Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2375/14.5BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:10/31/2019
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:IRC – RETENÇÕES NA FONTE – ÓNUS DE PROVA
Sumário:1. É de manter a liquidação oficiosa de IRC, por retenções na fonte cujo montante não foi entregue ao Estado, se constando essas retenções da contabilidade do sujeito passivo e sendo mencionadas nas declarações de terceiros, aquele não apresenta qualquer contraprova no sentido de que tais retenções não foram efectivamente efectuadas.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:
1. Relatório
1.1. As partes

R….. Portuguesa, A……, com os demais sinais nos autos, não se conformando com a sentença do TAF de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra a FAZENDA PÚBLICA e na qual questiona a legalidade dos atos tributários de liquidação oficiosa adicional de IRC retido na fonte e não entregue nos cofres do Estado relativamente a rendimentos prediais dos anos de 2008 e 2009, veio apresentar recurso jurisdicional.

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1.2. O Objecto do recurso
1.2.1. Alegações
Nas suas alegações a recorrente formulou as seguintes conclusões:
1.ª Entenderam os Venerandos Desembargadores aquando da primeira apreciação decisória anular a sentença a quo por insuficiência factual para a boa decisão, sendo convicção da recorrente, que as lacunas apontadas por V. Exas não estão supridas.
2.ª Inovatoriamente surge apenas um novo facto, o facto provado n.º 5, cujo teor será insuficiente para sustentar a estatuição de improcedência da impugnação, assim como os demais, pelo que vão impugnados os factos provados 1 a 5.
3.ª A douta 2ª instância exortou a uma pronúncia mais criteriosa querendo demonstrar-se a ocorrência de imposto retido e não entregue ao Estado, pois o facto de a recorrente ter cumprido com a obrigação declarativa não significa que tenha procedido à retenção indiciada.
4.ª A guia não foi apresentada por inexistir retenção e como tal, a recorrente apenas se constituiria na obrigação de pagamento de juros pela mora na entrega do tributo ao Estado.
5.ª As presunções da A.T. assentam em exclusivo nos elementos recolhidos na contabilidade da recorrente, contudo não fez prova quanto ao cruzamento entre rendas devidas e retenção efectuada e renda paga, de modo a demonstrar efectiva retenção.
6.ª O facto novo (5) surge da junção documental feita pela A.T., contudo, a valia conferida pelo Tribunal a quo é incompreensível, pois não comportam o peso necessário para abalar as dúvidas dos Venerandos, assim se crê.
7.ª Juntou a A.T. 5 declarações modelo 22 do ano de 2008, relativas a 5 contribuintes e face a 2009, 5 declarações, sendo que como dito, 3 desses contribuintes não coincidem com as declarações respeitantes ao exercício de 2008.
8.ª Os documentos juntos não estabelecem qualquer relação directa com as correcções averbadas no relatório de inspecção e foram essas, que deram lugar às liquidações impugnadas. Ora, os valores dessas liquidações não têm qualquer relação com os valores observáveis nos documentos juntos pela A.T.
9.ª A A.T não explicita como provam os documentos a sua posição, limitando-se a referir em 7.º do seu requerimento a junção de um conjunto de declarações, que só podem ser tidas como inócuas, inexistindo adequado iter explicativo.
10.ª Sem esse encadeamento lógico é abusivo vir a A.T. sustentar que por via desses documentos se tenha apurado como em divida, “por recurso a correcções de natureza meramente aritmética, os montantes de €35.746, 68 e €32.459, 33 em falta...”
11.ª A impugnante sempre assumiu que a apresentação de declarações que indiciavam retenções tratou-se um mero lapso, já que não foram concretizadas, pelo que querendo a A.T pugnar pelas suas presunções, teria que as demonstrar.
12.ª Os documentos não consubstanciam de todo um cruzamento de dados que permita a estatuição de retenção, persistindo vícios na decisão que aliás V. Exas assinalaram e que não estão sanados. Os valores das liquidações impugnadas não são congruentes com os passíveis de ser retirados dos documentos.
13.ª A junção feita pela A.T. e que o Tribunal a quo acolheu como boa para justificar a sua decisão de improcedência, não representa o suscitado cruzamento de dados, não sendo hábil a demonstrar a efectiva concretização das ditas retenções.
14.ª Repescando as palavras dos Venerandos Desembargadores no âmbito do 1.º aresto, tais elementos não podem sustentar uma decisão de improcedência da impugnação, assente numa convicção de efectiva retenção “ sem margem para dúvidas”.
15.ª Os valores constantes nas declarações são absolutamente díspares dos apostos nas liquidações impugnadas, não se discernindo em que medida têm algo que ver com as verbas plasmadas no relatório da inspecção tributária.
16.ª Não é levada a cabo pela A.T. uma aritmética idónea de modo a revelar como os documentos agora juntos, sustentam os valores apurados em sede de IRC, e tidos como pretensamente em divida, observado o que redigiu no relatório. Abstém-se a A.T. de explicar que as verbas ínsitas em cada uma das declarações remetidas têm uma determinada correspondência com as verbas tidas como dívida, em sede de retenções na fonte. Não o faz, nada prova, assim se crê.
17.ª Vista a peça processual que motivou a junção documental causa estranheza porque não aproveitou a A.T. tal momento processual, para explicar cabalmente os factos, é uma questão que não se vê como de fácil dilucidação.
18.ª Pelo que se reafirma, a impugnante assumiu que por lapso declarou factos que na verdade não sucederam, ou seja, ainda que indiciada a retenção de valores quando submetida a declaração, de forma célere indicou tratar-se de um erro.
19.ª Se a A.T. entende que assim não foi e que importâncias foram retidas, então, só a A.T. tem o poder de o demonstrar. E não o contribuinte que ao afiançar que nada reteve, pouco mais pode demonstrar após a assunção do seu lapso.
20.ª De forma inaudita, A A.T. diz fazer essa demonstração sem que estabeleça as citadas correlações, limitando-se a afirmar parcamente, “...irá esta Fazenda Pública apresentar as declarações de IRC de algumas entidades...
21.ª Assim, não se afigura à ora impugnante que a nova decisão tomada pelo Tribunal a quo, contenha fundamentação renovada ou idónea que permita justificar a improcedência da presente impugnação judicial.
22.ª Não se compreende que o Tribunal a quo possa afirmar que os documentos juntos permitem discernir importâncias, “quantitativamente correctamente determinados”, ou, “...entende este Tribunal que se verifica que foram efectivamente incorridos e deduzidas as importâncias devidas pelos S.P...”
23.ª Assim, os documentos não secundam a aritmética da A.T., não apontam individualizadamente a proveniência de cada quantia apurada, nem explicita a A.T. como encontram as suas presunções, a necessária aderência com a realidade.
24.ª Crê-se que o aperfeiçoamento da decisão não foi logrado, que a fundamentação extrapola factos que o facto 5 não contém em si mesmo e como tal, exortamos V. Exas. à constatação de que os documentos juntos são inábeis, na senda da prova a que a A.T. se propôs.
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1.2.2. Contra-alegações
A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.
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1.3. Parecer do Ministério Público
O Exm.º Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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1.4. Questões a decidir
- Saber se padece de erro de julgamento a sentença que julgou improcedente a impugnação à liquidação oficiosa de IRC, por retenções na fonte cujo montante não deu entrada nos cofres do Estado, com base na contabilidade da impugnante e nas declarações de contribuintes terceiros.
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2. Fundamentação
2.1. De facto
2.1.1. Factos considerados provados na sentença:

1. Em 29.11.12, foi efetuada a liquidação de IRC relativo aos exercícios de 2008 e 2009, e correspondentes juros compensatórios na qual foi efectuado o apuramento das retenções na fonte relativamente a rendimentos prediais, os quais resultaram da elaboração pelo impte. de um Anexo J da Declaração Anual de Informação contabilística relativo a rendimentos pagos e retenções na fonte efetuados, não tendo apresentado quaisquer guias de pagamento das importâncias retidas no valor total de € 41.787,42 e de € 36.714,31, respetivamente, assim como de falta de retenção na fonte relativo a outros rendimentos prediais sujeitos a juros compensatórios, tendo sido notificado daquela liquidação - cfr. “ prints informático”, de fls. 12 a 44, e Relatório da I.T. de fls. 49 e segs, do P.A. e “Prints Informáticos” de fls 9 a 14, e “Demonstração de Liquidação de Retenções na Fonte de I. R.” de fls 92 e 93, do Proc. Recl. apenso.

2. A liquidação referida em 1 teve por base as conclusões resultantes da Acão de Inspeção Tributária com correções efetuada à impugnante constante de fls 51, e fundamentada no Relatório e Anexos elaborado pelos serviços de fiscalização tributária de fls 49 a 108, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual consta, designadamente: “...foram detectadas na contabilidade retenções de IRS e de IRC das categorias B e F, as quais aquelas últimas não foram objecto de entrega nos cofres do Estado….contabilizadas no mês de Dezembro dos exercícios de 2008 e 2009,… tendo-se analisado os extractos de conta inerente às retenções na fonte e contas de custos de rendas e alugueres e outros custos diferidos… foram elaborados listagens para as retenções associadas a rendimentos prediais com identificação dos senhorios e valor das rendas e de retenção e líquido, local arrendado e periocidade e contabilização mensal das rendas…assim como de um mapa respeitante ao pagamento das rendas por via bancária… pelo que tratando-se de imposto retido na fonte a impte enquanto substituta tributária é responsável pelas quantias retidas e não pagas ç…foi ainda apurado o pagamento de rendimentos prediais …sem que tenha sido efectuado a respectiva retenção na fonte... pelo que são devidos juros compensatórios, … - cfr ponto 3.1.1 e 3.1.2, do Relatório e extractos e mapas de apuramento de fls 87 a 89 v. e de fls 90 a 97 v., e mapa de IRS não retido , de fls 98 a 108 v. , junto ao relatório, do P.A. apenso.

3. Foi apresentado, em 09.04.2013, reclamação graciosa do acto tributário mencionado em 1, com fundamento na falta de fundamentação e de erro na liquidação, o qual mereceu decisão de indeferimento proferido em 19.11.13 pelo Chefe de Divisão de Justiça Administrativa, da D.F. de Lisboa - cfr despacho aposto sobre Parecer e Informação dos Serviços, de fls 64 a 67, do Proc. Rec. Apenso.

4. Em 06.01.14 foi deduzido recurso hierárquico da decisão referida supra, o qual mereceu decisão de indeferimento proferido em 26.06.14, pela Directora de Serviços do IRC. – cfr despacho aposto sobre a informação dos serviços, de fls. 12 e v. dos autos de Rec. Hier. Apenso.
5. Relativamente aos anos de 2008 e 2009, das D.P.s de imposto apresentadas por diversas entidades constantes do Anexo J da Declaração Anual referida em 1) supra, constam os valores de retenção na fonte de IRC efectuadas pela Impte naqueles anos. – cfr “Prints Informáticos” de fls. 162 a 180, dos autos.

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2.2. De Direito
A recorrente ataca a sentença recorrida por, em síntese, entender que está errada a conclusão jurídica que tirou a partir do facto acrescentado ao probatório da sentença anteriormente anulada pelo acórdão proferido nos autos, com base em deficit instrutório.
E está errada porque, a seu ver, continua a verificar-se deficiente comprovação por banda da AT quanto à efectiva retenção na fonte dos valores relativos a IRC dos anos de 2008 e 2009, que constam da sua contabilidade, no que concerne a arrendamentos em que a impugnante figura como arrendatária.
A sentença inicialmente prolatada no processo foi anulada pelo anterior acórdão com base no entendimento de que no pagamento de impostos, representando uma exacção forçada incidente sobre o património ou os rendimentos dos particulares, se impõe que o facto tributário seja indiscutível.
Ora, como nas anteriores alegações a recorrente arguia a falta de demonstração por banda da AT da efectividade dessas retenções na fonte, através da análise cruzada de elementos relativos aos contribuintes que suportaram, determinou-se a baixa do processo para ser suprido essa deficiência probatória.
Na senda do acórdão foi determinado pelo tribunal a quo que a recorrida Fazenda Pública apresentasse os elementos documentais que permitissem comprovar as retenções na fonte na esfera dos contribuintes que as suportaram, o que foi efeito através da apresentação dos “Prints Informáticos” de fls 162 a 180, dos autos.
Proferida sentença insiste a recorrente, embora algo timidamente, que não foi feita prova cabal dessas retenções.
Mas a recorrente labora em erro quanto a esta questão.
Como se disse no primitivo acórdão, citando o acórdão deste tribunal de 26-06-2014 (rec. n.º 07148/13): “O art.º 76.º, n.º 1, da LGT estabelece que “as informações prestadas pela inspecção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei”. O art.º 115.º, n.º 2, do CPPT, institui que “as informações oficiais só têm força probatória quando devidamente fundamentadas, de acordo com critérios objectivos”.
A esta força probatória das informações oficiais se contrapõe o princípio de veracidade das declarações fiscais dos contribuintes, constante do artigo 75.º, n.º 1, da LGT, que dispõe:
Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos (negrito nosso).
Não havendo motivos para colocar em crise a presunção de veracidade das declarações e da escrita do contribuinte, elas valem para ambos os sentidos que desses elementos é possível extrair: no sentido favorável ao contribuinte mas também em sentido desfavorável para este.
Quer isto dizer que a escrita e a contabilidade de um sujeito passivo, sendo aceite pela AT, pode eventualmente justificar uma tributação inferior àquela que fixada pelos serviços (se os elementos da contabilidade demonstram o erro cometido nessa fixação), como também pode justificar a tributação concretamente aplicada.
Volvendo ao caso presente constata-se que a contabilidade da recorrente espelha as questionadas retenções na fonte; face ao alegado por aquela determinou-se a realização de diligências probatórias no sentido de dissipar qualquer dúvida que se pudesse suscitar.
Apresentados os correspondentes meios probatórios – os prints acima referidos – que reforçam a prova dos factos constantes do RIT, visto que deles consta a referência à retenção na fonte feita pela recorrente, competia a esta produzir prova de sinal contrário que justificasse um juízo de falta de plausibilidade quanto aos meios de prova apresentados pela recorrida e quanto aos correspondentes factos, visto que passou a ficar onerada com essa contraprova a partir do momento em que a Administração logrou provar que as retenções na fonte, constantes do RIT se baseavam:
- Na própria contabilidade da recorrente;
- Nos elementos de terceiros (declarações mod. 22), que permitem o cruzamento de informações e a comprovação das retenções.
Esse ónus de contraprova que recaiu sobre a recorrente, como foi dito no anterior acórdão, resulta do regime legal relativo à prova e contraprova, retratado por Manuel de Andrade nestes termos: “Se a parte a quem incumbe o ónus probandi fizer prova de per si suficiente (prova principal) o adversário terá, por seu lado, de fazer prova que invalide aquela que a neutralize, criando no espírito do juiz um estado de dúvida ou incerteza (convicção negativa). Não carece de persuadir o juiz de que o facto em causa não é verdadeiro (convicção positiva); cfr. artigo 346.º do Código Civil”(3).”
Não tendo a recorrente diligenciado pela apresentação de qualquer meio de prova que, pelo menos, lançasse a dúvida sobre os factos em crise, constantes do RIT, relativos às retenções, factos esses que estão agora apoiados em dois suportes probatórios – a contabilidade da recorrente e os elementos em posse da AT – e colocando-se aquela apenas na, salvo o devido respeito, cómoda posição de os refutar, segue-se que, de harmonia com as regras de prova dos artigos 74.º, n.º 1, e 75.º, n.º 1, da LGT, e 342.º, n.º 1 e 2, do CC, deve ter-se como provado que a recorrente procedeu, efectivamente às retenções, tanto mais que, nos termos do n.º 3 do artigo 342.º do CC, a dúvida que se pudesse colocar a este nível sempre teria de ser resolvida contra a mesma.
E aqui por maioria de razão, visto que as informações prestadas pela AT estão dotadas da particular força probatória que caracteriza os documentos autênticos (cfr. artigo 371.º, n.º 1, do CC), que são todos aqueles que são exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência (cfr. artigo 363.º, n.º 2, do CC),
Em resumo, o recurso não merece provimento, sendo de confirmar a sentença recorrida, visto que claudicam in tottum as conclusões de recurso da recorrente.
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3 - Dispositivo:

Face ao exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

D.n.

Lisboa, 2019-10-31

(Benjamim Barbosa)

(Ana Pinhol)

(Isabel Fernandes)