Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:86/08.0BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:10/22/2020
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:VPT
REGIME TRANSITÓRIO
TEORIA DO APROVEITAMENTO DO ATO
AVALIAÇÃO GERAL
Sumário:
I. Nos termos do art.º 15.º do DL n.º 287/2003, de 12 de novembro, os prédios urbanos já inscritos na matriz seriam objeto de avaliação nos termos do CIMI aquando da primeira transmissão ocorrida já na sua vigência, enquanto não se procedesse à avaliação geral.

II. Tendo sido incorretamente considerados dois prédios como integrantes de uma determinada herança e apresentadas as respetivas declarações de inscrição ou atualização de prédio urbano pelo cabeça de casal dessa mesma herança, a avaliação efetuada ao abrigo do art.º 15.º mencionado em I. padece de erro sobre os pressupostos, porquanto não existiu qualquer transmissão.

III. A circunstância de o regime prever que se venha a desencadear uma avaliação geral dos prédios urbanos já inscritos na matriz não determina o aproveitamento da avaliação efetuada com base em erro sobre os pressupostos, não sendo possível apelar à teoria do aproveitamento do ato.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 29.12.2017, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Castelo Branco, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por M..... (doravante Recorrido ou Impugnante), que teve por objeto os atos de fixação de valores patrimoniais tributários (VPT) relativos aos prédios inscritos sob os artigos ..... e .....  da matriz predial urbana da freguesia de Vila Nova de Foz Côa.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

a) Foram violados pela douta sentença o artigo 15º do D.L. nº 287/2003, de 12/11, e os artigos 129º, 130º, 131º, 132º, 133º e 134º, todos do CIMI.

b) É impugnada nos presentes autos a fixação do valor patrimonial dos prédios inscritos sob os artigos ..... e ..... da matriz predial urbana da freguesia de Vila Nova de Foz Côa em virtude dos referidos prédios não deverem constar da participação de transmissões gratuitas apresentada pela cabeça de casal da herança aberta por óbito de J....., uma vez estes bens não fazerem parte da referida herança.

c) A reforma da tributação do património, iniciada com a publicação do D.L. nº 287/2003, de 12/11, tinha como um dos principais objectivos “promover a avaliação geral dos prédios urbanos”, estabelecendo o seu artigo 15/4, enquadrado no capítulo III sob a epígrafe de “regime transitório”, que “será promovida uma avaliação geral dos prédios urbanos, no prazo máximo de 10 anos após a entrada em vigor do CIMI”.

d) Prevendo ainda o nº 1 do mesmo artigo 15º daquele diploma que, “enquanto não se proceder à avaliação geral, os prédios urbanos já inscritos na matriz serão avaliados, nos termos do CIMI, aquando da primeira transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor, sem prejuízo, quanto a prédios arrendados, do disposto no artigo 17º”.

e) Ou seja, necessária e inelutavelmente, todos os prédios urbanos seriam objeto de avaliação após a entrada em vigor do novo CIMI em 01/12/2003, sem embargo da avaliação a efectuar aos prédios urbanos aquando da primeira transmissão ocorrida após a entrada em vigor do novo CIMI, os quais iriam reduzir o número de prédios a avaliar em sede de avaliação geral.

f) Foi o que sucedeu na situação em apreço após participação, para efeitos do imposto do selo, da herança aberta por óbito de J......

g) Assim, os prédios ora em apreço seriam sempre, necessariamente, objecto de avaliação de acordo com as novas regras de avaliação do valor patrimonial tributário, ainda que não com a causa antes enunciada.

h) Sendo que, com o decurso do tempo, os actos de fixação dos valores patrimoniais impugnados nos presentes autos não foram objecto de anulação, tendo os respectivos valores sido actualizados, conforme documentado nos autos.

i) Valores actualizados, e respectivas liquidações de IMI emitidas, em nome da herança indivisa de “E.....  – Cabeça de Casal da Herança de”, com o NIF ....., e por esta pagas, nunca tendo a mesma procedido, quer relativamente às actualizações de valores, quer em relação às respectivas liquidações de IMI, a quaisquer reclamações, nem das matrizes, nem das actualizações, nem das liquidações de IMI, nos termos e prazos previstos nos artigos 129º, 130º, 131º, 132º, 133º e 134º, todos do CIMI, deixando precludir os prazos aí previstos.

j) No que se refere aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, eles constam dos autos e da douta sentença”.

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais alegou a incompetência deste TCAS, em razão da hierarquia, e, no mais, pugnou pela manutenção da decisão sob escrutínio.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

Questão prévia suscitada pela Recorrida:
a) É este TCAS incompetente para conhecimento do recurso, em razão da hierarquia?

Questão suscitada pela Recorrente:
b) Verifica-se erro de julgamento, porquanto os atos de fixação do VPT não padecem de qualquer ilegalidade?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) Em 19/12/1997, na então Repartição de Finanças de Vila Nova de Foz Côa, foi instaurado o Processo de Liquidação do Imposto sobre as Sucessões e Doações com o N.º ....., por motivo de óbito de E....., ocorrido em 02/12/1997 [cf. doc. fls. 25 dos presentes autos].

B) Do termo de declaração que deu origem ao processo mencionado na alínea anterior, constam como sucessores do falecido: o cônjuge sobrevivo, M.....  (ora impugnante) e os descendentes, M....., viúva, C....., casada, M....., casada, e A....., casado [cf. doc. de fls. 26 dos presentes autos ou de fls. 5 do processo administrativo (PA) apenso, cujo teor aqui se dá como reproduzido].

C) Da relação de bens por óbito de E....., constam, além do mais, os prédios inscritos sob os artigos ..... e ..... da matriz predial urbana da freguesia de Vila Nova de Foz Côa [cf. doc. de fls. 28-frente e verso dos presentes autos ou de fls. 6 a 7 do PA apenso, cujo teor aqui se dá como reproduzido].

D) Em 18/04/2000, no Cartório Notarial de Vila Nova de Foz Côa, foi lavrada escritura de habilitação de herdeiros de E.....  [cf. doc. de fls. 30 a 33 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá como reproduzido].

E) Por óbito de J....., ocorrido em 22/08/2007, foi emitido, pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Foz Côa, comprovativo de participação de transmissões gratuitas de Imposto de Selo, constando como beneficiários da transmissão, C.....  e J....., na qualidade de descendentes do autor da transmissão [cf. doc. de fls. 16 a 18 do PA apenso, cujo teor aqui se dá como reproduzido].

F) Do anexo I do comprovativo de participação de transmissões gratuitas de Imposto de Selo mencionado na alínea anterior, constam relacionados, sob as verbas n.ºs 2 e 3, os prédios inscritos sob os artigos ..... e ..... da matriz predial urbana da freguesia de Vila Nova de Foz Côa [cf. doc. de fls. 17 do PA apenso, cujo teor aqui se dá como reproduzido].

G) Em 14/11/2007, no Serviço de Finanças de Foz Côa, foi apresentada, em nome de «J.....  - cabeça de casal da herança de», declaração para inscrição ou actualização de prédios urbanos para efeitos de IMI, por motivo de 1ª transmissão na vigência do IMI, relativa ao prédio inscrito sob o artigo ..... da matriz predial urbana da freguesia de Vila Nova de Foz Côa [cf. doc. de fls. 21 a 22 do PA apenso, cujo teor aqui se dá como reproduzido].

H) Em 14/11/2007, no Serviço de Finanças de Foz Côa, foi apresentada, em nome de «J.....  - cabeça de casal da herança de», declaração para inscrição ou actualização de prédios urbanos para efeitos de IMI, por motivo de 1ª transmissão na vigência do IMI, relativa ao prédio inscrito sob artigo ..... da matriz predial urbana da freguesia de Vila Nova de Foz Côa [cf. doc. de fls. 33 a 34 do PA apenso, cujo teor aqui se dá como reproduzido].

I) Em 26/11/2007, no Serviço de Finanças de Foz Côa, foi efectuada a 1ª avaliação [ficha n.º .....] do prédio inscrito sob o artigo ..... da matriz predial urbana da freguesia de Vila Nova de Foz Côa, por motivo de 1ª transmissão na vigência do IMI, tendo sido fixado o valor patrimonial tributário de 29.820,00€ [cf. doc. de fls. 29 a 30 do PA apenso].

J) Em 26/11/2007, no Serviço de Finanças de Foz Côa, foi efectuada a 1ª avaliação [ficha n.º .....] do prédio inscrito sob o artigo ..... da matriz predial urbana da freguesia de Vila Nova de Foz Côa, por motivo de 1ª transmissão na vigência do IMI, tendo sido fixado o valor patrimonial tributário de 9.840,00€ [cf. doc. de fls. 40 a 41 do PA apenso].

K) A impugnante foi notificada do resultado da avaliação do prédio inscrito sob o artigo ..... da matriz predial urbana da freguesia de Vila Nova de Foz Côa, através de ofício datado de 27/11/2007 [cf. doc. de fls. 19 dos autos].

L) A impugnante foi notificada do resultado da avaliação do prédio inscrito sob o artigo ..... da matriz predial urbana da freguesia de Vila Nova de Foz Côa, através de ofício datado de 27/11/2007 [cf. doc. de fls. 20 dos autos].

M) Em 28/12/2007 deu entrada no Serviço de Finanças de Vial Nova de Foz Côa, um requerimento apresentando pela impugnante, subscrito pelo seu mandatário, alegando que os prédios inscritos sob os artigos ..... e ..... da matriz predial urbana da freguesia de Vila Nova de Foz Côa integram a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de E....., conforme relação de bens apresentado no respectivo Processo de Imposto Sucessório e que o falecido J.....  nunca foi herdeiro de E....., concluindo que tais prédios não poderiam ser objecto de avaliação, por não se verificar qualquer transmissão na vigência do IMI, requerendo, a final, «a imediata notificação da cabeça de casal da herança aberta por óbito de J....., para proceder à rectificação de todos os documentos que erradamente apresentou nessa repartição de onde consta que os prédios urbanos acima identificados integram a herança aberta pelo identificado J..... …» [cf. fls. 2 a 4 do PA apenso, cujo teor aqui se dá como reproduzido].

N) Através de ofício subscrito pelo Chefe do Serviço de Finanças, datado de 06/01/2008, dirigido ao seu mandatário, a impugnante foi notificada do seguinte teor:

«Em face da petição apresentada neste Serviço de Finanças na qualidade de procurador de M.....  (…), cumpre-me informar V. Ex.ª. que notifiquei pessoalmente a Representante Legal de seu Filho menor e Cabeça de Casal C.....  (…) a Sr.ª. B.....  (…) relativamente à participação do Imposto de Selo Instaurado neste Serviço de Finanças por óbito de J....., ocorrido em 2007-08-22, a que coube o nº ....., nos termos do artigo 59º da Lei Geral Tributária do dever de colaboração dando-lhe cópia do seu pedido para no prazo de 10 (dez) dias úteis proceder às alterações requeridas por V. Ex.ª.

Acontece que expirado o prazo que lhe fora dado a referida representante não apresentou até à presente data qualquer alteração o que indica não pretender proceder às alterações solicitadas.

De conformidade com o estatuído no art. 26º do código do Imposto de Selo no seu nº 1 é o Cabeça de Casal que é obrigado a participar ao Serviço de Finanças competente o falecimento do autor da sucessão.

Do exposto comunico a V. Ex.º que a sua pretensão extravasa a nossa competência.

(…)».

[cf. fls. 11 do PA apenso].

O) Através da Ap. 1, de 04/01/2008, da Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Foz Côa, foi registada a aquisição, em comum e sem determinação de parte ou direito, a favor de A....., C....., M....., M.....  e M....., dos prédios inscritos sob os artigos .....  e .....  da matriz predial urbana da freguesia de Vila Nova de Foz Côa, por motivo de dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária, sendo sujeito passivo E.....  [cf. docs. de fls. 84 a 86 dos presentes autos].

P) A presente impugnação foi remetida ao Tribunal, por correio electrónico, em 19/02/2008 [cf. fls. 18 dos presentes autos]”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Não existem factos não provados com interesse para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto efectuou-se com base nos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo (PA) apenso, conforme discriminado em cada uma das alíneas dos factos provados”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da competência em razão da hierarquia

Cumpre, antes de mais, apreciar a (in)competência em razão da hierarquia deste TCAS, suscitada pela Recorrida nas suas contra-alegações, em virtude de, na sua perspetiva, estarem apenas em discussão questões de direito.

Vejamos.

Atento o disposto no art.º 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF – redação vigente à época):

“Compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer:

(…) b) Dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito”.

Por seu turno, prescreve o art.º 38.º, al. a), do mesmo diploma que:

“Compete à Secção de Contencioso Tributário de cada tribunal central administrativo conhecer:

a) Dos recursos de decisões dos tribunais tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.º”.

Por outro lado, nos termos do art.º 280.º, n.º 1, do CPPT (na redação então vigente):

“Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, no prazo de 10 dias, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, dentro do mesmo prazo, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo”.

Assim, compete ao Supremo Tribunal Administrativo o conhecimento de recursos, quando a matéria for exclusivamente de direito, competindo aos TCA o conhecimento dos demais.

Nos termos do art.º 16.º, n.º 1, do CPPT, a infração das regras de competência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do Tribunal.

Para a aferição da competência em razão da hierarquia é fundamental atentar nas alegações e conclusões do recurso.

In casu, não se acompanha o entendimento da Recorrida, atento, designadamente, o teor das conclusões h) e i), do qual resulta serem chamados à colação factos não considerados pelo Tribunal a quo.

Face ao exposto, improcede a exceção de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia.

Passando à apreciação do mérito do recurso.

III.B. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que sempre haveria lugar à avaliação de todos os prédios urbanos após a entrada em vigor do novo Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), mesmo que não fosse pela causa que levou à avaliação em discussão nos autos, acrescentando ainda que os atos de avaliação não foram anulados, tendo sido emitidas liquidações de IMI em conformidade com o valor patrimonial tributário.

In casu, estão em causa os atos de fixação de VPT relativos aos prédios inscritos sob os artigos ..... e ..... da matriz predial urbana da freguesia de Vila Nova de Foz Côa, uma vez que os mesmos foram objeto de avaliação, na sequência de alegada transmissão dos mesmos mortis causa, transmissão essa que, na verdade, não ocorreu.

Com efeito, e tal não é posto em causa, foram incorretamente relacionados os mencionados bens, na sequência da morte J.....  [cfr. facto E)], quando os mesmos não deviam integrar a herança [cfr. facto O)].

Nessa sequência, foram apresentadas declarações de inscrição ou atualização na matriz dos prédios em causa, pelo cabeça de casal da herança aberta por óbito de J.....  [cfr. factos G) e H)], o que veio dar origem às avaliações impugnadas, notificadas à Recorrida.

Vejamos então.

Com a reforma da tributação do património, de 2003, operou-se uma profunda alteração em termos de avaliação dos prédios urbanos.

Como resulta do preâmbulo do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, aprovado pelo DL n.º 287/2003, de 12 de novembro, um dos objetivos desta reforma foi o de aproximar o valor tributário dos prédios ao seu valor de mercado. Citando:

“O sistema de avaliações até agora vigente foi criado para uma sociedade que já não existe, de economia rural e onde a riqueza imobiliária era predominantemente rústica. Por essa razão, o regime legal de avaliação da propriedade urbana é profundamente lacunar e desajustado da realidade atual.

(…) Com este Código opera-se uma profunda reforma do sistema de avaliação da propriedade, em especial da propriedade urbana. Pela primeira vez em Portugal, o sistema fiscal passa a ser dotado de um quadro legal de avaliações totalmente assente em fatores objetivos, de grande simplicidade e coerência interna, e sem espaço para a subjetividade e discricionariedade do avaliador.

(…) Foram acolhidas, no essencial, as recomendações do relatório da Comissão de Desenvolvimento da Reforma Fiscal, bem como os critérios do anteprojeto do Código de Avaliações elaborado em 1991, atualizados mais tarde no âmbito da Comissão da Reforma da Tributação do Património, considerando-se, nomeadamente, a relevância do custo médio de construção, da área bruta de construção e da área não edificada adjacente, preço por metro quadrado, incluindo o valor do terreno, localização, qualidade e conforto da construção, vetustez e caraterísticas envolventes.

Estes fatores são complementados com zonamentos municipais específicos, correspondentes a áreas uniformes de valorização imobiliária, com vista a impedir a aplicação de fatores idênticos independentemente da localização de cada prédio e de cada município no território nacional.

(…) Os objetivos fundamentais das alterações propostas são, pois, o de criar um novo sistema de determinação do valor patrimonial dos imóveis, o de atualizar os seus valores e o de repartir de forma mais justa a tributação da propriedade imobiliária, principalmente no plano intergeracional.

(…) Os prédios urbanos novos e os que forem transmitidos no domínio de vigência do CIMI serão objeto de avaliação com base nas novas regras de avaliação …”.

Nos termos do art.º 15.º do mesmo DL n.º 287/2003, de 12 de novembro (na redação anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 60-A/2011, de 30 de novembro):

“1 - Enquanto não se proceder à avaliação geral, os prédios urbanos já inscritos na matriz serão avaliados, nos termos do CIMI, aquando da primeira transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor.

(…) 4 - Será promovida uma avaliação geral dos prédios urbanos, no prazo máximo de 10 anos após a entrada em vigor do CIMI”.

Com a Lei n.º 60-A/2011, de 30 de novembro, foi aditado um n.º 10 ao mencionado art.º 15.º, nos termos do qual “[f]icam abrangidos pela avaliação geral os prédios urbanos que em 1 de dezembro de 2011 não tenham sido avaliados e em relação aos quais não tenha sido iniciado procedimento de avaliação, nos termos do CIMI”. Foram igualmente aditados os art.ºs 15.º-A a 15.º-P, nos quais foram definidos os termos norteadores da avaliação geral.

Assim, com a entrada em vigor do CIMI, em termos de avaliações de prédios urbanos ao abrigo dos parâmetros definidos neste código, duas situações podiam suceder, quanto a prédios já inscritos:
a) Se os mesmos fossem objeto de transmissão, eram nesse momento avaliados;
b) Não o sendo, seriam objeto da avaliação geral, que, como vimos, teve como data de referência o dia 01.12.2011.

Tem sido igualmente entendido que, ocorrendo uma das circunstâncias previstas no art.º 13.º do CIMI, poderia operar-se à avaliação [cfr. neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03.05.2017 (Processo: 0996/16)], situação não aplicável in casu, desde logo por nunca ter sequer sido alegada a existência de nenhuma das circunstâncias aí referidas. Aliás, sublinhe-se, as declarações mencionadas em G) e H) do probatório foram apresentadas por quem não tinha legitimidade para o efeito, dado que, como não é controvertido, os prédios não integravam a herança de J......

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, não é contestado que os prédios inscritos sob os artigos .....  e ..... da matriz predial urbana da freguesia de Vila Nova de Foz Côa foram avaliados, na sequência da morte de J....., ocorrida a 22.08.2007, quando os mesmos não integravam a sua herança.

Logo, não é controvertido que não ocorreu transmissão mortis causa dos referidos bens naquela data.

Não obstante, atento o referido de F) a H) do probatório, foi desencadeado um procedimento de avaliação dos referidos prédios (na sequência da apresentação de declarações por quem não tinha legitimidade para o efeito), que deu origem às avaliações referidas em I) e J), no seguimento do que foi apresentado o requerimento referido em M) do probatório, onde foi invocado justamente o erro sobre os pressupostos de facto. Ou seja, a Recorrida veio alegar que os apresentantes da documentação relativa ao óbito de J.....  tinham indicado aqueles prédios por erro, o que deveria ser sanado pela administração tributária.

Ora, esse erro sobre os pressupostos de facto efetivamente existiu: repetimos, não é controvertido que os bens não integravam a herança de J....., pelo que não se reuniam os pressupostos previstos no art.º 15.º, n.º 1, do DL n.º 287/2003, de 12 de novembro.

Alega a este respeito a Recorrente que, de todo o modo, os prédios sempre seriam objeto da avaliação geral prevista no DL n.º 287/2003, de 12 de novembro. Ou seja, ainda que inominadamente, chama a Recorrente à colação a teoria do aproveitamento do ato.

Nos termos da mencionada teoria, verifica-se uma inoperância da força invalidante do vício que inquina o ato, em virtude da preponderância do conteúdo sobre a forma. Assim, quando em relação a um determinado ato, que padeça de ilegalidade formal ou externa, se possa afirmar inequivocamente que o ato só podia ter o conteúdo que teve em concreto, a essa invalidade não é operante, em virtude da conformidade substancial do ato praticado[1].

Ora, tal teoria não é aplicável in casu.

Desde logo, o vício que inquina o ato é um vício de substância, de erro sobre os pressupostos de facto.

Por outro lado, nem sequer é aferível que, em 2011, data por referência à qual foi determinada a avaliação geral dos prédios urbanos, o VPT a fixar aos prédios em causa fosse o mesmo que foi fixado em 2007.

Refere ainda a Recorrente que, de todo o modo, o VPT tem vindo a ser atualizado e têm vindo a ser emitidas liquidações de IMI com base no mesmo. Veja-se que, do ponto de vista da matéria de facto provada, nada consta a este propósito, sendo que não se pode considerar a decisão da matéria de facto impugnada, uma vez que não foram minimamente cumpridos os requisitos previstos no art.º 640.º do CPC.

De todo o modo, carece de qualquer relevância o alegado a este propósito, uma vez que o que está em causa nos presentes autos é a fixação de um determinado VPT e não outros atos ulteriores, sendo certo que a anulação do ato de fixação do VPT comporta sempre a anulação dos atos dele dependentes (onde naturalmente se incluem as suas atualizações e liquidações emitidas com base no mesmo), o que é aferível em sede de execução de julgado. Aliás, a sentença recorrida é clara ao referir que “[d]a anulação dos actos impugnados resultará para a Administração Tributária o dever de extrair todas as consequências legais com vista à reconstituição da legalidade”.

Logo, carece de razão a Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
a) Negar provimento ao recurso;
b) Custas pela Recorrente;
c) Registe e notifique.


Lisboa, 22 de outubro de 2020


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores António Patkoczy e Mário Rebelo]

Tânia Meireles da Cunha


_______________________
[1] Cfr. José Carlos Vieira de Andrade, O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, Almedina, Coimbra, 2007, pp. 329 a 336. V. a este propósito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28.03.2019 (Processo: 24/08.0BELRS).