Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:7872/14.0BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/24/2021
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IRC;
COMPROVAÇÃO;
INDISPENSABILIDADE;
DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO;
DESLOCAÇÕES E ESTADAS NO EXTERIOR
Sumário:1. Nos termos do art.º 23° do CIRC, só se consideram custos do exercício, os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora.
2. O art.° 17° n° l do CIRC estabelece que uma das componentes do lucro tributável é o resultado líquido do exercício expresso na contabilidade, sendo este resultado uma síntese de elementos positivos (proveitos ou ganhos) e elementos negativos (custos ou perdas).
3. É para definir o grupo dos elementos negativos que o art.° 23° do CIRC enuncia, a título exemplificativo, as situações que os podem integrar consagrando um critério geral definidor face ao qual se considerarão como custos ou perdas aqueles que devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora.
4. É no conceito de indispensabilidade ínsito no art.º 23º do CIRC que radica a questão essencial da consideração fiscal dos custos empresariais e que assenta o a distinção fundamental entre o custo efectivamente incorrido no interesse colectivo da empresa e o que pode resultar apenas do interesse individual do sócio, de um grupo de sócios ou do seu conjunto e que não pode, por isso, ser considerado custo dedutível.
5. Este, é uma despesa com um fim empresarial o que não quer dizer que tenha desde logo um fim imediata e directamente lucrativo, mas que tem, na sua origem e na sua causa, um fim empresarial, concedendo a lei à AT poderes bastantes para recusar a aceitação como custo fiscal de despesas que se não possam considerar compatíveis com as finalidades a prosseguir pela empresa.
6. Assim, a relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é, ou não, empresarial.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação apresentada por “S….., SGPS, S.A.”, contra a liquidação adicional de IRC n.º ….., referente ao exercício de 1998, de que não resultou imposto a pagar nem a reembolsar.

O Recorrente termina as alegações de recurso, formulando as seguintes e doutas conclusões:
«
I) O artigo 23º do CIRC delimita o critério segundo o qual determinados encargos contabilísticos podem ser tidos como custo fiscal e o artigo 41º do CIRC estabelece limitações à dedutibilidade de determinados custos já previamente admitidos pelo artigo 23º do CIRC.
II) O artigo 41º do CIRC funciona como um segundo crivo relativamente a custos fiscais considerados admissíveis à luz do artigo 23º do CIRC.
III) No caso dos autos, não se encontra demonstrada a causação empresarial das despesas objecto de correção pela Inspecção tributária, não sendo admissível a dedução fiscal dos correspondentes custos.
IV) Isto porque, como decorre da simples leitura dos documentos referidos em Q) e R) do probatório, não se encontram identificadas as pessoas que foram as beneficiárias das referidas despesas de representação, o que desde logo impede que com base apenas nos mesmos documentos aferir qual a finalidade das referidas despesas.
V) Sucede que, a prova testemunhal produzida nos autos, também não permitiu aferir quem eram os beneficiários daquelas despesas, e quais as razões pelas quais foram as mesmas incorridas.
VI) Nada de concreto tendo sido adiantado pelas testemunhas a este respeito no que se refere ao ano de 1998, a que os presentes autos respeitam, não poderá dar-se como provada a factualidade constante do ponto P) do probatório
VII) No que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade, pois “o encargo da prova deve recair sobre quem, alegando o facto correspondente, com mais facilidade, pode documentar e esclarecer as operações e a sua conexão com os proveitos (cfr. ac. do Tribunal Central Administrativo Sul, de 26.06.2001, Rec. Nº 4736/01)”
VIII) A este respeito não foi a impugnante capaz de documentar e esclarecer as operações e a sua conexão com os proveitos, e o mesmo sucedendo, quanto aos encargos por si contabilizados como deslocações e estadas no ano de 1998, no montante de € 13.344,05.
IX) Não tendo sido produzida prova relativamente às viagens concretamente objecto da correcção por parte da Administração Tributária, sendo que a terceira testemunha ouvida nos autos, referiu ter efectuado viagens com outras pessoas, sem que fosse possível fazer a correspondência com as viagens que se encontram tituladas nos documentos 14 a 26, juntos com a Petição Inicial e que constam do anexo de fls 28 do Relatório de inspecção Tributária.
X) Verificando-se inclusivamente nos documentos 18 a 20 juntos com a PI se encontram assumidas pela Impugnante despesas de cariz pessoal.
XI) A sentença recorrida, ao assim não entender, não fez uma correcta apreciação da matéria de facto e de direito, em que assenta a decisão, não merecendo por isso ser confirmada.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença recorrida, como é de Direito e Justiça.».


A Recorrida apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes e doutas conclusões:
«
A. A S….. concorda em absoluto com a Sentença na parte em que interpreta o alcance da alínea g) do n.º 1 do art. 41º do CIRC e a sua relação com o art, 23° do mesmo diploma (ambos os preceitos na versão à data dos factos).
B. O legislador optou por tributar os gastos relacionados com as despesas de representação de forma indirecta: por causa das dificuldades que um controlo administrativo destes gastos implicaria para a Administração fiscal, o legislador decidiu tributar as despesas de representação captando a. realidade por aproximação.
C. Assim, o legislador estabeleceu na referida alínea g) do n.° l do art. 41° do CIRC a tributação das despesas de representação com base num imperativo tabelamento percentual (as despesas não são consideradas coroo custo na proporção de 20%): na impossibilidade prática de estabelecer a exacta imputação à esfera pessoal Ou profissional, optou-SC por não exigir a obrigatória identificação do beneficiário das despesas de representação.
D. A AT não aceitou como custo do exercício de 1998 o montante de € 71.220,76 (14.278.480$00), contabilizado pela S….. corno despesa de representação, mas apenas porque a S….. não teria apresentado documentação bastante que demonstrasse a realização efectiva das despesas declaradas. Ou seja, a AT nunca questionou a natureza de despesa de representação dos gastos em apreço. Se assim foi, teria necessariamente de se conformar com o regime exposto.
E. Se, pelo contrário, o que esteve em causa foi na verdade desconsiderar a qualificação das despesas como de representação, então a AT incorreu em vício de fundamentação, uma vez que essa hipótese não resulta da sua actuação, de todo, com um módico suficiente de clareza. Nessa eventualidade, a AT deveria ter recolhido e referido indícios da falta de empresarialidade ou indispensabilidadc dos custos, a fim de os desconsiderar ao abrigo do art. 23° do CIRC.
F. Não o fez: limitou-se, pelo contrário, a dizer que a S….. é que não apresentara documentação comprovativa suficiente, numa inversão do ónus da prova que é, de todo, inadmissível.
G. Não obstante o que vem dito, a verdade é que a S….. conseguiu demonstrar nos autos a realização das despesas e a sua ligação ao seu escopo empresarial. Dai que tenha andado bem a Sentença recorrida, ao concluir nesse sentido.
H. No entanto, a Sentença decidiu no sentido correcto porque a demonstração da empresarialidade dos custos suportados resulta da conjugação de toda a prova realizada: a documentação junta demonstra que as despesas foram efectivas e a sua natureza, aí comprovada e vista à luz do que em sede de prova testemunhal se confirmou, é enquadrável na actividade da S…...
I. Por outro lado, a Fazenda Pública, no seu recurso, invoca elementos da factualidade controvertida que considera incorrectamente julgados, alegando designadamente que as testemunhas inquiridas não conseguiram demonstrar quais os beneficiários das despesas em crise - c que isso seria suficiente para refutar a indispensabilidade dos custos incorridos —, limitando-se no entanto a uma alegação genérica, sem a mínima concretização de onde, na inquirição das testemunhas, resulta que estas (12 anos depois dos factos, convém lembrar...), efectivamente questionadas sobre aquela identificação de beneficiários, não lograram responder satisfatoriamente, e que essa falta de clarificação foi de tal ordem que seria suficiente para infirmar as conclusões da Sentença recorrida, não havendo mais nada nos autos em que se pudesse sustentar a convicção do Tribunal quanto ao carácter empresarial dos custos.
J. Ou seja, em violação do regime do art. 640° do CPC, a Fazenda Pública, no presente recurso, não identifica, de todo, com a mínima precisão, quais os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, sendo impossível a este Tribunal saber se houve ou não um evidente e grosseiro erro de julgamento por parte da instância a quo.
K. Assim, deve o recurso ser rejeitado.
L. Por fim, no que respeita às restantes despesas cuja dedutibilidade foi desconsiderada pela AT, relativas a deslocações e estadas de pessoas ligadas aos negócios da S….., não pode a Sentença recorrida ser anulada com base no curto e sintético arremedo de argumentação que a Fazenda Pública verteu nas suas alegações.
M. Com efeito, nos artigos 26º a 28º das alegações (os únicos dedicados a este tema) a Fazenda Pública repete os erros que lhe apontamos por reporte a matéria da despesas de representação: não refere qualquer indicio minimamente sério da falta de empresarialidade dos custos em causa nem, muito menos, circunstancia os factos c os meios probatórios que, no seu entender, devem levar este Tribunal de recurso a considerar um erro evidente e grosseiro do Tribunal recorrido na apreciação da matéria do facto subjacente à questão decidenda.

Termos em que deve ser por V. Exas. ser negado provimento ao presente recurso, com a confirmação da Sentença recorrida.».

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo pela improcedência do recurso, sendo de manter a sentença recorrida “posto que os encargos em causa, tidos pela recorrida como indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, não foram infirmados pela recorrente”.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões da alegação do recurso, a questão central que importa conhecer reconduz-se a saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir verificarem-se os requisitos de dedutibilidade dos encargos contabilizados pela impugnante com despesas de representação e “deslocações e estadas”.
***

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO

Na sentença recorrida deixou-se consignado em sede factual:
«Da prova documental e testemunhal produzida nestes autos, considera-se apurada a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:
A) A Impugnante integra um grupo de sociedades cuja actividade se desenvolvia em quatro áreas principais: distribuição, retalho e serviços automóvel serviços financeiros (designadamente financiamento automóvel) e imobiliário. (Docfls.4/22 do PAT)
B) Em 03.12.1997, o GRUPO S….., por intermédio da Impugnante, através da sua participada “S….., LTD” (sociedade de direito brasileiro), outorgou um contrato de investimento com o objectivo de assumir uma posição no capital da “A….. S.A.”(sociedade de direito brasileiro).(Doc n º4 junto à p.i.)
C) No ano de 1998, forem efectuados diversos contactos com o grupo argentino “P…..”, grupo financeiro da América do Sul que investo no sector das telecomunicações e novas tecnologias.(Doc n.° 5 junto á p.i. e prova testemunhal)
D) A Impugnante adquiriu no ano de 2000, uma participação societária do 22,22% no capital social da sociedade de direito espanhol “T….., S.L. (Doc n.º6 junto á p.i.)
E) Impugnante detinha o controlo integral da sociedade de direito luxemburguês. a “S….., S.A .” que por sua vez, reunia as participações do Grupe S….. em sociedades não residentes em Portugal. (Doc n.°7 junto à p.i.)
F) As transferências de fundos entre a Impugnante e a S….. S.A. era efectuada através de uma conta bancária no KREDIETBANK LUXEMBOURG. banco sediado no Luxemburgo. (Doc n 10 junto à p.i.)
G) A gestão financeira da S….. S.A. implicava várias viagens ao Luxemburgo, nomeadamente para a discussão e aprovação de contas. (Prova testemunhal)
H) Muitas dessas reuniões eram mantidas com membros da S….., S.A, filial da ex. A….. que prestava serviços de contabilidade e de consultadoria à “S….. S.A.”. (Doc n°10 junto à p.i.)
I) A Impugnante detinha 100% do capital social da sociedade luxemburguesa, a “S….., S.A ”(Doc n ° 8 junto á pi)
J) A Impugnante detinha 65% da sociedade de direito brasileiro “ S….. LIMITADA”. ( Doc n.°9 junto á p.i.)
L) No ano de 1998, o GRUPO S….., atento ao panorama nacional e internacional, decidiu iniciar uma área de negócio, as telecomunicações. (Prova testemunhal)
M) A nível nacional, a actividade do GRUPO S….., no sector das telecomunicações teve início com a constituição da sociedade comercial W….., Lda. (Doc n.° 3 junto à p.i.)
N) Em 01.01.1998, a Impugnante celebrou com a sociedade de direito brasileiro, “C….., LDA” um contrato de aluguer, “ tendo em vista as suas actividades Empresariais em Portugal e os seus investimentos no Brasil (...) alugar (...) por períodos determinados (...) aftm de promover os seus negócios junto dos sues partners ou investidores." (Doc n.° 11 junto á p.i.)
O) O local objecto do contrato a que alude a al.N) do probatório fica situado no Brasil e possui condições excelentes para a organização de eventos destinados á promoção de investimentos a nível internacional. (Prova testemunhal)
P) A Impugnante optou por se estabelecer temporariamente nesse local. Tendo ai mantido a sua base para desenvolver contactos com aquelas entidades sediadas na América do Sul: as reuniões eram ai efectuadas ou preparadas, a sua actividade era ai desenvolvida.(Prova testemunhal)




Em Da análise dos elementos disponíveis, relacionados com estas deslocações, da leitura das actas das reuniões do Conselho de Administração e dos esclarecimentos verbais que nos foram prestados, não encontramos qualquer nexo de causalidade entre as mesmas e a actividade da S…... Com efeito, não existem participações sociais de entidades com sede ou direcção efectiva nesses países de destino das deslocações, nem projectos de aquisição de participações nesses mesmos países, não tendo, por isso contribuído para a realização dos proveitos, pelo que, nos termos do art. 23° do CIRC, a verba 2.675,241$00 é de acrescer ao resultado fiscal declarado. (Doc 4/22 do PAT)
T) 20.09.2002, foi emitida a liquidação adicional de IRC n.° ….., referente ao exercício de 1998, que alterou o prejuízo fiscal declarado de (806.316,90) para (733.641.31), não tendo resultado qualquer imposto a pagar ou reembolsar. (Doc fls.45 do PAT)
U) No ano de 1998, os membros do Conselho de Administração e consultores externos da Impugnante efectuaram varias deslocações a Brasil, Argentina e Luxemburgo, no âmbito do projecto de internacionalização da actividade da Impugnante e dos contactos efectuados, quer como representantes da A….., S.A., quer como representantes do Grupo P…... (Prova testemunhal)

MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova testemunhal e documental produzida, tudo referenciado em cada uma das alíneas do probatório.
Em particular, mostrou-se essencial os depoimentos prestados pelos inquiridos que responderam á matéria demonstrando conhecimento directo dos factos e de forma segura e clara.
FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.».

III. B) DE DIREITO

O recorrente começa por impugnar a matéria de facto, mas como nota a recorrida, não o faz eficazmente, isto é, com observância do ónus imposto no art.º 640.º do CPC, nomeadamente, o previsto no seu n.º1 alínea b) e n.º 2 alínea a), de “indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”, assim como o de mencionar a “decisão que, no seu entender, deve ser a proferida sobre as questões de facto impugnadas”, como exigido na alínea c) do n.º1 do mesmo preceito.

A omissão do ónus imposto no art.º 640.º do CPC, nomeadamente o previsto no n.º 2 alínea a), implica a rejeição do recurso da decisão da matéria de facto, pois tal ónus não se satisfaz com a mera indicação do depoimento e identificação de quem o prestou, sem menção dos momentos temporais em que foi prestado o depoimento.

Prosseguindo na apreciação das demais questões do recurso com o probatório da sentença, o recorrente imputa à decisão erro de julgamento na apreciação que fez das correcções contabilizadas com despesas de representação e com encargos com deslocações e estadas. Vejamos.

Mostram os autos e o probatório que a Administração tributária não aceitou como custo fiscalmente dedutível o montante de 71.220,76 Euros contabilizado pela impugnante no exercício de 1998 como despesas de representação.

A sentença recorrida não validou a correcção da AT no seguinte entendimento:
«A Administração Tributária e Aduaneira (doravante ATA) não aceitou como custo do exercício de 1998, o montante de € 71.220.76 (14.287.480$00) contabilizado pela Impugnante como título de despesas de representação.
A ATA não desconsidera aquele custo em razão da sua natureza (despesas de
representação) mas porque não se mostra sustentado em documentos comprovativos das despesas em causa.
A Impugnante não aceita a correcção, pois as despesas configuram verdadeiras despesas de representação, o que não vem colocado em causa pela ATA e a sua contabilização respeita os ditames da lei. Com efeito, a despesa em causa foi suportada pela Impugnante por força do contrato de aluguer celebrado a 01.01.1998, sendo que a mesma é sustentada por documentos idóneos.
Vistas as posições das partes, vejamos de que lado está a razão.

De acordo com o artigo 41º, n.º1 al. g) do CIRC (na redacção á data dos factos) não seriam dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as despesas de representação, escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%.
E, nos termos do n.º3 do mesmo preceito considerava-se despesas de representação, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.
Face aos normativos supra citados, não há que indagar da finalidade privada ou empresarial da despesa, não há que indagar do seu carácter sumptuoso ou não. A lei em vigor à data, a fim de evitar a trabalhosa e difícil tarefa de indagar da natureza e finalidade das despesas de representação, impôs um método de tributação parcial dessas despesas: as mesmas não podiam ser deduzidas para efeitos fiscais na proporção de 20%. Esta solução legislativa visava precisamente simplificar a tarefa da ATA, sem pôr em causa a estabilidade e segurança da relação tributária, designadamente permitindo ao contribuinte saber previamente qual o tratamento dado a essas despesas e obviando às intromissões da ATA na esfera da gestão empresarial.
Assim, assentando a correcção unicamente na falta de suporte documental, ainda que a prova produzida nos autos não permitisse concluir pela efectivação do custo e respectivo suporte sempre seria de todo irrelevante para a qualificação das despesas em causa como de representação. Contudo, resulta assente que despesas em causa encontram- se sustentadas nos documentos a que aludem as alíneas Q) e R) do probatório, permitindo identificar o valor, o serviço prestado, a entidade pagadora e a entidade recebedora razão pela qual, não assiste razão á ATA para não aceitar como custos do exercício a verba desconsiderada.».

Com este modo de ver se não conforma o Recorrente, no entendimento de que as despesas de representação também passam pelo crivo da indispensabilidade e, no caso, não se acha demonstrado quem foram os beneficiários das despesas contabilizadas, o que não permite aferir da verificação daquele requisito de dedutibilidade. Mas sem razão.

Com efeito, conforme relatado, a correcção do encargo contabilizado pela impugnante como despesas de representação foi corrigido pela AT com base na alínea h) do art.º 41.º do CIRC, que à época dispunha: Não são dedutíveis “os encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial”.

Conforme se apreende do ponto S) do probatório, a AT entendeu que o encargo não estava “devidamente documentado”, porquanto, como se diz no RIT, “não foi possível identificar, em concreto, o beneficiário das verbas em questão, na medida em que não nos foi facultado qualquer documento de suporte da despesa, para além do documento da entidade bancária que justificou a transferência de fundos”.

Ora, em sede de impugnação judicial foi produzida prova de que resultou demonstrada a factualidade vertida nos pontos P) e Q) do probatório, a qual, como concluiu a sentença, permite identificar o valor, o serviço prestado, a entidade pagadora e a entidade recebedora, o que significa que a despesa está devidamente documentada, não podendo ser afastada com este pretexto a sua relevância na determinação do lucro tributável.

Acresce que a despesa tem enquadramento e apresenta relação com a actividade empresarial da impugnante, visando em particular a promoção e o desenvolvimento dos seus negócios no Brasil, como se extrai da factualidade vertida nos pontos N) a P) do probatório.

No recurso, alega o recorrente que nada se sabe dos concretos beneficiários do serviço (de hospedagem) prestado. Mas a dúvida suscitada sobre o escopo empresarial da despesa, tem de assentar em elementos objectivos e credíveis, não em meras suspeições, mesmo a entender-se que o disposto no art.º 75/1 da LGT (presunção de veracidade e boa fé dos dados declarados) não encontra aqui aplicação, por à data da inspecção, as despesas de representação não estarem devidamente documentadas na contabilidade.

De todo o modo, facto é que a correcção das despesas de representação assentou na conclusão da AT de que se tratava de um encargo não devidamente documentado; tendo a impugnante completado em sede impugnatória, a documentação do encargo, suprindo o que faltava, a dúvida sobre a causação empresarial da despesa é questão superveniente, não compreendida na fundamentação contemporânea do acto de liquidação motivado por aquela correcção.

Tendo a sentença decidido neste alinhamento, é de manter nesta parte, improcedendo este fundamento do recurso.


Também não se conforma o Recorrente com a sentença recorrida por esta não ter validado as correcções da AT aos encargos contabilizados pela impugnante com “deslocações e estadas”.

Mostram os autos que a AT não aceitou como custo do exercício o montante contabilizado de 13.344,05 Euros com “deslocações e estadas” no entendimento de que não existiria qualquer nexo de causalidade entre as mesmas e a actividade da impugnante pois não existem participações sociais de entidades com sede ou direcção efectiva nos países de destino das deslocações, nem projectos de participação nesses países.

A sentença, sobre esta correcção e depois de feitos os considerandos de jurisprudência e doutrina julgados relevantes sobre o tema da indispensabilidade, discreteou assim:

«…voltando atenções para a situação configurada nestes autos, adianta-se, desde logo, que o fundamento ditado pela ATA para desconsiderar com custo fiscal o montante contabilizado a título de deslocações e estadas não convence este Tribunal.

E, não convence, pela simples razão, do destino das viagens e local das estadias não determinarem por si só a não aceitação da despesa enquanto custo fiscal. Ou seja, não será pelo facto, de não “existem participações sociais de entidades com sede ou direcção efectiva nesses países de destino das deslocações, nem projectos de aquisição de participações nesses mesmos países”, que teremos que desconsiderar a despesa como custo. Pense-se, numa viagem a um determinado País, sem qualquer ligação à empresa, mas cujo objectivo da sua realização é por exemplo a angariação de clientes/fornecedores.

Pelo exposto, já se vê, que afastamos a toda a linha o argumento da ATA, a respeito do País destino da deslocação ou estada.

No caso, a ATA nunca pôs em causa a existência das deslocações ao serviço da Impugnante; como também nunca pôs em causa os custos suportados.

De franca relevância se assumiu neste particular a prova testemunhal, contribuindo decisivamente para que se desse como assente que as despesas não aceites como custos fiscalmente relevantes nos exercício de 1998 e referentes a deslocações a Brasil, Espanha, Argentina e Luxemburgo, se enquadravam no âmbito do projecto de internacionalização da actividade da Impugnante e dos contactos efectuados, quer como representantes da A….., S.A., quer como representantes do Grupo P…...

No que concerne ás despesas suportadas com viagens de consultores externos ao serviço da Impugnante resulta da prova produzida, que se trataram de viagens também elas inseridas e interligadas à actividade da Impugnante.

É, pois, manifesto que tais deslocações e estadas implicaram despesas, suportadas pela Impugnante, sendo que se comprovou igualmente a sua indispensabilidade para a manutenção da fonte produtora e a realização de ganhos sujeitos a imposto, pelo que nada obsta à sua aceitação como custos fiscalmente relevantes, nos termos previstos no já citado artigo 23.º do CIRC».

O inconformismo do recorrente expressa-se nos pontos 25.º a 27.º das alegações, que resume nos pontos VIII a X das doutas conclusões, apontando à sentença erro de julgamento de facto e de direito.

No entanto, há que dar razão à sentença quando refere que a comprovação destes encargos nunca foi questionada pela AT, mas unicamente o seu escopo empresarial, a sua indispensabilidade.

Todavia, tendo a sentença dado por assente, dentro do principio de livre apreciação da prova, que os encargos contabilizados com “deslocações e estadas” se reportam a deslocações dos administradores e consultores externos da impugnante efectuadas ao Brasil, Espanha, Argentina e Luxemburgo no âmbito do projecto de internacionalização da actividade da empresa e dos contactos efectuados, quer com representantes da A….., S.A., quer com representantes do Grupo P…..., face à ineficaz impugnação da decisão de facto, há que dar por demonstrada a conexão destes encargos com a actividade empresarial, o que preenche o conceito de indispensabilidade que vem sendo recortado pela jurisprudência do STA.

Quanto a esta correcção da AT, também acompanhamos a sentença recorrida que julgou ser de não a validar por erro nos pressupostos.

Tudo visto, é de negar provimento ao recurso e confirmar in totum a sentença recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva do acórdão.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida.

Sem custas por isenção legal da recorrente Fazenda Pública (processo anterior a 2004).

Lisboa, 24 de Junho de 2021

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, Luísa Soares e Cristina flora].

Vital Lopes