Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1882/14.4BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:12/16/2020
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IRC
PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA
Sumário:I – Cumpre à Autoridade Tributária e Aduaneira a verificação dos pressupostos de aplicação da norma relativa a preços transferências averiguando da existência de relações especiais entre o Contribuinte e as entidades envolvidas, e que as operações efetuadas se afastaram das que ocorreriam entre entidades independentes e numa situação de plena concorrência.
II - Cabe ao sujeito passivo a demonstração de que foram respeitados os princípios inerentes aos preços de transferência, nomeadamente organizando e apresentando o processo de documentação fiscal, para justificar que as aquisições dos bens foram efetuadas ao valor de mercado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por S... - S..., SA, contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico deduzido na sequência do indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), relativa ao exercício de 2006, no montante de € 995 725,93, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

A) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença deduzida pela impugnante identificada contra a liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2006, por discordar a Fazenda Pública do entendimento sufragado na douta sentença de que a Administração Tributária “não logrou demonstrar os demais pressupostos legais do artigo 58.° do CIRC (atual 63°), designadamente por não ter demonstrado que as operações em causa se desviaram das que, em condições normais de mercado, seriam celebradas entre entidades independentes.”.
B) E aqui divergimos, e com o devido respeito, do concluído pelo Tribunal a quo, pois que a AT, contrariamente ao afirmado na douta sentença, não parte simplesmente da análise a 10 operações de compra e venda de imóveis efetuados entre a Impugnante e os Fundos de Investimento R... e I..., para aí considerar verificados os pressupostos do artigo 58.° do CIRC e aí aplicar de forma linear o regime dos preços de transferência com apelo ao método do preço comparável de mercado assente em raciocínio não testado e não demonstrado nos autos - de que o valor de aquisição pelos consumidores finais era o valor de mercado dos imóveis.
C) Efetivamente, a AT debruçou-se sobre a atividade operacional desenvolvida pelo sujeito passivo, aqui impugnante, e no âmbito da sua atividade de mediação mobiliária verificou que a impugnante celebrou no mesmo dia dez contratos de aquisição e dez contratos de alienação dos mesmos imóveis, sendo que em 8 dos 10 contratos de alienação celebrados, o valor da alienação é inferior ao valor de aquisição (vide facto constante da alínea 6 do probatório).
D) Não se devendo perder de vista que, conforme Relatório de Inspeção Tributária (doravante, RIT), pág. 10, o resultado decorrente das alienações referidas - 10 - representa a totalidade do volume de negócios do sujeito passivo, pelo que, lançou mão a AT dos resultados operacionais anuais da impugnante, concluindo que de tais operações resultou um prejuízo de € 1.971.3774,21 (diferença entre os valores de alienação dos imóveis e os valores de aquisição dos mesmos).
E) Por outro lado, em relação a oito dos prédios alienados recorreu a impugnante à intervenção de sociedades de mediação imobiliária, pelo que, ao valor negativo já obtido com a alienação dos imóveis identificados, constante do ponto 6 do probatório e dos supra 12. e 13., terão de acrescer os custos tidos com o pagamento das comissões de intermediação imobiliária, ascendendo os prejuízos operacional ao valor de, conforme fls. 14 do RIT, a € 2.156.323,21, facto que deveria constar do probatório.
F) Ora, tendo por base a assunção das relações especiais estabelecidas entre a impugnante e as entidades intervenientes na alienação dos imóveis, relação especial firmada nos termos do disposto nas alíneas b) e c) do n° 4 do artigo 58° do CIRC, bem como das subalíneas n° 3 e 4 da al. g) do n.4 do mesmo normativo, e reafirmada, impunha-se a aplicação do disposto nos n° 1, 2 e 3 do artigo 58° do CIRC, conjugado com o disposto na Portaria n° 1446-C/2001, de 21 de dezembro.
G) E, assim, verificadas as relações especiais, a AT constatou, com apelo aos factos acima referidos, que as operações de aquisição dos imóveis se configuravam em termos substancialmente diversos às alienações em função do estabelecimento nas primeiras de relações especiais que permitiram que o preço de aquisição se cifrasse em montante consideravelmente superior ao preço de alienação dos mesmos imóveis em relações estabelecidas com entidades independentes.
H) Com efeito, apelando ao método do preço comparável previsto na alínea a) do n° 3 do artigo 25° do CIRC e na alínea b) do n° 1 da Portaria identificada supra, e tendo em consideração que duas operações se configuram como comparáveis quando são substancialmente idênticas, porque com características económicas e financeiras análogas ou suficientemente similares, verificamos que as operações de alienação levadas a cabo pela impugnante no mesmo dia e com referência aos mesmos imóveis com entidade independentes nos fornecem os termos e as condições a que apelam as normas citadas.
I) E, por um lado, fundamentou a AT não só a escolha do método utilizado quando afirma claramente em sede de procedimento de inspeção tributária que “assim, sendo, e atendendo aos elementos que dispomos, i. e, as Escrituras de Compra e Venda celebradas sobre os mesmos bens (Anexo XIV), no mesmo dia, com entidades independentes (S... e seus clientes finais), somos de opinião que este método será o método que nos oferece o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações realizadas (I.../R... e a S...) pelas entidades relacionadas”, como também fundamentou o valor comparável de mercado a que lança mão, o qual, por se reportar a operações, considerando 8 em 10, em que a própria impugnante interveio, no mesmo dia, com referência aos mesmos imóveis se erige como imediatamente identificável, prescindido dos testes a que se refere o Tribunal a quo.
J) E, vejamos que que não decorre dos n° 3 e 4 do artigo 4° da Portaria 1446-C/2001, de 21 de dezembro, contrariamente ao defendido na douta sentença, que a AT “fundamente (...) os próprios testes realizados e cálculos efetuados para apuramento do valor de mercado dos bens”, mas antes que identifique operações comparáveis por serem substancialmente idênticas, em virtude de apresentarem análogas ou similares características económicas e financeiras, o que fez.
K) Impondo-se a realização de testes mediante a aplicação de métodos alternativos no caso da existência de dúvidas acerca da fiabilidade dos valores obtidos com o método eleito, o que não aconteceu nos presentes autos em virtude de as operações comparáveis se reconduzirem à quase totalidade das operações concretizadas pela impugnante no exercício em análise.
L) Ainda, com referência à justificação apresentada pela Impugnante relativamente ao contexto global da operação, a que a douta sentença se refere como fundamentando as discrepâncias de valores, entendemos não se mostrar a mesma de molde a fundamentar as disparidades constatadas nos termos e condições de negócios análogos, pois considerando o ponto 26. do probatório e o ponto III.5.1. do RIT, fazendo acrescer os resultados gerados pelas indemnizações recebidas pelo B... aos resultados obtidos com as alienações continua a impugnante a apresentar um resultado negativo de € 478.302,85.
M) E mais reforça a Inspeção Tributária as suas conclusões salientando que nas alienações dos prédios em relação aos quais não foi identificado contrato promessa (as quatro restantes operações) e a impugnante não recebe qualquer indemnização o valor do prejuízo ascende ao montante de € 568.092,78 (vide pp. 31 e 32 do RIT).
N) Mostrando-se, assim, legítimas e devidamente fundamentadas as conclusões a que se chega no procedimento inspetivo, porque verificados os pressupostos exigidos pelo artigo 58° do CIRC para efeitos de aplicação do regime dos preços de transferência, com recurso fundamentado ao método do preço comparável previsto no normativo citado e na Portaria n° 1446-C/2001, de 21 de dezembro, e com a identificação das operações análogas que nos facultam o preço comparável de mercado assente no critério da comparabilidade com operações substancialmente análogas realizadas entre partes independentes.
O) Atento o exposto, incorreu o Tribunal a quo em errado julgamento de facto, por errónea apreciação da matéria de facto, uma vez que preenchidos os requisitos da aplicação do regime dos preços de transferências nos termos prescritos no artigo 58°, n° 1, 2, 3 alínea a) e 4, e n° 3 e 4 do artigo 4° da Portaria n° 1446-C/2001, de 29 de dezembro, mais violando as normas contidas em tais preceitos legais.
P) No referente à questão da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça superior a € 275.000,00, nos termos do preceituado no n° 7 do artigo 6.° do Regulamento das Custas Processuais, mais discordamos do entendimento vertido na douta sentença, uma vez que não se afiguram os presentes autos como de notória complexidade, e a norma do n° 7 do artigo 6° não exige que os autos se apresentem como de simplicidade fora do normal, antes remetendo a possibilidade de dispensa para o caso concreto, tendo em consideração a menor complexidade da causa ou maior simplicidade e a conduta processual das partes.
Q) Pelo que, verificando-se no caso sub judice (i) que não foi produzida prova testemunhal, (ii) que os factos relevantes para efeitos da decisão se encontram sistematizados maioritariamente no RIT, (iii) que a questão a submeter à apreciação do tribunal se resume à questão de saber se é legítima a correção do lucro tributável com apelo ao regime dos preços de transferência, (iv) que as operações a analisar para um todo exercício se restringem a 10 operações de aquisição replicadas em 10 idênticas operações de alienação com entidades independentes, (v) que a questão jurídica não se apresenta como de especial complexidade, e (vi) que a conduta processual das partes se pautou pela lisura, como afirma a douta sentença, entendemos verificados os pressupostos em que assenta a possibilidade de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.
R) A Fazenda Pública invoca concretamente que o montante da taxa de justiça devido a final se considera desproporcionado face ao serviço prestado, mas mesmo que assim não se entenda sempre o Tribunal a quo se mostra legitimado a proceder a tal análise, considerando que a lei não faz depender tal julgamento de requerimento das partes.
S) Nestes termos, incorreu a douta sentença numa errónea apreciação dos factos, mais violando o n° 7 do artigo 6° do Regulamento das Custas Processuais quando o interpreta no sentido de a mesma fazer depender a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça de uma simplicidade da causa fora do normal.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação totalmente improcedente.
Sendo que V. Exas. decidindo farão a Costumada Justiça


A Recorrida contra-alegou, pugnando pela sua improcedência, com base no seguinte quadro conclusivo:

A) Na presente impugnação, está em causa uma correção efetuada pela Administração Tributária ao valor de aquisição de imóveis, aquisição essa feita pela impugnante, ora recorrida;
B) Tal correção fundamentou-se na existência de relações especiais entre a recorrida e a entidade ou entidades que lhe alienaram os imóveis;
C) Há, de modo claro, uma incongruência na fundamentação da correção efetuada pela Administração Tributária;
D) Na verdade, para fundamentar a correção, a Administração Tributária invocou a existência, nos últimos seis anos, de matérias coletáveis e coletas nulas por parte da recorrida, o que demonstraria comportamentos não compatíveis com o escopo de uma sociedade que é o da obtenção de lucros;
E) Porém, a própria Administração Tributária indica que, entre 2005 e 2008, a recorrida declarou lucros tributáveis;
F) Sendo certo, que a existência de matérias coletáveis e de coletas nulas não é fundamento legalmente estabelecido no art° 58° do CIRC, pelo que, com tal fundamento, a correção é ilegal;
G) Sendo também certo que a existência de lucros entre 2005 e 2008 contradiz o argumento ou o fundamento aduzido pela Administração Tributária;
H) A fundamentação é também incongruente, na medida em que se invoca, para a demonstração da existência de relações especiais entre os vendedores dos imóveis e a recorrida, um considerando nos contratos-promessa, onde se afirma que a inalterabilidade do preço fixado é condição essencial do negócio, renunciando a recorrida a toda e qualquer faculdade de revisão ou modificação do contrato;
I) Ora, é evidente que o referido considerando limita-se a reafirmar o regime normal de qualquer contrato, isto é, que sem acordo das partes, o negócio deve ser cumprido nos exatos termos aí fixados;
J) Fundamentar a existência de relações especiais com base em tal considerando é, pois, ilegal;
K) A correção efetuada pela Administração Tributária ao preço de compra dos imóveis, não tomou em consideração que sendo os vendedores Fundos de Investimento Imobiliário, nos termos do art° 29°, n° 1), a), do Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário, previamente a essa alienação, foram os imóveis objeto de avaliação por peritos independentes, inscritos e sujeitos à tutela da CMVM;
L) Por seu turno, os Regulamentos da CMVM (n° 8/2002, n° 1/2005 e n° 7/2007) estabelecem os métodos a utilizar na avaliação dos imóveis, métodos esses semelhantes aos estabelecidos no art° 58° do CIRC e na Portaria n° 1446-C/2001, 21/12;
M) O que quer dizer, portanto, que esse preço de venda dos imóveis pelos Fundos e esse preço de compra dos imóveis pela recorrida era um preço semelhante ao que seria praticado entre entidades independentes;
N) A correção feita pela Administração Tributária a esse preço, violou, assim os critérios de determinação do preço entre entidades independentes;
O) A correção em causa é também ilegal, por ter eleito como padrão de referência para essa correção, o preço de venda pela recorrida, dos referidos imóveis, quando essa transação não é um padrão de referência;
P) Como bem se refere na douta sentença recorrida, a Administração Tributária teria que demonstrar - o que não fez - que esse preço da venda dos imóveis pela recorrida era o valor de mercado, pelo que, ao atuar deste modo, a AT cometeu uma ilegalidade.
Q) A correção efetuada é, ainda, ilegal, porque na análise que a Administração Tributária fez às operações realizadas pela recorrida, comparando o preço de compra e o preço de venda dos imóveis, não tomou em consideração outros proveitos obtidos pela recorrida;
R) E não os tomou em consideração com o argumento de que tais proveitos tinham sido considerados pela recorrida como resultados “extra-actividade”;
S) Ora, o que interessa é que, independentemente da sua contabilização, tais proveitos dizem respeito às operações imobiliárias em causa;
T) Sendo certo, como é reconhecido pela Administração Tributária, que os arrendatários pagaram à recorrida tais indemnizações em razão da revogação dos contratos de arrendamento, tal como estava previamente convencionado;
U) Como é dito na douta sentença recorrida: se a recorrida obteve, a título dessas indemnizações, mais de dois milhões de euros, esse valor tem, necessariamente, que acrescer ao valor das aquisições efetuadas, o que não foi, ilegalmente, considerado pela Administração Tributária;
V) Por outro lado, a Administração Tributária assentou todo o seu raciocínio justificativo das correções, na circunstância de a recorrida ter alienado imóveis com valores inferiores aos da aquisição;
W) Acontece que a referida Administração Tributária “dispensou-se” de analisar todas as transações imobiliárias feitas pela recorrida no exercício de 2006;
X) Ora, da análise de todas as transações referentes a imóveis anteriormente adquiridas aos Fundos de Investimento Imobiliário, constata-se a existência de um saldo positivo de quase meio milhão de euros;
Y) O que quer dizer que, no exercício de 2006, houve lugar ao que é normal numa atividade económica: operações que geraram prejuízos e operações que geraram lucros.
Z) Por isso, concluiu, e bem, a douta sentença, que não estão demonstrados os pressupostos legais em que assentaram as correções, pelo que a liquidação impugnada é ilegal.

Termos em que o presente recurso deve ser julgado improcedente, como é de Justiça!


A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber:
(i) Se se verifica erro de julgamento da matéria de facto e de direito por, no caso, se encontrarem preenchidos os requisitos da aplicação do regime dos preços de transferências nos termos prescritos no artigo 58°, n° 1, 2, 3 alínea a) e 4, e n° 3 e 4 do artigo 4° da Portaria n° 1446-C/2001, de 29 de dezembro;
(ii) Se se verificam os requisitos de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça superior a € 275.000,00;


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

1) A Impugnante, S... - S..., S.A., é uma sociedade anónima que tem, como atividade principal, a mediação imobiliária [cfr. relatório de inspeção tributária (adiante, RIT), a fls. 144 a 304 do PAT apenso, que se dá por integralmente reproduzido];

2) A Impugnante encontra-se enquadrada no regime geral de IRC e, para efeitos de IVA, no regime de isenção previsto no n° 30 do art. 9° do IVA (cfr. p. 8 e 9 do RIT);

3) Nos exercícios de 2003 a 2009, a Impugnante declarou à AT os seguintes valores:


(cfr. p. 3 do RIT);

4) Nos exercícios de 2003 a 2008, a Impugnante apresentou as seguintes margens brutas de vendas (MBV):


(cfr. p. 3 do RIT);

5) Nos exercícios de 2005 e 2006, a MBV média nacional era de cerca de 27,98% (cfr. p. 4 do RIT);

6) No exercício de 2006, a Impugnante celebrou as seguintes escrituras de aquisição e alienação de imóveis:

(cfr. p. 10 do RIT e docs. 3, 7, 8 e 10 juntos aos autos com a p.i., a fls. 47 a 56, 73 a 82, 83 a 92 e 103 a 111 dos autos);

7) As aquisições referidas na alínea antecedente foram feitas a dois fundos imobiliários fechados: Fundo de Investimento Imobiliário Fechado R... e Fundo de Investimento Imobiliário Fechado I... (cfr. p. 10 do RIT);

8) A data da celebração dos contratos de compra e venda, ambos os Fundos eram geridos pela T... - S..., S.A., sendo a entidade depositária de ambos o B..., S.A. (cfr. p. 11 e 20 do RIT);

9) A partir de 15.03.2006, o Fundo R... passou a ser gerido pela sociedade M... - Gestão de Ativos Sociedade Gestora de Fundos de Investimento, S.A. (cfr. p. 20 do RIT);

10) À data, a T... - S..., S.A. era detida diretamente, em 40%, e indiretamente, em 49,75%, pela sociedade T... Engenharia e Construções, S.A. (cfr. p. 12 e 19 do RIT);

11) À data, a Impugnante era detida em 19% pela sociedade T... Engenharia e Construções, S.A. (cfr. p. 12 do RIT);

12) Em 31.12.2006, o B... era detido em 4,557% pelo Grupo T... (cfr. p. 18 do RIT);

13) O vogal do Conselho de Administração da Impugnante, D..., é um dos responsáveis pela área imobiliária da sociedade T... (cfr. p. 19 do RIT);

14) O Presidente da Assembleia Geral da Impugnante é Presidente da Assembleia Geral da T... e Coordenador/Consultor do seu Conselho de Administração e Presidente da Assembleia Geral da T... (cfr. p. 19, 20 e 22 do RIT);

15) O Presidente do Conselho Fiscal da Impugnante é o Fiscal Único da T... e Presidente do Conselho Fiscal da T... (cfr. p. 19, 20 e 23 do RIT);

16) O Administrador-delegado da T... é Vice-Presidente do Conselho Superior do B..., vogal do Conselho de Remunerações e Previdência e vogal suplente do Conselho Geral de Supervisão (cfr. p. 21 do RIT);

17) O Grupo B... detém 100% do controlo da M... - Gestão de Ativos Sociedade Gestora de Fundos de Investimento, S.A. (cfr. p. 21 do RIT);

18) No exercício de 2006, a Impugnante declarou possuir operações com entidades relacionadas em território nacional com referência à sociedade M... e Associados - Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, no valor anual de € 8.000,00, e possuir documentação relativa aos preços de transferência praticados (cfr. p. 24 do RIT);

19) Os contratos de compra e venda referentes aos imóveis inscritos na matriz sob os n° 16…-U-2510, 040…-U-3270-A, 111…-U-1459-B, 160…-U-1474- O, 030…-U-1201-G e 110…-U-187 foram precedidos de contrato-promessa de compra e venda (cfr. p. 11 do RIT);

20) No segundo considerando dos contratos-promessa de compra e venda referidos no ponto antecedente consta o seguinte: “No âmbito da revogação dos contratos de arrendamento, cuja formalização será oportunamente apresentada, o B... comprometeu-se e obrigou-se ao pagamento de uma compensação pecuniária, no montante equivalente ao valor das obras necessárias à reposição dos espaços no estado em que se encontravam à data do início do arrendamento, conforme contratualmente se tinha obrigado” (cfr. anexo XV do RIT, a fls. 282 a 289 do PAT apenso);

21) Foi ainda declarado pelas Partes, no quarto considerando dos contratos-promessa de compra e venda referidos no ponto 20 supra, que: “A segunda contratante tem interesse na aquisição dos referidos imóveis, desde que assuma a posição do primeiro contratante quanto ao ressarcimento que o B..., na qualidade de arrendatário, irá efetuar por via da não reposição dos imóveis no estado em que se encontravam à data do início do arrendamento” (cfr. anexo XV do RIT);

22) No sexto considerando dos contratos-promessa de compra e venda, referidos no ponto 19 que antecede, consta o seguinte: “A inalterabilidade do preço fixado constitui condição essencial do presente contrato, renunciando a segunda contratante a toda e qualquer faculdade de revisão ou modificação do mesmo, bem como à faculdade de dedução de compensação de quaisquer despesas ou indemnizações que não as previstas neste contrato” (cfr. anexo XV do RIT);

23) No contrato-promessa de compra e venda referente ao imóvel inscrito na matriz sob o n° 111…-U-1459-B, a Impugnante declarou adquirir o referido imóvel pelo valor de € 1.527.257,49, tendo o mesmo vindo a ser adquirido, pelo valor de € 1.927.257,49, e alienado, no mesmo dia, pelo valor de € 2.250.000,00 (cfr. anexo XIV, a fls. 243 a 245 e 246 e 247 do RIT);

24) Nos contratos de compra e venda referentes aos imóveis inscritos na matriz sob os n° 160…-U-2510, 040…-U-3270-A, 111…-U-1459-B, 160…-U-1474- O, 030…-U-1201-G, 100…-U-3466-E, 180…-U-1391-A e 130…-U-1771-A houve intervenção de sociedades de mediação imobiliária, tendo a Impugnante suportado os custos das comissões no valor de 3% do valor da venda correspondente, respetivamente, € 34.485,00, € 13.031,00, € 81.675,00, € 4.356,00, € 6.353,00, € 6.534,00, € 25.410,00 e € 12.705,00, num total de € 184.549,00 (cfr. p. 14 do RIT);

25) Nos processos de mediação imobiliária em que interveio o departamento do Banco M..., U… e D…, foram apresentados os seguintes valores:
«Imagem no original»


(cfr. p. 15 do RIT);

26) No exercício de 2006, a Impugnante recebeu do B... a título de indemnização pela revogação dos contratos de arrendamento relativos aos imóveis referidos no ponto 6 supra, os seguintes valores:
«Imagem no original»


(cfr. p. 32 do RIT);

27) Nos termos que decorrem do acordo celebrado entre os Fundos I... e R... e o B..., em 17.11.2004, o cálculo do valor da indemnização referida no ponto antecedente foi efetuado por um avaliador independente reconhecido pela CMVM (cfr. anexo XX do RIT, a fls. 373 a 375 dos autos, e p. 31 do RIT);

28) No acordo referido no ponto anterior, as Partes declararam que:
"Primeiro - Os Fundos, na qualidade de donos e legítimos proprietários, arrendaram ao segundo contratante os imóveis constantes da listagem anexa ao presente acordo (…);
Segundo - De acordo com o estipulado nos referidos contratos de arrendamento, o Banco estava autorizado a efetuar todas as obras necessárias à adaptação dos espaços em causa à sua atividade, assumindo a obrigação de findo o respetivo arrendamento, repor os espaços na situação em que se encontravam à data do início do mesmo.
Terceiro - A assunção da responsabilidade de reposição dos espaços no estado em que se encontravam à data do início do arrendamento advém do facto das obras autorizadas e levadas a efeito pelo Banco, terem uma natureza específica atenta a catividade do mesmo, o que limita a possibilidade de aproveitamento por parte de qualquer outro interessado, nomeadamente, a existência de casa forte, cofres, divisões específicas para atendimento ao público, back office e outras;
O Banco tem interesse e pretende que nas sucursais que irá encerrar não venham a ser desenvolvidas atividades da mesma natureza (concorrencial) durante um período de tempo razoável, o que se refletirá na restrição de venda ou aluguer dos ditos espaços por parte do Fundo;
Quarto - No âmbito da reestruturação da rede comercial que está a levar a efeito, o Banco irá proceder ao encerramento de várias sucursais, pelo que tem interesse em proceder à revogação dos respetivos contratos de arrendamento; (...)”. (cfr. anexo XX do RIT);

29) No conjunto de alienações do património do M... - Gestão de Fundos de Investimento, S.A., na qualidade de gestora e representante dos Fundos I... e R..., que decorreu nos anos de 2005 a 2007, a Impugnante obteve um lucro tributável de € 428.949,15 (cfr. quadro resumo, a fls. 45 e 46 dos autos, não impugnado, e doc. 3 a 11 junto aos autos com a p.i., a fls. 47 a 122 dos autos);

30) A coberto da ordem de serviço OI201007413, a Impugnante foi objeto de uma ação de inspeção externa, de âmbito geral, ao exercício de 2006, que teve início em 31.08.2010, e que foi motivada pela ação inspetiva, ao exercício de 2005, realizada na sequência da aquisição, em 14.10.2005, do imóvel inscrito na matriz sob o n° 110…-U-3581-D, pelo valor de € 577.522,75, alienado no mesmo dia pelo valor de € 300.000,00 (cfr. p. 1 do RIT);

31) O prazo para a conclusão da ação inspetiva, de seis meses, foi prorrogado por um período de 3 meses, por despacho, datado de 21.02.2011, tendo a mesma terminado a 07.04.2011 (cfr. p. 1 do RIT);

32) Em 26.05.2011, foi concluído o RIT, elaborado na sequência da realização da ação de inspeção referida no ponto antecedente, no qual consta, na parte relevante, o seguinte:

“(...) III.4.3. - Aplicação dos Métodos Previstos na Lei
Assim sendo, e atendendo aos elementos que dispomos, i. e, as Escrituras de Compra e Venda celebradas sobre os mesmos bens (Anexo XIV), no mesmo dia, com entidades independentes (S... e clientes finais), somos de opinião que este método será o método que nos oferece o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações realizadas (I... / R... e a S...) pelas entidades relacionadas.
Deste modo, o valor dos bens pelo qual foram alienados pela S... ao segundo outorgante (consumidor final), constante nessas escrituras, será o valor comparável de mercado, e este seria o valor pelo qual duas entidades totalmente independentes se encontrariam dispostas a celebrar os respetivos contratos, como de resto se verificou entre a S... e os consumidores finais. Dado que a compra e a venda ocorreram no mesmo dia, não se verificaram alterações circunstanciais, no funcionamento de mercado, suscetíveis de influenciar ou determinar variações, positivas ou negativas, no preço da operação comparável, e tanto mais que esse preço foi aceite pela sociedade depositária dos fundos I... e R..., o B..., em datas bem anteriores à data de celebração das respetivas escrituras (como ficou demonstrado no ponto III.2.2.), temos que o preço de venda da S... (ao cliente final) será o preço da operação comparável.
Não é percetível, nem se descortina a motivação da T... (entidade gestora dos fundos I... e R..., à data de celebração dos Contratos Promessa de Compra e Venda, 2005/07/01), em vez de alienar os prédios, diretamente, aos clientes finais, tenha recorrido à intervenção da sociedade S.... Assim o valor de aquisição dos imóveis, na S..., foi inflacionado, e em seguida a S... procedeu à alienação, dos mesmos imóveis, pelo preço efetivo de mercado (preço de venda inferior ao valor de aquisição) desses imóveis.
Pelo descrito o preço de aquisição na S... não pode ser superior ao valor do negócio realizado com o cliente final, por que esse é o preço da operação comparável para os prédios em causa.
Procedendo desta forma, eliminaremos os efeitos provocados pelos negócios realizados entres os fundos (I... e R...) e a S..., passando a produzir-se na esfera da S... os mesmos efeitos que seriam produzidos na esfera económica dos fundos, caso a sociedade gestora dos fundos não tivesse recorrido à intervenção da sociedade S..., estabelecendo assim, a paridade no tratamento fiscal das operações realizadas.
III.4.4. - Quantificação dos Respetivos Efeitos
Como já foi descrito no ponto anterior (III.4.3.), para efetuar as correções na determinação do lucro tributário, pelo montante correspondente aos efeitos fiscais imputáveis à inobservância das regras enunciadas no n° 1 do art. 58° do CIRC (atual art. 63°), vai ser adotado o método do preço comparável (al. a) do n° 3 do art. 58° do CIRC).
Não vão ser efetuadas quaisquer correções às Vendas n° 3 e 7, escrituras de Compra e Venda n° 8020(1) e 18896(1), datadas de 2006/05/03 e 2006/11/07, referentes aos imóveis com as inscrições matriciais 111…-U-1459-B e 180…-U-1391-A, em virtude de o preço de aquisição da S... ser inferior ao preço de venda. Contudo a Margem Bruta das Vendas (MBV) da operação de maior valor, quando comparada com o valor do rácio nacional, conforme comparações já anteriormente realizadas, fica bastante aquém da média nacional. A saber:
«Imagem no original»


No que respeita à aplicação do método do preço comparável, esta vai-se resumir à correção do valor de aquisição, declarado nas escrituras de Compra e Venda celebrada entre os fundos (I... e R...) e a S..., para o valor de venda, declarado nas escrituras de Compra e Venda celebradas entre a S... e os adquirentes dos prédios, em virtude da inobservância, por parte da S..., do princípio de plena concorrência, pelo qual, e nos termos do n° 1 do art. 58° do CIRC (atual art. 63°), se deve pautar a fixação dos preços de transferência, procede-se à correção ao lucro tributável, por força do disposto no n° 8 (à contrario) do art. 58° do CIRC e do n° 2 do art. 3° da Portaria n° 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, para que o resultado fiscal apurado possa corresponder ao que teria sido determinado na ausência de relações especiais entre os intervenientes nas operações.
(...)

Deste modo o valor a acrescer ao lucro tributável do s.p., por aplicação do método do preço comparável, é de € 2.492.918,85.
Do salientar que, com esta correção o s.p. continua com uma Margem Bruta das Vendas bastante inferior à da média nacional (27,01 %), melhor descrito no ponto 11.3.1.2., como pode ser verificado no quadro seguinte:



()
III.5.1. - Indemnizações
A conta 7984 — "Indemnizações Proveitos", apresenta um saldo de € 2.721.280,00.
Questionado o s.p. acerca da movimentação desta conta, o mesmo veio afirmar que esta conta servia para contabilizar o valor das indemnizações recebidas do B.... Essas indemnizações eram resultado da revogação dos contratos de arrendamento, em que o B..., agora na qualidade de arrendatário dos imóveis (não olvidando a sua qualidade de entidade depositária dos fundos), se tinha obrigado, a pagar aos senhorios (aos Fundos), o "...pagamento de uma compensação pecuniária, no montante equivalente ao valor das obras necessárias à reposição dos espaços no estado em que se encontravam à data do início do arrendamento..." (segundo considerando dos Contratos Promessa de Compra e Venda celebrados entre os fundos e o s.p., constantes do Anexo XV), facto que justificaria a discrepância dos valores de compra e venda dos imóveis, na esfera da sociedade S....
Questionado o s.p. acerca da fórmula de cálculo do valor dessas indemnizações, o mesmo remeteu para o acordo celebrado entres os fundos (I... e R...) e o B..., celebrado em 2004/11/17, que na sua cláusula sexta determina que: "O cálculo do valor da indemnização será efetuado por um avaliador independente (...) um avaliador reconhecido pela CMVM..." (Anexo XX).
(...) Deste modo, e somando o acréscimo de resultados gerado pelas indemnizações recebidas do B..., em substituição dos anteriores senhorios (os fundos I... e R...), o s.p., em resultado dos contratos assinados em 2005/07/01 (Anexo XV), continua a apresentar um resultado negativo em € 478.302,85 (= 5.555.000,00 + 2.092.080,00 - 8.047.918,85 - 77.464,00).
É, ainda, de salientar que nas alienações dos prédios, para os quais não foi detetado Contrato Promessa de Compra por parte da S..., o s.p. não recebe qualquer indemnização, sendo que estas transações assumem os mesmos moldes das restantes, i. e, compra e venda no mesmo dia, sendo que as referidas quatro operações somam um prejuízo de € 568.092,78.
Pelo descrito, discordamos da afirmação de que "...o interesse económico das operações não derivava diretamente dos valores de compra, mas também das indemnizações subjacentes a cada imóvel", ou seja, mesmo que se atenda aos proveitos resultantes das indemnizações, aqueles imóveis continuam a apresentar resultados negativos.
Por outro lado, tal como foi referido anteriormente, e de acordo com o estipulado no contrato de promessa de compra e venda, celebrado entre os fundos (I... e R...) e o s.p. (Anexo V), no seu segundo considerando, as indemnizações são uma compensação para repor o imóveis no seu estado inicial, que em nada justifica o facto de o valor de compra ter sido superior ao valor de venda, pois caso assim fosse nas operações que originaram lucro na esfera da S... (Vendas n° 3 e 7), i. e, o preço de compra inferior ao preço de venda, estas não teriam direito a indemnização, facto que não se verifica. (…)”.
(cfr. RIT);

33) Na sequência das conclusões do RIT, a 16.06.2011, foi emitida, em nome da Impugnante, a liquidação adicional de IRC n° 2011 831…, relativa ao exercício de 2006, no valor de € 994.752,76, que lhe foi notificada a 28.06.2011 [cfr. nota de liquidação, a fls. 15 do processo de reclamação graciosa (PRG) apenso];

34) Em 20.06.2011, foi emitida, em nome da Impugnante, a demonstração de acerto de contas n° 2011 000031…, com o valor a pagar de € 995.725,93 (cfr. nota de liquidação e demonstração, a fls. 13 do PRG apenso);

35) Em 23.11.2011, a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IRC referida no ponto antecedente, com fundamento na caducidade do direito de liquidação, falta de fundamentação e erro nos pressupostos das correções efetuadas ao abrigo do art. 58° do CIRC - cfr. reclamação, a fls. 1 a 14 do PRG apenso, que se dá por integralmente reproduzida;

36) Em 05.04.2012, foi elaborada “Informação”, em análise da reclamação graciosa apresentada, que propôs o indeferimento da reclamação, nomeadamente, com os seguintes fundamentos:

“(...) 38. Contudo, há que ressalvar que no caso em apreço estamos perante operações comerciais sobre bens efetuadas entre sujeitos passivos com relações privilegiadas aplicando- se a norma específica consagrada no CIRC (...).
39. Invoca ainda a reclamante que nas correções efetuadas ignorou, a Administração Fiscal, os valores recebidos pela reclamante por parte dos arrendatários dos imóveis a título de indemnizações.
40. Não procede este argumento uma vez que, de acordo com o relatório de inspeção foram analisados os valores das indemnizações tendo-se concluído que mesmo atendendo aos proveitos resultantes das indemnizações, os imóveis continuavam a apresentar resultados negativos, sendo assim de manter as correções efetuadas. (...)”
(cfr. informação, a fls. 27 a 32 do PRG apenso, que se dá por reproduzida);

37) Por despacho de 28.09.2012, o Diretor de Finanças Adjunto indeferiu a reclamação graciosa com os fundamentos constantes da informação referida no ponto antecedente (cfr. decisão, a fls. 75 do PRG apenso);

38) Em 31.10.2012, a Impugnante apresentou recurso hierárquico, que foi indeferido por despacho, de 02.05.2014, da Subdirectora-Geral da Direção de Serviços de IRC, por considerar que não se verificar qualquer ilegalidade na decisão de indeferimento da reclamação graciosa - cfr. despacho e informação, a fls. 69 e 70 do processo de recurso hierárquico apenso, que se dão por integralmente reproduzidos;

39) Corre termos, na 2.ª Secção de Oeiras do Departamento de Investigação e Ação Penal do Ministério Público, o processo de inquérito n° 2104/10.2IDLSB, pelos factos apurados na ação inspetiva a que se referem os pontos 30 e 32 supra (cfr. fls. 38 do PRG e fls. 211 dos autos);

40) O processo de execução fiscal n° 36542011…, instaurado em nome da Impugnante, encontra-se suspenso por prestação de garantia (cfr. fls. 124 a 126 do PAT apenso);

41) Até 27.01.2011, a Impugnante não remeteu à AT o dossier de preços de transferência (cfr. p. 24 do RIT).


Quanto a factos não provados, a sentença exarou o seguinte:

Não se provou que:
- O valor de alienação, de € 2.250.000,00, relativo ao imóvel referido no ponto 23 supra, tenha sido previamente acordado entre o B... e o cliente final (cfr. anexo XIX do RIT, nomeadamente fls. 304 do PAT apenso).


E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consigna:

A decisão da matéria de facto foi realizada com base na análise das informações e dos documentos, constantes dos autos e do PAT apenso, não impugnados, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.
Os documentos juntos aos autos com a p.i., sob os n°s. 4, 5, 6, 9 e 11, a fls. 57 a 62, 64 a 67, 69 e 72, 93 a 102 e 112 a 122, respetivamente, não se referem a alienações e aquisições efetuadas no exercício objeto de análise, mas sim nos exercícios de 2005 e 2007, tendo os mesmos sido valorados no contexto das compras e vendas realizadas pela Impugnante, na qualidade de intermediária de um conjunto de alienações do património do M... - Gestão de Fundos de Investimento, S.A., na qualidade de gestora e representante dos Fundos I... e R..., que decorreu nos referidos exercícios e que teve por base o acordo, celebrado a 17.11.2004, referido nos pontos 27 e 28 do probatório.


II.2 Do Direito

A Recorrente não se conforma com o decidido na sentença que julgou procedente a impugnação defendendo que no caso se verificam os pressupostos de aplicação do regime dos preços de transferência

A sentença recorrida para julgar improcedente a impugnação analisou os invocados vícios da caducidade do direito à liquidação, falta de fundamentação e violação de lei, por ofensa do artigo 58.º do CIRC, tendo concluído pela falta de fundamento do mesmo.

Na conclusão E) pretende a Recorrente que se adite ao probatório: em relação a oito dos prédios alienados recorreu a impugnante à intervenção de sociedades de mediação imobiliária, pelo que, ao valor negativo já obtido com a alienação dos imóveis identificados, constante do ponto 6 do probatório e dos supra 12 e 13, terão de acrescer os custos tidos com o pagamento das comissões de intermediação imobiliária, ascendendo os prejuízos operacional ao valor de, conforme fls. 14 do RIT, a € 2.156.323,21.

Assim, o recurso interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira. tem por objeto, para além do mais, a reapreciação da matéria de facto.

Na verdade, quando impugna a matéria de facto, a Recorrente tem de cumprir os ónus que sobre si impendem, sob pena de rejeição do recurso [artigo 640º, n.º 1, alíneas a) a c) e n.º 2, alínea a) do CPC], cabendo à Recorrente especificar:
a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas quanto aos indicados pontos da matéria de facto;
d) com exatidão, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

A Recorrente, nas alegações de recurso, indica as folhas do documento em que está contida a matéria cujo aditamento pretende, pelo que se considera cumprida esta obrigação que sobre si recaía.

Contudo, no que concerne à decisão da matéria de facto, a mesma não deverá conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas. Na seleção dos factos, e na decisão sobre a matéria de facto deve o Juiz só factos, direito e conclusão, e acolher apenas o facto cru, despido de conceitos de direito e de conclusões, afastando, pois, conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos.

Atente-se que do probatório fixado na sentença, no ponto 24) dos factos assentes consta já: nos contratos de compra e venda referentes aos imóveis inscritos na matriz sob os n° 160…-U-2510, 040…-U-3270-A, 111…-U-1459-B, 160…-U-1474- O, 030…-U-1201-G, 100…-U-3466-E, 180…-U-1391-A e 130…-U-1771-A houve intervenção de sociedades de mediação imobiliária, tendo a Impugnante suportado os custos das comissões no valor de 3% do valor da venda correspondente, respetivamente, € 34.485,00, € 13.031,00, € 81.675,00, € 4.356,00, € 6.353,00, € 6.534,00, € 25.410,00 e € 12.705,00, num total de € 184.549,00 (cfr. p. 14 do RIT).

Da leitura do aditamento proposto pela Fazenda Pública, com a redação proposta, através do uso de expressões como: (…) terão de acrescer os custos (…), ascendendo os prejuízos operacional ao valor de (…), facilmente se constata que a matéria ali retratada formula juízos conclusivos e nela está contida matéria que se integra no thema decidendum do pleito.

Termos em que se indefere o requerido aditamento ao probatório.


Vejamos agora o alegado erro de julgamento na apreciação da matéria de facto apurada.

A correção à matéria tributável efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira impugnada é relativa a preços de transferência. Estamos, pois, em matéria de cláusula anti abuso específica, que procura evitar a elisão fiscal, conseguida através da prática de preços excessivamente altos ou demasiado baixos, comparativamente com o que ocorreria nas chamadas condições normais de mercado, entre entidades independentes e numa situação de plena concorrência.

Estas normas procuram obstar à manipulação de preços nas operações intragrupo para reduzir a tributação efetiva.

Além do cumprimento do um dever geral de fundamentação dos atos, a Lei impõe ainda um dever de fundamentação reforçado quando ocorrem correções relativas a preços de transferência.

Assim, no caso de verificar a existência de operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, ou de operações financeiras, efetuadas por um sujeito passivo de imposto sobre o rendimento e qualquer entidade, com a qual esteja em situação de relações especiais, e sempre que haja incumprimento de qualquer obrigação estatuída na lei para essa situação da determinação da matéria tributável corrigida dos efeitos das relações especiais, o artigo 77/3 da Lei Geral Tributária (LGT) impõe que a fundamentação do ato deve observar os seguintes requisitos: (a) descrição das relações especiais; (b) indicação das obrigações incumpridas pelo sujeito passivo; (c) aplicação dos métodos previstos na lei, podendo a Autoridade Tributária e Aduaneira utilizar quaisquer elementos de que disponha e considerando-se o seu dever de fundamentação dos elementos dos elementos de comparação adequadamente observado ainda que tais elementos sejam expurgados os dados suscetíveis de identificar as entidades a quem dizem respeito; (d) quantificação dos respetivos efeitos.

Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra [cf. artigo 58/4 CIRC, com a redação coeva].

A sentença recorrida, após elencar a legislação aplicável ao caso e principais correntes jurisprudenciais, concluiu pela existência de relações especiais entre as entidades envolvidas nos seguintes termos:

No caso dos autos, ao contrário do que veio alegar a Impugnante, a AT não apresenta apenas, como fundamento das correções efetuadas, a inexistência de matéria coletável nos anos em apreço e a condição prevista no considerando VI dos contratos-promessa de compra e venda celebrados, antes convoca o regime que decorre do art. 58°, n° 4, alíneas a), c) e g), subalíneas 3 e 4 da alínea g) do CIRC.
Na verdade, considerando as relações de participação da T..., Engenharia e Construções S.A. na Impugnante (cfr. ponto 11 do probatório) e as relações de participação, direta e indireta, entre aquela e a T... - Sociedade Gestora dos Fundos de Investimento Imobiliário, S.A., que, por sua vez, geria os Fundos de Investimento Imobiliário Fechado R... e I... (cfr. pontos 8 a 10 do probatório), dúvidas não há que se verificam os pressupostos legais previstos no art. 58.°, n.° 4, a) do CIRC, estando, por isso, a Impugnante obrigada a ter um dossier de preços de transferência, nos termos do n° 6 da aludida norma, e a efetuar a comunicação prevista no respetivo n° 7 - o que não aconteceu (cfr. ponto 41 dos factos provados).

A Fazenda Pública não recorre, naturalmente, quanto a este segmento da sentença, pelo que está assente a situação de relações especiais entre a Recorrida e as entidades alienantes dos imóveis em causa.

Para considerar a impugnação procedente por erro nos pressupostos de facto e de direito, prossegue a sentença recorrida:

Não tendo a Impugnante cumprido esses deveres, a AT efetuou as correções sindicadas nos autos, partindo da análise a 10 operações de compra e venda de imóveis efetuadas entre, por um lado, a Impugnante e os referidos Fundos de Investimento Imobiliário e, por outro lado, a Impugnante e os “consumidores finais”.
Considerou a AT que, tendo aquelas operações sido realizadas no mesmo dia e, em 8 casos, por valor inferior ao valor de aquisição por parte da Impugnante aos Fundos de I... e R... se verificavam os pressupostos para as correções ao abrigo do regime dos chamados "preços de transferência”, devendo, por isso, nesses 8 casos, desconsiderar-se o valor de aquisição dos imóveis pela Impugnante e considerar o valor de alienação dos imóveis aos consumidores finais o “valor comparável de mercado”, o “valor pelo qual duas entidades totalmente independentes se encontrariam dispostas a celebrar os respetivos contratos”.
Este raciocínio da AT, se bem que já acompanhado pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, no processo n° 07049/13, de 19.02.2015, não pode merecer o nosso acolhimento.
Vejamos:
Como se deixou exposto, a AT faz um raciocínio linear, concluindo que, tendo os contratos de compra e venda (entre a Impugnante e os Fundos, por um lado, e, por outro, entre a Impugnante e os “consumidores finais”) sido celebrados no mesmo dia, o preço de alienação aos “consumidores finais” é o preço normal de mercado. Isto é: é o preço pelo qual duas entidades independentes estariam dispostas a contratar. Mas este raciocínio não está demonstrado nos autos e poderá ser demasiado simplista, se houver também concertação de preços com o chamado “consumidor final”. Este raciocínio parte, por isso, de uma premissa que não foi minimamente demonstrada nos autos, nem foi - como competia à AT - testada em sede de inspeção tributária, que é a de saber se o valor de aquisição pelos “consumidores finais” era, à data, efetivamente o valor de mercado dos imóveis.
Ora, o legislador, no regime que decorre do art. 58° do CIRC, mas também do art. 4°, n° 3 e 4 Portaria n° 1446-C/2001, exige que a AT comprove os pressupostos das correções efetuadas, com base, entre outros, no método do preço comparável de mercado. Exige- se, assim, que a AT fundamente, não só a escolha do método utilizado, mas também os próprios testes realizados e cálculos efetuados para apuramento do valor de mercado dos bens. Neste caso, exigia-se, por isso, que a AT recorresse a peritos avaliadores alheios ao negócio para que apurassem o verdadeiro valor de mercado dos imóveis alienados pela Impugnante - o que não foi feito.
Ou seja: o raciocínio da AT é meramente presuntivo (como também o comprova as inúmeras referências à rácio média do sector de atividade), não tendo sido esse, seguramente, o método que o legislador erigiu no regime dos "preços de transferência”. Como se sabe, esse critério apenas foi eleito pelo legislador quando se verificam os pressupostos das correções por métodos indiretos - o que, neste caso, não se verifica; ou, pelo menos, não foi esse o critério a que a AT recorreu para efetuar as correções sindicadas.
Por outro lado, o raciocínio efetuado pela AT encontra-se viciado por desconsiderar a justificação apresentada pela Impugnante relativamente ao contexto global da operação e, note-se, desconsidera-o sem justificação bastante, uma vez que, como referido, a análise efetuada pela AT não assenta em qualquer método de análise imposto pela lei.
Com efeito, no caso dos autos, resultou da prova produzida, que as operações em análise tiveram impacto, não apenas no exercício de 2006, em causa nos autos, mas nos exercícios de 2005 a 2007, no contexto de alienação de ativos do património predial do M... (cfr. ponto 29 do probatório). Estes imóveis, como resulta dos considerandos do acordo, parcialmente transcrito no ponto 28 dos factos provados, encontravam-se arrendados, tendo sido objeto de obras autorizadas à atividade do Banco que, como ali se diz, "limita a possibilidade de aproveitamento por parte de qualquer outro interessado, nomeadamente, a existência de casa forte, cofres, divisões específicas para atendimento ao público, back office e outras”. Nesse acordo ficou ainda estabelecida uma cláusula de não concorrência, na medida em que o Banco pretendia que nas sucursais que iria encerrar não viessem a ser desenvolvidas atividades da mesma natureza durante um período de tempo razoável "o que se refletirá na restrição de venda ou aluguer dos ditos espaços por parte do Fundo”. Nessa medida, foi acordada uma compensação pecuniária (indemnização) destinada, não só a repor os espaços no estado em que se encontravam, mas também a compensar o (pelo menos, potencial) prejuízo decorrente da cláusula de não concorrência. Essas indemnizações, como reconhece a AT, foram recebidas pela Impugnante, o que representou, para esta, um encaixe financeiro de mais € 2.092.080,00 (cfr. ponto 26 do probatório). Ora, esse valor recebido pela Impugnante tem, necessariamente, que acrescer ao valor das aquisições efetuadas por esta aos Fundos - o que não foi considerado pela AT.
Acresce que, a análise que a AT faz, no quadro referido no ponto 26 do probatório, encerra outra petição de princípio, porquanto no resultado negativo que apresenta (no valor de € 478.302,85), apenas estão incluídos os 8 casos, que foram objeto de correção, e não, como deviam, os 10 que constituem as operações realizadas no exercício de 2006, que foram objeto de análise pela AT, uma vez que estas duas operações tiveram um saldo positivo de € 521.234,64 (cfr. ponto 6 do probatório).
Ou seja: tendo a Impugnante justificado o contexto da operação em causa, no quadro da sua atividade e estratégia comercial, a AT não pode apenas, por considerar "suspeitas” as realizações de compras e vendas no mesmo dia, por valores diferentes, e por estar perante entidades especialmente relacionadas, efetuar correções que desconsiderem todas as variáveis dos negócios celebrados.
Ora, à luz das regras do ónus da prova, podemos concluir que a AT não logrou demonstrar os demais pressupostos legais do art. 58° do CIRC (atual art. 63°), designadamente por não ter demonstrado que as operações em causa se desviaram das que, em condições normais de mercado, seriam celebradas entre entidades independentes.
Em conformidade, não estando demonstrados os pressupostos legais em que assentaram as correções, à luz do disposto nos arts. 58°, n.° 3 do CIRC e 4°, n.° 1, 2, 3 e 4 da Portaria n.° 1446-C/2001, é forçoso concluir que o ato de liquidação de IRC impugnado padece de erro nos pressupostos, de facto e de direito, pelo que procedem, nesta parte, as alegações da Impugnante.


Vejamos, então:

A Autoridade Tributária e Aduaneira com base no artigo 58º do CIRC (hoje artigo 63º do CIRC), na Portaria nº 1446-C/2001, de 21 de dezembro, e nas orientações da OCDE, corrigiu o declarado pela Impugnante, ora Recorrida, relativamente ao preço de compra dos imóveis em causa, e optou por eleger como método de determinação do preço, o método comparável de mercado.

Anote-se que se trata de uma operação vinculada [cf. artigo 1/3.b) da Portaria nº 1446-C/2001, de 21 de Dezembro], e que se considera como método mais apropriado para cada operação aquele que é suscetível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordos, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades selecionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequação justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis (cf. artigo 4/2 da Portaria citada).

De todo o modo, incumbe ao sujeito passivo a confirmação dos valores que seriam obtidos mediante a aplicação de outros métodos, de forma isolada ou combinada no caso de existirem dúvidas fundadas acerca da fiabilidade dos valores que seriam obtidos com a aplicação de um dado método (cf. artigo 4/4 da Portaria nº 1446-C/2001, de 21 de dezembro).

Ora, como é referido na sentença recorrida, a Impugnante, ora Recorrida, não cumpriu as obrigações acessórias que sobre si impendiam, mormente as relativas à organização e apresentação do dossier de preços de transferência.

O processo de documentação fiscal, referido no nº 6 do artigo 58º CIRC, encontra-se regulado nos artigos 13º a 16º da citada Portaria nº 1446-C/2001.

Com efeito, e como se refere no preambulo da Portaria nº 1446-C/2001, de 21 de dezembro: considerando que a eficiente aplicação das regras sobre preços de transferência requer um elevado grau de colaboração entre os contribuintes e a administração tributária, é dado particular relevo às obrigações relativas à informação e documentação que o sujeito passivo deve obter, produzir e manter para justificar a política adotada em matéria de preços de transferência. Todavia, a lista elaborada sobre informação e documentação relevante não é exaustiva, sendo legítima a expectativa, por parte da administração tributária, que o contribuinte possua, e possa fornecer para análise, os elementos que, perante os factos e circunstâncias concretas que caracterizam a sua atividade e num quadro de boas práticas comerciais e financeiras, deveria razoavelmente deter para determinar e comprovar a conduta adotada na fixação dos preços de transferência, sem que, no entanto, seja obrigado a incorrer em custos de observância desproporcionados.

E é precisamente aqui que a sentença recorrida claudica, porquanto o não cumprimento pelo contribuinte das obrigações acessórias, relativas à manutenção de um processo de documentação fiscal, se bem que não tenha como consequência a inversão do ónus da prova, dificulta a produção de prova por parte da Impugnante, ora Recorrida, quanto ao erro ou excesso de quantificação da matéria coletável.

Ficamos, pois, sem saber os motivos pelos quais no mesmo dia a Contribuinte comprou e vendeu o mesmo bem por valores tão dispares.

Assim, e na senda do já referenciado acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, no processo n° 07049/13, de 19.02.2015, autos nos quais a mesma contribuinte impugnou a liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 2005, consideramos que ao contrário do decidido na sentença sob recurso, a AF observou o ónus de fundamentação da correção em causa, seja através da análise topográfica das relações vinculadas em referência, seja através da justificação da escolha do método de comparação, pelo que recai sobre o contribuinte o ónus de demonstração do erro ou excesso na quantificação (artigo 74.º/3, da LGT). No cumprimento deste ónus, não aproveita ao impugnante uma atuação processual e, sobretudo, probatória, direcionada e orientada pelo, simplista e preguiçoso, objetivo de suscitar dúvida, ainda que fundada, sobre a quantificação do facto tributário. No caso, a recorrente não aduz factos concretos que permitam extrair a ilação de que os valores de compra apurados são errados e-ou excessivos, motivo porque se tem por incumprido o ónus referido.

Cabia, pois, à Impugnante, ora Recorrida, trazer ao processo elementos credíveis para afastar a escolha do método utilizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira para efetuar as correções que deram origem ao ato de liquidação impugnado.

Na verdade, para efetuar as correções que estão na base da liquidação adicional impugnada, ao abrigo do regime dos preços de transferência, a Autoridade Tributária e Aduaneira, tinha apenas que comprovar os pressupostos constantes do artigo 58º CIRC, ou seja, a existência de relações especiais entre o sujeito passivo e as entidades envolvidas, o que fez, e a divergência dos valores de aquisição e alienação, quando realizadas entre a Impugnante, ora Recorrida, e o valor pelo qual entidades independentes estariam dispostas a contratar.

Ora, tendo as aquisições e alienações dos bens ocorrido no mesmo dia, por preços diferentes, e dada a situação de relações especiais que se verificava entre ela e as entidades envolvidas, era de mediana prudência que o Contribuinte se precavesse e motivasse a divergência de preços verificada, nomeadamente apresentando o processo de documentação fiscal, para justificar que as aquisições dos bens foram efetuadas ao valor de mercado, o que não fez.

A sentença recorrida, que assim não decidiu, não pode manter-se, pelo que irá ser revogada.

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Por fim alega a Recorrente estarem reunidos os pressupostos para in casu ser dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final.

Para indeferir a requerida dispensa do pagamento da taxa de justiça a sentença recorrida considerou no presente processo de impugnação judicial, o julgamento da causa não se afigurou de uma simplicidade fora do normal, face à prova documental carreada para os autos e à necessidade de concatenação da referida prova com a apurada em sede de inspeção tributária, nem as questões jurídicas invocadas são lineares.
Por outro lado, e muito embora a conduta processual das Partes se tenha pautado por uma grande lisura, a ERFP não invoca que, neste caso, o montante da taxa de justiça devido a final se afigura desproporcional face ao serviço prestado, de forma a ser ponderada uma graduação casuística e prudencial do montante da taxa de justiça remanescente, tendo presente o descrito contexto processual.
Desta forma, por não se verificarem os requisitos previstos no art. 6°, n° 7 do RCP, indefere-se o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça efetuado pela ERFP.

Sobre esta matéria o Tribunal Constitucional tem vindo, de forma reiterada, declarar a inconstitucionalidade do regime das custas definido em função do valor da ação “sem qualquer limite máximo ao montante das custas, sempre que não se permita ao tribunal que limite o montante da taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcionado do montante em questão, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente do artigo 18.º, n.º2, segunda parte, da Constituição” (cfr., entre outros, Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 604/2013, de 24/09/2013, 227/2007, de 28/03/2007, 471/2007, de 25/09/2007, 116/2008, de 20/02/2008 e Acórdão do STA de 26/04/2012, processo n.º 0768/11).

Também a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, da qual se cita o Acórdão de 2017.02.01, proferido no processo nº 0891/16, que se acolhe, explicita “Nos casos em que o valor da causa excede € 275 000,00, justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida em 1.ª instância, quer na totalidade, quer numa fração ou percentagem, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP, se a conduta processual das partes não obstar a essa dispensa e se, não obstante a questão aí decidida não se afigurar de complexidade inferior à comum, o montante da taxa de justiça devida se afigurar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe”.

Assim, considerando a atividade desenvolvida no processo e a conduta processual das partes, face ao princípio da proporcionalidade, concluímos que no caso vertente se verificam os pressupostos para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça do artigo 6/7 do RCP.


Sumário/Conclusões:

I – Cumpre à Autoridade Tributária e Aduaneira a verificação dos pressupostos de aplicação da norma relativa a preços transferências averiguando da existência de relações especiais entre o Contribuinte e as entidades envolvidas, e que as operações efetuadas se afastaram das que ocorreriam entre entidades independentes e numa situação de plena concorrência.
II - Cabe ao sujeito passivo a demonstração de que foram respeitados os princípios inerentes aos preços de transferência, nomeadamente organizando e apresentando o processo de documentação fiscal, para justificar que as aquisições dos bens foram efetuadas ao valor de mercado.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação improcedente

Custas pela Recorrida, com dispensa do remanescente da taxa de justiça em ambas as instâncias.


[Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13 de março, o Relator atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores Vital Lopes e Luísa Soares - têm voto de conformidade.]

Lisboa, 16 de dezembro de 2020


Susana Barreto