Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:159/22.6BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/18/2023
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IMPUGNAÇÃO ARBITRAL
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRONÚNCIA INDEVIDA
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Sumário:I. Ao contrário do que decorre do regime de recurso das decisões proferidas pelos tribunais tributários de 1.ª instância, o mérito das decisões proferidas pelos tribunais arbitrais tributários é sindicável num conjunto muito limitado de situações e nunca no âmbito da sua impugnação junto do Tribunal Central Administrativo.

II. Na impugnação da decisão arbitral junto do TCA, nos termos do art.º 27.º, n.º 1, do RJAT, tal decisão pode ser anulada, sendo que a impugnação pode ser apresentada considerando um dos fundamentos taxativamente elencados no n.º 1 do art.º 28.º do mesmo diploma, não podendo, pois, abranger qualquer erro de julgamento.

III. O princípio do contraditório configura-se como um princípio basilar no nosso ordenamento, visando prevenir a existência de decisões surpresa, ou seja, de decisões com as quais as partes não podiam legitimamente contar.

IV. Apesar de o princípio do inquisitório dever enformar a atuação dos tribunais tributários arbitrais, a sua violação não é cominada com a anulação da decisão arbitral.

V. A igualdade das partes, enquanto reflexo da tutela jurisdicional efetiva, evidencia-se pelo reconhecimento do mesmo estatuto substancial às partes.

VI. Há nulidade por excesso de pronúncia quando tenha sido conhecida questão não suscitada pelas partes e que não seja de conhecimento oficioso.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

F. S.e G. S.(doravante Impugnantes) vieram apresentar impugnação da decisão arbitral proferida, pelo tribunal arbitral coletivo constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo a que aí foi atribuído o n.º 860/2021-T, ao abrigo dos art.ºs 27.º e 28.º do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – RJAT).

Nas suas alegações, concluíram nos seguintes termos:

“A. Com a presente ação de impugnação, pretende-se eliminar da ordem jurídica um acórdão arbitral proferido em grave violação de princípios processuais fundamentais.

B. No dia 3 de outubro de 2022, foi proferido o acórdão arbitral ora impugnado, no âmbito do processo arbitral n.º 860/2021-T (o “Acórdão Arbitral”), cujos termos correram junto do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”).

C. O litígio objeto do processo arbitral em causa dizia fundamentalmente respeito à finalidade que terá estado subjacente à celebração, entre a Federação Portuguesa de Futebol (abreviadamente “FPF”) e a sociedade F., Lda. (abreviadamente “F.”), de dois contratos de prestação de serviços técnicos de supervisão e coordenação de todas as seleções nacionais da FPF e de orientação e preparação da Seleção Nacional A com vista à sua qualificação em determinadas competições internacionais de futebol, celebrados em 23 de setembro de 2014 e 21 de julho de 2016, e de um contrato de cedência de direitos de imagem, celebrado em 21 de julho de 2016.

D. No dia 31 de março de 2021, os Impugnantes foram confrontados com a emissão pela AT de duas liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares referentes aos anos de 2016 e 2017, das quais resultava um valor a pagar no total de € 4.492.494,20 (cf. Doc. n.º 1, Liquidações de Imposto).

E. A Autoridade Tributária e Aduaneira (abreviadamente “AT”), mobilizando a denominada Cláusula Geral Anti Abuso consagrada no n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) em vigor à data dos factos em questão (2016 e 2017), promoveu estas liquidações na esfera pessoal do Impugnante F. S., com base na ideia de que os montantes pagos ao abrigo dos referidos contratos pela FPF à F., sociedade de que este é sócio maioritário, se deveriam considerar pagos direta e pessoalmente ao próprio Impugnante, pelo que seria em sede de IRS, e não do IRC da sociedade, que a tributação destes montantes deveria ocorrer.

F. Perante este normativo, a posição da AT, que esteve subjacente às liquidações emitidas, era a de que a motivação essencial ou principal do estabelecimento de uma relação contratual entre a FPF e a F., ao invés de entre a FPF e o Impugnante F. S. e a sua restante equipa técnica, direta e individualmente, foi de natureza fiscal e contributiva, visando concretamente a obtenção de uma vantagem fiscal.

G. Discordando frontalmente de que tal tivesse sido o caso, os Impugnantes promoveram a impugnação dos atos de liquidação em crise, através do meio processual disponível e, no dia 19 de julho de 2021, apresentaram uma reclamação graciosa junto do serviço de finanças competente alegando, nomeadamente, que o referido normativo não era aplicável ao caso, porque a motivação subjacente ao modelo de contratação seguido foi de ordem prática e jurídica, mas não fiscal, alicerçada em experiências passadas concretas de contratação pela FPF através de modelos contratuais diferentes, que haviam produzido resultados negativos (cf. Doc. n.º 2, Reclamação Graciosa).

H. Perante o indeferimento tácito da reclamação por decurso do prazo de 4 meses a contados da sua apresentação sem que tivesse sido proferida decisão (cf. art. 106.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), os então reclamantes, ora Impugnantes, decidiram impugnar pela via arbitral esse ato tributário de indeferimento.

I. No dia 29 de dezembro de 2021, os Impugnantes apresentaram o seu Pedido de Pronúncia Arbitral e de constituição de tribunal arbitral junto do CAAD (cf. Doc. n.º 3, Pedido de Pronúncia Arbitral).

J. Conforme resulta do exposto, no presente caso, o ponto central do litígio arbitral era a alegação e prova de um facto de natureza subjetiva, atinente às finalidades prosseguidas pelas partes na escolha dos modelos contratuais que regeriam as suas relações.

K. No seu Pedido de Pronúncia Arbitral, os Impugnantes desenvolveram a posição de que, contrariamente à posição da AT constante do Relatório de Inspeção Tributária que esteve na base das liquidações de imposto, a previsão da norma do n.º 2 do artigo 38.º da LGT não estava preenchida em nenhum dos seus elementos, não podendo dar lugar à sanção cominada aos Impugnantes (cf. Doc. n.º 3, Pedido de Pronúncia Arbitral).

L. Em particular, os Impugnantes alegaram que a contratação dos serviços à sociedade F. e não ao Impugnante F. S. foi proposta pela FPF e não teve na sua base motivos fiscais. Na realidade, a contratação de serviços à F., sociedade já então existente desde 14 de janeiro de 2014, fora proposta pela FPF e teve como justificação a FPF não pretender assumir diretamente e individualmente a contratação dos vários elementos da equipa técnica que estariam envolvidos na referida prestação de serviços, e cuja contratação seria assumida, assim, pela F., e também pretender que uma eventual cessação do vínculo contratual à FPF pudesse ocorrer de forma simples e menos suscetível de litigiosidade (cf. Doc. n.º 3, Pedido de Pronúncia Arbitral, arts 31.º, 42.º a 50.º, 55.º a 65.º).

M. Face ao exposto, os Impugnantes concluíram que, existindo motivos de natureza contratual que justificavam a adoção do modelo contratual proposto pela FPF, e inexistindo qualquer proibição legal ou regulamentar que a impedisse, as partes, no exercício da livre conformação dos seus interesses, celebraram os contratos de prestação de serviços e de cedência de direitos e, assim, que a factualidade descrita não era subsumível à previsão normativa do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, pelo que não lhes podia ser aplicada a sanção aí prevista (cf. Doc. n.º 3, Pedido de Pronúncia Arbitral, art. 68.º e 153.º).

N. Do ponto de vista da prova, e estando fundamentalmente em causa a motivação dos contraentes, facilmente se compreenderá que a prova de maior relevo aduzida pelos Impugnantes, e de carácter decisivo para a boa decisão do caso, era a prova testemunhal dos intervenientes que, concretamente, estiveram envolvidos na negociação e celebração dos contratos mencionados.

O. Assim, e além da junção de 9 documentos, os Impugnantes requereram como prova o depoimento de parte do Impugnante F. S., e o depoimento testemunhal do Dr. F. G. e do Dr. P. L., que tinham conhecimento direto das finalidades ponderadas e visadas aquando da sua celebração (cf. Doc. n.º 3, Pedido de Pronúncia Arbitral, Requerimento probatório).

P. Sendo que o Dr. P. L. – já no contexto da inspeção tributária que precedeu as liquidações em causa – tinha sido ouvido pela AT no dia 27 de outubro de 2020 e confirmado que as motivações do modelo contratual escolhido não eram fiscais, tendo deposto com detalhe sobre os fatores que, concretamente, o motivaram (cf. Doc. n.º 4, Termo de Declarações, constante do Anexo 11 do Relatório de Inspeção Tributária, o qual foi junto pelos então requerentes ao processo arbitral com o seu Pedido de Pronúncia Arbitral como documento n.º 8).

Q. Em suma, os Impugnantes alegaram, no seu articulado, todos os factos principais integrantes do seu pedido de impugnação, e da respetiva causa de pedir, e trouxeram ao processo, no escrupuloso cumprimento das regras e princípios aplicáveis, mormente do artigo 423.º do CPC (aplicável ao processo arbitral ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT) toda a prova que entenderam pertinente e necessária à demonstração da motivação, legítima e legal, que justificou a adoção do referido modelo contratual.

R. Perante o exposto, os Impugnantes requereram a anulação pelo Tribunal Arbitral dos atos tributários de liquidação, com todas as consequências legais (cf. Doc. n.º 3, Pedido de Pronúncia Arbitral, Pedido).

S. No dia 29 de março de 2022, ficou concluída a constituição do tribunal arbitral e, no mesmo, o Tribunal Arbitral proferiu despacho, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 17.º do RJAT, notificando a AT para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta “e, caso queira, solicitar a produção de prova adicional” (cf. Doc. n.º 8, Despacho do Tribunal Arbitral de 29 de março de 2022).

T. No dia 13 de maio de 2022, a AT apresentou a sua Resposta, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 17.º do RJAT, na qual, dando por integralmente reproduzido o Relatório de Inspeção Tributária, se defendeu por impugnação, alegando que os atos de liquidação foram legalmente legitimados, e requereu ao Tribunal Arbitral a absolvição dos pedidos formulados pelos Impugnantes (cf. Doc. n.º 9, Resposta da AT).

U. No que diz respeito à alegação e demonstração do elemento intelectual ou volitivo da aplicação do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, a AT reconheceu na sua Resposta que “[n]as respostas aos diversos pedidos de esclarecimento, quanto à forma contratual utilizada, todas as partes notificadas (os Requerentes e a FPF), afirmaram ter sido uma proposta efetuada pela FPF, «de forma a salvaguardar situações de litígio semelhantes às que tinham ocorrido no passado, quanto ao pagamento de indemnizações, já que, em caso de rescisão, seria mais fácil tratar só com uma entidade ao invés de tratar, individualmente, com todos os sujeitos envolvidos»”, (Doc. n.º 9, Resposta da AT, art. 35.º).

V. Não obstante o exposto, a AT bastou-se com a afirmação de que o simples facto de os Impugnantes terem tido uma vantagem fiscal por virtude do modelo contratual utilizado (alegação que os Impugnantes refutaram no seu Pedido de Pronúncia Arbitral, por motivos que não são para este efeito relevantes e que, por brevidade, não se reproduzem) tão-só permitia “concluir com propriedade que o principal objetivo [das partes] se reconduziu às vantagens fiscais e contributivas proporcionadas pelo mesmo, estando, deste modo, preenchidos os pressupostos que legitimaram a aplicação da cláusula geral anti-abuso (doravante, CGAA)” (Doc. n.º 9, Resposta da AT, art. 38.º).

W. A AT não identificou nenhum elemento probatório que sustentasse a conclusão de que “o principal objetivo [das partes] se reconduziu às vantagens fiscais e contributivas” proporcionadas pelo modelo contratual escolhido.

Ciente de que toda a prova produzida a este respeito no processo administrativo confluía no mesmo sentido, que era contrário à sua posição, a AT optou simplesmente por requerer que o facto fosse dado como não provado, ora por apelo a elementares testes de “razoabilidade”, ora invocando que, não obstante as dezenas de artigos do Pedido de Pronúncia Arbitral dedicados à sua alegação, ele não havia sido em momento algum explicado, ora fazendo uma desvalorização genérica e não substanciada da prova testemunhal existente nesse sentido, inferindo que a circunstância de a FPF ser parte nos contratos de prestação de serviços e de cedência de direitos de imagem celebrados com a F., ao abrigo dos quais os montantes em crise foram pagos, tornaria os representantes da FPF “partes interessadas no desfecho deste litígio” (cf. Doc. n.º 9, Resposta da AT, artigo 56.º).

X. De enorme relevo, por motivos que se tornarão evidentes mais adiante, cumpre notar que, nesta Resposta apresentada no dia 13 de maio de 2022, a AT nunca afirmou que a testemunha F. G. era parte interessada no desfecho do litígio arbitral por virtude de a FPF ter pago por sub-rogação do imposto liquidado aos Impugnantes, e que, por isso, o seu depoimento deveria ser desconsiderado pelo Tribunal Arbitral.

Y. Sendo que, à data, esse facto já era do pleno conhecimento não apenas da AT genericamente, uma vez que havia sido pela AT autorizado e junto dela praticado, mas, também, dos inspetores juristas que concretamente representaram a AT no processo arbitral e que referiram o processo de execução e o seu desfecho na sua Resposta (cf. Doc. n.º 9, Resposta da AT, art. 45.º).

Z. Do ponto de vista da prova, a AT juntou o processo administrativo que esteve na base da liquidação impugnada e arrolou um total de sete testemunhas, sendo que duas delas, os Drs. F. G. e o Dr. P. L., eram comuns, uma vez que tinham sido também arroladas pelos requerentes (cf. Doc. n.º 9, Resposta da AT, art. 45.º).

AA. Finda a fase de apresentação dos articulados escritos prescritos no RJAT, o Tribunal Arbitral proferiu, no dia 24 de maio de 2022, um despacho agendando para o dia 20 de junho de 2022, uma primeira reunião com as partes, nos termos do artigo 18.º do RJAT (cf. Doc. n.º 10, Despacho do dia 24 de maio de 2022).

BB. No dia 20 de junho de 2022, realizou-se a reunião agendada pelo despacho do dia 24 de maio de 2022, na qual teve lugar a inquirição, presencial e em audiência pública, do então requerente F. S. e de uma testemunha apenas, o Dr. F. G. (cf. Doc. n.º 11, Ata da audiência).

CC. No início da sua inquirição, o Dr. F. G. afirmou que não tinha nenhuma relação familiar ou pessoal com o Requerente que o impedisse de dizer a verdade. De seguida, e ao longo da sua inquirição pelos mandatários das partes e também pelo Tribunal Arbitral, o Dr. F. G. depôs sobre o seu conhecimento direto dos factos objeto do litígio, atinentes, em grande medida, à questão decisiva de saber quais haviam sido as motivações e finalidades prosseguidas pela opção de modelo contratual adotado pela FPF e pela F., depôs também que a opção contratual adotada no caso em nada diferia das diversas relações contratuais que a FPF mantém com os outros prestadores de serviços e afirmou, inequivocamente, que nenhumas considerações fiscais influenciaram o modelo contratual escolhido pelas partes (cf. Doc. n.º 12, Transcrição do depoimento da testemunha F. G.)

DD. A prova testemunhal acima referida confluiu com o depoimento de parte prestado antes pelo Impugnante F. S. em audiência.

EE. Significa isto que toda a prova, testemunhal e de parte, produzida na audiência do dia 20 de junho de 2022, convergiu na demonstração da alegação factual aduzida pelos Impugnantes no seu Pedido de Pronúncia Arbitral, relativamente ao não preenchimento do elemento intelectual ou volitivo, de que dependia a aplicação da Cláusula Geral Anti Abuso consagrada no n.º 2 do artigo 38.º da LGT.

FF. No final da audiência, o Tribunal Arbitral decidiu, após ouvir as partes e com a sua concordância, dispensar a audição do Dr. P. L. (cf. Doc. n.º 11, Ata da audiência).

GG. Os requerentes manifestaram o seu acordo à dispensa da inquirição do Dr. P. L., apenas depois de ter sido feita a inquirição do Dr. F. G., precisamente por terem entendido que os factos sobre os quais o primeiro deporia, já tinham sido suficientemente demonstrados pelo depoimento do segundo em audiência.

HH. Recorde-se que o Dr. P. L. tinha prestado declarações perante a AT no dia 7 de outubro de 2020, vários meses antes de a AT ter emitido as liquidações de imposto aos Impugnantes e de a FPF ter feito o pagamento das mesmas em regime de sub-rogação, e nessas declarações ter deposto em detalhe sobre os motivos, atinentes a experiencias passadas da FPF com outros selecionadores nacionais, que justificavam na perspetiva da FPF o modelo contratual adotado (cf. Doc. n.º 4, Termo de Declarações, constante do Anexo 11 do Relatório de Inspeção Tributária).

II. No final da audiência, o Tribunal Arbitral notificou ainda as partes da calendarização de alegações escritas simultâneas, para o dia 15 de julho de 2022 (cf. Doc. n.º 11, Ata da audiência).

JJ. É relevante frisar que este último momento processual de pronúncia escrita admitido às partes pelo Tribunal Arbitral foi estabelecido como um prazo simultâneo, daí decorrendo duas importantes consequências: por um lado, as submissões das partes não eram dialogantes entre si do ponto de vista do seu conteúdo, na medida em que ambas teriam conhecimento, ao mesmo tempo, das alegações finais da parte contrária; por outro lado, e também por isso, o seu escopo estaria limitado, tanto do ponto de vista dos factos principais, como do ponto de vista da prova, ao alegado e provado até àquele momento do processo.

KK. No dia 15 de julho de 2022, os requerentes, ora Impugnantes, e a AT, apresentaram as suas alegações finais escritas.

LL. Nas suas alegações finais escritas, os requerentes, ora Impugnantes, focaram-se em demonstrar que os depoimentos do requerente F. S. e da testemunha F. G. em audiência demonstravam os factos por si alegados, e, assim, deveriam ser dados como provados os factos atinentes às finalidades legítimas e não fiscais prosseguidas com a adoção do determinado modelo contratual pelas partes.

MM. Na mesma data, a AT apresentou também as suas alegações finais escritas. Sucede, porém, que, ao arrepio dos mais elementares princípios processuais, a AT aproveitou as alegações finais simultâneas para fazer a alegação de factos novos e juntar um novo documento ao processo (cf. Doc. n.º 14, Alegações Finais da AT).

NN. Em concreto, a AT veio alegar, pela primeira vez, o facto de que a FPF havia feito o pagamento por sub-rogação do imposto liquidado aos Requerentes e veio também juntar o “doc. 1 que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais”, que não havia sido junto por nenhuma das partes com os seus articulados e não constava, por isso, e até então, dos autos (cf. Doc. n.º 14, Alegações Finais da AT, pág. 4).

OO. Sendo que, conforme se disse, tal facto e tal documento já eram do pleno conhecimento não apenas da AT genericamente, uma vez que havia sido pela AT autorizado e junto dela praticado, mas, também, dos inspetores juristas que concretamente representaram a AT no processo arbitral e que referiram o processo de execução e o seu desfecho na sua Resposta, desde o momento da sua prática junto dos serviços de finanças competentes, não sendo por isso qualificáveis de supervenientes ou de conhecimento supervenientes (cf. Doc. n.º 9, Resposta da AT, art. 45.º).

PP. De acordo com a alegação da AT, o novo facto e o novo documento seriam relevantes para inferir dois factos: de um lado, a demonstração de que o valor pago pela FPF à F. teria sido um montante líquido de imposto; do outro, a demonstração de que o Impugnante F. S. e a FPF eram assessorados por advogados pertencentes ao mesmo escritório de advogados, facto esse, e apenas esse, que, na perspetiva da AT, deveria ser ponderado na valoração da prova testemunhal do Dr. F. G..

QQ. De enorme relevo, por motivos que se tornarão evidentes mais adiante, cumpre notar que, nas suas alegações finais, apresentadas a 15 de julho de 2022, a AT nunca afirmou de forma clara e inequívoca que a testemunha F. G. era parte interessada no desfecho do litígio arbitral por virtude de a FPF ter pago por sub-rogação do imposto liquidado aos Impugnantes, que violado um dever de revelar esse facto ao tribunal durante a sua inquirição em audiência e que, por conseguinte, o seu depoimento deveria ser desconsiderado inteiramente pelo Tribunal Arbitral por falta de credibilidade.

RR. No dia 29 de julho de 2022, os Requerentes, confrontados pela alegação de novos factos e junção de novo documento pela AT nas suas alegações finais escritas, apresentaram um requerimento escrito ao Tribunal Arbitral (cf. Doc. n.º 15, Requerimento dos Requerentes, de 29 de julho de 2022).

SS. Neste requerimento, os Impugnantes manifestaram a sua total estupefação com o comportamento processual da AT, ao alegar factos e juntar documentos novos “no momento final das alegações, para impressionar o Tribunal já depois do convencional período de contraditório” e procederam ao exercício do contraditório relativamente ao documento novo e às novas alegações factuais, que, concretamente, tinham sido feitas nas alegações finais escritas da AT (cf. Doc. n.º 15, Requerimento dos Requerentes, de 29 de julho de 2022, pág. 2, para. 6).

TT. No dia 5 de setembro de 2022, a AT, após ter sido notificada do requerimento dos Requerentes do dia 29 de julho de 2022, e sem que lhe tivesse sido concedido prazo ou autorização pelo Tribunal Arbitral para o efeito, apresentou espontaneamente uma pronúncia escrita na qual, na parte respeitante à alegação de facto novo e à junção em alegações finais de um documento ao processo, afirmou que: “A relevância do facto e do documento ficou reforçada depois de a testemunha ter afirmado não ter interesse direto na causa, quando impendia sobre si a obrigação de revelar aos autos a sub-rogação, omitindo-a. Por essa mesma razão, não se verifica a alegada extemporaneidade.” (cf. Doc. n.º 16, Pronúncia escrita da AT, de 5 de setembro de 2022).

UU. Esta pronúncia escrita foi a primeira e única vez em que, no processo arbitral, de forma expressa e inequívoca, a AT veio alegar que a sub-rogação da FPF no pagamento do imposto, deveria ter qualquer tipo de impacto na apreciação da prova testemunhal da testemunha F. G., e mais ainda que esta testemunha violara o dever de revelar a sub-rogação ao Tribunal Arbitral, sem, no entanto, explicar por que motivo a AT não o revelara ela própria.

VV. Após a pronúncia escrita da AT do dia 5 de setembro de 2022, o Tribunal Arbitral não deu nem aos Requerentes oportunidade para se pronunciarem, por escrito, sobre o conteúdo da Pronúncia da AT, e em particular sobre esta sua nova alegação no sentido de a testemunha F. G. ter afinal um interesse direto na causa e ter violado um dever de revelação ao Tribunal Arbitral do facto de a FPF ter liquidado o imposto em causa através do regime de sub-rogação, nem tão-pouco deu à testemunha F. G. oportunidade para ser confrontada com o novo documento junto extemporaneamente ao processo nem com os novos factos alegados pela AT em alegações finais e em pronúncia posterior.

WW. Menos de um mês depois, no dia 3 de outubro de 2022, os Requerentes foram notificados do Acórdão Arbitral (cf. Doc. n.º 17, Acórdão Arbitral).

XX. Neste, os árbitros Carla Castelo Trindade (árbitro-presidente) e João Menezes Leitão (árbitro-vogal) decidiram que a factualidade supra exposta era subsumível à Cláusula Geral Anti Abuso, prevista no artigo 38.º, n.º 2 da LGT, dando assim razão à posição da AT.

YY. No Capítulo IV do Acórdão Arbitral, o Tribunal Arbitral identifica os elementos que considerou na sua decisão sobre os factos (cf. Doc. n.º 17, Acórdão Arbitral, pág. 28).

ZZ. O Tribunal Arbitral omitiu, da enunciação da prova documental considerada para julgar como provados e não provados factos “com relevo para a decisão da causa”, o documento extemporaneamente junto pela AT com as suas alegações finais escritas como Documento n.º 1 (cf. Doc. n.º 17, Acórdão Arbitral, pág. 28 e 91).

AAA. Sucede que, se atentarmos depois à listagem dos factos dados como provados, recorde-se, “com relevo para a decisão da causa”, logo identificamos que o facto XLII foi dado como provado única e exclusivamente com base no documento n.º 1 junto pela AT com as alegações finais em violação das mais elementares regras e princípios processuais, que o Tribunal Arbitral sabia ou devia saber que não poderia ser considerado, tanto mais que o omitiu de todas as enunciações dos elementos que havia considerado (cf. Doc. n.º 17, Acórdão Arbitral, pág. 89).

BBB. Quanto atentamos, depois, na listagem dos cinco factos que o Tribunal Arbitral deu como não provados, verificamos que eles se reportam, essencialmente, ao elemento subjetivo da motivação da escolha das partes do modelo contratual subjacente aos dois contratos de prestação de serviços e ao contrato de cedência de direitos de imagem, que havia sido o cerne do objeto da prova testemunhal do Dr. F. G. (cf. Doc. n.º 17, Acórdão Arbitral, págs. 89 e 90).

CCC. Ou seja, todos os factos atinentes à motivação das partes na escolha do modelo de contratação que regeria as suas relações, bem como às situações concretas que, na sua perspetiva, evidenciavam as vantagens, não fiscais, mas meramente contratuais, subjacentes a essa escolha, e que só podiam, pela sua natureza subjetiva, ter sido demonstrados através da prova testemunhal de F. G., foram dados como não provados pelo Tribunal Arbitral.

DDD. A fundamentação para esta decisão do Tribunal Arbitral consta do Capítulo IV (3), sobre “Motivação da decisão da matéria de facto”, do Acórdão Arbitral.

EEE. O Tribunal Arbitral faz uma apreciação global da prova testemunhal da testemunha F. G., na qual torna claro que o depoimento da testemunha F. G., uma testemunha crucial na demonstração da motivação subjacente à escolha das partes do modelo contratual adotado, foi, muito simplesmente, desconsiderado, com fundamento em alegações e documentos com os quais a testemunha nunca foi confrontada, nem tiveram os Impugnantes oportunidade de se pronunciar concretamente (cf. Doc. n.º 17, Acórdão Arbitral, pág. 93).

FFF. Tratou-se, portanto, de uma desconsideração da testemunha a posteriori, ou seja, o Tribunal Arbitral formou uma convicção sobre a sua credibilidade no julgamento, mas depois, face a uma junção tardia de um documento pela AT, retirou qualquer credibilidade ao seu depoimento.

GGG. A decisão vertida no Acórdão Arbitral não foi unânime: O árbitro-vogal, o Exmo. Senhor Professor Doutor Tomás Cantista Tavares, apresentou um voto de vencido no qual manifesta a sua posição relativamente à ponderação da prova testemunhal de F. G. e, ao fazê-lo, revela que o facto alegado pela AT extemporaneamente, relativo à sub-rogação, foi determinante na desvalorização pelo Tribunal Arbitral deste elemento de prova (cf. Doc. n.º 17, Acórdão Arbitral, Voto de Vencido, págs. 1-2).

HHH. O árbitro-vogal, o Exmo. Senhor Professor Doutor Tomás Cantista Tavares, deixou logo de seguida claro que a sub-rogação nunca poderia ter sido validamente considerada na ponderação do Tribunal Arbitral (cf. Doc. n.º 17, Acórdão Arbitral, Voto de Vencido pág. 3).

III. Atendendo à sua valoração da prova, lícita e tempestivamente junta aos autos, o Exmo. Senhor Professor Doutor Tomás Cantista Tavares acaba por concluir, em linha com o peticionado pelos Impugnantes, que não havia ficado demonstrada uma principal finalidade fiscal na contratação das partes, ficando assim demonstrado que a alegação pela AT de um novo facto e a junção de um novo com as suas alegações finais, foram decisivas para o desfecho global da causa, decretado pela maioria do Tribunal Arbitral (cf. Doc. n.º 17, Acórdão Arbitral, Voto de Vencido pág. 6).

JJJ. Com a presente ação, os Impugnantes pretendem a anulação do Acórdão Arbitral, invocando para o efeito a verificação dos fundamentos previstos nas alíneas c) (“Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia”) e d) (“Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º”), do n.º 1 do artigo 28.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, consagrado no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (abreviadamente “RJAT”).

KKK. Em primeiro lugar, os Impugnantes consideram que foi violado o princípio do contraditório, na medida em que o depoimento do Dr. F. G., uma testemunha crucial na demonstração da motivação subjacente à escolha das partes do modelo contratual adotado, foi, muito simplesmente, desconsiderado, com fundamento em alegações fundadas em documentos sobre os quais a testemunha nunca foi questionada, com os quais nunca foi confrontada, e relativamente às quais os Impugnantes não tiveram oportunidade de, em concreto, se pronunciar.

LLL. Nos termos da alínea a) do artigo 16.º do RJAT, o princípio do contraditório constitui um princípio enformador do processo arbitral, assegurado, designadamente, “através da faculdade conferida às partes de se pronunciarem sobre quaisquer questões de facto ou de direito suscitadas no processo”. A alínea d) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT dita que a decisão proferida nos autos de um processo arbitral no qual tenha havido violação deste princípio é impugnável por via da ação de impugnação.

MMM. Decorre da afirmação deste princípio que as partes tenham a possibilidade de influenciar a decisão, quer em matéria de facto, quer em matéria de prova, quer em matéria de direito, e que as partes devem poder pronunciar-se quanto a questões determinantes para a decisão a proferir e que, constituindo novidade no processo, não tenham sido objeto de pronúncia no decurso do normal contraditório previsto na tramitação processual (cf. Acórdão de 22 de janeiro de 2015, proferido no processo n.º 06208/12, e Acórdão do TRL de 10 de setembro de 2020, proferido no processo n.º 12841/19.08T8LSB.L2-6 e Acórdão de 29 de abril de 2021, proferido no processo n.º 9465/16.8BCLSB).

NNN. Ora, o contraditório exigível às partes, é um contraditório relativamente a questões concretas que são perante elas colocadas.

OOO. Ao dia 29 de julho de 2022, os requerentes, ora Impugnantes, confrontados pela alegação de novos factos e junção de novo documento pela AT nas suas alegações finais escritas, decidiram apresentar um requerimento escrito ao Tribunal Arbitral, respondendo ao que tinha sido concretamente dito pela AT nas suas alegações finais em relação ao novo facto e documento,

PPP. Assim, os Impugnantes pronunciaram-se sobre a falta de superveniência do novo facto e novo documento juntos ao processo, de um lado, e sobre as inferências que a AT deles retirou, ou seja: (i) a inferência de que o valor pago pela FPF ao abrigo dos contratos celebrados entre as partes era líquido de imposto e (ii) a nova alegação factual de que a sociedade de advogados M. L. teria assessorado a FPF na negociação dos contratos celebrados com a F., e estaria a assessorar os Impugnantes no processo arbitral.

QQQ. O escopo da pronúncia dos Impugnantes foi, como se vê, estritamente delimitado pelo escopo dos factos e documento trazidos pela AT nas suas alegações finais, nada se referindo sobre o efeito que estes teriam sobre a credibilidade da testemunha F. G..

RRR. As afirmações da AT nas suas alegações finais nunca deixariam, em nenhum caso, antever o grau de influência sobre a credibilidade do Dr. F. G. que o Tribunal Arbitral atribuiu àquele novo facto e documento, que ditou, reitera-se, a conclusão de que factos essenciais para a posição dos Requerentes fossem dados por não provados.

SSS. A questão de saber se o facto correspondente ao pagamento por sub-rogação implicaria a exclusão de credibilidade do Dr. F. G. enquanto testemunha nunca foi claramente suscitada pela AT no procedimento administrativo que precedeu o processo arbitral, nem nunca foi, após ter sido sugerida na pronúncia do dia 5 de setembro de 2022, objeto de contraditório pelos Impugnantes. Nisto reside a violação do princípio do contraditório, com carácter decisivo para o desfecho da causa no caso presente.

TTT. Facilmente se compreende que, tivesse a AT invocado o novo facto e junto o novo documento em momento processualmente próprio, e retirado destes as inferências que veio a retirar acerca da credibilidade do Dr. F. G., deveria tê-lo feito através do meio processual especificamente previsto para o efeito: a contradita, prevista no artigo 521.º do CPC (aplicável ao caso ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT).

UUU. Ao admitir a junção de um novo documento e a invocação da relevância do mesmo para afetar a credibilidade do depoimento da única testemunha inquirida, fora do momento próprio – a contradita – o Tribunal Arbitral privou os requerentes de, também no momento próprio, e com o arsenal de meios de defesa que então estaria à sua disposição, exercerem o contraditório.

VVV. Perante a situação dos autos, o Tribunal Arbitral, para garantir a observância dos princípios fundamentais do processo, teria uma de duas alternativas: ou deveria ter-se abstido, no Acórdão Arbitral, de atribuir ao facto do pagamento do montante liquidado pela FPF por sub-rogação uma tal consequência probatória, especificamente quanto à credibilidade do depoimento do Dr. F. G. e à veracidade dos factos sobre que este depôs, Ou, em alternativa, querendo valer-se dessa questão para fundamentar a sua decisão, deveria ter reconhecido o surgimento de nova questão e, reabrindo a instrução, tornar a ouvir a testemunha, confrontando-a com o pagamento por sub-rogação, mas, sempre, em qualquer cenário, dando oportunidade aos Requerentes de sobre aquela nova questão concreta – a do impacto do facto na credibilidade do depoimento do Dr. F. G., correspondente à sua desconsideração – se pronunciarem.

WWW. Com efeito, importa recordar que a testemunha P. L. só foi dispensada pelo Tribunal Arbitral (ouvidas as partes), após a inquirição da testemunha F. G., pelo que, seguramente, caso esta tivesse sido sujeita à contradita, teria sido possível aos requerentes insistir na inquirição da testemunha P. L., de forma a não ser dispensado, uma vez que, recorde-se, os requerentes manifestaram o seu acordo à dispensa da inquirição do Dr. P. L. apenas depois de ter sido feita a inquirição do Dr. F. G., precisamente por terem entendido que os factos sobre os quais o primeiro deporia, já tinham sido suficientemente demonstrados pelo depoimento do segundo em audiência, e recorde-se também que o Dr. P. L. tinha prestado declarações perante a AT no dia 7 de outubro de 2020, vários meses antes de ter ocorrido a sub-rogação, e nessas declarações ter deposto em detalhe sobre os motivos legítimos que justificavam na perspetiva da FPF o modelo contratual adotado, não podendo a sua credibilidade ser afetada por virtude da sub-rogação posterior.

XXX. Não tendo o Tribunal Arbitral optado por nenhuma das duas vias identificadas, não podia o Tribunal Arbitral decidir – isto é, negar o valor probatório do depoimento do Dr. F. G. – com base naquele específico juízo relativo à repercussão do pagamento por sub-rogação na ponderação da prova testemunhal, sob pena de resultar violado – como acabou por suceder – o princípio do contraditório, uma vez que – reitera-se – os Requerentes nunca tiveram oportunidade de se pronunciar previamente sobre a bondade dessa construção, com a qual foram confrontados, pela primeira vez na sua plenitude, no Acórdão Arbitral.

YYY. Estamos, pois, perante uma atuação cerceadora do princípio do contraditório, vertido no na alínea a) do artigo 16.º do RJAT que influiu na decisão da causa, devendo o Acórdão Arbitral ser com esse fundamento anulado, nos termos da alínea d) do artigo 28.º do RJAT.

ZZZ. Em segundo lugar, os Impugnantes consideram que foi violado o princípio da igualdade das partes, por um lado, porque o Tribunal Arbitral, no seu Despacho do dia 24 de maio de 2022, estipulou regras diferentes para partes que, estando em igualdade de circunstâncias, deveriam ser tratadas como iguais, impondo, de forma injustificada, condições mais onerosas a uma parte para a apresentação de uma testemunha que era comum, o Dr. F. G. (cf. Doc. n.º 10, Despacho do dia 24 de maio de 2022), e, por outro lado, o Tribunal Arbitral também violou o princípio da igualdade na medida em que a AT teve oportunidade de juntar nova prova extemporaneamente, em violação das regras processuais aplicáveis, e apresentar um requerimento não autorizado, datado de 5 de setembro de 2022, pronunciando-se através do meio processual impróprio sobre o impacto negativo da nova prova na apreciação do depoimento do Dr. F. G., quando tais oportunidades não eram permitidas por lei e não foram concedidas aos então requerentes.

AAAA. Dispõe a alínea b) do artigo 16.º do RJAT que “[constitui princípio do processo arbitral] a igualdade das partes, concretizado pelo reconhecimento do mesmo estatuto substancial às partes, designadamente para efeitos do exercício de faculdades e do uso de meios de defesa”. A violação do princípio da igualdade das partes encontra-se prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT como fundamento de impugnação da sentença arbitral.

BBBB. Relativamente ao Despacho do dia 24 de maio de 2022, numa inédita e flagrante diferenciação entre as partes do litígio, o Tribunal Arbitral afirmou que, muito embora o Dr. F. G. tivesse sido arrolado como testemunha tanto pelos então requerentes (ora Impugnantes), como também pela AT, a AT “muito previsivelmente” não o conseguiria apresentar em juízo por resultar dos autos que ele não tinha um vínculo, designadamente laboral, com a AT, mas que os requerentes já teriam “maior facilidade para o efeito” e, por isso, deveriam “assegurar a respetiva apresentação”. (cf. Doc. n.º 10, Despacho do dia 24 de maio de 2022).

CCCC. Ora: os então requerentes, ora Impugnantes, não têm com o Dr. F. G. nenhum vínculo jurídico, seja de natureza laboral ou outra análoga, que atribua ao primeiro um poder sobre o segundo de garantir a sua presença em audiência de julgamento.

DDDD. Daqui resultando que a diferenciação estabelecida pelo Tribunal Arbitral não teve na sua base nenhum motivo que a justificasse, qualificando-se, por isso, como arbitrária e injustificada.

EEEE. A conduta processual acima exposta constitui, assim, uma clara violação do princípio processual fundamental da igualdade de tratamento das partes, geradora da impugnabilidade do Acórdão Arbitral.

FFFF. Relativamente à admissão extemporânea de prova importa destacar que a liquidação do imposto dos Impugnantes pela FPF por sub-rogação, já eram, deste a sua prática, do conhecimento da AT.

GGGG. Relativamente à descredibilização da testemunha F. G., importa lembrar que, no dia 20 de junho de 2022, realizou-se a inquirição, presencial e em audiência pública, do Dr. F. G..

HHHH. Nesta ocasião, tendo pleno conhecimento do facto da sub-rogação, a AT não confrontou a testemunha com o documento que a demonstrava, nem requereu a sua contradita, termos do artº 521 do CPC (aplicável ao caso ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT).

IIII. Sucede que, vários meses mais tarde, já após o fim da fase da instrução, a AT veio juntar, com as suas alegações finais escritas, o “doc. 1 que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais”, que não havia sido junto por nenhuma das partes com os seus articulados e não constava, por isso, e até então, dos autos (cf. Doc. n.º 14, Alegações Finais da AT, pág. 4).

JJJJ. Em primeiro lugar, não tendo deduzido a contradita do Dr. F. G. no momento processualmente próprio, à AT não poderia ser admitido a vir atacar a credibilidade da testemunha mais tarde.

KKKK. Ao admitir que a AT viesse fazê-lo em sede de requerimento do dia 5 de setembro de 2022, o Tribunal Arbitral tratou as partes de forma diferente perante a lei processual aplicável, permitindo a uma delas uma conduta processualmente proibida.

LLLL. Em segundo lugar, o facto alegado – i.e. que a FPF havia feito por sub-rogação o pagamento do imposto liquidado aos Requerentes − bem como o documento que o comprovava – i.e. a demonstração do pagamento do valor do imposto pela FPF, com sub-rogação, na qualidade de terceiro, mediante autorização dos Impugnantes –, eram do conhecimento e estavam na posse da AT desde o início do processo arbitral, pois foi junto dela requerido, autorizado e praticado, não sendo, por isso, qualificável de superveniente.

MMMM. Nos termos do artigo 423.º do CPC, os documentos apenas podem ser juntos ao processo em três momentos distintos: (i) com o articulado respectivo, sem cominação de qualquer sanção, (ii) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas com cominação de multa, excepto se a parte alegar e provar que os não pôde oferecer com o articulado, e, finalmente (iii) até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas apenas aqueles documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento ou se tornem necessários por virtude de ocorrência posterior.

NNNN. Cabe à parte que pretende a junção de documento alegar e demonstrar que a sua apresentação não foi possível até àquele momento, ou que a sua apresentação só se tornou possível em virtude de ocorrência posterior.

OOOO. Com efeito, e conforme demonstrado supra, o documento junto pela AT nas suas Alegações Finais, apresentadas em 15 de julho de 2022, estava na sua posse e era do seu conhecimento desde 25 de junho de 2021, data em que foi deferido o requerimento de sub-rogação apresentado pela FPF ao processo de execução

PPPP. Perante o exposto, constata-se que o Tribunal Arbitral permitiu que uma parte alegasse um facto novo e juntasse extemporaneamente ao processo nova prova, muito depois da apresentação da Resposta (momento em que, nos termos do despacho do próprio Tribunal, a AT deveria juntar qualquer prova adicional), sem exigir qualquer alegação ou demonstração da sua superveniência e sem que tenha concedido igual oportunidade de apresentação de prova aos então requerentes, ora Impugnantes.

QQQQ. Como já demonstrado, o Tribunal, no Acórdão Arbitral, atribuiu um peso inegável a esse facto e a esse documento, ainda que este só tenham sido alegados e juntos ao processo com as alegações apresentadas pela AT a 15 de julho de 2022, isto é, finda a fase dos articulados e mais de um ano após o facto – datado de 29 de junho de 2021, o qual era do perfeito conhecimento pela AT desde esta data.

RRRR. Ou seja, o Tribunal permitiu a junção extemporânea de um documento pela AT, e permitiu também que este influísse decisivamente no sentido do Acórdão, sem que aos requerentes, ora Impugnantes, tivesse sido atribuída oportunidade para junção de contraprova documental ou para contradita da sua prova testemunhal, consubstanciando, assim uma clara vantagem atribuída unicamente à AT.

SSSS. Em conclusão, a condução do processo pelo Tribunal Arbitral evidencia sucessivas violações, formais e materiais, do princípio da igualdade das partes, motivo pelo qual, nos termos da alínea d) do artigo 28.º do RJAT, o Acórdão Arbitral deve ser, em conformidade, anulado.

TTTT. Em terceiro lugar, os Impugnantes consideram que houve pronúncia indevida, em violação do princípio do dispositivo, na medida em que o Tribunal Arbitral conheceu de factos essenciais que não foram alegados pelas partes no momento processualmente próprio, nem podem qualificar-se como factos instrumentais ou complementares que tenham resultado da instrução da causa e tenham sido sujeitos ao contraditório, e além disso pronunciou-se sobre questões que as partes não tinham, tempestivamente e através do mecanismo processualmente próprio, submetido à sua apreciação, corporiza uma violação do princípio do dispositivo geradora da impugnabilidade do Acórdão Arbitral.

UUUU. Nos termos da alínea c) do n.º 1, do artigo 28.º do RJAT, “[a] decisão arbitral é impugnável com fundamento na: (…) c) Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia”.

VVVV. Este fundamento de impugnação da decisão arbitral prescrito pelo legislador decorre diretamente de um dos princípios enformadores do processo: o princípio do dispositivo, o qual determina que a conformação do objeto do processo cabe às partes, enquanto reflexo da disponibilidade de direitos que, no plano substantivo, rege as suas relações.

WWWW. Como consequência da atribuição às partes da prerrogativa de conformação do objeto do processo, resulta uma correspondente limitação dos poderes de cognição do tribunal: “o princípio do dispositivo estabelece os limites da decisão do julgador: aquilo que as partes lhe pediram que decidisse” (cf. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Introdução ao Processo Civil, 3.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 164).

XXXX. Este princípio, consagrado em termos gerais no artigo 5.º do CPC – aplicável ao presente caso ex vi artigo 29.º, n.º 1, e), do RJAT – enforma e circunscreve o exercício da cognição do tribunal arbitral.

YYYY. No plano da arbitragem tributária, dispõe o n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, que é no pedido de pronúncia arbitral que deve o requerente proceder à “identificação do pedido de pronúncia arbitral (…), bem assim, a exposição das questões de facto e de direito objeto do referido pedido de pronúncia arbitral”, após o que a AT, na qualidade de requerida, é notificada para “apresentar resposta e, caso queira, solicitar a produção de prova adicional” (artigo 17.º, n.º 1, do RJAT).

ZZZZ. Ora, da afirmação de um ónus de alegação dos factos essenciais pelas partes, e do estabelecimento na lei dos momentos processualmente adequados para o efeito resulta, uma consequente limitação dos poderes de cognição do tribunal.

AAAAA. De acordo com a doutrina, “O tribunal deve conhecer de todos os factos alegados pelas partes no momento processual adequado, sejam eles factos principais – isto é –, factos que constituem a causa de pedir ou factos que fundamentam a excepção – ou factos complementares, isto é, factos que complementam ou concretizam os factos principais (art. 5.º, n.º 2, al. b) (…) O juiz só pode servir-se, em regra, dos factos articulados pelas partes como causa de pedir ou como fundamento de excepção” (cf. JOÃO DE CASTRO MENDES e MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Manual de Processo Civil, Volume I, Lisboa: AAFDL Editora, 2022, p. 88).

BBBBB. No âmbito decisório, determina o artigo 608.º, n.º 2 do CPC (aplicável, ex vi artigo 29.º, n.º 1, e), do RJAT), que “[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

CCCCC. Ora, perante o exposto, importa recordar que a AT alegou, pela primeira vez, o facto de que a FPF havia feito o pagamento por sub-rogação do imposto liquidado aos Requerentes (cf. Doc. n.º 14, Alegações Finais da AT, pág. 4).

DDDDD. Como acima se demonstrou, nem poderia dizer-se que este facto novo poderia qualificar-se como um facto de conhecimento superveniente, para putativamente explicar a sua alegação extemporânea, uma vez que o facto em questão era do conhecimento da AT desde o início do processo arbitral, tendo sido pela AT autorizado e junto dela praticado em junho de 2021.

EEEEE. Assim, e além de novo, este facto qualifica-se também como um facto essencial ou principal, na medida em que ele foi alegado pela AT como sendo extintivo do direito dos requerentes a obter a anulação das liquidações de imposto e teve, no Acórdão Arbitral, um peso decisivo na decisão da causa.

FFFFF. Um dos factos essenciais alegados pelos requerentes no seu Pedido de Pronúncia Arbitral, integrantes da sua causa de pedir, na medida em que decisivo para a procedência da sua pretensão, era que a finalidade principal do modelo contratual adotado pela F. e pela FPF, era uma finalidade prática e jurídica, alicerçada em experiências passadas, e não uma finalidade de obtenção de um benefício fiscal, não estando, por isso, verificada a previsão da norma com base na qual a AT procedeu à emissão das liquidações. Por seu turno, um dos factos alegados pela AT como extintivos do direito dos requerentes a obter a anulação das liquidações era, precisamente, o de que a finalidade principal desse modelo contratual só podia ter sido fiscal, tendo esta requerido que o Tribunal Arbitral desse como não provada a motivação do modelo contratual alegada pelos requerentes.

GGGGG. Ora, se atentarmos o que foi exatamente afirmado pela AT nas suas alegações finais, verificamos que o novo facto alegado demonstraria, na perspetiva da AT, que o valor pago pela FPF à F., ao abrigo dos contratos celebrados entre as partes, teria sido um montante líquido de imposto (cf. Doc. n.º 14, Alegações Finais da AT, pág. 4).

HHHHH. O que diz respeito precisamente à motivação fiscal da escolha do modelo contratual adotado pelas partes, tornando-o, por isso, um facto essencial, na medida em que a sua demonstração, na perspetiva da AT e na forma como o facto foi alegado por esta, demonstraria a verificação no caso concreto do elemento volitivo da Cláusula Geral Anti Abuso e, assim extinguiria o seu direito dos Impugnantes a obter a anulação das liquidações de imposto.

IIIII. Em suma, o facto da sub-rogação foi alegado pela AT para demonstrar que a motivação das partes teria sido fiscal, esse facto era um facto essencial, pelo que só poderia, nos termos da lei processual e em conformidade com o princípio do dispositivo, ter sido alegado pelas partes nos seus articulados.

JJJJJ. Não tendo este facto essencial sido tempestivamente alegado pelas partes, o Tribunal Arbitral não poderia ter dele conhecido.

KKKKK. Sucede que, na página 89 do Acórdão Arbitral, o Tribunal Arbitral deu como provado o facto XLIII, do pagamento pela FPF do imposto liquidado por sub-rogação, alegado extemporaneamente pela AT (cf. Doc. n.º 17, Acórdão Arbitral, pág. 89).

LLLLL. Mais: o Tribunal Arbitral deu como não provados, todos os factos alegados pelos requerentes relativamente aos motivos não fiscais que estiveram na base da escolha do modelo contratual pelas partes. (cf. Doc. n.º 17, Acórdão Arbitral, págs. 89-90).

MMMMM. E fê-lo por ter desconsiderado o depoimento da testemunha F. G., precisamente com base nesse novo facto (cf. Doc. n.º 17, Acórdão Arbitral, pág. 93).

NNNNN. O que foi, ademais, expressamente confirmado pelo árbitro-vogal, o Exmo. Senhor Professor Doutor Tomás Cantista Tavares, no seu voto de vencido (cf. Doc. n.º 17, Acórdão Arbitral, Voto de Vencido, págs. 1-2).

OOOOO. Isto é: o Tribunal Arbitral não apenas conheceu de um facto essencial que não havia sido oportunamente alegado pelas partes, como, mais do que isso, atribuiu-lhe fundamental relevância, ao dar como não provados factos oportunamente alegados pelos requerentes, e ao do novo facto inferir a descredibilização do depoimento do Dr. F. G., cuja prova testemunhal foi realizada em momento processualmente oportuno, sem dedução de qualquer incidente de contradita.

PPPPP. O que inclusivamente mereceu a censura do árbitro-vogal, o Exmo. Senhor Professor Doutor Tomás Cantista Tavares, que, no seu voto de vencido, denunciou em termos inequívocos o excesso de pronúncia do Tribunal Arbitral (cf. Doc. n.º 17, Acórdão Arbitral, ponto 1 do Voto de Vencido).

QQQQQ. Ora, tendo em consideração o já exposto, não está na disponibilidade do tribunal arbitral conhecer do novo facto, nem tão-pouco inferir e decidir com base nele questões não alegadas oportunamente por qualquer uma das partes, sob pena de violação do princípio do dispositivo e de pronúncia indevida.

RRRRR. Sendo indiscutível a violação do princípio do dispositivo pelo Tribunal Arbitral, com o alcance previsto no artigo 28.º, n. º 1, al. c), do RJAT, estamos diante de uma causa de impugnação do Acórdão Arbitral.

SSSSS. Como já se antecipou, o cerne da pronúncia indevida do Tribunal impugnado está presente nas páginas 89, 90 e 93 do Acórdão Arbitral, ao (i) dar como provado um facto alegado após a estabilização da instância, que, como tal, já não podia conformar o objeto do processo (ii) ao, com base nesse, dar como não provados factos oportunamente alegados e provados em audiência, e, finalmente, (iii) ao inferir do novo facto a valoração da prova testemunhal do Dr. F. G. oportunamente trazida ao processo, e essencial à demonstração da causa de pedir dos requerentes.

TTTTT. Assim, atento o sobredito, estamos diante de um Acórdão Arbitral que encerra uma pronúncia indevida, e que deve ser com esse fundamento anulado, nos termos do artigo 28.º, n. º 1, al. c), do RJAT.

UUUUU. Finalmente, os Impugnantes entendem que estão verificados os requisitos para determinar a dispensa na totalidade do remanescente da taxa de justiça nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), considerando não só excessivo e desproporcional o montante a este título que seria devido atendendo não só ao valor em si, em absoluto, e por isso requerem a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, o que expressamente se requer.

Termos em que deverá a presente ação de impugnação ser julgada procedente e, em consequência, deverá ser anulado o Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 860/2021-T com todas as consequências legais.

Requer-se ainda sejam os Impugnantes dispensados do remanescente da taxa de justiça, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais”.

Foi ordenada a notificação da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Impugnada ou AT) para alegar, nos termos consignados no art.º 144.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi art.º 27.º, n.º 2, do RJAT, tendo sido apresentadas contra-alegações, na quais foram formuladas as seguintes conclusões:

A. Antes de mais se diga que a integralidade da pretensão que é agora sujeita à apreciação deste Venerando Tribunal, e que subjaz a toda a sua argumentação da douta Impugnação, assenta numa omissão, por parte dos ora Impugnantes, de factos relevantes para a decisão da causa no processo arbitral, o que, ao abrigo do disposto no artigo 542.º, n.º 2, alínea b) do CPC, configura litigância de má-fé.

B. Donde resulta que a presente ação é interposta em manifesto abuso de direito, devendo por isso improceder liminarmente.

C. Com efeito, a Impugnação assenta, no essencial, na circunstância de a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), ter suscitado nas suas alegações o facto de o pagamento da dívida em litígio no processo arbitral ter sido feito pela Federação Portuguesa de Futebol (doravante, FPF), mediante sub-rogação, o que a constituiu como credora dos Impugnantes relativamente aos montantes em litígio.

D. O Tribunal Arbitral considerou que o pagamento da dívida em litígio pela FPF constituía um facto provado “com relevo para a decisão da causa” (cfr. acórdão impugnado, facto XLIII, p. 89).

E. Mais considerou o Tribunal Arbitral que a revelação desse facto incumbia às partes.

F. Importa clarificar, no entanto, que, se esse facto era do conhecimento direto dos Impugnantes desde o início do processo, já os representantes da AT só dele tiveram conhecimento depois de oficiarem o Serviço de Finanças de Cascais 1 para confirmar o conteúdo de uma notícia publicada no jornal “O E.”, que dava conta de que teria sido a FPF a pagar a dívida em litígio – como se indicou nas alegações da Requerida no processo e no requerimento que apresentou posteriormente (o qual consta como doc. 16 da Impugnação).

G. Os Impugnantes afirmam, na conclusão Y da Impugnação, que “à data [da apresentação da Resposta], esse facto [a sub-rogação] já era do pleno conhecimento não apenas da AT genericamente, uma vez que havia sido pela AT autorizado e junto dela praticado, mas, também, dos inspetores juristas que concretamente representaram a AT no processo arbitral e que referiram o processo de execução e o seu desfecho na sua Resposta (cf. Doc. n.º 9, Resposta da AT, art. 45.º).”

H. Mas esta alegação de que a AT e os “inspetores juristas” que a representavam, tinham necessariamente conhecimento do pagamento do PEF por sub-rogação antes da inquirição da testemunha, ignora que o conhecimento que, em dado momento, cada órgão da AT dispõe é enformado pelas competências que lhe estão atribuídas por lei.

I. Os juristas da Impugnada não sabiam, nem tinham como saber, à data da inquirição, que a FPF se havia sub-rogado na dívida que os Impugnantes tinham para com os cofres públicos.

J. A representação da AT nos Tribunais Arbitrais é assegurada por juristas da Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso, nos termos dos n.ºs 1, 3 e 5 do artigo 11.º do CPTA, em conjugação com a Portaria n.º 320-A/2011, de 30 de dezembro, que estabelece a estrutura nuclear da AT e as competências das respetivas unidades orgânicas e fixa o limite máximo de unidades orgânicas flexíveis, alterada pela Portaria n.º 155/2018, de 29 de maio.

K. A aludida sub-rogação foi solicitada a 08-06-2022 e deferida por despacho do Chefe do SF Cascais 1 a 25-06-2022.

L. A informação sobre o pagamento pela FPF com sub-rogação não fazia parte do processo administrativo instrutor remetido pela Direção de Finanças de Lisboa aos juristas da Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e Contencioso e que ulteriormente foi junto ao processo arbitral.

M. Nem faria sentido que essa informação constasse do processo administrativo, porquanto se trata de matéria não incluída nos artigos 110.º e 111.º do CPPT, onde a lei estabelece o conteúdo do processo administrativo a juntar ao processo tributário.

N. Com efeito, frise-se que a informação relativamente ao pagamento da dívida de imposto, constitui um elemento do processo de execução fiscal cuja instrução está centralizada nas unidades orgânicas locais, in casu o SF Cascais 1, ao abrigo dos arts. 149.º e 150.º do CPPT.

O. Na verdade, só na fase pós inquirição (a 20-06-2022) e ao elaborarem as alegações (entregues simultaneamente com as dos então Requerentes a 15-07-2022) os juristas ora signatários tiveram acesso a essa informação, após interpelados os serviços de cobrança e locais sobre o ponto da situação, depois de noticias vindas a público a 01.07.2022.

P. A relevância de tal facto e do documento ficou reforçada depois de a testemunha ter afirmado não ter interesse direto na causa, quando impendia sobre si a obrigação de revelar aos autos a sub-rogação, omitindo-a.

Q. Ao que acresce que, face a essa omissão, deveriam ter sido os Requerentes – processualmente obrigados a isso – a dar conhecimento deste facto aos autos.

R. A Impugnação edifica-se sobre a premissa falaciosa, reiterada nos seus articulado e conclusões, segundo a qual o pagamento da dívida em litígio pela FPF constitui um facto novo (crf. Parágrafo 74.º da Impugnação).

S. Não olhando agora à circunstância de que a novidade daquele facto sempre se deveria ao incumprimento do dever de o revelar por parte dos Impugnantes e ao perjúrio moral da testemunha em causa, tem de se clarificar e sublinhar que o pagamento por sub-rogação não respeita a qualquer dos factos tributários em discussão no litígio, designadamente ao contexto circunstancial e contratual que justificou a aplicação da CGAA e que justificaria a emissão das liquidações impugnadas.

T. O “facto novo” que é o pagamento da dívida em processo de execução fiscal ocorreu mais de 4 anos após a prática dos atos tributários e enquadra-se num processo autónomo de execução fiscal que corria termos no Serviço de Finanças de Cascais 1.

U. Ainda que o pagamento do imposto, mesmo que em sede de cobrança executiva, se enquadre no âmbito da relação tributária em causa, as circunstâncias que rodeavam esse pagamento não diziam respeito diretamente aos factos objeto do processo em litígio.

V. Por esse motivo, o pagamento em sub-rogação não foi nem podia ter sido objeto de produção de prova na reunião agendada pelo Tribunal Arbitral para inquirição de testemunhas.

W. E, como já se demonstrou, as circunstâncias do pagamento tão-pouco constavam ou podia constar do RIT ou processo administrativo instrutor que, ao abrigo do artigo 111.º do CPPT, foi facultado aos representantes da AT no processo e ao próprio Tribunal Arbitral.

X. A informação sobre o contexto do pagamento foi, como dissemos e o Tribunal Arbitral reconheceu, omitida ilegitimamente pelos Impugnantes, e foi-o depois pela própria testemunha quando jurou perante o Tribunal não ter qualquer interesse na causa.

Y. Ou seja, o contexto do pagamento da dívida, não dizendo respeito aos factos objeto de litígio, - i.e. em nada relevando para efeitos da aplicação ou não em concreto da CGAA -, importava porém, e muito, como o próprio Tribunal Arbitral acabou por reconhecer (consideração essa que, sendo de mérito, não está a ser aqui sindicada) para a credibilidade da única Testemunha no processo.

Z. E, por isso, não se pode aceitar a qualificação como “facto novo” um facto que diz respeito, não ao objeto do litígio, mas à credibilidade de uma testemunha.

AA. Daí que a Requerida tenha dito no requerimento que apresentou a 05-09-2022 (doc. 16 da Impugnação) que “A relevância do facto e do documento ficou reforçada depois de a testemunha ter afirmado não ter interesse direto na causa, quando impendia sobre si a obrigação de revelar aos autos a sub-rogação, omitindo-a.”

BB. Além de que, como se explicou, a Requerida não poderia ter feito ela própria essa revelação, antes da inquirição da testemunha, porque tais factos não eram nem podiam ser do conhecimento dos seus representantes.

CC. Outra falácia a que a Impugnação se socorre é a de que a AT não suscitou dúvidas sobre a credibilidade da testemunha quando, nas suas alegações, invocou o facto de afinal ter sido a FPF a pagar a dívida dos Impugnantes, vd. Conclusão QQ. da Impugnação.

DD. Os Impugnantes tentam, à força, inculcar essa asserção, para poderem legitimar o argumento de que não lhe foi facultada a oportunidade de exercer o contraditório relativamente a essa questão.

EE. Mas ela deturpa o conteúdo das alegações da AT, onde se disse expressamente que a argumentação dos Requerentes se respaldava apenas em afirmações dos próprios e de representantes da FPF, que qualificou como “partes interessadas”.

FF. E no parágrafo seguinte, começando por “No caso da FPF, como foi recentemente noticiado, o seu interesse na procedência do pedido de pronúncia arbitral […]”, refere o pagamento por sub-rogação.

GG. Os Impugnantes começam por assacar ao acórdão arbitral a violação do princípio do contraditório, tal como está previsto na alínea a) do artigo 16.º do RJAT.

HH. Importa desde já clarificar que, apesar dos Impugnantes repetirem que o depoimento da testemunha F. G. foi “muito simplesmente, desconsiderado”, tal não encontra correspondência com o acórdão arbitral.

II. Na verdade, o acórdão arbitral apreciou detalhadamente o depoimento da testemunha, tendo sido, de resto, no confronto de várias contradições que aponta aos depoimentos da testemunha e da parte, e ainda, das pessoas ouvidas no âmbito do RIT, que o Tribunal Arbitral fundou a sua convicção, não só, mas sobretudo, para consolidar os factos que considerou não provados.

JJ. Na arguição da violação do princípio do contraditório, os Impugnantes, talvez para sugerirem que o Tribunal Arbitral estaria consciente de que lhes estaria a tolher os direitos neste aspeto, alegam que o Acórdão Arbitral omite deliberadamente factos com relevo para a decisão da enunciação da prova considerada para julgar como provados.

KK. Ou seja, para os Impugnantes, o Tribunal Arbitral, consciente de que não o poderia fazer, ainda assim utilizou a sub-rogação para desconsiderar o depoimento da única testemunha, embora capciosamente camuflando-o no texto da sentença.

LL. No entanto, a citação do Acórdão no artigo 94.º da Impugnação foi truncada pelos Impugnantes, eliminando a referência que ali é feita a “demais peças processuais” e “outros elementos probatórios”, onde manifestamente se inclui o documento que demonstra que os valores em dívida e objeto do litígio haviam sido pagos pela FPF.

MM. Relativamente à asserção de que a “desconsideração do depoimento da testemunha” teve por fundamento documentos sobre os quais os Impugnantes “não tiveram oportunidade de, em concreto, se pronunciar”, importa frisar que o Tribunal Arbitral entendeu que se deu “integral cumprimento aos princípios do contraditório e da igualdade de partes previstos, respectivamente, nos artigos 16.º, alíneas a) e b), ambos do RJAT.” p. 25 do acórdão arbitral, Destaque nosso

NN. Porquanto, perante a junção do aludido documento com as alegações da Requerida, os Impugnantes, invocando o princípio do contraditório previsto na al. a) do art. 16.º do RJAT, apresentaram resposta, (doc. 15 da Impugnação), através da qual o Tribunal Arbitral considerou que aqueles exerceram “o contraditório relativamente ao documento junto pela AT com as suas alegações, que era inclusive do conhecimento de ambas as partes (…)”.

OO. Tendo o Tribunal Arbitral decido: «Assim sendo, ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, previsto nos artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, ambos do RJAT, este Tribunal admite a sua junção aos autos em face da sua manifesta relevância para a correcta decisão da causa, dado que, como consta do petitório final da PI, os Requerentes peticionam a seu favor a “restituição das quantias referentes aos actos de liquidação ora impugnados, acrescidos dos correspondentes juros à taxa legal em vigor”.» p. 25 do acórdão arbitral

PP. Ou seja, não é verdade que aos Impugnantes não tenha sido dada a oportunidade para se pronunciarem sobre o documento que a Impugnada juntou nas suas alegações.

QQ. Quanto a este documento e ao facto que comprova, qual seja, o pagamento por sub-rogação do imposto impugnado por parte da FPF, foi exercido plenamente o contraditório.

RR. Os Impugnantes acabam por reconhecer isto mesmo porque, mais adiante, estreitam o âmbito da violação do princípio do contraditório, alegando que, afinal, o contraditório foi exercido apenas perante o documento e o facto invocado nas alegações da Impugnada, mas não já sobre o requerimento de 05-09-2022 em que esta respondeu ao pedido de condenação como litigante de má-fé, e no qual, segundo os Impugnantes, a AT afirmou pela primeira vez no processo “que a testemunha F. G. era parte interessada no desfecho do litígio arbitral por virtude de a FPF ter pago por sub-rogação do imposto liquidado aos Impugnantes, e que, por isso, o seu depoimento deveria ser desconsiderado pelo Tribunal Arbitral”.

SS. E na conclusão VV, os Impugnantes complementam: “Após a pronúncia escrita da AT do dia 5 de setembro de 2022, o Tribunal Arbitral não deu nem aos Requerentes oportunidade para se pronunciarem, por escrito, sobre o conteúdo da Pronúncia da AT, e em particular sobre esta sua nova alegação no sentido de a testemunha F. G. ter afinal um interesse direto na causa e ter violado um dever de revelação ao Tribunal Arbitral do facto de a FPF ter liquidado o imposto em causa através do regime de sub-rogação, (…).”

TT. Mas, como demonstrámos acima, esta asserção não corresponde ao que efetivamente se lê nas alegações, com as quais a AT juntou o documento e em causa.

UU. Nelas consignou-se que a FPF tinha “interesse na procedência do pedido de pronúncia arbitral resulta desde logo do facto de ter pago, por sub-rogação” e que o Tribunal Arbitral não podia de deixar de considerar tal interesse quando apreciasse o valor probatório do depoimento do representante da FPF.

VV. Aliás, no requerimento de dia 05-09-2022 a AT não alega que o depoimento da testemunha F. G. “deveria ser desconsiderado pelo Tribunal Arbitral”.

WW. Bem ao invés, o documento onde a AT sugere que o pagamento por sub-rogação devia ser considerado na apreciação do valor probatório, por revelar um interesse na causa, foi justamente as alegações sobre as quais os Impugnantes exerceram o contraditório!

XX. Ou seja, os Impugnantes, cientes de que exerceram o contraditório relativamente ao documento junto pela AT nas suas alegações, procuram desta forma encontrar no último requerimento apresentado pela Impugnada antes da decisão fundamentos para uma violação do princípio do contraditório que lhe permita fundamentar a impugnação do acórdão arbitral.

YY. Aliás, não deixa de ser esclarecedor que, vindo agora os Impugnantes invocar violação do princípio do contraditório relativamente ao requerimento da Impugnada de 05-09-2022, não tenham usado da flexibilidade demonstrada pelo Tribunal Arbitral relativamente ao seu requerimento de 29-07-2022, para requerem diligências de prova e inquirição de testemunhas que agora vêm alegar ficaram privadas de o fazer.

ZZ. Ademais, não se alcança como a oportunidade concedida à Impugnada para apresentar o referido documento possa constituir uma violação do princípio da igualdade, ou sequer em intensidade que justifique a anulação do acórdão arbitral.

AAA. Relativamente à alegação de que os Impugnantes teriam “violado um dever de revelação ao Tribunal Arbitral do facto de a FPF ter liquidado o imposto em causa através do regime de sub-rogação”, é verdade que esta referência não foi feita anteriormente ao requerimento de dia 05-09-2021, mas também é verdade que o Tribunal Arbitral não retirou dela qualquer consequência para a decisão, pelo que debalde se lhe opõe a violação do princípio do contraditório, de resto, os Impugnantes nunca rejeitaram esta alegação.

BBB. Sempre se diga que, se os Impugnantes, no requerimento onde exerceram o contraditório relativamente ao documento que comprova o pagamento por sub-rogação, decidiram não pugnar pela isenção do depoimento do Presidente da FPF, terá sido pela mesma razão que não o fazem agora na presente Impugnação – é porque tal não se mostra possível!

CCC. É factual que a FPF se tornou credora dos Impugnantes relativamente ao valor em discussão no processo arbitral e que isso sempre poria em questão, em alguma medida, a isenção do depoimento do seu representante.

DDD. Os Impugnantes arguem que a alegada violação do princípio do contraditório foi do Tribunal Arbitral os impediu de solicitar a inquirição de outras testemunhas, atendendo à centralidade da testemunha cujo depoimento ficou descredibilizado.

EEE. Tal não é verdade pois, como se demonstrou, notificados do Requerimento da Impugnada de 06-09-2021, relativamente o qual, recorde-se, os Impugnantes alegam existir violação do princípio do inquisitório, não foi feito qualquer pedido ao Tribunal nesse sentido.

FFF. Para reforçarem esta ideia de centralidade da testemunha, os Impugnantes referem que “o ponto central do litígio arbitral era a alegação e prova de um facto de natureza subjetiva, atinente às finalidades prosseguidas pelas partes na escolha dos modelos contratuais que regeriam as suas relações.”

GGG. Porém, não só não foi esse o ponto central do litígio arbitral, que se espraiou por muitas outras questões, como sobre o elemento essencial da aplicação da CGAA - a interposição de uma sociedade comercial -, o depoimento da testemunha F. G. foi inconclusivo, como notou o Acórdão Arbitral.

HHH. De resto, sempre se diga que a testemunha relativamente à qual os Impugnantes afirmam terem sido privados de “insistir na inquirição”, era P. L., assessor da Direção da FPF, sobre o qual não deixariam de impendem dúvidas quanto à isenção do seu depoimento, face à posição credora da FPF relativamente aos valores em litígio.

III. Também não se alcança por que deveria ser novamente ouvida a testemunha F. G. – acaso seria diferente a sua versão dos factos depois de confrontada com o facto que todos conheciam de que era credor dos Impugnantes?

JJJ. Também não corresponde à verdade “que a alegação pela AT de um novo facto e a junção de um novo com as suas alegações finais, foram decisivas para o desfecho global da causa, decretado pela maioria do Tribunal Arbitral.” (Conclusão III. Da Impugnação)

KKK. Na verdade, depois de uma alusão à sub-rogação, nos termos parcialmente citados pelos Impugnantes no ponto 96.º, em momento algum no Acórdão se desconsiderou qualquer facto afirmado pela testemunha com base na sua não credibilidade.

LLL. Os factos dados como não provados pelo Tribunal Arbitral foram-no porque se mostravam em si mesmos contraditórios e se revelavam “inverosímeis” face ao contexto factual e contratual que redundou na aplicação da CGAA.

MMM. Sendo assim caso para nos questionarmos sobre qual o efeito pretendido pelos Impugnantes com a anulação do Acórdão Arbitral e repetição do julgado, na medida que o contraditório de que dizem ter ficado privados parece não colidir com qualquer conteúdo da sentença impugnada.

NNN. A este respeito, mostra-se pertinente o comentário do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa quem também no processo arbitral está dispensada a observância do princípio do inquisitório em caso de “manifesta desnecessidade”, sendo este um corolário do princípio geral da proibição da prática de atos inúteis previsto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC.

OOO. Os Impugnantes consideram ainda “que foi violado o princípio da igualdade das partes, por um lado, porque o Tribunal Arbitral, no seu Despacho do dia 24 de maio de 2022, estipulou regras diferentes para partes que, estando em igualdade de circunstâncias, deveriam ser tratadas como iguais, impondo, de forma injustificada, condições mais onerosas a uma parte para a apresentação de uma testemunha que era comum, o Dr. F. G. (cf. Doc. n.º 10, Despacho do dia 24 de maio de 2022), e, por outro lado, o Tribunal Arbitral também violou o princípio da igualdade na medida em que a AT teve oportunidade de juntar nova prova extemporaneamente, em violação das regras processuais aplicáveis, e apresentar um requerimento não autorizado, datado de 5 de setembro de 2022, pronunciando-se através do meio processual impróprio sobre o impacto negativo da nova prova na apreciação do depoimento do Dr. F. G., quando tais oportunidades não eram permitidas por lei e não foram concedidas aos então requerentes.” conclusão ZZZ

PPP. Relativamente ao Despacho de 24-05-2022, da Árbitro-Presidente, alegam os Impugnantes que estabeleceu uma diferenciação, que qualifica de “arbitrária e injustificada”, por determinar que a apresentação da testemunha F. G. deveria ser assegurada por aqueles. (Conclusão BBBB.)

QQQ. O Tribunal fundamenta a sua decisão com a circunstância de a então Requerida não conseguir, previsivelmente, assegurar ela própria essa apresentação, apesar de ter arrolado igualmente aquela testemunha - nunca se lhe podendo assim atribuir natureza arbitrária.

RRR. Porém, ao invés do que os Impugnantes preconizam, este despacho não determinou que fossem aqueles a assegurarem a apresentação das testemunhas.

SSS. Essa determinação resultava diretamente da lei, designadamente, como então referiu o Tribunal, “nos termos do artigo 2.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) são as partes que suportam directamente os encargos com a produção de prova, de onde se infere que é sobre elas que recai o dever de providenciar pela apresentação em juízo das testemunhas que arrolarem.”

TTT. Ou seja, o Tribunal Arbitral, no segmento que os Impugnantes agora atacam, limitou-se a constatar que a “dificuldade” que a Requerida teria com a apresentação daquela testemunha, seria “mitigada” pelo facto de aquela testemunha ter sido também arrolada pelos Impugnantes, a quem sempre competiria providenciar pela apresentação em juízo.

UUU. Não se lobriga, assim, qualquer tratamento desigual que fundamentasse a anulação do acórdão arbitral por violação do princípio da igualdade.

VVV. De resto, os Impugnantes não invocaram em qualquer momento do processo o seu desacordo relativamente ao conteúdo daquele despacho, nem se verificou que a sua aplicação tenha em concreto produzido qualquer prejuízo à participação dos Impugnantes no processo, não lhes sendo assim legitimo invocá-lo agora em sede de impugnação da decisão, nos termos dos artigos 27.º e 28.º do RJAT.

WWW. Relativamente ao que os Impugnantes designam como “admissão extemporânea de prova”, alegam que “o Tribunal Arbitral também violou o princípio da igualdade na medida em que a AT teve oportunidade de juntar nova prova, e apresentar um requerimento não autorizado, datado de 5 de setembro de 2022, pronunciando-se sobre o impacto negativo da nova prova na apreciação do depoimento do Dr. F. G., quando tais oportunidades não foram concedidas aos então requerentes, assim se evidenciando um tratamento desigual das partes no litígio.”

XXX. Importa dizer que o Tribunal Arbitral nunca obstaculizou qualquer iniciativa dos Impugnantes na apresentação de novos elementos.

YYY. Bem ao contrário, o requerimento por aqueles apresentado, espontaneamente, a 29-07-2022, foi expressamente aceite pelo Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da livre condição do processo que pontifica no processo arbitral, dando assim a oportunidade aos então Requerentes para exercer o contraditório relativamente à junção do documento que comprovava que o pagamento da dívida em litígio havia sido feito pela FPF.

ZZZ. Mostra-se assim infundada a afirmação dos Impugnantes segundo a qual “o Tribunal permitiu a junção extemporânea de um documento pela AT, e permitiu também que este influísse decisivamente no sentido do Acórdão, sem que aos requerentes, ora Impugnantes, tivesse sido atribuída oportunidade para junção de contraprova documental ou para contradita da sua prova testemunhal, consubstanciando, assim uma clara vantagem atribuída unicamente à AT.” artigo 224.º da Impugnação

AAAA. Se os Impugnantes se tivessem de facto sentido “surpreendidos” com o teor do requerimento da Impugnada de 05-09-2022, poderiam ter - e certamente que o teriam feito - usado da flexibilidade demonstrada pelo Tribunal Arbitral relativamente ao seu requerimento de 29-07-2022, para requerem diligências de prova e inquirição de testemunhas que agora vêm alegar ficaram privados de fazer.

BBBB. Ademais, não se alcança como a oportunidade concedida à Impugnada para apresentar o referido documento possa constituir uma violação do princípio da igualmente, ou sequer em intensidade que justifique a anulação do acórdão arbitral – particularmente, quando se tratava de documento que os Impugnantes estavam legalmente obrigados a apresentar com o Pedido de Pronúncia Arbitral.

CCCC. Ainda a respeito da violação do princípio da igualdade, os Impugnantes alegam que o Tribunal Arbitral não podia “desconsiderar” o depoimento da testemunha F. G., quando a AT, no momento da inquirição, “tendo pleno conhecimento do facto da sub-rogação, a AT não confrontou a testemunha com o documento que a demonstrava, nem requereu a sua contradita, termos do artº 521 do CPC (aplicável ao caso ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT).”

DDDD. Relativamente ao facto de a Impugnada ter juntado o documento comprovando o pagamento da divida em litígio pela FPF em sede de alegações, não o tendo feito na reunião em que foi inquirida a testemunha, tal deve-se, como se disse acima, à circunstância de os representantes da AT no processo, não poderem ter tido antes acesso a essa informação.

EEEE. Pelo que o argumento arvorado pelos Impugnantes de que não foi respeitado o momento processualmente previsto para fazer a contradita da testemunha não tem aqui qualquer cabimento.

FFFF. De resto, ao abrigo da alínea c) do art.º 16.º depois concretizada pelo art.º 19 ambos do RJAT, no processo arbitral impera o princípio da livre condução do processo, depois de, nos termos do art.º 18.º, se ver definida a tramitação processual. Ora, as vestes da liberdade da gestão e condução processual e os fins que presidiram a criação do centro de arbitragem não permitem uma transposição e aplicação subsidiária sem mais e in totum das regras processuais civis.

GGGG. Por outro lado, no contencioso tributário as partes não estão impedidas de apresentar documentos com as alegações.

HHHH. Os Impugnantes acusam ainda o Tribunal Arbitral de permitir “que uma parte alegasse um facto novo e juntasse extemporaneamente ao processo nova prova (…) sem exigir qualquer alegação ou demonstração da sua superveniência” Conclusão PPPP., em contravenção com o disposto no artigo 423.º do CPC.

IIII. Ainda nas palavras dos Impugnantes, a este propósito: “Cabe à parte que pretende a junção de documento alegar e demonstrar que a sua apresentação não foi possível até àquele momento, ou que a sua apresentação só se tornou possível em virtude de ocorrência posterior.” Conclusão NNNN.

JJJJ. Tirando o facto de que tentar agora, em sede de impugnação de decisão arbitral, prevalecer-se de um argumento de apresentação extemporânea de um documento que os Impugnantes estavam legalmente obrigados a apresentar, constituir abuso de direito na forma de venire contra factum proprium, é desde logo falso que o Tribunal Arbitral tenha aquiescido a prova sem exigir “qualquer alegação ou demonstração da superveniência da prova”.

KKKK. Com efeito, o acórdão arbitral, a p. 25, cita o requerimento da AT de 05-09-2022, onde a Requerida no processo, rejeita expressamente o carácter extemporâneo da prova, referindo que «Os factos que foram mencionados nas alegações e os documentos que os sustentam não faziam parte do processo administrativo instrutor. Na verdade, só nessa fase os juristas ora signatários tiveram acesso a essa informação, após interpelados os serviços de cobrança sobre o ponto da situação. (…) Por essa mesma razão, não se verifica a alegada extemporaneidade.» doc. 16 da Impugnação

LLLL. Mas a verdade é que o disposto no artigo 423.º do CPC, admitindo-se a sua aplicação direta ao processo arbitral, se mostrou respeitado em todas as suas vertentes no acórdão ora impugnado.

MMMM. Com efeito, a junção do documento comprovando a sub-rogação foi junto com o articulado em que tal facto (o pagamento pela FPF) foi pela primeira vez alegado, dando-se assim cumprimento ao n.º 1 do artigo 423.º do CPC, nos termos do qual: “Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.”

NNNN. Por outro lado, a Impugnada não só logrou demonstrar que a apresentação daquele documento não teria sido possível até 20 dias antes da reunião para inquirição de testemunhas, como demonstrou que a necessidade da sua apresentação se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior – a afirmação da testemunha, durante a inquirição, de que não tinha interesse na demanda.

OOOO. Desta forma, mostrou-se também observado, no processo arbitral em apreço, o disposto no n.º 3 do artigo 423.º do CPC, nos termos do qual: “Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”

PPPP. Como resulta meridianamente das alegações da AT e, bem assim, do acórdão arbitral, o pagamento em sub-rogação da dívida releva apenas para efeitos da apreciação da credibilidade do depoimento da testemunha, e não dos factos que justificaram a aplicação da cláusula geral anti-abuso.

QQQQ. Por fim, a Impugnação justifica a anulabilidade do Acórdão Arbitral com a violação do princípio do dispositivo, ao aceitar conhecer o facto trazido aos autos pela Impugnada nas suas alegações, de que o pagamento do imposto em litígio havia sido feito, com sub-rogação, pela FPF.

RRRR. Os Impugnantes contestam que o pagamento da dívida pela FPF, porque invocado em sede de alegações, fosse um facto que o Tribunal Arbitral pudesse conhecer.

SSSS. No entanto, é consensual que, no contencioso tributário, o juiz pode conhecer de factos não alegados pelas partes desde respeitantes a questões por elas alegadas - neste sentido cfr. Serena Cabrito Neto e Carla Castelo Trindade, in “Contencioso Tributário”, vol. II, pag. 78, Almedina 2017, e jurisprudência citada.

TTTT. E, tal como o Tribunal Arbitral decidiu, a junção aos autos daquele documento foi admitido “em face da sua manifesta relevância para a correcta decisão da causa, dado que, como consta do petitório final da PI, os Requerentes peticionam a seu favor a “restituição das quantias referentes aos actos de liquidação ora impugnados, acrescidos dos correspondentes juros à taxa legal em vigor”. p. 26 do acórdão.

UUUU. Sendo certo também que a falta de isenção da FPF no processo já havia sido invocada pela então Requerida na sua Resposta.

VVVV. De resto, ao juiz não está vedado conhecer de factos complementares que resultem da instrução do processo, desde que seja dada possibilidade à parte de se pronunciar sobre eles (artigo 5.º, n.º 2, al. a) do CPC) – o que é justamente o caso do pagamento da dívida de imposto em litígio.

WWWW. Não se trata, como se demonstrou, de facto que diga respeito aos factos tributários que deram origem às liquidações, mas a processo autónomo e muito posterior, o qual releva para efeitos de apreciação do valor probatório de uma testemunha.

XXXX. Nesta medida, poucas dúvidas há de que as circunstâncias do pagamento da dívida não constituem facto essencial, mas antes complementar ao processo e, nessa medida, passíveis de conhecimento pelo Tribunal.

YYYY. É por isto que a Impugnação se esforça por justificar a qualificação do pagamento da dívida em litígio pela FPF “como um facto essencial ou principal, na medida em que ele foi alegado pela AT como sendo extintivo do direito dos requerentes a obter a anulação das liquidações de imposto e teve, no Acórdão Arbitral, um peso decisivo na decisão da causa.»

ZZZZ. Antes de mais, como previamente explicitado, a AT não alegou que o pagamento da dívida pela FPF fosse “extintivo do direito dos requerentes a obter a anulação das liquidações de imposto”.

AAAAA. Já quanto à alegação de que aquele facto assumiu “peso decisivo na decisão da causa”, qualificando-se por isso como “facto essencial”, ela assenta na premissa de que o pagamento da dívida em sub-rogação constitui um facto essencial à decisão da causa, porque foi através dele que o Tribunal Arbitral justificou a verificação do «elemento volitivo» da CGAA.

BBBBB. Os Impugnantes justificam-no, de forma algo tortuosa e falaz, primeiro, com a circunstância de que o Acórdão Arbitral ter alegadamente, com base naquele “facto novo”, desconsiderado o depoimento da testemunha,

CCCCC. e, depois, alegando que, foi apenas por ter desconsiderado o depoimento resultou descredibilizado, que «Tribunal Arbitral deu como não provados, todos os factos alegados pelos requerentes relativamente aos motivos não fiscais que estiveram na base da escolha do modelo contratual pelas partes.» Conclusão LLLLL.

DDDDD. Trata-se, no entanto, de uma premissa que não tem a mínima correspondência com o texto do Acórdão Arbitral. Desde logo porque não é verdade que o Acórdão Arbitral tenha desconsiderado o depoimento da testemunha F. G.

EEEEE. Aliás, em momento algum da fundamentação do Acórdão Arbitral relativamente aos factos dados como não provados foi utilizado o argumento de que as afirmações da testemunha careciam de credibilidade devido à sua posição credora em relação aos montantes em litígio.

FFFFF. Bem ao contrário, o Tribunal Arbitral foi exaustivo na análise de toda a motivação avançada pelos Impugnantes, e repetida parcialmente pela testemunha, para atribuir motivações extra-fiscais à opção de interposição de sociedade na contratação da equipa técnica da Seleção Nacional A.

GGGGG. Para além de que são vários os momentos, no Acórdão Arbitral, que o Tribunal utiliza o depoimento da testemunha F. G., onde aliás lhe surpreende inconsistências, não utilizando em momento algum a falta de isenção como testemunha para infirmar os argumentos dos Impugnantes.

HHHHH. O que se constata da leitura do Acórdão Arbitral é que as motivações alvitradas pelos Impugnantes se mostram contraditórias com o contexto factual e negocial em causa e, bem assim, se mostravam contraditórias com as declarações dos representantes da FPF, das partes e outras pessoas ouvidas no âmbito do procedimento inspetivo.

IIIII. Ou seja, o Tribunal Arbitral concluiu que a argumentação dos Impugnantes resultava infirmada por falta de credibilidade desses próprios argumentos, em momento algum, tendo utilizado nessa fundamentação a falta de credibilidade da testemunha.

JJJJJ. Aliás, a fundamentação do Acórdão Arbitral é extensa e minuciosa a este respeito (cfr. pontos 22. e 23. do Acórdão Arbitral).

KKKKK. Quanto ao «elemento intelectual» da CGAA, o Tribunal Arbitral sustentou a sua convicção “na estruturação jurídica da operação a FPF e o Requerente F. S.”, a qual tornava inverosímil que aqueles não tivessem “ponderado nem pesado por qualquer forma a conveniência e favorabilidade fiscal resultante do modelo contratual adoptado (cfr. o facto não provado n.º 5))” - cfr. pag. 140. e a argumentação aí desenvolvida.

LLLLL. Ou seja, é evidente que não foi a descredibilização da testemunha pelo conhecimento da sub-rogação que formou a convicção do Tribunal impugnado, porquanto a motivação extra-fiscal alvitrada pelos Impugnantes foi considerada pelo Tribunal, ela própria, não verosímil, sendo certo que o Tribunal aponta às declarações da parte e da própria testemunha contradições que infirmam os depoimentos e a argumentação da parte – mais uma vez – sem qualquer utilização da falta de isenção da testemunha devido à sua posição credora.

MMMMM. Ainda quanto à alegação de que o Acórdão impugnado incorre em vício de excesso de pronúncia por conhecer de “facto essencial” não arguido pelas partes, os Impugnantes alegam que “se atentarmos o que foi exatamente afirmado pela AT nas suas alegações finais, verificamos que o novo facto alegado demonstraria, na perspetiva da AT, que o valor pago pela FPF à F., ao abrigo dos contratos celebrados entre as partes, teria sido um montante líquido de imposto (cf. Doc. n.º 14, Alegações Finais da AT, pág. 4).” Conclusão GGGGG. da Impugnação

NNNNN. Porém, esta questão não foi sequer analisada no Acórdão Arbitral, pelo que se mostra fútil a sua arguição para fundamentar o alegado vício de excesso de pronúncia.

OOOOO. Finalmente, tendo o Tribunal Arbitral expressamente tomado posição sobre a admissibilidade do documento que comprovava o pagamento feito pela FPF, importa trazer à colação a doutrina sufragada pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (in “Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado”, vol. II, Áreas Editora, 2011, p. 367.), nos termos da qual: “A tomada em consideração, para a resoluções de questões colocadas pelas partes, de factos não alegados de que o tribunal não podia conhecer oficiosamente (erro na fixação da matéria de facto) não constitui uma nulidade de sentença mas uma violação do princípio do dispositivo, enunciado no artigo 364.º do CPC, de que emana a regra da proibição do juiz se servir de factos não alegados pelas partes. Assim, a violação desta regra consubstanciará erro de julgamento.

PPPPP. Pelo que, face a tudo o quanto vem ante exposto, fenecem in totum os argumentos arvorados pelos Impugnantes.

QQQQQ. Quanto ao requerimento probatório, apenas se diga que estamos no âmbito de uma Impugnação de decisão arbitral, meio processual que não tem a virtualidade de permitir a discussão de mérito que os Impugnantes ensaiam.

RRRRR. Os fundamentos de impugnação estão expressamente previstos no art.º 28.º do RJAT e limitam-se a questões do foro adjetivo.

SSSSS. Qualquer eventual discussão sobre mérito de decisões arbitrais está reservada para a oposição de decisões, cf. n.º 2 do art.º 25.º do RJAT.Não se vislumbra, portanto, a utilidade que o depoimento de parte ou das testemunhas possa trazer à boa decisão da presente Impugnação – concedendo academicamente que tal seja admissível neste meio processual.

Termos em que, por tudo o supra exposto e sempre com o douto suprimento de V. Exas. deve

a) ser indeferido o pedido de depoimento de parte e, bem assim, da produção de prova testemunhal por inúteis e despiciendas, não tendo cabimento legal no presente meio processual,

b) deve a presente Impugnação ser julgada improcedente, por ser deduzida em abuso de direito e por não provada, e, consequentemente, ser mantida a decisão arbitral, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA”.

O Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP) foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146.º, n.º 1, do CPTA.

A Impugnante respondeu, face ao alegado pela AT, quanto à litigância de má-fé/abuso de direito, concluindo pela sua improcedência e peticionando a condenação da AT como litigante de má-fé.

A Impugnada respondeu, pugnando pela improcedência do requerido.

Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Houve violação do princípio do contraditório?

b) Houve violação do princípio da igualdade das partes?

c) Verifica-se a ocorrência de pronúncia indevida?

d) Os Impugnantes litigaram de má-fé?

e) A AT litigou de má-fé?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. Para a apreciação da presente Impugnação estão provados os seguintes factos:

1) A 29.12.2021, os ora Impugnantes apresentaram junto do CAAD pedido de constituição de tribunal arbitral, no qual formularam o seguinte pedido:

(cfr. fls. 1 a 892 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

2) No articulado referido em 1), os Impugnantes requereram, designadamente, a realização das seguintes diligências de prova:

“PROVA TESTEMUNHAL: Para produção de prova quanto aos factos mencionados, arrolam-se desde já as seguintes testemunhas, a apresentar:

1) Dr. F. G., com domicílio profissional na C. F., A. S., 1495-… C. Q. – D.;

2) Dr. P. L., com domicílio profissional na C. F., A. S., 1495-… C. Q. – D.” (cfr. fls. 1 a 63 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

3) Na sequência do referido em 1), foi constituído tribunal arbitral coletivo, tendo dado origem ao processo n.º 860/2021-T (cfr. fls. 940 da certidão do processo arbitral).

4) No âmbito do processo referido em 3), foi apresentada, pela AT, a 13.05.2022, resposta, da qual consta designadamente o seguinte:

“45.

Não tendo os Requerentes procedido ao pagamento das referidas quantias dentro do prazo legal, foi instaurado o processo de execução fiscal nº …325, com base nas Certidões de Divida nº 2021 862348 e nº 2021 862350, emitidas a 2021-06-03, o qual se encontra extinto por pagamento em 2021-06-29. (cfr. fls. 2653 a 2703 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

5) Na resposta referida em 4), a AT fez o seguinte requerimento de prova:

“PROVA TESTEMUNHAL:

Para produção de prova quanto aos factos mencionados, arrolam -se desde já as seguintes testemunhas, a apresentar:

1) M. T., Inspetora Tributária e Aduaneira, com domicílio profissional na A. O., n.º .., 19 98 -… Lisboa

2) A. B., Inspetora Tributária e Aduaneira, com domicílio profissional na A. O. – Z., n.º .., 1998 - .., Lisboa

3) B. S., Inspetor Tributário e Aduaneiro, com domicílio profissional na R. S. C. 1…, 4049 -…, Porto (a ser inquirido nas instalações do CAAD no Porto)

Arrolam- se as seguintes testemunhas a notificar pelo Tribunal Arbitral:

1) R. C., NIF …979 (exerce funções de “Diretor” na F.) – R. P. S., n.° .., B. I., 2755 -… Alcabideche

2) L. C., NIF …952 (exerce funções de “Apoio Administrativo” na F. ) – R. P. S., n.° .., B. I., 2755 -.. Alcabideche

3) F. G., com domicílio profissional na C. F., A. S., 1 495 -. C. Q. – D.

4) P. L., com domicílio profissional na C. F., A. S., 1495 -...C. Q. – D.” (cfr. fls. 2702 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

6) No âmbito do processo referido em 3), foi apresentado, pela AT, a 13.05.2022, o processo administrativo (cfr. fls. 953 a 2649 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

7) No âmbito do processo referido em 3), foi proferido, a 24.05.2022, despacho, do qual consta designadamente o seguinte:

“1. Compulsados os autos, verifica-se ser necessário agendar a reunião a que alude o artigo 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”). Assim sendo, para efeitos de realização dessa mesma reunião designa-se o dia 20 de Junho de 2022, pelas 10:00 horas.

2. Tendo em consideração que foram arroladas testemunhas que não se encontram devidamente identificadas em conformidade com o disposto no artigo 498.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (“CPC”) aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, notificam-se as partes para, no prazo de 5 (cinco) dias, indicarem a profissão exercida pelas testemunhas F. G.e P. L..

3. Em idêntico prazo deverão a Requerente e a Requerida indicar, de forma individualizada quanto a cada uma das testemunhas arroladas, os concretos factos do pedido arbitral e da resposta que serão objecto daquele tipo de prova.

4. Na resposta que juntou aos autos, a Requerida arrolou as testemunhas R. C., L. C., F. G. e P. L., requerendo ao Tribunal a sua notificação para comparecerem em juízo.

A este respeito convém precisar que nos termos do artigo 2.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) são as partes que suportam directamente os encargos com a produção de prova, de onde se infere que é sobre elas que recai o dever de providenciar pela apresentação em juízo das testemunhas que arrolarem.

A razão de ser deste regime reside na natureza voluntária da jurisdição arbitral e no facto de os tribunais arbitrais não disporem de poderes de autoridade sobre terceiros, o que inviabiliza compelir a comparência ou punir a ausência de testemunhas que tenham sido arroladas pelas partes. Veja-se que nem no RJAT, nem no RCPAT se prevê o pagamento de qualquer compensação às testemunhas, ao contrário do que sucede nos artigos 16.º e 17.º, n.º 5, e Tabela IV, todos do Regulamento de Custa Processuais (“RCP”) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, sendo que também não se prevê a possibilidade de o Tribunal Arbitral cominar a falta de comparência das testemunhas com a imposição de multas ou com a presença sob custódia, tal como se estabelece de resto no artigo 508.º, n.º 4, do CPC.

Tendo presente estas considerações, entende-se não ser aplicável subsidiariamente à arbitragem tributária o regime previsto no artigo 119.º do CPPT relativo à notificação das testemunhas. Isto na medida em que o regime de notificações aí previsto está dependente do direito ao pagamento de uma compensação às testemunhas, nos termos previstos no RCP, pelas despesas e prejuízos decorrentes da sua comparência em juízo.

Sem prejuízo do que foi dito, e na medida em que o CAAD disponha de meios para o efeito, poderá o Tribunal Arbitral determinar a notificação das testemunhas arroladas pelas partes ao abrigo do princípio da cooperação, previsto no artigo 16.º, alínea f), do RJAT e do princípio da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, previsto no artigo 19.º, n.º 2, do RJAT, convidando-as a comparecer no dia e hora agendados, com o devido esclarecimento de que o CAAD não assumirá qualquer responsabilidade ou encargo com tal comparência. Caso seja determinada a notificação de testemunhas pelo CAAD através de comunicação postal, as despesas com o envio de cartas registadas serão integralmente suportadas pela parte que lhes deu causa, nos termos fixados a final em regra de custas, não se inserindo em qualquer caso tais despesas nos custos do processo arbitral.

5. Dito isto, e por resultar dos autos que as testemunhas R. C., L. C., F. G. e P. L. não têm um vínculo, designadamente laboral, com a Requerida, é possível concluir segundo uma máxima de experiência que esta muito previsivelmente não as conseguirá apresentar em juízo. Não obstante, verifica-se que aquela dificuldade é mitigada em virtude de as testemunhas F. G. e P. L. terem sido arroladas pela Requerente, que terá maior facilidade para o efeito e que deverá assegurar a respectiva apresentação.

Nestes termos, determina-se a notificação pelo CAAD das testemunhas R. C. e L. C. para comparecerem na diligência agendada no ponto 1 do presente despacho, com a expressa advertência que nem o Tribunal Arbitral, nem o CAAD assegurarão o pagamento de quaisquer despesas ou compensações pela sua comparência pelas razões referidas no ponto anterior.

Registe- se a este respeito que a notificação das referidas testemunhas pelo CAAD não implica um juízo prévio do Tribunal Arbitral sobre a necessidade da sua inquirição, nem prejudica a eventual aplicação do disposto no artigo 19.º do RJAT, se for caso disso.

6. Tendo em conta o objecto do processo e a factualidade que lhe está inerente, poderá revelar-se pertinente a prestação de depoimento, informações ou esclarecimentos sobre factos que interessem à decisão da causa por parte dos Requerentes F. S. e G. S. Nestes termos, ao abrigo do disposto no artigo 452.º do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, determina-se a notificação dos Requerentes para comparecerem na reunião agendada no ponto 1 deste despacho de modo a que prestem os depoimentos que o Tribunal Arbitral venha eventualmente a entender como relevantes para a descoberta da verdade material.

Note-se que à semelhança do referido no ponto anterior deste despacho, a notificação dos Requerentes pelo CAAD não implica um juízo prévio do Tribunal Arbitral sobre a necessidade da prestação de depoimento, informações ou esclarecimentos, nem prejudica a eventual aplicação do disposto no artigo 19.º do RJAT, se for caso disso.

7. Em face do elevado número de diligências de prova a realizar não permitir que as testemunhas sejam inquiridas e que os Requerentes deponham todos no período da manhã, verifica-se ser necessário proceder à sua divisão.

Neste sentido, devem comparecer nas instalações do CAAD às 10:00 horas para serem ouvidas no período da manhã as testemunhas R. C., L. C., F. G. e P. L..

Já as testemunhas M. T., A. B. e B. S., bem como os Requerentes F. S.e G. S., devem comparecer nas instalações do CAAD a partir das 14:30 para serem ouvidas no período da tarde.

8. Com a antecedência de pelo menos 10 dias relativamente à data da reunião referida no ponto 1 do presente despacho, deverão as partes informar o CAAD sob re a sua vontade de comparecer na reunião de forma presencial, nas instalações do CAAD em Lisboa ou no Porto, ou, em alternativa, de utilizar meios de comunicação à distância (WEBEX) para participar na diligência.

9. Em prazo idêntico ao referido no ponto anterior dever ão as partes informar o CAAD quanto à comparência das testemunhas nas instalações do CAAD em Lisboa ou no Porto.

10. Na ausência de informação tempestiva em sentido contrário, presume-se que as partes e as testemunhas se irão apresentar presencialmente nas instalações do CAAD em Lisboa.

11. Em conformidade com o princípio do contraditório, ficam ainda as partes notificadas para, querendo, se pronunciarem no que tiverem por conveniente quanto ao teor do presente despacho” (cfr. fls. 2708 a 2711 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

8) Do despacho referido em 7) foi dado conhecimento aos ora Impugnantes e Impugnada (cfr. fls. 2712 a 2715 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

9) No âmbito do processo mencionado em 3), foi realizada diligência, a 20.06.2022, no âmbito da qual, designadamente, foram prestadas declarações de parte, pelo ora Impugnante marido, e realizada a inquirição da testemunha, arrolada por ambas as partes, F. G. (cfr. ata, constante de fls. 2766 a 2772 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

10) No âmbito da diligência referida em 9), os ora Impugnantes, no início da mesma, solicitaram, entre outras, a dispensa da testemunha P. L. (cfr. ata, constante de fls. 2766 a 2772 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

11) Na sequência, designadamente, do referido em 10), o tribunal arbitral determinou decidir em momento ulterior o requerido (cfr. ata, constante de fls. 2766 a 2772 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

12) No âmbito da diligência referida em 9) e depois de prestadas declarações de parte e inquirida a testemunha F. G., o tribunal arbitral deferiu a dispensa mencionada em 10), face à concordância das partes (cfr. ata, constante de fls. 2766 a 2772 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

13) No âmbito da diligência referida em 9), as partes foram notificadas para apresentar alegações escritas até 15.07.2022 (cfr. ata, constante de fls. 2766 a 2772 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

14) Na sequência do referido em 13), a 15.07.2022, os Impugnantes apresentaram alegações, cujo teor se dá integralmente por reproduzido (cfr. fls. 3044 a 3069 da certidão do processo arbitral).

15) Na sequência do referido em 13), a 15.07.2022, a AT apresentou alegações, das quais consta designadamente o seguinte:

Imagem: original nos autos

” (cfr. fls. 3073 a 3105 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

16) Com as alegações referidas em 15), foi junto um documento, consubstanciado em requerimento apresentado junto do serviço de finanças de Cascais 1, pela Federação Portuguesa de Futebol, despacho sobre o mesmo proferido, datado de 25.06.2021 e print atinente ao documento único de cobrança (cfr. fls. 3073 a 3105 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

17) No seguimento do referido em 15) e 16), os Impugnantes apresentaram requerimento, a 29.07.2022, onde requereram a condenação da AT em multa e indemnização, como litigante de má-fé, e se pronunciaram sobre o teor do documento mencionado em 16) e sobre a oportunidade da sua apresentação, constando do mesmo designadamente o seguinte:

Imagens: originais nos autos

Imagem: original nos autos

Imagem: original nos autos

Imagem: original nos autos



…” (cfr. fls. 3109 a 3116 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

18) Na sequência do referido em 17), a AT apresentou requerimento, a 05.09.2022, no qual refere, designadamente, que o documento em causa releva para melhor perceção global da matéria a decidir e para a análise da prova testemunhal e que não se verifica litigância de má-fé (cfr. fls. 3120 a 3124 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

19) Através de comunicação eletrónica, de 06.09.2022, foi dado conhecimento aos Impugnantes da apresentação do requerimento referido em 18) (cfr. fls. 3126 a 3127 da certidão do processo arbitral).

20) No âmbito do processo referido em 3), foi proferida, a 03.10.2022, decisão arbitral, constando da mesma designadamente o seguinte:

“…

(…)

Imagens: originais nos autos

Imagem: original nos autos

Imagem: original nos autos

Imagens: originais nos autos

…” (cfr. fls. 3134 a 3329 da certidão do processo arbitral, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


*

Não existem quaisquer outros factos, provados ou não provados, pertinentes para a apreciação da presente impugnação.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Antes de mais, e a título de introito, cumpre sublinhar que a sindicância das decisões proferidas pelos tribunais arbitrais tributários é limitada às situações previstas no art.º 25.º (que prevê a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos circunscritos aí previstos) e nos art.ºs 27.º e 28.º, todos do RJAT.

Estes últimos, relativos à impugnação da decisão arbitral junto do Tribunal Central Administrativo, definem, de forma taxativa, os termos e os fundamentos dessa mesma impugnação.

Resulta desta disciplina que, ao contrário do que decorre do regime de recurso das decisões proferidas pelos tribunais tributários de 1.ª instância, o mérito das decisões proferidas pelos tribunais arbitrais tributários é sindicável num conjunto muito limitado de situações (cfr. novamente o art.º 25.º do RJAT) e nunca no âmbito da sua impugnação junto do Tribunal Central Administrativo.

Centrando-nos, pois, na impugnação da decisão arbitral junto do TCA, nos termos do art.º 27.º, n.º 1, do RJAT, tal decisão pode ser anulada, sendo que a impugnação pode ser apresentada considerando um dos fundamentos taxativamente elencados no n.º 1 do art.º 28.º do mesmo diploma.

Assim, nos termos desta última disposição legal, a decisão arbitral é impugnável com fundamento em:

“a) não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

b) oposição dos fundamentos com a decisão;

c) pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;

d) violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º”.

Portanto, a competência deste TCAS, neste domínio, circunscreve-se a estes casos, não podendo, pois, abranger qualquer erro de julgamento.

Considerando o referido neste introito, cumpre, desde já e a título prévio, referir que não será apreciado o que ao longo das alegações tem franca conexão com o alegado erro de julgamento praticado pelo tribunal arbitral, cingindo-nos, pois, à estrita apreciação dos fundamentos de impugnação alegados.

É ainda irrelevante apreciar o invocado, em sede de exercício do direito ao contraditório por parte dos Impugnantes, face à suscitada litigância de má-fé, na parte atinente ao alegado reembolso que o Impugnante marido fez do imposto em causa à Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e, bem assim, todos os aspetos atinentes a eventuais erros de julgamento do tribunal arbitral, quer de facto quer de direito. Não nos cabe na presente sede qualquer reapreciação do mérito da decisão proferida.

Finalmente, no mesmo requerimento pede-se que seja considerada improcedente aquilo que os Impugnantes referem ser a acusação de perjúrio feita pela AT nas suas contra-alegações. Ora, na presente sede, o que há a apreciar é se se verificam as invalidades assacadas à decisão arbitral impugnada, não havendo qualquer competência deste TCAS para apreciar alegadas acusações de perjúrio. Carece, pois, de pertinência o requerido a este respeito.

Prosseguindo.

III.A. Das diligências de prova requeridas (prova testemunhal e declarações de parte)

No seu articulado inicial, os Impugnantes, “na eventualidade de o Tribunal entender ser necessária”, requereram a prestação de declarações de parte pelo Impugnante marido e realização de prova testemunhal, arrolando duas testemunhas.

A AT pugnou pelo indeferimento do requerido, reputando as diligências de despiciendas e inúteis e considerando que o presente meio processual não admite a produção de prova testemunhal.

Vejamos, então.

Desde já se refira que se irá indeferir a produção de prova requerida.

Com efeito, a presente impugnação arbitral visa sindicar a atuação do tribunal arbitral num conjunto definido de circunstâncias, que, na perspetiva dos Impugnantes, configuram fundamento de impugnação da decisão arbitral.

Estas circunstâncias prendem-se com a tramitação processual, cabalmente demonstrada no processo arbitral junto e que deve acompanhar a impugnação arbitral, sendo que o teor da certidão arbitral nunca foi posto em causa.

Neste contexto, o que cabe a este TCAS analisar é justamente toda a tramitação processual e aferir se a mesma padece das invalidades assacadas, o que é apreciado através da análise do processo arbitral.

Como tal, a prestação de declarações de parte ou a produção de prova testemunhal revelar-se-iam inúteis para a cabal apreciação dos autos, não sendo, pois, lícita a sua realização (cfr. art.º 130.º do CPC).

Logo, indeferem-se os mencionados requerimentos de prova.

III.B. Da violação do princípio do contraditório

Entendem os Impugnantes que, in casu, houve uma violação do princípio do contraditório, na medida em que, após a instrução, a AT, em sede de alegações, invocou novos factos e juntou um documento, o que nunca tinha sido antes alegado ou junto, sendo que, no momento da sua junção, nunca suscitou a sua relevância para efeitos de apreciação do depoimento da testemunha F. G., o que só veio a ser alegado em 05.09.2022, não tendo sido dada a oportunidade aos Impugnantes para se pronunciarem.

Vejamos.

Como já referimos, um dos fundamentos de anulação da decisão arbitral é a violação do princípio do contraditório.

Nos termos do art.º 16.º do RJAT, para o qual remete a al. d) do n.º 1 do art.º 28.º do mesmo diploma:

“Constituem princípios do processo arbitral:

a) O contraditório, assegurado, designadamente, através da faculdade conferida às partes de se pronunciarem sobre quaisquer questões de facto ou de direito suscitadas no processo;

b) A igualdade das partes, concretizado pelo reconhecimento do mesmo estatuto substancial às partes, designadamente para efeitos do exercício de faculdades e do uso de meios de defesa;

c) A autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas;

d) A oralidade e a imediação, como princípios operativos da discussão das matérias de facto e de direito;

e) A livre apreciação dos factos e a livre determinação das diligências de produção de prova necessárias, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção dos árbitros;

f) A cooperação e boa fé processual, aplicável aos árbitros, às partes e aos mandatários;

g) A publicidade, assegurando-se a divulgação das decisões arbitrais devidamente expurgadas de quaisquer elementos suscetíveis de identificar a pessoa ou pessoas a que dizem respeito.”.

O princípio do contraditório, cujo respeito é ora questionado, configura-se como um princípio basilar no nosso ordenamento, em termos de direito processual, visando prevenir a existência de decisões surpresa, ou seja, de decisões com as quais as partes não podiam legitimamente contar (cfr. art.º 3.º, n.º 3, do CPC).
Assim, salvo em casos de manifesta desnecessidade, não pode o julgador decidir questões de facto ou de direito, ainda que de conhecimento oficioso (v.g. matéria de exceção), sem que tenha sido dada a oportunidade às partes de sobre elas se pronunciarem. “As questões (…) reportam-se aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções”.(1)

Feito este introito, cumpre apreciar.

Desde já se adiante que carecem de razão os Impugnantes.

Vejamos, então, com mais detalhe.

In casu, está alegada a violação do princípio do contraditório, a propósito do teor do requerimento apresentado pela AT a 05.09.2022.

Atentemos nos antecedentes deste requerimento.

Como decorre da matéria de facto assente e é invocado pela Impugnante, em sede de alegações, no âmbito do processo arbitral tributário, a AT veio juntar um documento, consubstanciado no comprovativo de que o pagamento do imposto liquidado aos Impugnantes fora efetuado pela FPF.

É correto que, não obstante os ora Impugnantes tenham peticionado a restituição do imposto e que a AT, na sua resposta, tenha invocado que fora instaurado processo de execução fiscal (PEF), entretanto extinto por pagamento, em momento algum, nem uma parte, nem outra, especificaram os termos em que ocorreu o mencionado pagamento.

Em sede de alegações, a AT juntou o referido documento, acompanhado da alegação de que o Impugnante marido se socorre apenas das suas próprias declarações e das de representantes da FPF, sendo que todos têm interesse no desfecho da demanda. No caso da FPF, alega a AT, a mesma tem interesse na procedência do pedido de pronúncia arbitral, por força do pagamento por sub-rogação. Invoca ainda a circunstância de a FPF ter sido assessorada pela mesma sociedade de advogados e sublinha que tal circunstância “também deve ser ponderada na valoração probatória do depoimento do Presidente da FPF” (sublinhado nosso).

Face a esta circunstância, os Impugnantes, apesar de não notificados para o efeito, exerceram o seu direito ao contraditório (o que não é controvertido – cfr. conclusão SS.), através do requerimento apresentado a 29.07.2022 – exercício esse que foi admitido pelo tribunal arbitral, como se verifica na decisão final proferida.

Neste requerimento, os Impugnantes ainda invocaram litigância de má-fé por parte da AT.

Após a apresentação do referido requerimento pelos Impugnantes, a AT, não aguardando, como os Impugnantes, a prolação de qualquer despacho nesse sentido, exerceu o seu direito ao contraditório – globalmente admitido, porquanto, tendo sido invocada a litigância de má-fé, a parte contra qual a mesma é invocada pode pronunciar-se, querendo, sobre o alegado.

Analisando este último requerimento apresentado pela AT, verifica-se que o mesmo se centra, justamente, no afastamento da alegada litigância de má-fé. A menção que é feita sobre a falta (ou não falta) de interesse na causa, referida pelos ora Impugnantes, a propósito do depoimento do presidente da FPF, não é ali mencionada pela primeira vez. Como já referimos, em sede de alegações extrai-se justamente essa indicação.

Portanto, por esta via, consideramos que não há qualquer violação do princípio do contraditório, porquanto a AT já tinha invocado o interesse da FPF no desfecho da demanda, quando sublinhou que a única prova, para além de documental, foram as declarações de parte e, justamente, o depoimento do representante daquela federação. Como tal, tendo os Impugnantes exercido a esse propósito o contraditório, poderiam dizer ou requerer o que tivessem por conveniente, designadamente a confrontação da testemunha com tal documento. O que não fizeram.

Ademais, tendo os Impugnantes sido notificados, a 06.09.2022 (notificação que se presume perfeita no terceiro dia seguinte – cfr. art.º 10.º, n.º 4, do RJAT) do requerimento apresentado pela AT a 05.09.2022, poderiam, independentemente de despacho, como aliás, fizeram anteriormente, exercer o seu alegado direito ao contraditório – veja-se que a decisão arbitral só foi proferida cerca de um mês depois. O que não fizeram. É certo que não houve despacho nesse sentido. No entanto, se, ainda assim, os Impugnantes entendessem pertinente, estava na sua esfera de disponibilidade apresentar resposta ao alegado – resposta essa sobre a qual o tribunal arbitral se pronunciaria oportunamente.

Como tal, face ao exposto, por se considerar que nada de inovatório decorre do requerimento de resposta à alegada litigância de má-fé e por se considerar que inexiste qualquer elemento nos autos que evidencie que tenha sido tolhido o direito ao contraditório aos Impugnantes, no tocante ao alegado quanto ao pagamento por sub-rogação e seu reflexo na credibilidade da testemunha, por força do alegado interesse que a FPF teria no desfecho da demanda, direito esse ao contraditório que foi oportunamente exercido (nada tendo sido requerido em tal exercício, a propósito da necessidade de confrontar a testemunha com o documento em causa), não assiste razão aos Impugnantes.

Coisa diferente é se o Tribunal arbitral eventualmente violou o princípio do inquisitório, o que está subjacente ao alegado na conclusão VVV., segunda parte e mesmo à conclusão WWW. (sendo que, no tocante a esta última, é de sublinhar que, como decorre da ata de inquirição, quem solicitou a dispensa da audição da testemunha P. L. foram os Impugnantes, tendo o Tribunal relegado para o fim da diligência a decisão sobre tal requerimento e decidido, a final, nos termos requeridos). Não obstante, como decorre do RJAT, apesar de o princípio do inquisitório dever enformar a atuação dos tribunais tributários arbitrais, a sua violação não é cominada com a anulação da decisão arbitral, conduzindo, sim, eventual erro de julgamento, matéria, como já referimos, arredada da apreciação deste TCAS [cfr. v.g. os Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 24.06.2021 (Processo: 84/18.5BCLSB), de 24.11.2016 (Processo: 08707/15)]. Coisa diferente também é saber se o documento em causa é pertinente para abalar a credibilidade da testemunha – mas também aqui estamos perante eventual erro de julgamento –, sendo certo que, até por força do princípio da aquisição processual, a convicção do julgador pode firmar-se com base em qualquer elemento que tenha no processo, sendo que o julgamento de facto é feito no momento da elaboração da decisão arbitral, momento esse no qual são ponderados todos os elementos probatórios existentes nos autos, e não no momento da inquirição das testemunhas.

Uma última palavra para dizer que carece de relevância o alegado de ZZ. a EEE., por várias ordens de razão: (i) a violação do princípio do contraditório foi apenas suscitada em relação ao requerimento apresentado pela AT a 05.09.2022, sendo certo que, em relação ao invocado nas alegações finais pela AT e em relação ao teor do documento, os Impugnantes pronunciaram-se; (ii) é referido que o tribunal omite, da enunciação da prova documental, o documento junto pela AT com as alegações, quando a decisão arbitral não só menciona o documento como decide a sua admissão (“ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, previsto nos artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, ambos do RJAT, este Tribunal admite a sua junção aos autos em face da sua manifesta relevância para a correcta decisão da causa, dado que, como consta do petitório final da PI, os Requerentes peticionam a seu favor a “restituição das quantias referentes aos actos de liquidação ora impugnados, acrescidos dos correspondentes juros à taxa legal em vigor”); (iii) o elenco da prova documental produzida, indicado a fls. 28 da decisão arbitral, não é exaustivo (como decorre do advérbio designadamente); (iv) a menção ao documento junto pela AT surge em sede de motivação da decisão proferida sobre a matéria de facto, (v) logo, não há qualquer conclusão a retirar da alegada omissão constante da decisão arbitral, omissão essa que inexiste. Se o tribunal arbitral decidiu mal, em sede de matéria de facto, trata-se de erro de julgamento, arredado da nossa apreciação.

Assim, atento o exposto, não assiste nesta parte razão aos Impugnantes.

III.B. Da violação do princípio da igualdade das partes

Entendem, por outro lado, os Impugnantes que houve violação do princípio da igualdade das partes, em dois prismas:

a) Porque o tribunal arbitral, no seu despacho do dia 24.05.2022, estipulou regras diferentes para partes, impondo, de forma injustificada, condições mais onerosas a uma parte para a apresentação de uma testemunha que era comum (F. G.);

b) Porque a AT teve oportunidade de juntar nova prova extemporaneamente, em violação das regras processuais aplicáveis, e apresentar um requerimento não autorizado, datado de 05.09.2022, pronunciando-se através do meio processual impróprio sobre o impacto negativo da nova prova na apreciação do depoimento do Dr. F. G., quando tais oportunidades não eram permitidas por lei e não foram concedidas aos então requerentes.

Como já referimos supra, nos termos do art.º 16.º do RJAT, para o qual remete a al. d) do n.º 1 do art.º 28.º do mesmo diploma, “[c]onstituem princípios do processo arbitral: (…) b) A igualdade das partes, concretizado pelo reconhecimento do mesmo estatuto substancial às partes, designadamente para efeitos do exercício de faculdades e do uso de meios de defesa”.

Trata-se igualmente de um princípio basilar em termos processuais, como decorre do disposto no art.º 98.º da LGT e no art.º 4.º do CPC, refletindo o desiderato constitucionalmente consagrado no art.º 13.º da nossa lei fundamental. Também se sublinha que se trata de princípio subjacente ao direito a um processo equitativo, previsto no art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

Como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2019, p.22), “[n]ão se admitem atitudes subjetivistas conotadas com um certo paternalismo relativamente a determinados sujeitos processuais. O desiderato também não pode ser alcançado através de um automático e generalizado suprimento de falhas processuais imputáveis às partes, o que colidiria com os padrões da imparcialidade, da equidistância que o juiz deve respeitar e da autorresponsabilidade das partes”.

Feito este introito, analisemos as duas situações que, na perspetiva dos Impugnantes, revelam uma violação do princípio da igualdade.

III.B.1. Da definição de condições mais onerosas, de forma injustificada, a uma das partes, para apresentação de testemunha comum

No âmbito do processo arbitral, que constitui objeto da presente impugnação, ambas as partes arrolaram F. G. como testemunha a apresentar.

Como se sabe, nestas situações, cabe à parte apresentar a testemunha que arrolou, não sendo a mesma notificada pelo tribunal para comparecer. Portanto, neste caso, caberia a cada uma das partes a apresentação da testemunha, sendo que, naturalmente, uma vez que a testemunha era comum, a sua apresentação por uma das partes estendia-se à outra.

No ponto 5. do despacho de 24.05.2022, o tribunal arbitral fez um juízo entre a maior ou menor facilidade que qualquer uma das partes teria em apresentar a testemunha F. G., concluindo, mal ou bem, por uma maior facilidade por parte dos ora Impugnantes e determinando que os mesmos deveriam assegurar a sua apresentação.

Ou seja, considerando o disposto no n.º 2 do art.º 29.º do RJAT, o tribunal arbitral tomou uma decisão que, na sua perspetiva, simplificaria a tramitação processual.

Ora, na verdade, este despacho não acrescenta nada àquilo que já era exigível às partes, na medida em que lhes cabia a elas apresentar a testemunha e na medida em que bastaria que uma das partes a apresentasse para a testemunha, estando presente, ser ouvida enquanto testemunha de ambas as partes.

Aliás, sublinhe-se que os Impugnantes, notificados do despacho em causa, nada requereram no sentido de não lhes ser mais fácil a apresentação da testemunha. E a verdade é que a testemunha foi apresentada e foi ouvida.

Não se alcança, pois, de que forma houve violação do princípio da igualdade, na medida em que, do ponto de vista da produção da prova, nenhuma das partes foi prejudicada e o despacho proferido foi apenas no sentido de melhor assegurar a presença dessa testemunha – o que, na verdade, teve resultado positivo, face à sua apresentação.

Ou seja, não se verifica qualquer violação do princípio da igualdade, na medida em que não foi substancialmente postergado qualquer direito aos Impugnantes face à parte contrária.

Como tal, nesta parte não assiste razão aos Impugnantes.

III.B.2. Quanto à admissão do documento apresentado pela AT em sede de alegações

Consideram, por outro lado, os Impugnantes que o que reputam de admissão extemporânea de prova (referindo que a mesma podia ter sido apresentada antes, designadamente em sede de inquirição de testemunhas) levou a uma violação do princípio da igualdade, refletida no facto de o tribunal admitir que, em sede de requerimento de 05.09.2022, a AT atacasse a credibilidade da testemunha, permitindo uma conduta processualmente proibida. Por outro lado, referem, o facto não era superveniente, não tendo sido demonstrado que a apresentação do documento em causa não tivesse sido possível até ao momento. Logo, o tribunal arbitral violou o princípio da igualdade, ao permitir a junção de prova extemporaneamente, sem exigir qualquer alegação ou demonstração da superveniência e sem que tenha concedido igual oportunidade de apresentação de prova aos Impugnantes.

Vejamos.

Como já referimos supra, o requerimento de 05.09.2022 é o exercício do direito ao contraditório, por parte da AT, face à litigância de má-fé suscitada pelos Impugnantes – e que, reiteramos, do ponto de vista do interesse da FPF na causa nada acrescenta de substancial ao que já resultava das suas alegações.

Estando a AT a exercer o seu direito ao contraditório, face à alegada litigância de má-fé, não se considera estar a ser postergado o princípio da igualdade, mas sim a ser assegurado o exercício de um princípio basilar do nosso direito processual.

Quanto à questão da admissão do documento apresentado com as alegações, como já vimos supra, sobre a mesma os Impugnantes tiveram oportunidade de se pronunciar, como fizeram, podendo requerer diligências ou juntar outros elementos que entendessem convenientes nesse pressuposto. Não o tendo feito, sibi imputet. Portanto, não se vislumbra de que forma o princípio da igualdade foi postergado.

O que, na verdade, os Impugnantes invocam é um erro de julgamento, atinente à admissão do documento em momento que reputam de inoportuno – o que foi apreciado pelo tribunal arbitral, na decisão proferida, salientando que, sendo o documento do conhecimento de ambas as partes, ao abrigo do princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, a junção do mesmo seria de admitir, “em face da sua manifesta relevância para a correcta decisão da causa, dado que, como consta do petitório final da PI, os Requerentes peticionam a seu favor a ‘restituição das quantias referentes aos actos de liquidação ora impugnados, acrescidos dos correspondentes juros à taxa legal em vigor”. Ou seja, o que os Impugnantes pretendem é assacar um erro de julgamento a esta admissão, matéria arredada da apreciação deste TCAS.

Face ao exposto, não assiste igualmente razão aos Impugnantes nesta parte.

III.C. Da pronúncia indevida

Consideram, ademais, os Impugnantes que houve pronúncia indevida, em violação do princípio do dispositivo, na medida em que, na sua perspetiva, o tribunal arbitral conheceu de factos essenciais não alegados pelas partes no momento oportuno e pronunciou-se sobre questões que as partes não tinham submetido à sua apreciação tempestivamente e através do mecanismo processualmente próprio.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, há excesso de pronúncia, que consubstancia nulidade da sentença, quando haja pronúncia sobre questões de que o juiz não deva conhecer [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC].

No âmbito do contencioso impugnatório de decisões arbitrais o conceito de pronúncia indevida é mais amplo do que o de excesso de pronúncia, nele se incluindo, por exemplo, as situações em que é suscitada a incompetência material dos tribunais arbitrais.

A este propósito, chama-se à colação o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2016, de 29.03.2016, no qual foi julgada inconstitucional a alínea c) do n.º 1 do art.º 28.º do RJAT, na interpretação normativa de que o conceito de “pronúncia indevida” não abrange a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do tribunal arbitral. Sublinhou-se neste aresto que “as decisões de um tribunal arbitral tributário sobre a própria competência não podem deixar de estar submetidas a reapreciação por um tribunal do Estado, sob pena de serem as próprias atribuições deste em matéria tributária a ficar em risco”.

Adiantemos, desde já, que não assiste razão aos Impugnantes.

Explicitando.

O facto a que se referem os Impugnantes trata-se do pagamento por sub-rogação, por parte da FPF, do imposto que lhes fora liquidado e que estes configuram como um facto essencial para extinguir o seu direito a obter a anulação das liquidações.

Ora, não se vislumbra que a questão que o Tribunal conheceu que não tenha sido alegada pelas partes.

Com efeito, in casu, estamos perante impugnação arbitral, na qual é peticionada a anulação das liquidações, acrescida da restituição do imposto e respetivos juros, sendo que a mencionada anulação se sustenta, em suma, em vício de violação de lei, em virtude de os ora Impugnantes considerarem não estarem preenchidos os pressupostos para a aplicação da cláusula geral anti-abuso. Esta é a questão em apreciação, à qual acresceria, caso os Impugnantes tivessem obtido vencimento, a questão atinente ao direito ao reembolso do imposto pago acrescido de juros.

E foi esta a questão que foi conhecida pelo tribunal arbitral.

A consideração de um facto essencial, mesmo que não alegado pelas partes, ao arrepio do princípio do dispositivo, não se configura como excesso de pronúncia (e com isto não estamos a considerar que o facto em causa é essencial, como melhor veremos infra, mas a cingir-nos ao alegado pelos Impugnantes), mas sim erro de julgamento, por não constituir em si uma questão a decidir. Os factos não se confundem com as questões a decidir.

A este respeito, aderimos ao entendimento plasmado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.03.2017 (Processo: 7095/10.7TBMTS.P1.S1), onde se refere:

“[O] não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. Reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC.

Segundo o ensinamento de Alberto dos Reis (…):

«(…) quando o juiz tome conhecimento de factos de que não pode servir-se, por não terem sido, por exemplo, articulados ou alegados pelas partes (art. 664.º), não comete necessariamente a nulidade da 2.ª parte do art. 668.º. Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão.

(…) uma coisa é o erro de julgamento, por a sentença se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se, outra a nulidade de conhecer questão de que o tribunal não podia tomar conhecimento. Por a sentença tomar em consideração factos não articulados, contra o disposto no art. 664.º, não se segue, como já foi observado, que tenha conhecido de questão de facto de que lhe era vedado conhecer.»

E, por argumento de maioria de razão, o mesmo se deve entender nos casos em que o tribunal considere meios de prova de que lhe não era lícito socorrer-se ou não atenda a meios de prova apresentados ou produzidos, admissíveis necessários e pertinentes. Qualquer dessas eventualidades não se traduz em excesso ou omissão de pronúncia que impliquem a nulidade da sentença, mas, quando muito, em erro de julgamento a considerar em sede de apreciação de mérito”.

No mesmo sentido, v., v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 28.03.2023 (Processo: 13336/19.8T8LSB.L1.S1) e do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.02.1996 (Processo: 019825).

Sempre se refira, ademais, que, ainda que se considerasse que a violação do disposto no art.º 5.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, pudesse entrar no conceito adotado no RJAT de pronúncia indevida, ainda assim, in casu, a pretensão dos Impugnantes soçobraria, por não estarmos perante um facto essencial pela primeira vez alegado extemporaneamente.

Com efeito, como resulta do pedido de pronúncia arbitral, os Impugnantes, a final, formularam o seguinte pedido:

“TERMOS EM QUE SE REQUER A V. E X . ª A ADMISSÃO DO PRESENTE PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL, NOS TERMOS E PARA OS EFEITOS PREVISTOS NO DECRETO-LEI N. º 10/2011, DE 20 DE J ANEIRO, COM OS EFEITOS MENCIONADOS NO ARTIGO 13. º E SEGUINDO-SE A TRAMITAÇÃO PREVISTA NOS ARTIGOS 17. º E SEGUINTES DO REFERIDO DIPLOMA, TUDO COM AS DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS,

CONCLUINDO-SE, A FINAL, PELA ANULAÇÃO DOS ACTOS TRIBUTÁRIOS AQUI EM CAUSA, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS .

MAIS SE REQUER, DESDE JÁ, A RESTITUIÇÃO DAS QUANTIAS REFERENTES AOS ACTOS DE LIQUIDAÇÃO ORA IMPUGNADOS, ACRESCIDOS DOS CORRESPONDENTES JUROS À TAXA LEGAL EM VIGOR”.

Portanto, o facto essencial – o pagamento do imposto liquidado –, para efeitos de apreciação do direito à restituição do valor pago acrescido de juros, já resulta do requerimento arbitral – sendo igualmente confirmado em sede de resposta da AT, onde se refere, no seu art.º 45.º, que o pagamento ocorreu em sede de PEF. A circunstância de o pagamento ter sido feito em sub-rogação pela FPF configura-se como um mero facto complementar, sobre o qual foi exercido o direito ao contraditório [cfr. art.º 5.º, n.º 2, al. b), do CPC].

Já quanto às ilações que as partes, designadamente a AT, retiraram desses factos (essencial e complementar) não são factos, são isso mesmo, ilações, às quais, aliás, o julgador não está vinculado.

A forma como esse pagamento foi feito trata-se, pois, de um facto complementar, não tendo, pois, de ser alegado pelas partes [cfr. art.º 5.º, n.º 2, al. b), do CPC], sendo que, em relação ao mesmo, nos termos já explanados supra, foi exercido o direito ao contraditório.

Logo, o tribunal arbitral não se pronunciou sobre qualquer facto essencial não alegado, mas sim sobre um facto complementar, respeitando o direito ao contraditório – o que implica ser irrelevante a apreciação em torno do alegado sobre o seu conhecimento não ser superveniente.

O que, na verdade, os Impugnantes pretendem defender é que, perante a prova de um facto essencial (o pagamento) e de um facto seu complementar (tal pagamento ser por sub-rogação), não poderia o tribunal arbitral valorá-lo na sua apreciação, designadamente em sede de decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos ocorridos. Ora, toda esta alegação já extravasa o âmbito da pronúncia indevida, centrando-se, sim, no erro de julgamento e no princípio da aquisição processual, que não nos compete apreciar, nos termos já referidos.

Logo, não assiste razão aos Impugnantes.

Atento o valor dos autos, e, aliás, em consonância com o requerido pelos Impugnantes, cumpre considerar o disposto no art.º 6.º, n.º 7, do RCP, aplicável na presente sede.

Assim, nos termos desta disposição legal, “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

Nesta decisão, há que atentar na conduta processual das partes, que, na verdade, se revelou, nos presentes autos, adequada e correta, independentemente de, em termos de mérito, se ter considerado não assistir razão aos Impugnantes.

Por outro lado, é de sublinhar a simplicidade das questões apreciadas, uma vez que, de forma que nos parece clara, a mesma se reconduz à análise de conceitos basilares do processo arbitral tributário.

Assim, entende-se dever haver lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

III.D. Da litigância de má-fé suscitada pela AT

Nas suas contra-alegações, a AT considera que os Impugnantes litigaram de má-fé, em manifesto abuso de direito, por assentarem numa omissão de factos relevantes para a decisão da causa no processo arbitral.

Nos termos do art.º 104.º, n.º 2, da LGT:

“O sujeito passivo poderá ser condenado em multa por litigância de má fé, nos termos da lei geral”.

Assim, nos termos do art.º 542.º do CPC:

“1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.

2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.

Compulsados os autos, considera-se que a alegada litigância de má-fé não se verifica, porquanto entende-se que, ainda que não se concorde com os Impugnantes, estes se limitaram a defender uma posição resultante da interpretação que fizeram da tramitação processual e da decisão arbitral, nunca negando a ocorrência do pagamento através de sub-rogação, mas tão só pondo em causa os termos em que o documento demonstrativo do mesmo chegou aos autos. Por outro lado, o alegado tem sobretudo a ver com a tramitação em sede de processo arbitral, e não com a tramitação na presente sede, sendo esta a que relevaria para efeitos de apreciação de uma eventual litigância de má-fé.

Como tal, indefere-se o requerido.

III.E. Da litigância de má-fé suscitada pelos Impugnantes

Através de requerimento apresentado a 04.01.2023, os Impugnantes consideram que a AT litigou de má-fé.

Cumpre apreciar.

O art.º 104.º da LGT, sob a epígrafe Litigância de má fé, determina, no seu n.º 1: “… a administração tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre a litigância de má fé em caso de atuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adotado em situações idênticas”.

Sendo, in casu, aplicável esta disposição legal, só poderá a Impugnada ser condenada como litigante de má fé no caso de o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adotado em situações idênticas, dado que não está em causa qualquer situação relativa a informações vinculativas.

Ora, in casu, não ficou demonstrado que a Impugnada tenha tido uma conduta processual divergente da que habitualmente adota em situações idênticas. Ademais, do que se tratou foi de um evidente e reiterado lapso de escrita (que, aliás, ocorre a outros propósitos, referindo-se, em relação a peças processuais, o ano de 2021 e não o de 2022), facilmente detetável, desde logo, pela leitura do processo arbitral, e que, per se, não evidencia qualquer atuação com má-fé, ainda que possa refletir um menor cuidado na elaboração da peça processual.

Por outro lado, parte do alegado tem sobretudo a ver com a tramitação em sede de processo arbitral (ou com a leitura que a AT faz da mesma), e não com a tramitação na presente sede, sendo esta a que relevaria para efeitos de apreciação de uma eventual litigância de má-fé e nada tendo sido alegado que preencha tal conceito.

Como tal, improcede o incidente de litigância de má-fé suscitado pelos Impugnantes.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Julgar improcedente a presente impugnação;

b) Custas pelos Impugnantes, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 275.000,00 Eur.;

c) Julgar improcedente o incidente de litigância de má-fé suscitado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, absolvendo os Impugnantes do mesmo;

d) Custas do incidente mencionado em c) pela Autoridade Tributária e Aduaneira, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC;

e) Julgar improcedente o incidente de litigância de má-fé suscitado pelos Impugnantes, absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira do mesmo;

f) Custas do incidente mencionado em e) pelos Impugnantes, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC;

g) Registe e notifique.


Lisboa, 18 de maio de 2023

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)

















1) António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2019, p. 727.