Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2180/22.5BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:11/17/2022
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:REJEIÇÃO LIMINAR DA PROVIDÊNCIA CAUTELAR
MANIFESTA FALTA DE FUNDAMENTO DA PRETENSÃO
Sumário:I - A manifesta falta de fundamento da pretensão formulada, enquanto fundamento de rejeição liminar da providência cautelar reconduz-se a um juízo negativo sobre a verificação de algum dos requisitos da tutela cautelar.
II - Sendo o requerimento inicial totalmente omisso quanto a factos concretos, indiciadores e demonstrativos de uma situação de facto consumado ou de prejuízos de difícil reparação, assim como de uma aparência de bom direito, que permita tutelar a pretendida intimação da entidade administrativa, justifica-se a decisão de rejeição liminar.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
A..... interpôs providência cautelar de intimação para adoção ou abstenção de uma conduta contra o Município de Lisboa, pedindo a intimação desta entidade para a afetação imediata do requerente às suas funções de Bombeiro Sapador, numa Companhia do RSB que lhe permita exercer tais funções, assim como progredir na carreira, tudo à semelhança dos restantes colegas, tudo com as devidas e legais consequências.
Por decisão datada de 08/08/2022, o TAC de Lisboa rejeitou liminarmente o requerimento inicial do presente processo cautelar.
Inconformado, o requerente interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“A. O presente recurso é interposto do douto Despacho rejeição liminar do requerimento inicial, nos termos do disposto no artigo 116.º, n.º 2, alíneas d) e e), do CPTA.
Não pode o Recorrente concordar com tal decisão,
B. De acordo com as alíneas d) e e) do Art.º 116.º do CPTA, constituem fundamento de rejeição liminar do requerimento: d) A manifesta falta de fundamento da pretensão formulada; e) A manifesta desnecessidade da tutela cautelar.
C. Com o devido respeito, que é muito, nem um nem o outro fundamento para a rejeição liminar se aplicam ao caso.
Senão vejamos,
D. Tendo o Requerente celebrado com o Município de Lisboa, em 16 de Maio de 2016, um contrato de trabalho um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado para o exercício de funções correspondentes à categoria de Bombeiro Sapador, desde Maio de 2017 (data em que terminou a sua recruta) a Requerida não o coloca a exercer tais funções.
E. Pese embora as constantes interpelações do Requerente, e da Associação Sindical que o representa, para as quais o Município de Lisboa apenas se remete ao silêncio – inexplicável!
F. Desde aquela data que o Requerente não consegue ter os índices salariais desbloqueados por intermédio da promoção na carreira, para a qual celebrou contrato de trabalho em funções públicas com o V/ Município, tal como os restantes colegas conseguem por estarem a exercer as funções de Bombeiro Sapador.
G. Trata-se duma decisão arbitrária da Recorrida, para a qual não existe explicação – nem qualquer explicação por parte da mesma, e que prejudica o Requerente.
H. O Requerente/Recorrente candidatou-se a Bombeiro Sapador no Regimento de Bombeiros Sapadores, passou com êxito nas provas de seleção e recrutamento para o exercício daquelas funções, fez um estágio de 1 (um) ano tendo também terminado com sucesso, e celebrou um contrato de trabalho em funções públicas para aquelas funções em específico (Bombeiro Sapador) – e não outras!
I. A carreira de Bombeiro Sapador é uma carreira especial, para a qual exige um constante aperfeiçoamento através de treino físico e de formação específica, que tem sido negada ao Requerente/Recorrente – que vê os seus colegas de curso progredirem na carreira, sem que lhe seja concedida tal possibilidade.
J. À semelhança das outras carreiras da função pública, a carreira de Bombeiro Sapador está sujeita a progressão, com maiores responsabilidades, e com a atualização do seu índice salarial, tudo quanto lhe está a ser negado,
K. recorde-se, por motivos que ninguém sabe quais são, pois as diversas interpelações realizadas ao Município têm como única resposta o silêncio.
L. Com a decisão do Município de Lisboa, o Requerente/Recorrente está a desempenhar funções que não se candidatou, e para o qual não assinou qualquer contrato de trabalho em funções públicas.
M. Está-lhe vedado o crescimento na carreira que desejou, e se esforçou para passar nas “duríssimas” provas de seleção, e no estágio durante 1 (um ano).
N. Obrigando-o a desempenhar funções que não quer.
O. E, inexplicavelmente, o Município de Lisboa continua a recrutar Bombeiros Sapadores por meio de concurso, quando – não se sabe porquê – coloca um Bombeiro Sapador já formado a exercer outras funções.
P. Além de tudo isto, o Requerente tem uma perca salarial presente e futura, muito significativa, pois atualmente deixa de auferir os subsídios que a Requerida paga a todos os Bombeiros Sapadores, e que corresponde a cerca de 40% do vencimento,
Q. e, está impedido de ver o seu índice atualizado na carreira, pois não cumpre com os objetivos do SIADAP por lhe estar vedado!!!
Reitere-se, inexplicavelmente!!!
R. Este Venerando Tribunal já veio pronunciar-se que “entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.”
Acórdão do TCAS 00684/17.0BECBR-A de 30/10/2020.
S. De acordo com a legislação em vigor, este tipo de comportamento manifestas e (entre outros) com a exclusão de um elemento, com atos mais subtis, podendo abranger a violência física e/ou psicológica, visando diminuir a sua autoestima, ofensas à integridade física e psicológica, não atribuindo sistematicamente funções ao trabalhador para as quais foi contratado.
T. Não sendo a intenção deste processo a condenação da Requerida num crime de assédio laboral (até porque o STA já veio pronunciar-se que para este efeito serão competentes os Tribunais Judiciais), mas tão só a intimação da Requerida para a afetação imediata do Requerente às suas funções de Bombeiro Sapador, numa Companhia do RSB que lhe permita exercer tais funções, assim como progredir na carreira, tudo à semelhança dos restantes colegas,
U. O certo é que não podemos deixar de observar que o Requerente tem sido vítima duma exclusão inexplicável, e que a mesma constitui esta recriminada prática de assédio.
V. Com todo o respeito, dizer-se que não existe fundamentação para a requerida providência, é permitir a continuidade da prática deste comportamento previsto e punido por lei, em detrimento dos Direitos do Trabalhador/Requerente, ora Recorrente.
W. No requerimento inicial da providência cautelar para a intimação da adoção ou abstenção de uma conduta por parte da administração por alegada violação do direito administrativo, foram expostos os factos, e foi feito o pedido, que se traduz exatamente na intimação para a abstenção da não atribuição sistemática das funções para as quais o trabalhador foi contratado, tudo o que se consubstancia numa prática de assédio laboral.
X. Não se compreende, nem se concorda com a decisão de rejeição liminar por manifesta falta de fundamento da pretensão formulada, nos termos da alínea d) do n.º 2 do Art.º 116.º do CPTA, porque os fundamentos estão presentes.
Y. O princípio da tutela jurisdicional efetiva é um corolário do princípio da tutela da dignidade humana e da tutela da confiança. (Sobre a relação entre a tutela jurisdicional administrativa subjetiva e o princípio da dignidade da pessoa, cfr. J. M. SÉRVULO CORREIA, Direito do Contencioso Administrativo, I, Lisboa, Lex, 2005, pp. 718 ss.)
Z. Todas as pessoas devem poder recorrer aos tribunais quando os seus direitos ou interesses legalmente protegidos são atacados ou ameaçados sob pena de criação de um sentimento de insegurança, face ao Estado e face à comunidade, e de falta de efetividade desses mesmos direitos e interesses – o que atentaria contra a sua própria dignidade enquanto pessoas.
AA. A providência cautelar para a intimação da adoção ou abstenção de uma conduta por parte da administração por alegada violação do direito administrativo nacional é dirigida à garantia da tutela judicial efetiva da proteção de um direito violado.
BB. O Requerente outorgou com a Requerida um contrato de trabalho em funções públicas para o exercício de funções de Bombeiro Sapador.
CC. Estas funções estão a ser-lhe sonegadas pela Requerida sem qualquer explicação.
DD. O Requerente já interpelou diversas vezes a Requerida e não obtém respostas.
EE. Este comportamento está a lesar o Requerente no presente e no futuro, com graves repercussões financeiras, psicológicas e impedindo-o de progredir na carreira.
FF. Tudo o que não se aceita, e merece a tutela do Direito e da Justiça!
Sem prejuízo,
GG. No dia 31/05/2022 foi publicado pelo Ministério da Justiça a atualização da duração média dos processos findos nos Tribunais Administrativos e Fiscais de 1.ª Instância, conforme documento 1 que se anexa.
HH. Daquele documento oficial lê-se que os processos de impugnação de atos administrativos, têm uma duração média de 191 meses para transitar em julgado na primeira instância.
II. Falamos de termos médios, o que significa que podem ser superiores ou inferiores. No entanto verifica-se que em média são 16 anos para se verificar a tutela efetiva dos seus direitos.
JJ. O Tribunal a quo fundamenta a sua decisão de rejeição liminar pelo facto de “a tutela cautelar conferida pelo ordenamento jurídico não visa salvaguardar o estado psicológico dos administrados perante a delonga normal de um processo administrativo. Visa, como referido, assegurar o efeito útil de uma sentença a proferir em sede de ação principal, regulando provisoriamente a situação sob litígio até que seja definitivamente decidida, naquela ação, à luz dos critérios prescritos no artigo 120.º do CPTA, dos quais o periculum in mora, se afigura preponderante.”.
KK. Com o devido respeito, mesmo que a decisão no processo principal venha a conceder razão ao Requerente, este terá perdido 16 anos da sua vida, sem progressão na carreira, com um prejuízo financeiro de cerca de 40% sobre o vencimento dos colegas, cuja diferença aumentará a cada promoção que lhe está vedada.
LL. Durante 16 anos (que significam pelo menos 5 oportunidades de progressão de carreira), o Requerente estará a exercer funções para as quais não foi contratado, nem são as que se candidatou, estudou, e fez um estágio de 1 ano.
MM. Durante 16 anos o Requerente assistirá à progressão dos seus colegas, enquanto ele é vítima de assédio laboral!
NN. E mesmo que a sentença no processo principal lhe venha a dar razão – como se crê – não será possível recuperar a situação em que se encontrava antes da ação, pois nem terá a oportunidade de fazer os cursos necessários, nem de fazer as provas, ou de se preparar para as mesmas.
OO. Não será possível progredir na carreira sem realizar provas com sucesso, e, não será possível realizar as mesmas ao fim de 16 anos, porque a sua condição física e psicológica não será a mesma!
PP. Não existindo uma tutela cautelar para esta situação clara de assédio laboral, é “obrigar” o Requerente a conformar-se com esta prática reprovável, ou, “exigir” que o mesmo desista dos direitos que adquiriu por força do concurso para o ingresso na carreira de Bombeiro Sapador.
QQ. Tudo o que, com o devido respeito, não nos podemos conformar.”
A entidade requerida apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“1. Nem o recorrente, nem qualquer dos colegas de curso de 2016, foram promovidos ou se encontram em vias de o ser.
2. Tal facto, resultou das consequências das restrições orçamentais definidas a partir do ano de 2010, que têm impossibilitado a abertura de concursos de promoção à categoria seguinte na carreira de bombeiro sapador.
3. O Recorrente, ao contrário do que afirma, está em formação e colocado no Serviço de Proteção Civil, sendo avaliado como tal – o que aliás, até reconhece nos presentes autos.
4. Só no ano de 2020, estaria o Recorrente e demais colegas de curso, por força do fator tempo (4 anos exigíveis como tal), em condições de apresentarem candidaturas à promoção na carreira. Tal, poderá ocorrer assim que abrirem concursos para o efeito.
5. Acresce, a Recorrida adere aos fundamentos contidos na douta Sentença proferida, aqui em crise, designadamente as invocadas alíneas d) e e) do nº 2 do Artº 116º do CPTA.
6. O Recorrente não junta aos autos, não demonstrando nem invocando os alegados prejuízos, como não refere que situação financeira deveria ter e não tem – sem conceder!
7. Como não demonstra qualquer indício de se encontrar doente, incapacitado, diminuído ou em tratamento sequer.
8. E bem assim, não temos factos concretos nos autos, apresentados pelo Recorrente, que demonstrem situações de «mobbing laboral», ou outras passíveis de configurar situações similares ou equiparadas; bem como situações de facto consumadas que não possam sequer, ser ultrapassadas.
9. Razão pela qual, bem esteve a douta Sentença em rejeitar liminarmente o requerimento inicial da providência cautelar requerida.”

*

Perante as conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir do erro de julgamento da decisão recorrida ao rejeitar liminarmente a providência por manifesta falta de fundamento da pretensão formulada e desnecessidade da tutela cautelar.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

*

Da decisão recorrida consta a seguinte fundamentação:
[É] desde já manifesto que os pedidos, formulado a título cautelar, e indicado para a ação principal, são coincidentes.
Circunstância que, por si só, e face à natureza da tutela cautelar no contencioso administrativo, quanto à provisoriedade da regulação jurídica decorrente do seu decretamento, inviabiliza que o Tribunal conceda a título cautelar, o que afinal o R. pretende através da ação principal e que, em tese, através da procedência dessa ação principal, pode alcançar.
Ainda que o pedido cautelar pudesse ser aferido numa perspetiva cautelar, isto é, instrumental, provisória e sumária, em relação ao pedido indicado a formular na ação principal,
O R. não convoca para o RI, uma causa de pedir, que permita, nesta fase liminar, configurar que estão invocados os pressupostos de facto e de direito, exigíveis pelo disposto no artigo 120.º do CPTA, e, portanto, a necessidade da tutela cautelar desencadeada.
Quanto ao periculum in mora,
Segundo a jurisprudência, «II. É ao requerente da providência que compete demonstrar – ónus de alegação e de prova que lhe está cometido de acordo com as regras gerais do ónus da prova –, o prejuízo derivado da imediata execução do ato suspendendo.
III. O que passa pela invocação de factos concretos que levem o tribunal a concluir que será provável a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação.
IV. A mera alegação de que, segundo um juízo de normalidade e pelas regras de experiência comum, se verifica uma situação de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a requerente visa assegurar no processo principal, destituída da alegação de factos concretos minimamente demonstrativos dos prejuízos enunciados, é insuficiente para aferir da existência do requisito daquele periculum in mora.» in sumário do Acórdão do TCAS, datado de 21/01/2021, no processo 1796/20.9 BELSB, disponível em www.dgsi.pt.
O R. não invoca no RI factos concretos que permitam ao Tribunal, configurar a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação, que a providência cautelar requerida ou qualquer outra, possa evitar.
O R. não junta o contrato de trabalho a que alude, nem indica de forma circunstanciada e concreta sequer onde foi colocado em 2016 e 2017, ou mais tarde, a exercer funções “administrativas” na Proteção Municipal; e sobretudo, em que medida tal colocação o impossibilitava de desenvolver as suas funções de Bombeiro Sapador.
O R. não indica de forma circunstanciada e concreta, o que ocorre na atualidade, de modo a que o Tribunal possa aferir do invocado mobbing laboral, e como o mesmo a ocorrer, se encontre a afetar o seu estado de saúde, o que sempre carecia de se encontrar documentado por declarações médicas, e não ocorre; nem demonstra de que modo o seu estado psicológico não suportará a delonga normal dum processo administrativo.
Note-se que a tutela cautelar conferida pelo ordenamento jurídico não visa salvaguardar o estado psicológico dos administrados perante a delonga normal de um processo administrativo. Visa, como referido, assegurar o efeito útil de uma sentença a proferir em sede de ação principal, regulando provisoriamente a situação sob litígio até que seja definitivamente decidida, naquela ação, à luz dos critérios prescritos no artigo 120.º do CPTA, dos quais o periculum in mora, se afigura preponderante.
O R. não quantifica a invocada perda salarial relativamente aos seus colegas, demonstrando como a mesma, a verificar-se, se traduz, na sua concreta situação financeira, num prejuízo irreparável, sendo que de tal situação, a verificar-se, não resulta inviabilizada a eventual reparação, no caso de procedência da ação principal.
Por outro lado, os prejuízos invocados (quer no seu estado de saúde quer financeiros), que, reitere-se, do modo como se encontram invocados, não configuram uma situação de facto consumado ou de difícil reparação, não se revelam atuais, no sentido de terem passado a reclamar uma tutela cautelar.
Como o R. indica, desde que foi colocado a exercer funções “administrativas” na Proteção Municipal, sem que indique a respetiva data, tem vindo a fazer diversas reclamações, a última das reclamações em 6 de junho de 2022, não demonstrando qualquer das reclamações anteriores.
Desta reclamação, junta como documento 3 do RI, deduzida em termos igualmente não circunstanciados e não demonstrados, não se retiram quaisquer factos que permitam a título liminar, concluir pelo fundamento de facto e de direito da pretensão cautelar formulada, ou da necessidade da presente tutela cautelar.
Razões pelas quais, cabe rejeitar liminarmente o requerimento inicial, nos termos do disposto no artigo 116.º, n.º 2, alíneas d) e e), do CPTA.
Ao que contrapõe o recorrente, em síntese:
- a requerida não o coloca a exercer as funções para as quais foi contratado, não conseguindo ter os índices salariais desbloqueados por intermédio da promoção na carreira, levando a perca salarial presente e futura, muito significativa:
- o comportamento da requerida configura assédio laboral, porque vítima duma exclusão inexplicável;
- a duração média de um processo administrativo é de 16 anos, em que o recorrente não progride na carreira, com um prejuízo financeiro de cerca de 40% sobre o vencimento dos colegas, cuja diferença aumentará a cada promoção que lhe está vedada, e não lhe será possível recuperar a situação em que se encontrava antes da ação.
Vejamos se lhe assiste razão.
Como se viu, a decisão de rejeição liminar do requerimento cautelar assentou em dois esteios:
- a ausência de factos que permitam, a título liminar, concluir pelo fundamento de facto e de direito da pretensão cautelar formulada;
- a ausência de factos que permitam aferir da necessidade da presente tutela cautelar.
De acordo com o disposto no artigo 116.º, n.º 2, do CPTA, constituem fundamento de rejeição liminar do requerimento cautelar:
a) A falta de qualquer dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 114.º que não seja suprida na sequência de notificação para o efeito;
b) A manifesta ilegitimidade do requerente;
c) A manifesta ilegitimidade da entidade requerida;
d) A manifesta falta de fundamento da pretensão formulada;
e) A manifesta desnecessidade da tutela cautelar;
f) A manifesta ausência dos pressupostos processuais da ação principal.
Concluiu-se, pois, na decisão recorrida pela verificação dos fundamentos de rejeição liminar previstos nas als. d), e e).
No que concerne à manifesta falta de fundamento da pretensão formulada, “prende-se com a aplicação dos critérios de que depende a adoção das providências cautelares e há de fundar-se num juízo negativo sobre o preenchimento de algum dos pressupostos de que depende a aplicação desses critérios: por via de regra, de acordo com o regime comum dos n.os 1 e 2 do artigo 120.º, o periculum in mora, o fumus boni iuris e a ponderação de danos” (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, p. 951).
Já a “desnecessidade da tutela cautelar (alínea e)) prende-se com o pressuposto do interesse processual ou interesse em agir e há de fundar-se num juízo negativo sobre a necessidade de tutela judiciária no plano cautelar em que a questão se coloca” (op.loc.cit.).
Visto e revisto o requerimento inicial apresentado pelo recorrente, ainda que objeto de uma segunda versão, tem de se acompanhar a decisão recorrida quanto à ausência total e completa de factos concretos, indiciadores e demonstrativos de uma situação de facto consumado ou de prejuízos de difícil reparação.
E bem assim quanto à aparência de bom direito, que permita tutelar a pretendida intimação da entidade recorrida.
Nada se diz quanto ao conteúdo do contrato de trabalho celebrado com a entidade recorrida, em que circunstâncias foi colocado a exercer funções administrativas e em que medida as mesmas não encontrem qualquer suporte no referido contrato.
O assédio laboral é apresentado em termos conclusivos, sem indicação de factos concretos.
Nada se concretiza quanto à sua invocada discriminação, ficando por saber que colegas seus não o foram, ou quem são.
A perda salarial é invocada de forma descontextualizada, ficando por saber em que medida vai sendo prejudicada a sua situação financeira.
Mais.
Nada se diz sequer que permita contrariar a posição da entidade recorrida, quando afirma que o exercício de funções na Proteção Civil é um ato de gestão e de atribuição de funções compatíveis com a sua formação. E que nenhum colega do curso do recorrente tenha sido promovido ou se encontre em vias de o ser.
No mais, ter-se-á de acompanhar a decisão recorrida quanto à necessidade da tutela cautelar não se poder amparar sem mais numa salvaguarda do estado psicológico dos administrados perante a delonga normal de um processo administrativo, mas sim acautelar o efeito útil de uma sentença a proferir em sede de ação principal.
Termos em que se impõe negar provimento ao recurso e manter a decisão de rejeição liminar do requerimento inicial.
*

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 17 de novembro de 2022
(Pedro Nuno Figueiredo)

(Ana Cristina Lameira)

(Ricardo Ferreira Leite)