pela observância de princípios e regras que o delimitam.
19. Pelo que, a decisão proferida não está correcta quando, em violação do princípio da legalidade tributária, decide prejudicar, ainda que indirectamente, o cumprimento do normativo da previsão do art° 30° n° 2 da LGT, que determina a indisponibilidade dos créditos do Estado.
20. In casu, não podia a douta decisão vir determinar a revogação do acto do órgão de execução fiscal, já que o mesmo não é ilegal nem está ferido de qualquer vício invalidante.
21. Assim, o prejuízo irreparável defendido pela douta sentença, não está beliscado, na medida em que, na situação da sua previsibilidade, o legislador contemplou a possibilidade da sua existência e, consequentemente, a forma da sua reparação.
22. Pelo que, rebatidos que ficam os fundamentos da douta decisão nesta parte, conclui-se pela falta de demonstração de prejuízo irreparável no que concerne à eventual prestação de garantia da execução fiscal através da constituição da penhora dos imóveis que constituem a esfera patrimonial da executada/revertida;
23.no mais, tendo o despacho reclamado apreciado devidamente a ausência de fundamentos da isenção de prestação de garantia, pelo que nenhuma censura nos merece o despacho sob reclamação, devendo por isso, ser considerada incorrectamente feita a interpretação e aplicação da norma contida no art° 52 da LGT pelo Tribunal.
Nestes termos deve o presente recurso ser julgado procedente, e declarada nula a douta sentença produzida pelo Tribunal a quo.
Com o que, V.Exas. farão a costumada JUSTIÇA!
A recorrida contra -alegou e ampliou o objecto do recurso para o que concluiu:
1. Ficou provado que os prédios de que a recorrida é titular, um dos quais a sua habitação própria, estão onerados com hipotecas para garantia de mútuos contraídos;
2.Ficou provado que a constituição de garantia através desses bens levaria à resolução do contratos de mútuo recorrida e, consequentemente, ao imediato vencimento e exigibilidade da totalidade das dívidas.
3.Atenta a quantia em causa (€51 620,79, acrescida de encargos devidos pela resolução), tal situação causaria à recorrida prejuízo irreparável.
4.Admitindo existir prejuízo irreparável "latu senso", a Recorrente mais não faz do que reconhecer a existência de prejuízo irreparável.
5.Ficou, assim, desde logo, provado um dos requisitos de que a lei faz depender a isenção de prestação de garantia (art° 52°, n° 4 da LGT), bem decidindo a douta sentença recorrida, a qual deve, portanto, ser mantida na sua íntegra.
6. Ficou ainda demonstrada a manifesta falta de meios económicos para prestação de garantia, atentos o montante global dos seus rendimentos, as despesas para satisfação das necessidades do agregado familiar e os encargos bancários a que está obrigada;
7. Está, pois, verificado qualquer dos requisitos previstos no art° 52°, n° 4 da LGT para a isenção de prestação de garantia - prejuízo irreparável e manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescido,
8. Sendo certo que não ficou provado que a recorrida tivesse concorrido para tal insuficiência ou inexistência.
9. Os requisitos estabelecidos na citada disposição legal são de aplicação alternativa.
10. A Recorrente não pôs em crise um dos requisitos dado como provado na douta sentença recorrida - manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência ou inexistência de bens -, pelo que também por isso, deve a douta sentença ser mantida.
11. Sem conceder, e por mera cautela de patrocínio, deve o fundamento invocado pela recorrida que não obteve acolhimento -anulabilidade do acto de indeferimento por vício de falta de fundamentação - ser apreciado pelo Tribunal, o que se requer ao abrigo do disposto no art° 684°A do C.P.C, aplicável por força do disposto no art° 2° do C.P.P.T.;
12. Na verdade, o acto de indeferimento não esclarece as concretas razões de facto e de direito que levaram à decisão naquele sentido e não noutro;
13. Limitando-se a confirmar a existência de bens em nome da reclamante, de modo erróneo, diga-se (parte do pressuposto que são quatro os imóveis, quando na realidade são dois), o despacho de indeferimento silenciou totalmente a invocada impossibilidade de dar os mesmos em garantia;
14.Tendo a reclamante invocado que a situação em que se encontravam os imóveis e a sua deficitária situação económica obstaculizavam a prestação de garantia, não podia a Administração bastar-se em sede de fundamentação com a simples afirmação da existência de bens em nome da reclamante;
15. A fundamentação do acto administrativo em matéria tributável constitui uma garantia específica do contribuinte (art° 77°, n° l da LGT, art°s 124° e 125° do C.P.A. e art° 268°, n° 3 da C.R.P.);
16. A fundamentação do acto administrativo deve ser expressa e clara, suficiente e congruente, de modo que a decisão constitua a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, envolvendo entre eles uma necessária adequação, qualidades que o acto reclamado não tem.
17. O acto de indeferimento deve, pois, ser anulado por vício de falta de fundamentação, nos termos do disposto nos art°s 135° e 136° do C.P.A., por violação das normas contidas nos art°s 125°, n° l e n° 2 do C.P.A., 77°, n° l da LGT e no art° 268°, n° 3 da C.R.P.., o que se requer subsidiariamente, ao abrigo do disposto no art° 684°A do C.P.C.
ASSIM, FARÃO, VOSSAS EXCELÊNCIAS JUSTIÇA!
A EPGA pronunciou-se no sentido de que o recurso merece provimento.
Os autos vêm á conferência com dispensa de vistos.
*
2.- Para a decisão importa ter em conta em sede fáctica o que a 1ª instância deu como assente com fundamento no teor das informações oficiais e documentos constantes dos autos, bem como no processo de execução fiscal apenso, com interesse para a decisão da causa, os factos que a seguir se indicam.
a) Foi instaurada contra a sociedade "SCALDRENO CONSTRUÇÕES, LDA.", no Serviço de Finanças de Santarém, a execução fiscal que ali corre os seus respectivos termos sob o n° 2089-03/101184.7 e Aps., para cobrança coerciva de dívida de IVA, IRC e coimas no valor total de €31.408,37 ( cfr. fls. l a 5 dos presentes autos);
b) Por despacho de 07/05/2009 a execução fiscal indicada na alínea a) reverteu contra Anabela ... e aqui reclamante na qualidade de responsável subsidiária pelas dívidas da executada originária, tendo a oponente sido citada em 15/05/2009 (fls. 36 a 39);
c) Através do ofício n° 8838, datado de 10/07/2009, foi a executada, ora reclamante, notificada para prestar garantia, no valor de € 37.509,76, por qualquer da formas previstas nos artigos 195° e 199° do C.P.P.T., sob pena de os autos de execução prosseguirem os seus demais termos (cfr. fls. 66 e 67);
d)Em 29/07/2009, a reclamante apresentou, junto do órgão de execução fiscal, um requerimento mediante o qual peticionou a isenção de prestação de garantia, nos termos do n°4 do artigo 52° da L.G.T. (cfr. fls. 70 a 110 dos autos);
e)Em 12/08/2009, pelo Exmo Senhor Chefe do serviço de Finanças de Santarém foi proferido o seguinte "Despacho": "Vem a executada mós presentes autos, Anabela ..., com o NIF 200758845, representada pela ilustre Mandatária Dra. Lúcia Mata, advogada (,..) executada por reversão de Scaldreno Construções, Lda. com o MPC 503818518, dispensa de prestação de garantia nos termos do nº 4 do artigo 52° da Lei Geral Tributária. Aponta como razões para o pedido os fundamentos constantes nos pontos 2 a 20 da petição de fls. 70 a 73, declarando, que embora possuindo bens imóveis, os mesmos possuem hipotecas, estando impedida de constituir outros ónus ou encargos sobre os mesmos, o que lhe causaria prejuízos irreparáveis. Nestes termos, no caso em análise, confirma-se que em nome da executa existem os prédios rústicos inscritos na matriz cadastral sob os artigos 9 da secção H e 11 da secção T e os prédios urbanos inscritos sob os artigos 782 e 1725, todos da freguesia de S. Vicente do Paul deste concelho, conclui o Órgão de Execução que estes bens são susceptíveis de penhora, pressupondo existirem condições para a garantia do presente processo executivo. Assim, no uso da competência que me é conferida pelos artigos 149° e 150° do C.P.P.T., indefiro a pretensão da requerente, não concedendo a isenção da prestação de garantia (...)» (fls. 112);
f) Mediante o ofício n° 10258, datado de 14/08/2009, foi a reclamante notificada da decisão de indeferimento do pedido de dispensa da prestação de garantia (cfr. fls. 113 e 114);
g) A reclamante é proprietária de dois prédios mistos com o valor patrimonial total de € 18.164,09 (cfr. fls. 79 a 80, 81 a 82 e Lista de Prédios de fls. 138 e 139, que aqui se dá por integralmente reproduzidas);
h) Sobre os prédios referidos na alínea anterior incidem hipotecas voluntárias, para garantia de empréstimos que contraiu em 28/01/1997 e em 31/07/2002, estando obrigada a não os onerar sob pena de vencimento da totalidade das quantias em dívida, de acordo com os respectivos contratos (fls. 83 a 98 e 99 a 110);
i) A reclamante e Gabriel da Costa Guerreiro, auferiram, no ano de 2008, rendimentos da Categoria A, como trabalhadores dependentes no valor total bruto de € 26.106,61 (cfr. Consulta Electrónica de liquidação de IRS de fls. 140);
j) A reclamante aufere a remuneração mensal líquida no valor de € 1.198,18 (fls. 74);
k) O agregado familiar da reclamante é constituído pelo marido, Gabriel da Costa Guerreiro e dois filhos menores, sendo que o marido aufere a remuneração mensal líquida de € 657,35 (fls. 75);
l) A reclamante é titular da conta bancária nº 0358.00200019083 do Santander Totta, através da qual paga a prestação mensal de €504,12 relativa à compra da habitação própria (fls. 76 a 77 e 83 a 98);
m) A reclamante é titular de uma conta bancária no Crédito Agrícola, onde paga a prestação mensal, no valor de €558,83 relativa a um contrato de mútuo (fls. 78 e 99 a 110);
n) Em 31/09/2009, a reclamante não se conformando com o teor do despacho proferido em 12/08/2009 apresentou a reclamação em apreço (cfr. carimbo aposto a fls.115 dos autos);
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FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram outros factos para além dos supra mencionados. As demais asserções do articulado inicial integram conclusões de facto/direito ou meras considerações pessoais da reclamante.
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A convicção do Tribunal alicerçou-se na consideração dos factos provados no teor dos documentos supra identificados que não foram impugnados.
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3. -Tendo em conta a factualidade levada ao probatório da sentença e que o recurso é delimitado objectivamente pelas conclusões da alegação da recorrente - artºs. 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do CPC e al. f) do artº 2º e artº 169º, estes do CPPT- e considerando que a recorrida procedeu à ampliação do objecto do recurso sobre o vício da falta de fundamentação como lho consentia o art° 684°A do C.P.C., estando em causa o despacho proferido pelo Sr. Chefe de Finanças de Santarém, que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia no presente processo de execução fiscal verifica-se que as questões a decidir consistem em saber se:
A) - A sentença incorre em erro de interpretação e aplicação do art. 52 nº 4 da LGT;
D) -Se a sentença errou ao considerar legalmente fundamentado o despacho impugnado.
Assim:
Do erro de interpretação e aplicação do art. 52º n° 4 da LGT
Afirma-se na sentença recorrida que a isenção da prestação da garantia apenas se pode fundamentar nas circunstâncias referidas no n° 4, do art° 52° da LGT, cabendo ao requerente demonstrar que a mesma lhe causa prejuízo irreparável, ou que se verifica a manifesta falta de meios económicos para o pagamento daquela dívida, e que tal insuficiência não é da sua responsabilidade.
Sob a epígrafe “Dispensa da prestação de garantia” dispõe o art. 170° do CPPT, que:
1 - Quando a garantia possa ser dispensada nos termos previstos na lei, deve o executado requerer a dispensa ao órgão da execução fiscal (...)
2-(...).
3 - O pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária.
4-(...).
Por sua vez, o art. 199°, do mesmo diploma legal, sob a epígrafe Garantias, prescreve:
"1-(...).
2-(...)
3 - Se o executado considerar existirem os pressupostos da isenção da prestação de garantia, deverá invocá-los e prová-los na petição.
(...)".
Por seu turno, o art. 52° da LGT, sob a epígrafe Garantia da cobrança da prestação tributária, refere:
«1-(...).
2- (...)
3 - (...)
4 -A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
(…)".
O despacho reclamado, conforme a alínea e) dos factos provados, indeferiu a pretensão da ora reclamante, na parte em que requeria a dispensa da prestação de garantia por não provar o prejuízo irreparável efectivamente causado pela prestação da garantia e determinando a prestação da garantia devida para os efeitos do disposto no n°6, do art° 199° do CPPT, para o que fundamentou: (…) declarando –o requerente -, que embora possuindo bens imóveis, os mesmos possuem hipotecas, estando impedida de constituir outros ónus ou encargos sobre os mesmos, o que lhe causaria prejuízos irreparáveis. Nestes termos, no caso em análise, confirma-se que em nome da executa existem os prédios rústicos inscritos na matriz cadastral sob os artigos 9 da secção H e 11 da secção T e os prédios urbanos inscritos sob os artigos 782 e 1725, todos da freguesia de S. Vicente do Paul deste concelho, conclui o Órgão de Execução que estes bens são susceptíveis de penhora, pressupondo existirem condições para a garantia do presente processo executivo. Assim, no uso da competência que me é conferida pelos artigos 149° e 150° do C.P.P.T., indefiro a pretensão da requerente, não concedendo a isenção da prestação de garantia (...)»
Vê-se, pois, que na decisão recorrida se entendeu que a recorrida fez prova de a sua insuficiência económica e que demonstrou a existência de prejuízo irreparável no que concerne à eventual prestação de garantia da execução fiscal através da constituição da penhora dos imóveis que constituem a esfera patrimonial da executada/revertida e, outrossim, que tal não decorreu da sua responsabilidade, tendo em vista o disposto no nº 4 do artº 52º supra transcrito.
Todavia e como bem salienta a EPGA no seu douto parecer, não constam dos autos elementos probatórios carreados pela recorrida, justificativos da sua situação financeira, nomeadamente das razões do endividamento da mesma perante o crédito Agrícola pois daqueles apenas resulta que a reclamante é titular de uma conta bancária no Crédito Agrícola, onde paga a prestação mensal, no valor de €558,83 relativa a um contrato de mútuo.
No caso em apreço, tal como no tratado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 06/05/2003, Proc. 00155/03, a questão a decidir prende-se, além do mais, com a interpretação do disposto no n° 3 do art. 170° do CPPT.
A tal propósito, foi referido no citado acórdão:
"4.1. Nos termos do disposto no nº 4 do art. 52° da LGT «a administração tributária pode, a requerimento do interessado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que, em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência dos bens não seja da responsabilidade do executado».
Daqui resulta que os pressupostos da isenção citada são a existência de prejuízo irreparável que seja causado pela prestação da garantia e a manifesta falta de meios económicos para a prestar. Todavia, em relação a ambos os casos, a lei impõe, ainda, que a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
Ou seja, da interpretação conjugada do disposto nos dois normativos citados (n° 4 do art. 52° da LGT e n° 3 do art. 170° do CPPT) vemos que aquele primeiro impõe que «em qualquer dos casos» (quando a prestação da garantia causar prejuízo irreparável ou quando haja manifesta falta de meios económicos, que pode ser revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, para pagamento da dívida exequenda e acrescido) a insuficiência ou inexistência de bens não pode ser da responsabilidade do executado.
Ora, se, como (...) acentuam Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (Lei Geral Tributária, comentada e anotada, reimpressão, pág., 153, «a responsabilidade do executado, prevista na parte final do n° 4, se deve entender em termos de dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores, e não como mero nexo de causalidade desprovido de carga de censura ou simples má gestão dos seus bens, então só pode concluir-se que ao executado incumbe provar que, apesar da insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores.
E esta conclusão resulta, igualmente, da conjugação do disposto no n° 3 do art. 170° do CPPT (o pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária) com o também disposto no art. 342° do Código Civil (quem invoca um direito ou pretensão tem o ónus da prova dos respectivos factos constitutivos, cabendo à contraparte, aprova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos).
Neste mesmo sentido se pronunciam, ainda, Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão (Código de Procedimento e de Processo Tributário, comentado e anotado, Almedina, pag. 422): «o pedido deve ser alicerçado em razões de facto e de direito, justificativas, designadamente, do prejuízo irreparável ou da manifesta falta de meios económicos.
E deve ser instruído com a indispensável prova documental».".
No caso que nos ocupa, à semelhança do tratado no aresto que se vem transcrevendo, a reclamante não provou os pressupostos legais da dispensa de garantia, sendo que sobre ele impende o ónus da prova da insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido e de que não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores.
Na verdade, atenta a matéria de facto provada, não pode concluir-se que a reclamante recorrida tenha provado os referidos pressupostos para a concessão da isenção, nomeadamente, que tenha provado que, apesar da insuficiência de bens penhoráveis, não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores, requisito de que o n° 4 do art. 52° da LGT faz depender a isenção da prestação de garantia quer no caso de invocação de prejuízo irreparável, quer no caso de invocação de manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis.
(...)
4.3. É verdade que, em relação ao pressuposto «manifesta falta de meios económicos» a lei adianta que essa falta pode ser revelada quando ocorra insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.
Todavia, esta é questão que se reporta, apenas à prova do pressuposto da falta de meios económicos, e não já à prova (ou não prova) de que tal insuficiência ou inexistência de bens não é da responsabilidade do executado. A prova da inexistência desta responsabilidade recai, nos termos gerais, sobre o executado, já que é sabido que o ónus consiste na necessidade de observância de determinado comportamento, não para satisfação do interesse de outrem, mas como pressuposto de uma vantagem para o próprio (cfr. A. Varela, Obrigações, pág. 35).
Daí que, (...), não baste afirmar-se a distinção de que a imposição de instrução do pedido de isenção com a prova documental necessária se reporta apenas ao pedido com base no prejuízo irreparável a causar pela prestação da garantia.
(...) o cerne da questão não está em saber sobre quem é que recai o ónus de demonstrar que os bens penhoráveis são insuficientes para pagamento da quantia exequenda e acrescido (se é sobre o requerente ou sobre a Fazenda Pública). Ao dispor que a falta manifesta de meios económicos pode ser revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, não se inverte o ónus da prova quanto à existência daquele pressuposto (falta de meios económicos).".
Aqui chegados e sem necessidade de mais alongadas considerações, já podemos concluir pela improcedência da presente reclamação, já que, o despacho reclamado, à luz da doutrina plasmada no acórdão referido, não merece qualquer censura.
Acrescente-se, que a suspensão da execução está condicionada à existência ou prestação de garantia por força das disposições conjuntas e combinadas dos artºs. 52º, nº 2 da LGT e 169º, nº 1 e 5, e 199º, nº 1, estes do CPPT, sendo facultada ao executado a sua dispensa pelos artºs. 169º, n2 e 170º deste último diploma legal.
Ora, apreciando a situação patrimonial do recorrente revelada nos autos, na esteira do parecer do EPGA, deve ter-se em consideração a doutrina que dimana do Acórdão do STA de 17.12.2008, Recurso nº 0327/08 – Pleno da Secção do Contencioso Tributário e de que foi Relator o Cons. Jorge Lopes de Sousa: «…a eventual dificuldade que possa resultar para o executado de provar o facto negativo que é a sua irresponsabilidade na génese da insuficiência ou inexistência de bens não é obstáculo à atribuição àquele do ónus da prova respectivo…» e ainda «…é sobre o executado que pretenda a dispensa de garantia, invocando explicita ou implicitamente o respectivo direito, que recai o ónus de provar que se verificam as condições de que tal dispensa depende, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido».
Por esse prima, também entendemos que a reclamante teria de provar que a prestação da garantia lhe causa prejuízo irreparável ou a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência/inexistência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não fosse da responsabilidade do executado.
Ora, não se afigura estarem demonstrados nos autos o prejuízo irreparável, a falta de meios económicos e a situação de insuficiência/inexistência de bens penhoráveis para pagamento da quantia exequenda e acrescido, como ainda não se prova – o que também é requisito -que as aventadas insuficiência ou inexistência de bens da sociedade não haja procedido de culpa sua, sendo seu o ónus probatório quanto a tal matéria.
Como vimos, nos termos do disposto no n° 4 do art. 52° da LGT «a administração tributária pode, a requerimento do interessado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que, em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência dos bens não seja da responsabilidade do executado».(1)

Daqui resulta que os pressupostos da isenção citada são a existência de prejuízo irreparável que seja causado pela prestação da garantia e a manifesta falta de meios económicos para a prestar. Todavia, em relação a ambos os casos, a lei impõe, ainda, que a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
Ou seja, da interpretação conjugada do disposto nos dois normativos citados (n° 4 do art. 52° da LGT e n° 3 do art. 170° do CPPT) vemos que aquele primeiro impõe que «em qualquer dos casos» (quando a prestação da garantia causar prejuízo irreparável ou quando haja manifesta falta de meios económicos, que pode ser revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, para pagamento da dívida exequenda e acrescido) a insuficiência ou inexistência de bens não pode ser da responsabilidade do executado.
Ora, evocando mais uma vez Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (Lei Geral Tributária, comentada e anotada, reimpressão, pag., 153, «a responsabilidade do executado, prevista na parte final do n° 4, se deve entender em termos de dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores, e não como mero nexo de causalidade desprovido de carga de censura ou simples má gestão dos seus bens, então só pode concluir-se que ao executado incumbe provar que, apesar da insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores.
E esta conclusão resulta, igualmente, da conjugação do disposto no n° 3 do art. 170° do CPPT (o pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária) com o também disposto no art. 342° do Código Civil (quem invoca um direito ou pretensão tem o ónus da prova dos respectivos factos constitutivos, cabendo à contraparte, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos).»
Neste mesmo sentido se pronunciam, ainda, Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão (Código de Procedimento e de Processo Tributário, comentado e anotado, Almedina, pág. 422): «o pedido deve ser alicerçado em razões de facto e de direito, justificativas, designadamente, do prejuízo irreparável ou da manifesta falta de meios económicos. E deve ser instruído com a indispensável prova documental».
Há que provar os pressupostos legais da dispensa de garantia, sendo que sobre a recorrida impende o ónus da prova da insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido e de que não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores.
Compulsando os autos, conclui-se que os mesmos, como já se disse, reúnem elementos que permitem conhecer dos referidos pressupostos para a não concessão da isenção, nomeadamente, porque não se prova a invocada insuficiência de bens penhoráveis, nem que não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores, requisito de que o n° 4 do art. 52° da LGT faz depender a isenção da prestação de garantia quer no caso de invocação de prejuízo irreparável, quer no caso de invocação de manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência/inexistência de bens penhoráveis.
Não é sobre a reclamante que incide o ónus de demonstrar que os seus bens penhoráveis são insuficientes para pagamento da quantia exequenda e acrescido mas sim sobre a Fazenda Pública, e que se não existe nos autos informação sobre os bens penhoráveis do executado aquando da formulação do pedido de isenção, compete à Administração Tributária diligenciar no sentido de apurar da sua existência e valor e, só após tal diligência, poderá decidir sobre a dispensa da prestação da garantia que tenha como fundamento a circunstância em apreço, não fez correcta interpretação do disposto nos arts. 52°, n° 4 da LGT e 170°, n° 3 do CPPT.
É verdade que, em relação ao pressuposto «manifesta falta de meios económicos» a lei adianta que essa falta pode ser revelada quando ocorra insuficiência/inexistência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.
Todavia, esta é questão que se reporta, apenas, à prova do pressuposto da falta de meios económicos, e não já à prova (ou não prova) de que tal insuficiência ou inexistência de bens não é da responsabilidade do executado. A prova da inexistência desta responsabilidade recai, nos termos gerais, sobre o executado, já que é sabido que o ónus consiste na necessidade de observância de determinado comportamento, não para satisfação do interesse de outrem, mas como pressuposto de uma vantagem para o próprio (cfr. A. Varela, Obrigações, pág. 35).
Por isso é que a argumentação constante da decisão recorrida também não poderia, a nosso ver, determinar a revogação do despacho do CRF: É que o cerne da questão não está em saber sobre quem é que recai o ónus de demonstrar que os bens penhoráveis são insuficientes para pagamento da quantia exequenda e acrescido (se é sobre o requerente ou sobre a Fazenda Pública). Ao dispor que a falta manifesta de meios económicos pode ser revelada pela insuficiência/inexistência de bens penhoráveis, não se inverte o ónus da prova quanto à existência daquele pressuposto (falta de meios económicos).
Em face de todo o antecedentemente exposto, se os autos revelarem que a recorrida tem possibilidades económicas para prestar a garantia fixada, não se torna sequer necessário aquilatar da verificação dos demais requisitos da dispensa da prestação da caução, v.g. se a recorrente efectivamente teve culpa na insuficiência ou inexistência de bens, tendo de manter-se o despacho recorrido.
Ora, como bem refere a recorrente, não pode a liberdade contratual sobrepor-se ao princípio da legalidade, que neste caso passa por ser feita a prova suficiente pela recorrida de que preenche os requisitos do nº 4 do artº 52º da LGT, relativamente à insuficiência de bens e à sua não responsabilidade por essa mesma insuficiência, o que não logrou fazer.
Destarte, como é patente, não tendo a sentença recorrida feito correcta apreciação dos factos, é forçoso concluir que incorreu em errada subsunção dos mesmos aos preceitos legais aplicáveis, o que é determinante da sua revogação.
Resta aquilatar se o dispositivo da mesma se deve manter por via da procedência do fundamento da falta de fundamentação do despacho reclamado cujo conhecimento é imposto pela ampliação do recurso a que a recorrida procedeu.
No ponto (vd. Conclusões 12 a 15), advoga a recorrida que o acto de indeferimento não esclarece as concretas razões de facto e de direito que levaram à decisão naquele sentido e não noutro, limitando-se a confirmar a existência de bens em nome da reclamante, de modo erróneo, - sublinhado nosso - partindo do pressuposto que são quatro os imóveis, quando na realidade são dois, silenciando assim e totalmente o despacho de indeferimento a invocada impossibilidade de dar os mesmos em garantia. E visto que a reclamante invocara que a situação em que se encontravam os imóveis e a sua deficitária situação económica obstaculizavam a prestação de garantia, não podia a Administração bastar-se em sede de fundamentação com a simples afirmação da existência de bens em nome da reclamante, não se cumprindo assim os ditames da fundamentação do acto administrativo em matéria tributável que constitui uma garantia específica do contribuinte (art° 77°, n° l da LGT, art°s 124° e 125° do C.P.A. e art° 268°, n° 3 da C.R.P.).
Na sentença recorrida discreteou-se deste modo sobre o vício assacado ao acto:
“No caso em apreço, a reclamante alega, entre outros vícios a falta de fundamentação do despacho em apreço por entender que este «Não atendeu, nem ponderou sequer a concreta situação desses bens, limitando-se a confirmar a existência dos mesmos em nome da executada, ignorou os factos que no entendimento da Reclamante integram os requisitos legais para a dispensa da prestação da garantia prevista no artigo 52°, n°s l a 4 da LGT (...) do conteúdo da decisão não é possível alcançar as razões de facto e de direito (...) do indeferimento, carecendo a mesma de fundamentação».
Ora, a reclamante não demonstra desconhecer as razões que nortearam a decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia.”
E prossegue:
“…a reclamante conhece as razões do órgão de execução fiscal que sustentam a decisão de indeferimento do seu pedido de dispensa de prestação de garantia com vista à suspensão dos autos de execução.
Conforme refere o Digno Magistrado do Ministério Público «Embora singelo o despacho sob reclamação é preciso e claro e facilmente perceptível (...) já que, como nele se diz e se infere, o indeferimento ficou-se a dever ao facto da reclamante ser proprietária de outros imóveis, além da casa de habitação, mormente de prédios rústicos, susceptíveis de serem penhorados.»
Analisando o despacho em questão, afigura-se possível fazer o percurso cognoscitivo do seu autor, porquanto naquele alude-se, expressamente, aos factos alegados pela reclamante e aos pressupostos estabelecidos no artigo 52º n°4 L.G.T.
Com efeito, pode ler-se no referido despacho «(...) Aponta como razões para o pedido os fundamentos constantes nos pontos 2 a 20 da petição de fls. 70 a 73, declarando, que embora possuindo bens imóveis, os mesmos possuem hipotecas, estando impedida de constituir outros ónus ou encargos sobre os mesmos, o que lhe causaria prejuízos irreparáveis. Nestes termos, no caso em análise, confirma-se que em nome da executa existem os prédios rústicos inscritos na matriz cadastral sob os artigos 9 da secção H e 11 da secção T e os prédios urbanos inscritos sob os artigos 782 e 1725, todos da freguesia de S. Vicente do Paul deste concelho, conclui o Órgão de Execução que estes bens são susceptíveis de penhora, pressupondo existirem condições para a garantia do presente processo executivo. Assim, no uso da competência que me é conferida pelos artigos 149° e 150° do C.P.P.T., indefiro a pretensão da requerente, não concedendo a isenção da prestação de garantia.»
A reclamante confunde falta de fundamentação com discordância com o teor da mesma, porquanto, a fundamentação no despacho em crise, permite à interessada conhecer o "iter" cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do mesmo, para decidir como decidiu, pois dele consta uma sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão.
Termos em que, improcede o alegado vício de ausência de fundamentação.”
Concorda-se com o discurso fundamentador em vista do caso concreto.
Com efeito e no essencial, para a reclamante/recorrida o despacho impugnado não esclarece as concretas razões de facto e de direito que levaram à decisão naquele sentido e não noutro, limitando-se a confirmar a existência de bens em nome da reclamante, de modo erróneo partindo do pressuposto que são quatro os imóveis, quando na realidade são dois.
Sendo assim, é manifesto que a recorrida invocou a falta de fundamentação substancial e não a formal, que é a que está contemplada na estatuição das normas legais atinentes.
Se não vejamos.
Como repetidamente vem sendo referido pela jurisprudência, o vício da falta ou insuficiente fundamentação é de natureza formal e não substancial.
O imperativo da fundamentação do acto tributário, como acto administrativo, apresenta uma complexidade funcional que se não reduz apenas à vertente da garantia de protecção dos administrados, com vista ao efectivo direito ao recurso contencioso, antes exige também a satisfação de outros interesses, como o da racionalidade da própria decisão e o da transparência da actuação administrativa, de maneira a ficar claro porque não se decidiu num sentido e não noutro não se desprezando os critérios de vinculação elencados no regime legal em termos de não prejudicar a compreensão da sua motivação.
Assim, para que o acto cumprisse o dever de fundamentação formal, não bastava que contivesse qualquer declaração fundamentada, antes tal declaração devia consistir num discurso aparentemente capaz de fundar a decisão administrativa.
E para isso, a fundamentação tinha de conter um esclarecimento concreto suficientemente apto para sustentar a decisão, não podendo assentar em meros juízos conclusivos ou em factos que os não suportam, sob pena de ficar prejudicada a compreensão da sua motivação e, consequentemente, qualquer das suas funções.
É por demais evidente que da exposição de motivos aduzidos pela entidade decidente ficou a recorrente a saber o porquê de tal decisão já que se esclarecem as razões de facto e de direito que determinaram aquela.
A fundamentação do acto administrativo tem como escopo fundamental evitar tratamento discriminatório e a permissão do administrado do uso correcto de todos os meios processuais de defesa em relação à Administração, defesa essa que só é susceptível de ser bem sucedida se àquele for dada a conhecer a razão de ser do procedimento tomado e que ao caso se ajuste.
Para a reclamante não foram pela entidade decidente apontados os motivos que em base coerente e credível serviram de suporte do acto de que visam ser fundamento e que o seu destinatário não ficou em condições de entender porque razão a entidade decidente actuou daquela forma e não de outra.
Os actos administrativos devem apresentar-se formalmente como disposições conclusivas lógicas de premissas correctamente desenvolvidas e permitir, através da exposição sucinta dos factos e das regras jurídicas em que se fundam, que os seus destinatários concretos, pressupostos cidadãos diligentes e cumpridores da lei, façam a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente.
Decorre do exposto que não está abrangido pelo dever legal de fundamentação a fundamentação substancial que é caracterizada pela exigência da existência dos pressupostos reais e dos motivos concretos aptos a suportarem uma decisão legítima de fundo (nesse sentido vide Prof. Vieira de Andrade, in O Dever da Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos», p. 231).
Neste contexto, o que se impõe, a nosso ver é a análise da prova recolhida nos autos sob o prisma da fundamentação formal, captando da decisão os elementos que comprovem ou infirmem que se trata de uma exposição sucinta dos factos e das regras jurídicas em que se fundam, que os seus destinatários concretos, pressupostos cidadãos diligentes e cumpridores da lei, ficam em condições de fazer a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente.
Como se disse, impende sobre a Administração a obrigação de fundamentar os seus actos que possam afectar os direitos e os interesses legalmente protegidos do contribuinte sob pena de tais actos serem susceptíveis de anulação.
É entendido na Doutrina e Jurisprudência Portuguesas que a fundamentação há-de ser «a indicação dos factos e das normas jurídicas que a justificam» (Prof. J. Alberto Reis,in vol. V-pag.24).
Ou ainda como diz Henri Capitant, no seu «Vocabulaire Juridique», a «exposição das razões de facto e /ou de direito que determinam... uma decisão».
Ou, também, como diz Prof. Marcelo Caetano, no seu Manual, pág. 477, «a fundamentação consiste em deduzir expressamente a resolução tomada das premissas em que assenta,ou em exprimir os motivos pôr que se resolve de certa maneira, e não de outra».
Constituindo um direito essencial dos administrados a defesa dos seus direitos a qual se traduz, duma banda, na participação activa na fase que conduz à produção do acto administrativo (v. art° 48°, n°s. l e 2 e 268° n° l da CRP) e, doutra, pela possibilidade de recorrer contenciosamente contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios ( art°s- 20° e 268° n° 4 da CRP ) é inquestionável que a obrigação de enunciar expressamente os fundamentos de facto e de direito que determinaram o autor do acto é de extrema relevância porquanto, face à fundamentação do acto é que se podem verificar a legalidade da actuação e conhecer as razões que determinaram o órgão administrativo.
É que a fundamentação do acto constitui um meio importante para a realização do princípio da verdade material ao obrigar a Administração a aprofundar as razões da sua conduta, a buscar a conformidade completa entre o direito e a realidade na consideração de que a realização do interesse público exige o respeito pela legalidade e a obediência ao princípio da igualdade perante a lei.
As decisões administrativas, quando devidamente fundamentadas, constituirão para os contribuintes não um produto da mera intuição dos seus autores, mas o produto de um juízo lógico de ponderação, facilitando as relações entre os sujeitos da relação jurídica tributária.
A fundamentação é ainda relevante para a apreciação contenciosa da legalidade do acto pois é face aos motivos determinantes do acto que o interessado poderá decidir mais seguramente sobre a sua conformidade com a lei, facilitando, por essa via, o controle jurisdicional ao possibilitar a verificação da existência ou não de diversos vícios não só os respeitantes à forma, como também ao desvio de poder, a incompetência e a violação de lei, sem descurar a sua extrema utilidade como elemento interpretativo ao permitir o conhecimento da vontade manifestada e do poder que se procurou exercer.
Assim, quando é desconhecido o itinerário cognitivo e valorativo seguido pelo autor do acto deve concluir-se que houve preterição de formalidades legais.
Em consonância com o ponto de vista atrás afirmado e porque no n° 3 do art° 1° do Dec.-Lei n° 256-A/77, de 17 de Junho e agora no artº 125º do CPA, se faz equivaler à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto o que vai contra quer o art° 1°, n° l do próprio diploma, quer o art° 268° da Constituição da República, em termos de se considerar preterida uma formalidade essencial, teremos de concluir que o acto recorrido se encontra claramente suportado pelos elementos de facto e de direito como o revela a materialidade que deflui dos autos.
Na verdade, a fundamentação do acto recorrido está vazada em termos claros, suficientes e congruentes sobre o motivo determinante da decisão e, por essa óptica, só haverá falta de fundamentação quando os motivos invocados para se decidir neste ou naquele sentido não permitirem ao respectivo destinatário conhecer qual a razão de ser, de facto e de direito, da decisão.
Ora, no caso vertente, entende-se que o despacho impugnado se mostra devidamente fundamentado, de facto e de direito, permitindo a um normal destinatário apreender qual a razão de ser do questionado indeferimento.
A própria questão do indeferimento do pedido de isenção de garantia não deixa de ser abordada no conjunto dos fundamentos invocados.
Saber se colhem ou se são erradas as razões invocada é matéria que vai para além da formalidade da fundamentação, entrando já no domínio da substância da decisão.
Não procede, pois, nesta perspectiva, o invocado vício de forma da falta de fundamentação.
E também não ocorre na fundamentação do acto em análise qualquer incongruência já que, em toda a linha argumentativa, está em causa a fundamentação substancial porquanto, ainda que se possa vislumbrar incongruência quando se refere que são quatro, quando a final, são dois os imóveis, o certo é que, como se viu e em substância, as razões da improcedência do pedido de isenção de garantia em nada ficam prejudicadas na sua compreensibilidade de nada valendo, quanto a isso, a incongruência manifestada pela recorrida na sua apreciação.
Improcedem assim todas as conclusões da recorrida em sede de ampliação do objecto do recurso.

*

4. -Nestes termos, acorda-se, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e, em consequência, confirmar o despacho reclamado.
Custas pela recorrida em ambas as instâncias.

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Lisboa, 09/12/2009
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Aníbal Ferraz)

(1) Neste passo estamos a evocar a doutrina do Acórdão deste TCA de 06/05/2003, no Recurso nº155/03, em que interviemos como 2º adjunto e cuja temática era GARANTIA - ISENÇÃO, donde dimana a seguinte doutrina:
1.-Os pressupostos da dispensa de prestação de garantia, referidos no n° 4 do art. 52° da LGT, são a existência de prejuízo irreparável que seja causado pela prestação da garantia e a manifesta falta de meios económicos para a prestar. E em relação a ambos os casos, a lei impõe, ainda, que a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
2.- Ao executado incumbe provar que, apesar da insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores.