Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2163/16.4 BELSB (14520/17)
Secção:CA-2º. JUÍZO
Data do Acordão:06/14/2018
Relator:ANTÓNIO VASCONCELOS
Descritores:ACÇÃO DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
INDEFERIMENTO DE PROVA TESTEMUNHAL.
CAUSA DE EXCLUSÃO DA PROPOSTA POR FALTA DE ASSINATURA QUALIFICADA
RESERVA DA ADMINISTRAÇÃO - DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA ADMINISTRATIVA
Sumário:I – Compete ao julgador decidir quais as diligências de prova que reputa necessárias para a resolução das questões que lhe cabe ajuizar.

II – Não obstante a junção de mandato que confere todos os poderes necessários e bastantes para que o representante comum assine e submeta a proposta no procedimento concursal, o seu certificado digital não permite associar o assinante com a função e poder de assinatura para representar uma das co-concorrentes, pelo que outra decisão não poderia ser a do júri que não a exclusão da proposta, por violação do disposto nos artigos 62.º e 57.º, n.º 4 do CCP.

III – Porque se trata de documento essencial, pois contém o atributo da proposta, a falta de assinatura digital qualificada de um ficheiro Excel relativo à indicação do preço da proposta das concorrentes, determina a exclusão dessa proposta, por inobservância das formalidades exigidas nos artigos 54.º, n.º 1 e 68.º, n.º 4 da Lei n.º 96/2015.

IV – Perante questões de ordem técnica, onde impera a reserva da Administração – discricionariedade técnica administrativa –, a margem de sindicabilidade pelo Tribunal está limitada ao erro grosseiro.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO


M... –, S.A. e S..., Ltd, com sinais no autos, inconformadas com a sentença do TAC de Lisboa, de 17 de Fevereiro de 2017, que indeferiu a produção de prova testemunhal requerida e julgou totalmente improcedente a acção de contencioso pré-contratual de aquisição de serviços de vigilância electrónica para execução de decisões judiciais, para um prazo de 3 anos, enquadrável no período de 2016 a 2019, por elas intentada contra o Ministério da Justiça, visando a impugnação do acto de adjudicação do contrato à contra-interessada S... – Segurança e Vigilância Electrónica de Pessoas, Lda., vieram interpor para este TCAS o presente recurso jurisdicional e, em sede de alegações, formularam as seguintes conclusões:

“ A. O presente recurso tem por objecto a decisão do Tribunal a quo que indeferiu a produção de prova testemunhal requerida e julgou totalmente improcedente a acção proposta pelas ora Recorrentes.


B. Entendeu o Tribunal a quo que (i) os autos continham os elementos probatórios necessários à prolação da sentença e que (ii) o acto de adjudicação do contrato à Contra-interessada S... não padece de qualquer dos vícios que as Recorrentes lhe imputam.

C. Como se torna patente das presentes alegações de recurso, o entendimento vertido na sentença não pode vingar, primeiramente, quanto ao indeferimento do requerimento para a produção de prova testemunhal.

D. Com efeito, tal decisão é ilegal, na medida em que compromete seriamente os direitos de acção e respectiva prova das Recorrentes no processo.

E. Na verdade, tendo as ora Recorrentes alegado questões de cariz técnico para justificar a ilegalidade imputada ao acto de adjudicação, na parte em que (i) exclui a sua proposta e na parte em que (ii) se admite a proposta da concorrente S..., não pode o Tribunal entender que os documentos constantes dos autos o autorizam a decidir tais questões, por a isso não estar devidamente habilitado.

F. Estas matérias, em função do seu carácter altamente especializado, carecem necessariamente de intervenção dos agentes habilitados, de modo a que a verdade processual possa ser apreensível pelo Tribunal.

G. Apesar do processo administrativo ser, fundamentalmente, documental, em função da natureza do próprio contencioso, não o é em exclusivo nem o é por imposição da lei.

H. Por outro lado, é a própria lei que estabelece os mecanismos que devem auxiliar o Tribunal a descobrir a verdade material, onde se inclui a produção de prova testemunhal.

I. Não basta, por isso, ao Tribunal a quo escudar-se no vastíssimo conceito de discricionariedade técnica.

J. É precisamente, através dos meios processualmente adequados que deve limitar e mitigar os efeitos da leitura deste conceito sobre a descoberta da verdade material.

K. Ora, se as Recorrentes demonstrarem, mediante a inquirição das testemunhas arroladas, que a solução técnica da sua proposta não viola os requisitos (formais e materiais) exigidos nas peças do concurso, haverá necessariamente lugar à anulação, por ilegalidade, do acto de adjudicação e, consequentemente, do próprio contrato.

L. Há pois, a necessidade da correcção de um vício instrutório, pela omissão de uma fase essencial do processo.

M. Não pode, também, aceitar-se o entendimento do Tribunal a quo quanto à improcedência da acção proposta, por referência às questões relacionadas com a aposição de assinatura digital.

N. Entendeu o Tribunal a quo que a assinatura digital aposta por F... R.... vincula apenas nos exactos termos constantes do certificado, conclusão com a qual não pode concordar-se.

O. A Lei n.º 96/2015, de 17 de Agosto refere, no artigo 54.º, n.º 2, que “os documentos elaborados ou preenchidos pelas entidades adjudicantes ou pelos operadores económicos devem ser assinados com recurso a certificados qualificados de assinatura electrónica próprios ou dos seus representantes legais”.

P. É verdade que a lei refere ser necessário poder relacionar-se o certificado com a função desempenhada pelo titular do mesmo no quadro da organização concorrente.

Q. Dando cumprimento a este normativo legal as Recorrentes conferiram os poderes necessários e bastantes para que o representante comum assinasse e submetesse em seu nome a proposta na plataforma electrónica.

R. O titular do certificado utilizado para apresentar a proposta das Recorrentes na plataforma é M… F… C… dos s… R…, isto é, a pessoa a favor de quem ambas as Recorrentes emitiram os respectivos instrumentos de mandato.

S. Compreende-se, pois, que a proposta das Recorrentes foi assinada e submetida na plataforma por quem estava devidamente habilitado para o fazer, não se verificando o vício formal, indevidamente, assacado pelo Tribunal a quo.

T. Não se acompanha, também, a conclusão do tribunal a quo segundo o qual o ficheiro Excel apresentado pelas Recorrentes, no conjunto de documentos que integram a sua proposta não tem aposta a assinatura electrónica qualificada.

U. Com efeito, conforme resulta evidente do print screen da plataforma, o ficheiro está assinado (cf. alínea CC) dos factos provados e doc. n.º 14 junto à petição inicial.

V. Estas plataformas desenvolveram uma funcionalidade que permite aos utilizadores, aquando do respectivo carregamento, assinarem e encriptarem os documentos, bem como, no momento de submissão da proposta, assinar e encriptar a mesma.

W. Para que seja possível determinar se os ficheiros foram assinados, é necessário analisar o detalhe da assinatura utilizada na plataforma, porquanto é este que revela toda a informação relativa ao certificado utilizado, bem como a validade da assinatura.

X. Esta assinatura é efectuada sobre o HASH, o que significa que assina o seu conteúdo, de modo a comprovar e poder validar se o mesmo está integro ou não.

Y. Esta informação foi fornecida pela Vortal, conforme resulta do e-mail que se fez juntar à petição inicia como doc. n.º 15, que o Tribunal a quo deu como provado (cf. Alíneas V) e W) dos factos provados).

Z. Ora, o Tribunal a quo, apesar de dar como provado todo o conteúdo do documento em causa, dele não retira a consequência devida, isto é, que o ficheiro Excel apresentado pelas Recorrentes está efectivamente assinado nos termos legalmente exigidos.

AA. Mesmo que assim não se entendesse, a verdade é que esta informação se encontra replicada noutro local da proposta, isto é, na página 10, ponto 3 são indicados todos os preços unitários/dia dos vários tipos da vigilância electrónica, em documento.pdf. devidamente assinado.

BB. Também os prazos de instalação estão repetidos no documento d-Plano de Instalação, pág. 8, também em formato .pdf e devidamente assinado, pelo que sempre improcederia a argumentação do Tribunal.

CC. Excluir uma proposta por (alegadamente) faltar apenas um requisito formal num documento cujo conteúdo consta integralmente de outro, que cumpre aquele requisito, é contrair, ilegitimamente, a concorrência, aplicar uma medida mais gravosa doq eu o necessário para sanar o pretenso vício e dar preferência a aspectos de forma, em detrimento do conteúdo material das declarações.

DD. Finalmente, não se acompanha o Tribunal a quo quando este imputa às Recorrentes a violação do disposto nas Cláusulas 26.ª e 33.ª, al. b) do CE.

EE. Desde logo porque tal solução se funda no parecer técnico emitido por L.., consultor que tem relações profissionais com dois membros do júri do procedimento – N.. e T…-, na medida em que têm vindo a publicar, pelo menos, desde 2012 e até recentemente, artigos técnicos conjuntos, situação que belisca fortemente as garantias de imparcialidade que devem presidir às funções do Estado.

FF. Para afastar esta conclusão, requereram as Recorrentes a produção de prova testemunhal, que como se demonstrou o Tribunal a quo ilegitimamente rejeitou constituindo tal facto um erro grosseiro.

GG. Ora, o detalhe da solução oferecida pelas Recorrentes, que demonstra o cumprimento destes requisitos encontra-se clara e suficientemente explanado na proposta apresentada.
HH. Face ao exposto acima, a segurança, disponibilidade, robustez e conformidade da solução com o pretendido pela entidade adjudicante é totalmente garantida pela proposta das Recorrentes.

II. É por tudo o que se disse que deve ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional e ser revogada a sentença recorrida com as devidas consequências legais.”

A Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) e a contra-interessada S..., contra-alegaram pugnando pela manutenção do decidido.

A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste TCAS emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmada a sentença recorrida.

Sem vistos, vem o processo submetido à conferência para julgamento.

*

II - DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A matéria de facto pertinente á a constante da sentença recorrida, a qual de dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 663.º, nº 6 do CPC.

*


III - DA FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Veio o presente recurso jurisdicional interposto da sentença do TAC de Lisboa que indeferiu a produção de prova testemunhal requerida e julgou totalmente improcedente a acção de contencioso pré-contratual de aquisição de serviços de vigilância electrónica para execução de decisões judiciais, para um prazo de 3 anos, enquadrável no período de 2016 a 2019, intentada pelas ora Recorrentes contra o Ministério da Justiça, visando a impugnação do acto de adjudicação do contrato à contra-interessada S... – .., Lda.

As conclusões das alegações definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontram nos autos os elementos necessários à sua consideração – cfr. artigos 635º nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, ex vi artigo 140º do CPTA.

3.1 – Nas conclusões C) a L) da sua alegação, as Recorrentes insurgem-se contra a decisão do Tribunal a quo que indeferiu a produção de prova testemunhal por entender que os autos continham os elementos probatórios necessários à prolação da sentença.
As Recorrentes pretendem com a requerida prova testemunhal demonstrar que a solução técnica da sua proposta não viola os requisitos (formais e materiais) exigidos nas peças do concurso, e com isso anular, por ilegalidade, o acto de adjudicação e, consequentemente, o próprio contrato.

Vejamos se assim é de entender.
Nos termos do disposto no artigo 90.º do CPTA, compete ao juiz decidir quais as diligências de prova que reputa de necessárias para o apuramento da verdade e ulterior resolução de questões que lhe cabe ajuizar.
A tal propósito MÁRIO AROSO DE ALMEIDA in MANUAL DE PROCESSO ADMINISTRATIVO, 2010, pag. 375 e seg., refere o seguinte: “ Uma primeira especificidade, que avulta do disposto no artigo 90.º [CPTA], concretiza-se no reforço dos poderes de instrução que são conferidos ao juiz (…)
Mas também decorre do artigo 90.º, n.º 1, a possibilidade da própria realização de instrução por iniciativa do juiz (…), quando (…) entenda que não dispõe de suficientes elementos probatórios para decidir o mérito da causa .
Por outro lado, o artigo 90.º, n.º 2, autoriza o juiz a « indeferir, mediante despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova, quando o considere claramente desnecessário». Pretende-se, deste modo, evitar que os requerimentos de prova possam ser utilizados como um expediente manifestamente dilatório, exigindo do juiz que avalie, em cada caso, da necessidade dos meios de prova a adoptar em função das especificidades próprias do objecto típico de muitos processos, que apenas visam a fiscalização da legalidade da emissão (ou omissão) de actos administrativos ou normas regulamentares, em que, por isso, a demonstração dos factos relevantes para a sua apreciação se basta com a produção de prova documental.”
Enquadremos a situação dos autos.
A prova testemunhal requerida pelas Recorrentes visa a prova dos factos constantes do artigo 8.º das suas alegações de recurso (cfr. fls. 586), que contém matéria de facto que foi impugnada e está integralmente reproduzida nos documentos juntos aos autos e no procedimento pré-contratual.
A matéria de facto em causa contende com aspectos técnicos da proposta das Recorrentes, sendo de destacar, para o efeito, dois Relatórios emitidos pelo Prof. Dr. Luís Correia, docente do Instituto Superior Técnico, que concluem pela violação de vários requisitos técnicos do Caderno de Encargos patenteado a concurso por parte dessa proposta. - cfr. a factualidade do probatório sobre as als. L) e P) e docs. nºs 1 e 2 juntos com a contestação da contra-interessada S....
Em todo o caso, o júri do concurso, quando confrontado com o primeiro daqueles relatórios, solicitou o apoio de um perito (Dr. N… F…), que confirmou que o equipamento/sistema apresentado a concurso pelas Recorrentes não oferecia as garantias exigidas nos termos do Caderno de Encargos. – cfr. os factos provados na sentença sob as als. O) e P).
Mais tarde, já em sede de impugnação administrativa, o mesmo Perito (Dr. N… F…) reconfirmou que a proposta das Recorrentes não cumpria as exigências técnicas do Caderno de Encargos. – cfr. o facto provado na sentença sob as al. Z).
Como adiantamos supra, a inquirição das testemunhas requerida incidiria sobre elementos de facto com suporte em documentos juntos aos autos e sobre os quais o júri do concurso e o perito designado por aquele já se haviam pronunciado. Não tem por isso cabimento o juízo de censura feito pelas Recorrentes ao Tribunal a quo quando afirmam que o Tribunal “ não se pode escudar no vastíssimo conceito de discricionariedade técnica” (cfr. artigo 10.º e conclusão I) das alegações de recurso), procurando deste modo imputar ligeireza à forma como o presente pleito foi decidido.
E não é assim: A Mma. Juiz a quo limitou-se a explicitar, na parte final do julgado (cfr. fls. 560) que em atenção à reserva da Administração, típica de situações que co-envolvem matérias de índole técnica, a intervenção do poder judicial somente pode ter lugar em casos de erros grosseiros ou de ostensivas violações dos princípios constitucionais e legais que norteiam a actividade administrativa e que, no contexto do caso vertente nada disso sucedia.
Por conseguinte, nas circunstâncias descritas não cabia à Mma. Juiz a quo reapreciar a deliberação do júri do concurso e a decisão da entidade adjudicante o que, como se afigura, sempre pressuporia que tomasse posição especifica sobre a conformidade técnica da proposta das Recorrentes; salvo se estivesse em causa uma violação irrefutável dos princípios que enquadram a actividade administrativa e/ou algum erro grosseiro. (para mais desenvolvimentos cfr. Acórdão deste TCAS de 23/11/2011, in Proc. nº 7914/11, disponível em www.dgsi.pt)
Concluímos do exposto que não se afigura existir défice instrutório da decisão recorrida na medida em que a Mma. Juiz a quo dispunha de prova documental e pericial sustentada para poder decidir o presente pleito de modo fundamentado.
Termos em que improcedem as conclusões C) a L) da alegação das Recorrentes.

3.2. - Nas conclusões M) a S) da sua alegação, as Recorrentes imputam à sentença erro de julgamento de direito por falat de assinatura da proposta das Recorrentes pelo Representante Comum.
A tal propósito a Mma. Juiz a quo decidiu que “ (…) a assinatura digital aposta na proposta por F... R...., foi em representação da M... e não tem relação com a procuração que a S... LTD., emitiu e pela qual conferiu poderes a M… F... R.... como resulta da al. CC) dos FA.
Em face do exposto, tem de se concluir que a assinatura digital aposta pela representante comum, não obstante estar munida de um instrumento de mandato para representar a S... LTD., não vincula esta entidade, pois, o certificado digital foi emitido apenas para representar a M..., S.A., nos exactos termos da procuração e substabelecimento que serviram de base à emissão do certificado, pelo que, com este fundamento não pode proceder a presente acção”.- cfr. fls. 555 e verso
Tal asserção baseou-se na deliberação do júri do concurso (cfr. relatório final emitido em 12 de Agosto de 2016), onde expressamente se reconhece que : “ (…) Esta certificação da assinatura digital qualificada [ M… F... R....] , não vincula a empresa S... LT, apesar de existir um mandato desta designando aquela pessoa singular como sua representante no âmbito do presente procedimento.
Ou seja, consta dos documentos uma assinatura qualificada da representante comum que contudo usa um certificado qualificado que apenas vincula uma das empresas do agrupamento - a M... (…)”
Importa referir que a assinatura constitui a forma de vinculação dos concorrentes às propostas e documentos apresentados, sendo uma condição de validade das mesmas – cfr. artigo 7.º, nº 1 al. a) do Dec.-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto.
Ora, no caso em apreço, o documento que relaciona a assinante com a sua função e poder de assinatura que substabelece poderes para a representar em exclusivocfr. facto provado sob a al. P) da sentença.
Nesta medida, porque à M... não foram conferidos poderes de representação comum do agrupamento, conclui-se que a proposta não foi devidamente assinada pela S....
Consequentemente, o juízo feito pela Mma. Juiz a quo afigura-se correcto, pelo que improcedem as conclusões M) a S) da alegação das Recorrentes.

3.3. – Nas conclusões T) a CC) da sua alegação as recorrentes insurgem-se contra o julgado porquanto, em seu entender, ( i) o ficheiro Excel referente ao valor da proposta está devidamente assinado; ( ii) e, ainda que assim não fosse, sempre se deveriam considerar os preços unitários/dia dos vários tipos de vigilância electrónica constantes da pág. 10, ponto 3, da sua proposta.
A este propósito a Mma. Juiz a quo referiu que “(…) Resulta da factualidade provada [ que] o ficheiro de apresentação da proposta não tem aposta a assinatura electrónica qualificada em conformidade com o estabelecido no artigo 68.º, n.º 4 da Lei n.º 96/2015 (Cfr. Alínea BB) dos FA, maxime fls. 571 do PA), ou seja, neste ficheiro que contém o atributo da proposta não foi aposto antes do carregamento na plataforma a assinatura electrónica qualificada, nem após o seu carregamento.
E assim, não estando o mesmo assinado e porque se trata de documento essencial pois contém o atributo da proposta, não tendo sido observadas as formalidades exigidas – cfr. artigos 54.º, nº 1 e 68.º, n.º 4 da Lei n.º 96/2015 – não se pode afirmar que a falta de assinatura de uma proposta constitua uma formalidade não essencial, um mero lapso susceptível de ser corrigido através do convite à sua regularização “ – cfr. fls. 537 e verso.
Vejamos.
Decorre dos normativos aplicáveis que todos os documentos constantes de uma proposta devem ser assinados, mediante uma assinatura digital qualificada, tratando-se de uma formalidade essencial, cujo incumprimento conduz à exclusão da respectiva proposta.
Com efeito, o artigo 62.º, n.º 4 do CCP estabelece que os teremos a que deve obedecer a apresentação das propostas são definidos por diploma próprio, a saber, a Lei .º 96/2015, de 17 de Agosto.
A referida Lei n.º 96/2015, que regula a disponibilização e a utilização das plataformas electrónicas de contratação pública, determina, no seu artigo 54.º, n.º 1 que “os documentos submetidos na plataforma electrónica, pelas entidades adjudicantes e pelos operadores económicos, devem ser assinados com recurso a assinatura electrónica qualificada, nos termos dos n.ºs 2 a 6”.
O artigo 68.º, n.º 4 do diploma em causa dispõe que “ Quando o interessado realizar o carregamento, na plataforma electrónica, de um ficheiro de uma proposta, este deve estar já encriptado e assinado, com recurso a assinatura electrónica qualificada”.
Ou seja, a Lei estipula uma dupla exigência de assinatura, por evidentes razões de segurança: (i) exige que os documentos da proposta sejam individualmente assinados mediante a aposição da assinatura electrónica e, de seguida, (ii) exige a submissão da proposta na plataforma electrónica, o que pressupõe que o concorrente volte a assiná-la, na sua globalidade ( a designada “ assinatura de transacção” ou de envio).
No caso em apreço, o ficheiro Excel relativo à indicação do preço da proposta das Recorrentes (aspecto fundamental exigido pelo artigo 5.º, n.º 3 do programa do concurso) não se encontra assinado através de assinatura digital qualificada, encontrando-se, sim, aposta nessa proposta a indicação da denominada “ assinatura de transacção”, ou seja, aquela que é realizada no momento da submissão da proposta na plataforma. Por outras palavras, as Recorrentes procederam à “assinatura de transacção” , não tendo, contudo, assinado previamente o documento que continha o conteúdo da proposta (o ficheiro Excel), como legalmente se lhes impunha.
Sobre esta temática atente-se no que foi decidido no Acórdão do STA, de 12/05/2016 in Proc. nº 236/15, que passamos a transcrever na parte que interessa: “ Impondo o programa de procedimento a exigência de apresentação de ficheiro electrónico “Excel” a acompanhar a lista unitária de preços, deve o mesmo, nos termos do nº 1 do artigo 27.º da Portaria n.º 701-G/2008, ser assinado electronicamente”.
Tratando-se, pois, de uma acto vinculado, estava o júri adstrito a excluir a proposta das Recorrentes, tornando-se, destarte, irrelevantes as considerações por estas tecidas no que respeita às alegadas ofensas de princípios jurídicos que presidem à actividade administrativa. E como bem assinalou a Mma. Juiz a quo tais princípios podem conduzir à invalidação de actos discricionários, mas já não de actos vinculados.
Termos em que, de acordo com os fundamentos expostos, improcedem as conclusões T) a CC) da alegação das Recorrentes.

3.4.- Nas conclusões finais da sua alegação( DD)a HH), as Recorrentes sustentam que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito ao considerar que a proposta por si apresentada viola as cláusulas 26ª e 33ª, al. b) do Caderno de Encargos.
Vejamos.
Na acta nº 10, o Júri do Concurso justifica o porquê do incumprimento pelas ora Recorrentes do disposto nas cláusulas 26ª e 33ª, nº2 al. b) do Caderno de Encargos nos termos que se passam a transcrever :
Este fator de exclusão, apontado em sede de audiência prévia, foi então alvo de esclarecimentos e pronúncia para efeitos de contraditório pelo concorrente M..., vindo este agora na impugnação administrativa repetir os argumentos anteriormente aduzidos, continuando a não se verificar evidências que permitam atestar garantias suficientes de segurança da solução proposta.
Com efeito, o parecer técnico do perito designado no âmbito deste procedimento, para o qual se remete, desenvolve este ponto, fazendo luz sobre o carácter inseguro da solução apresentada pelo concorrente M... ( páginas 1 e 2 ), ao nível físico, pondo em causa a segurança contra violações do equipamento Pure Protect, e ao nível da protecção e integridade dos dados por demonstrar fragilidades ao nível da encriptação dos dados.
Deste modo, já suportado por aquele parecer, não pode o júri deixar de concluir que está perante uma solução com evidentes fragilidades em termos de segurança, pelo que a proposta do concorrente M... não cumpre o Caderno de Encargos.
Aliás, quanto à proposta do concorrente M... relativamente ao Smartphone, também o concorrente S… apontou, em sede de audiência prévia, a insegurança de um equipamento baseado em Smartphone de mercado que permitiria ser ligado a um computador com vista a realizar alterações na sua programação.
Ainda quanto à segurança dos equipamentos DureTrack, PureOfficer e PureProtect, importa também referir que a alegada enhanced Smartphone para a UPV não procede, já que não se vê como este conceito possa coincidir com a ideia agora expressa pelo concorrente M... de o sistema operativo usar uma “versão fechada” e “devidamente trancada”. A expressão em inglês “enhanced Smartphone” constante no catálogo técnico só pode ser traduzível por Smartphone reforçado ou melhorado, não se vislumbrando qualquer outra interpretação como lícita. Por outro lado, a concretização, explicitação ou sequer explicação desse reforço ou melhoramento não surge apresentada em nenhum local da proposta, incluindo os seus anexos ( data sheets).
Ora, querendo, poderia o concorrente M... ter apresentado no corpo da sua proposta um texto descritivo que explicasse ou explicitasse como se concretizaria esse reforço ou melhoramento do referido Smartphone, o que só veio a realizar mais tarde, acrescentando e melhorando a proposta com novos dados, porém em fase já inadmissível para o júri. Salienta-se ainda que o concorrente M... só o fez relativamente a uma máquina, a correspondente à UPV, não se se encontrando idêntica caracterização no folheto PureOfficer ou no correspondente à UPV, que não fazem qualquer referência ao carácter reforçado- independentemente da conotação ou sentido atribuível pelo concorrente- do Smartphone.
Por outro lado, constata-se pela leitura de todos os catálogos técnicos relativos à solução em apreço, que a UPV, correspondente à PureProtector, é a única das máquinas descritas que não possui identificado qualquer alarme ( tamper). Parece da maior importância relembrar que a existência de produtos inseguros significa potencial perda de integridade de informação a gerir pelos serviços de vigilância electrónica, com impacto no controlo da pessoa vigiada e na segurança da vítima, aspectos axiomáticos do funcionamento de umsistema de VE.
Como tal, o júri mantém os argumentos já aduzidos no 1º relatório, não existindo razões para alterar a sua decisão…”
Assim, pese embora as ora Recorrentes se tenham pronunciado após a apresentação da proposta sobre os referidos aspectos técnicos da mesma que suscitaram dúvidas sobre as condições de segurança para prevenção de intrusão no sistema operativo, quer ao nível da comunicação de dados, quer dos equipamentos, subsistem essas mesmas dúvidas que o júri fundamentou com base em parecer técnico e que as Recorrentes não lograram dissipar.
Concluímos do exposto que, face à factualidade apurada na sentença, designadamente nas alíneas O)a T), Z e BB) dos FA., relativamente a questões de ordem técnica que determinaram a decisão de exclusão da proposta das Recorrentes, estamos perante uma situação de discricionariedade técnica administrativa, em que impera a reserva da administração, cuja margem de sindicabilidade do tribunal, nestas situações, está limitada às situações de erro grosseiro ou de violação de princípios constitucionais e legais, designadamente da proporcionalidade e da adequação. E, no caso sub judice, não estamos seguramente perante uma situação de erro grosseiro, pelo que não procede o invocado erro de julgamento de direito por violação das cláusulas 26ª e 33ª, nº 2, al. b) do Caderno de Encargos.
Termos em que improcedem as conclusões DD) a HH) da alegação das Recorrentes.
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Em síntese, improcede o recurso jurisdicional interposto pelas Recorrentes , na sua totalidade.

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IV- DECISÃO

Acordam, pois, os juízes que compõem a secção de contencioso administrativo deste TCAS em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar a sentença recorrida.

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Custas pelas Recorrentes.


Lisboa, 14 de Junho de 2018


Relator:
António Vasconcelos

Sofia David

Nuno Coutinho