Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1455/10.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/22/2018
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IRS
MAIS-VALIAS
Sumário:Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias (vistas enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma actividade produtiva, mas que têm algum significado económico e sendo passíveis de controlo pela A. Fiscal, nestas se incluindo as mais-valias prediais) e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

HELENA ... e a FAZENDA PÚBLICA, com os demais sinais nos autos, vêm recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada por Helena ... contra o despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º RGP 295/08 (Rec. 018/07) e, contra os actos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e de Juros Compensatórios do ano de 2002.

A Recorrente Helena ..., apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:
«Conclusões
A) Vem o presente Recurso interposto da Sentença proferida, em 15 de Fevereiro de 2016, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no âmbito do processo de impugnação judicial n.° 1455/10.0BELRS que julgou parcialmente (im)procedente a Impugnação Judicial deduzida, mantendo parcialmente os actos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e de Juros Compensatórios do ano de 2002, n.°s 2006 5004582322 e 2006 2421311, respectivamente:
B) Não pode, contudo, a ora recorrente conformar-se com a Sentença
recorrida na parte que mantém (parcialmente) os actos tributários
supra,
porque praticados em erro sobre os pressupostos, de facto e de direito, e,
bem assim, por padecer de vícios que deverão conduzir à revogação da
Decisão da Primeira Instância com a consequente anulação dos actos de
liquidação cuja legalidade se contesta;

C) Conforme demonstrado nos presentes autos, os actos de liquidação em
apreço padecem de vício de violação de lei, em virtude de os mesmos não
terem sido validamente notificados à
recorrente no prazo legal de
caducidade do direito do Estado à liquidação resultando violado o disposto
no artigo 45.° da Lei Geral Tributária;

D) Com efeito, ficou demonstrado, através da junção aos autos do documento
2, que a ora
recorrente só foi notificada de um print do sistema
informático relativo aos actos de liquidação de IRS e de Juros
Compensatórios referentes ao ano de 2002, pelo sempre se teria de
considerar que a Administração Tributária não logrou notificar a
recorrente dos actos de liquidação de IRS e de Juros Compensatórios,
referentes ao ano de 2002, dentro do prazo de caducidade previsto no
artigo 45.°, n.° 1, da Lei Geral Tributária;

E) Os actos de liquidação impugnados padecem, ainda, de vício de violação de
lei, sendo, por isso, nulos, pelo facto de os mesmos não se encontrarem
assinados, em violação do disposto na alínea g), do n.° 1 do artigo 123.° do Código do Procedimento Administrativo, actual, artigo 151.°, n.° 1, alínea g), daquele diploma legal e do artigo 266.° da Constituição da República Portuguesa;

F) Os referidos actos de liquidação padecem, ainda, de vício de violação de lei,
dado que a
recorrente não obteve ganhos, nem rendimentos, relativos ao
indicado imóvel na data da outorga da escritura pública de compra e venda,
à qual foi totalmente alheia e não teve conhecimento da realização;

G) Com efeito, ficou demonstrado nos autos que, com a celebração do contrato-promessa de compra e venda, datado de 25 de Março de 1996 (cfr. Doc. 12, junto com a petição inicial), verificou-se a tradição - com a consequente transmissão da posse - do imóvel aqui em causa para o promitente-comprador;
H) A ora recorrente logrou, ainda, demonstrar que o contrato-promessa de compra e venda em apreço, consignou, expressamente, a possibilidade de a escritura de compra e venda ser substituída por uma procuração a favor do promitente-comprador Senhor Jaime ..., conferindo-lhe plenos poderes para dispor do imóvel nos termos que entendesse, a qual veio a ser outorgada, no dia 23 de Maio de 1997, entre outros, pela ora recorrente;
I) Assim, na data da outorga da mencionada procuração, em 1997 - e, portanto, sempre antes do ano 2002 -, verificou-se a tradição do referido imóvel em benefício do Senhor Jaime ..., tendo este deixado, a partir desse momento, de dar conhecimento à recorrente, ou a qualquer dos restantes proprietários - por a isso não estar obrigado -, de qualquer facto relacionado com esse mesmo imóvel;
J) Deste modo, é inequívoco que só muito posteriormente a ora recorrente tomou conhecimento de que o imóvel que anteriormente vendera ao senhor Jaime ... em 1997, fora transaccionado no ano de 2002;
K) Ficou, ainda, demonstrado que a ora recorrente nada recebeu do valor de venda constante da escritura de compra e venda outorgada em 30 de Dezembro de 2002, à qual é totalmente alheia e apenas tomou conhecimento através das notificações promovidas pela Administração Tributária;
L) Ou seja, na esfera patrimonial da recorrente, apenas se verificou a entrada, como valor de realização - e em 1997 - do montante correspondente à sua quota-parte (1/6) na referida importância de € 798.076,64, devendo, portanto, o seu acréscimo patrimonial, para efeitos de tributação em sede de IRS, ser determinado em conformidade e imputado ao ano em que foi efectivamente concretizado, ou seja, 1997 (neste sentido, veja-se, ainda, o que relatou o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, em 03.11.2005, Processo n.° 201/04, in www.dgsi.pt);
M) Ficou, ainda, demonstrado nos autos que aquele valor se reportava não só ao bem imóvel objecto da escritura de compra e venda em apreço, mas também por um outro prédio rústico denominado "... - n.° 54 - secção B (antigo 527) da Matriz Predial Rústica da Freguesia da ...";
N) Assim, tendo em consideração as respectivas áreas matriciais, à míngua de outro critério objectivo, ao bem imóvel em apreço nos presentes autos corresponderá, apenas, o valor de € 317.942,49 (Esc.: 63.741.746,15);
O) Deverá, pois, concluir-se que o único acréscimo patrimonial relativo ao imóvel em apreço verificado na esfera da ora RECORRENTE - e, assim, portanto, susceptível de poder ser qualificado como rendimento para efeitos de tributação em sede de IRS - é o resultante do efectivo recebimento de 1/6 do valor acordado com os promitente-comprador e procurador para a venda desse mesmo imóvel em 1997, constituindo a diferença entre este valor e o constante da escritura de compra e venda outorgada em 3 de Fevereiro de 2002, rendimento, sim, mas dos promitentes-compradores/procuradores dos proprietários;
P) Na impossibilidade de incidência do IRS sobre realidades não compreendidas nesse conceito económico de rendimento acréscimo, como, in casu, sucede relativamente à recorrente, deverá subsumir-se as referidas situações factuais no disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 10.° do Código do IRS;

Q) Por força do mesmo, o ganho imputável à recorrente a título de mais-valia relativa aos imóvel aqui em causa foi obtido no ano de 1997 e o valor de realização que deveria, assim, servir para determinar a sua mais-valia obtida nesse mencionado ano é o de, respectivamente: 1/6 de € 317.942,49;
R) Correspectivamente, o procurador/promitente-comprador deveria ser
tributado, em sede da Categoria B do Código do IRS, pelo rendimento
constituído pela diferença entre o valor de venda constante da escritura pública de compra e venda sob análise e o preço pelo qual obtiveram o imóvel objecto dessa escritura pública (cfr. alínea a) do n.° 1 do artigo 1.° do Código do IRS);

S) Atendendo ao facto de o valor de venda - € 2.493.989,49 - constante da escritura pública de compra e venda em 30 de Dezembro de 2002, ter sido rectificado para € 249.398,95, correcção a que a ora recorrente é totalmente alheia, a mais-valia imputada à recorrente, foi, por conseguinte, pelo Tribunal a quo, num consistente raciocínio, determinada de acordo com este facto superveniente;
T) Tendo o Tribunal a quo, por conseguinte, julgado parcialmente procedente a Impugnação Judicial em análise e, em consequência, determinado a anulação parcial dos actos de liquidação impugnados, recorrendo, para o efeito, à regra da admissibilidade da anulação parcial do acto de liquidação de imposto, por apelo à divisibilidade do acto tributário.
U) Contudo, deverá, pois, concluir-se, acompanhando a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, e ao contrário do que entende o Tribunal a quo, pela unicidade do acto de liquidação, não podendo o acto de liquidação ora em apreço permanecer na ordem jurídica, uma vez que se encontra ferido de ilegalidade (cfr. Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 31 de Outubro de 2007, no Processo n.° 660/07 - 40);
V) Encontra-se igualmente demonstrado o vício de forma decorrente da insuficiente fundamentação da decisão de tributação e com desconsideração de factos supervenientes, atento o disposto no artigo 77.° da Lei Geral Tributária;
W) Logrou, ainda, demonstrar-se vício de violação de lei, por se desconsiderar os ganhos obtidos pelos procuradores/promitentes-compradores como despesas inerentes à alienação efectivamente suportadas pela recorrente, nos termos da alínea a) do artigo 51.° do Código do IRS;
X) Padecem, igualmente, os actos de liquidação em apreço de vício de violação de lei por se desconsiderar os encargos realizados com a valorização dos imóveis, nos termos da mesma alínea a) do artigo 51° do Código do l RS;
Y) No pressuposto, errado, de que os actos praticados pelos procuradores se têm como praticados pela recorrente, então, ter-se-ia que concluir que os alegados ganhos sujeitos a imposto são fruto de uma actividade comercial, e não fortuitos, ou seja, seriam enquadráveis no artigo 4.°, n.° 1, alínea g) e não no artigo 9.°, n.° 1, alínea a), e no artigo 10.°, n.° 1, alínea a), todos do Código do IRS;
Z) Os actos de liquidação em apreço padecem, igualmente, de vício de violação de lei por inexistir, na esfera da recorrente, a capacidade contributiva e o acréscimo patrimonial pretendidos pela Administração tributária, nos termos do disposto no artigo 104.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa;

AA) Por último, padece o acto de liquidação de juros compensatórios de vício de forma, por preterição de formalidade essencial e falta de fundamentação, nos termos do disposto no artigo 35.°, n.° 1, da Lei Geral Tributária;

BB) Deverá, ainda, ser reconhecido o direito da recorrente ao ressarcimento dos custos com a prestação, indevida, de garantia bancária para suspensão do processo de execução fiscal n.° ....

nestes termos e nos melhores de direito, deverá o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida na parte julgada improcedente e substituída a mesma por uma decisão que dê total provimento à pretensão da recorrente, com as demais consequências legais.»

A Recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.

*
A Recorrente Fazenda Pública, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

«CONCLUSÕES:

I - Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou parcialmente procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, sendo o objecto de recurso versa sobra a parte em que foi julgada procedente, isto é, sendo inconclusiva os elementos recebidos das instituições bancárias, cabia à Impugnante provar que o preço de venda do bem em causa nos presentes autos tinha sido de Esc. 160.000.000,00 ou outro diferente do que consta da escritura de rectificação outorgada em 2004 (cfr. art.° 74.°, n.° 1 da LGT e art.° 342, n.° 1 do CC), prova que não logrou fazer.
Não há assim, como não considerar o valor rectificado de € 249.398,95 (cfr. art.°s 80.°, n.° 2 al. b) e 132.°, n.°1 e 2, l. f) do CN).
II - Neste âmbito, o thema decidendum, consiste m saber se o preço de venda foi de Esc. 160.000.000$00 ou de € 249.398,95 tal como consta da escritura de rectificação.

III - A Fazenda Pública considera que, face aos elementos constantes nos vários relatórios de inspecção aos vendedores sobre as mais valias dos prédios ..., prédios rústicos, sitos na freguesia de
..., concelho de Amadora, em que foram os próprios vendedores a declarar, em sede de direito de audição, que o preço acordado foi de 160.000.000$00, (€ 798.076,64) não se vê como não posa ser
este o valor de realização uma vez que o montante da escritura rectificada (€ 249.398,95) é manifestamente inferior em cerca de € 550.000,00, noa tendo sido gerada nem declarada uma menos
valia.

IV - Assim sendo, a Fazenda provou, tal como os vendedores entre eles, inclusive a impugnante, provaram que o preço foi de € 798.076,64 pelo que o valor constante da escritura de rectificação deveria ser, no mínimo pelo mesmo montante ou por montante superior e não pelo valor de € 249.398,95, devendo aquele ser considerado para efeitos de mais valias, pelo que deverá a douta sentença ser revogada por outra.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a Impugnação improcedente, com as devidas consequências legais.
PORÉM V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA»

A Recorrida, Helena ..., apresentou as suas contra-alegações, e formulou as seguintes conclusões:

a) O presente recurso foi interposto, pela Fazenda Pública, da douta decisão proferida no âmbito do processo de Impugnação Judicial n.° 1455/10.0BELRS, do Tribunal Tributário de Lisboa em que a RECORRIDA impugna os actos de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e de Juros Compensatórios do ano de 2002, n.°s 2006 5004582322 e 2006 2421311, respectivamente, e, bem assim, o despacho da Senhora Directora de Finanças Adjunta de 10 de Maio de 2010, nos termos do qual foi indeferida a reclamação graciosa, apresentada contra os mesmos actos tributários, que antecedeu a impugnação judicial, na qual se peticionava a anulação dos actos de liquidação supra identificados;
b) Por decisão proferida nos presentes autos de impugnação, em 15 de Fevereiro de 2016, foi julgada parcialmente procedente a presente
impugnação judicial e, em consequência, anular parcialmente os actos de
liquidação impugnados (cf. página 34 da Sentença recorrida);

c) Resulta, ainda, da douta Sentença recorrida que "No caso vertente, tendo a
análise dos elementos recebidos das instituições bancárias sido
inconclusiva, cabia à Impugnante provar que o preço da venda do bem em
causa nos presentes autos tinha sido de Esc. 160.000.000,00 ou outro
diferente do que consta da escritura de rectificação outorgada em 2004 (cf. artigo 74.°, n.°1, da LGT e artigo 342.°, n.°1, do CC), prova que não logrou fazer." (cf. página 32 da Sentença recorrida);

d) Não havendo, assim, "(...) como não considerar o valor rectificado de
€ 249.398,95 (cf. artigos 80.°, n.° 2, alínea b) e 132.°, n.°s 1 e 2 , alínea f) do
CN), não relevando decisivamente que não se tenha dado pelo lapso
aquando da emissão da factura para pagamento do imposto de selo " (cf.
página 32 da Sentença recorrida);

e) Pelo que,"(...) sempre deveria a liquidação efectuada ter tido em conta esse
valor rectificado constante da escritura outorgada em momento anterior ao
dos actos de liquidação, padecendo os actos de liquidação impugnados do
invocado vicio de violação de lei, por erro na determinação da mais valia
imputada à Impugnante" (cf. página 32 da Sentença recorrida);

f) Contra esta decisão, a recorrente interpôs o presente recurso,
sustentando que, "o thema decidendum, assenta em saber se a transmissão
foi efectuada por 160.000.000$00 (€ 798.076,64) e, assim sendo, o valor
da escritura não poderia ser inferior, ou seja, a escritura rectificada pelo
montante de € 249.398,95 não deverá proceder pois o valor correcto será o
constante da 1
a escritura, isso é, no montante de € 2.493.989,49"
(cf. página 3 das alegações de recurso da
recorrente).
g) Sucede, porém, que, o entendimento sufragado pelo recorrente no recurso
interposto deve ser julgado improcedente, mantendo-se a douta Sentença
recorrida;

h) A titulo prévio não pode deixar de se sublinhar, uma vez mais, e em linha com a douta Sentença objecto de recurso e, bem assim, no sentido propugnado pela recorrida que, relativamente à determinação da mais-valia imputada à recorrida, dada a prova produzida nos presentes autos, não há, assim, como não considerar o valor rectificado de € 249.398,95;

i) Com efeito, a recorrente logrou demonstrar que, sendo a escritura pública um documento escrito que obedece ao formalismo prescrito e que é lavrada por notário ou por quem estiver num exercício legalmente autorizado da função notarial - isto é, que cumpre todos os requisitos enunciados no n.° 2 do artigo 363.° do CC - deverá concluir-se que é um documento autêntico;
j) Sendo que, de acordo com a alínea b), n.° 2, do artigo 80.° do Código do Notariado (C.N), " (...) devem especialmente celebrar-se por escritura
pública: (...) Os actos que importem revogação, rectificação ou alteração de
negócios que, por força da lei ou por vontade das partes, tenham sidocelebrados por escritura pública, sem prejuízo do disposto nos artigos 221.°

e 222.° do Código Civil";
k) Ainda nos termos da alínea g) do n.° 1 do artigo 131.° daquele diploma, são averbados aos instrumentos a que respeitam: os actos notariais que envolvam aceitação, ratificação, rectificação, aditamento ou revogação de acto anterior;
l) Deverá, pois, concluir-se que, tendo sido validamente cumpridas as referidas formalidades, não se compreende, nem concede, a suspeição levantada pela ora recorrente, relativamente ao valor de € 249.398,95, da escritura rectificada;
m) Aliás, conforme facto considerado como provado pela Sentença recorrida, "Em 15 de Dezembro de 2004, foi celebrada escritura de rectificação em que Jaime ..., como procurador da Impugnante [ora RECORRIDA] e outros, declarou que o preço constante da escritura de 2002 fora indicado como sendo de € 2.493.989,49, quando o preço ajustado e pago fora efectivamente de € 249.398,95 (cf. fls. 60 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)" (cf. pág. 22 da Sentença recorrida);
n) Acresce que, a força probatória que a lei confere ao documento autêntico é, consabidamente, a plena;

o) No que toca à força probatória material - que é a respeitante ao conteúdo do documento - rege, como é sabido, o artigo 371.° do CC, pelo que ficam plenamente comprovados na escritura os factos que o notário diz ter praticado ou de que se certificou, bem como as declarações que menciona terem sido feitas pelos outorgantes;
p) Por outro lado, sempre se diga, nos termos do disposto no artigo 372.° do CC, que a força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade, prova essa que nunca foi produzida nos presentes autos;
q) Assim sendo, e ao contrário do defendido pela recorrente, não vê a recorrida como poderia ser considerado após, a escritura de rectificação, o valor de realização de € 2.493.989,49;
r) Uma vez que, como se refere na Sentença recorrida, "Não há, assim, como não considerar o valor rectificado de € 249.398,95 (cf. artigos 80.°, n.° 2, alínea b) e 132.°, n.°s l e 2, alínea f) do CN), não relevando decisivamente que não se tenha dado pelo lapso aquando da emissão da factura para pagamento do imposto do selo" (cf. pág. 32 da Sentença recorrida);
s) A ora recorrida logrou, ainda, demonstrar que, não poderá ser acolhido o argumento gizado pela recorrente, de que ao "(...) não ser considerado o montante de € 798.076,64 como valor de realização ter-se-ia de declarar uma menos-valia uma vez que o preço constante da escritura de rectificação foi de € 249.398,95, sendo a menos valia de € 550.000,00, o que não foi feito" (cf. página 5 das alegações de recurso da RECORRENTE);

t) Com efeito, não pode a recorrente afastar o conteúdo da escritura de rectificação mediante a mera invocação de que foi apurada uma menos-valia não considerada pela recorrida, uma vez que a força plena da escritura de rectificação não é, evidentemente, afastada por esta via;

u) Por fim, importa sublinhar que, como bem referiu a douta Sentença recorrida "Assenta a convicção do Tribunal no exame dos documentos e informações constantes dos autos e do PAT apenso, atenta a fé que merecem e o facto de não terem sido impugnados, nos depoimentos das testemunhas inquiridas, os quais se revelaram isentos e credíveis, na parte relevada, tal como referido em cada letra do probatório" (cf. pág. 26 da Sentença recorrida).
v) Deverá, pois, concluir-se que a douta Sentença recorrida não merece qualquer reparo na parte em que considera que, por força da escritura de rectificação, o valor da mais-valia a considerar é de € 249.398,95 e não de € 2.493.989,49.

nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, sempre com o douto suprimento de vossas excelências, deverá ser considerado improcedente o recurso apresentado pela recorrente, e assim, confirmada a douta sentença recorrida na parte em que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra os actos de liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e de juros compensatórios do ano de 2002, n.°s 2006 5004582322 E 2006 2421311, RESPECTIVAMENTE, E, BEM ASSIM, O DESPACHO DA SENHORA DIRECTORA DE FINANÇAS adjunta de 10 de maio de 2010, nos termos do qual foi indeferida a reclamação graciosa, apresentada contra os mesmos actos tributários, com as demais
CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.»

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Foram os autos a vista da Magistrada do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões invocadas pelo Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:

Recurso da Impugnante: erro de julgamento de facto e de direito da sentença recorrida, porquanto, se verifica a falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade, violando-se o art. 45.º da LGT [conclusões A) a D)], os actos de liquidação são nulos por não se encontrarem assinados, violando-se a alínea g), do n.º 1, do art. 123.º do CPA e art. 226.º da CRP [conclusões E)], a Impugnante não obteve ganhos, nem rendimentos referente ao imóvel em causa, violando-se o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS e o princípio da capacidade contributiva [conclusões F) a Z)], e falta de fundamentação, por vício de forma, da liquidação de juros compensatórios, violando-se o disposto no art. 35.º, n.º 1 da LGT [conclusão AA], e deverá ser reconhecido o direito da Recorrente ao ressarcimento dos custos com a prestação indevida de garantia bancária [conclusão BB)];

Recurso da Fazenda Pública: erro de julgamento de facto e de direito, porquanto cabia à Impugnante provar que o preço de venda do bem em causa nos presentes autos tinha sido o que consta da escritura de rectificação outorgada em 2004 (cfr. art. 74.°, n.° 1 da LGT e art. 342, n.° 1 do CC), prova que não logrou fazer, não havendo como não considerar o valor rectificado.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A) De Facto

Com interesse para a decisão a proferir, consideram-se provados os factos referidos no relatório supra e, bem assim, os seguintes:

A. Em 25 de Março de 1996, foi celebrado, entre Vasco António ..., Fernando ..., Maria José ..., Rui ... e Maria ..., na qualidade de promitentes vendedores e Jaime ..., na qualidade de promitente comprador, contrato promessa de compra e venda, no qual as partes se comprometeram, respectivamente, a vender e a comprar, pelo preço de Esc. 160.000,00, dois terrenos rústicos: a) um terreno, à ..., denominado “...”, inscrito na matriz predial rústica, da freguesia da ..., ..., concelho da Amadora, sob o n.º 9-secção E (artigo 317); b) um terreno na ...-..., denominado “...” inscrita na matriz predial Rústica da freguesia da ..., concelho da Amadora, sob o n.º 54-secção B (artigo 527) (cf. doc. 12, junto com a p. i., a fls. 186 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

B. De acordo com a cláusula segunda do contrato referido em A) supra, “os promitentes-vendedores receberam, nesta data, do promitente-comprador, como sinal e princípio de pagamento, a quantia de trinta milhões de escudos” (cf. doc. 12, junto com a p. i., a fls. 186 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

C. De acordo com a cláusula terceira do contrato referido em A) supra, “o pagamento do remanescente, pelo promitente-comprador aos promitentes vendedores, correspondente à quantia de cento e trinta milhões de escudos, será feito em duas prestações a realizar até ao acto de efectivação da escritura definitiva de compra e venda (ou da procuração de venda, conforme desejo do promitente comprador), acto este que será realizado até cento e oitenta dias contados igualmente a partir da data da assinatura deste contrato, ressalvando-se, relativamente a este último prazo, diferimentos causados por impedimentos de carácter administrativo relativamente aos promitentes vendedores” (cf. doc. 12, junto com a p. i., a fls. 186 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

D. De acordo com a cláusula oitava do contrato referido em A) supra, “a escritura definitiva será feita em nome do promitente-comprador ou de quem ele indicar. Esta escritura poderá, por desejo do promitente-comprador, ser substituída por procuração de venda passada a favor dos promitentes vendedores que o habilite a oportunamente efectuar a correspondente escritura” (cf. doc. 12, junto com a p. i., a fls. 186 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
E. O contrato-promessa referido em A) supra não se encontra assinado (cf. doc. 12, junto com a p. i., a fls. 186 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
F. Em 23 de Maio de 1997, foi outorgada pela Impugnante e outros procuração conferindo a Jaime ... os poderes necessários para vender, entre outros, o prédio rústico denominado “...” identificado em a) A) supra, “pelas cláusulas e condições que entender, outorgando a escritura de compra e venda para quem entender, inclusive para si próprio”; refere-se no instrumento notarial respectivo que a procuração conferida é irrevogável e que os poderes nela conferidos não caducarão por morte ou interdição, ou inabilitação dos mandantes (cf. doc. 13, junto com a p. i., a fls. 188 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

G. Em 30 de Dezembro de 2002, foi outorgada escritura de compra e venda, na qual Jaime ..., como procurador, entre outros, da Impugnante, declarou que, pelo preço de € 2.493.989,49, já recebido, para os seus representados, vende à sociedade ..., Planeamento e Construção, Lda., representada no acto por António ..., o prédio rústico denominado “...” referido em a) A) supra, declarando o comprador que “para a sua representada, aceita esta venda, nos termos exarados e que o imóvel se destina a revenda” (cf. fls. 80 e segs. do doc. 7, junto com a p. i., a fls. 71 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
H. A sociedade ..., Planeamento e Construção, Lda., teve o seu início de actividade em 10 de Dezembro de 2001 (cf. fl. 463 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
I. Na sequência de uma acção inspectiva efectuada à ora Impugnante relativa ao exercício de 2002, que teve por base a ordem de serviço n.º 200601362, de 16 de Março de 2006, com vista ao controlo fiscal interno dos rendimentos derivados da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis - Categoria G, apuraram os Serviços de Inspecção que o sujeito passivo, embora tendo entregue a declaração de rendimentos Mod. 3 de IRS do exercício em causa, acompanhada dos Anexos “A”, “B”, “E” e “F”, não declarou a alienação da sua quota parte de 1/6, correspondente a € 415.664,92 do prédio rústico identificado em a) A) supra, adquirido a título gratuito, por óbito de Hermínia ... ocorrido em 21 de Janeiro de 1989, conforme processo de Imposto Sucessório n.º 3337, instaurado no .. Serviço de Finanças de Lisboa (cf. doc. 7, junto com a p. i., a fls. 71 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

J. Através do ofício n.º 16 de 3 de Janeiro de 2005, enviado para a Av. …, 97, 8 Dto., Lisboa, a Impugnante foi notificada para apresentar Declaração de Rendimentos Mod. 3 de substituição, incluindo, para além dos anexos apresentados com a 1ª declaração, o anexo “G” reflectindo a transmissão do prédio rústico acima identificado (cf. doc. 3, junto com a p. i., a fl. 64, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

K. Em 18 de Janeiro de 2005, a Impugnante apresentou requerimento no qual, entre o mais, pediu esclarecimentos “sobre os motivos do requerido no mencionado ofício n.º 00016, designadamente mediante o envio de cópia da escritura de compra e venda identificada nesse citado ofício” (cf. doc. 4, junto com a p. i., a fls. 65 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
L. A Administração Tributária concluiu estar perante uma transmissão de um imóvel rústico, adquirido pelo sujeito passivo por forma gratuita, na proporção de 1/6 em 1996 a que corresponde o valor de aquisição de € 22,97, sendo a sua quota-parte na transmissão no montante de € 415,664,92, estando a mais-valia resultante da transmissão sujeita a tributação, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), determinado de acordo com o estipulado nos artigos 43.º e segs. do mesmo diploma legal (cf. doc. 7, junto com a p. i., a fls. 71 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
M. A Impugnante foi notificada através do ofício n.º 084322 de 19 de Outubro de 2006, enviado para a Av. …, 97, 8 Dto., Lisboa, para o exercício do direito de audição previsto no artigo 60.° da LGT e no artigo 60.º do RCPIT (cf. doc. 5, junto com a p. i., a fl. 67, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
N. A Impugnante veio exercer o direito de audição através de requerimento enviado por correio registado de 20 de Novembro de 2006 (cf. doc. 6, junto com a p. i., a fls. 68 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

O. Em 15 de Dezembro de 2004, foi celebrada escritura de rectificação em que Jaime ..., como procurador da Impugnante e outros, declarou que o preço constante da escritura de 2002 fora indicado como sendo de € 2.493.989,49, quando o preço ajustado e pago fora efectivamente de € 249.398,95 (cf. fls. 60 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

P. A Impugnante foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária, nos termos do qual são promovidas correcções à matéria colectável de IRS, do ano de 2002, no valor de € 207.819,25, através do ofício n.º 94070 de 15 de Novembro de 2006, enviado para a Av. ..., 97, 8 Dt0., Lisboa (cf. doc. 7, junto com a p. i., a fls. 70 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
Q. A Administração Tributária procedeu à elaboração de declaração oficiosa de IRS, que deu origem aos actos de liquidação de IRS e de juros compensatórios n.ºs 2006 5004582322 e 2006 2421311, no valor, respectivamente, de € 73.942,38 e de € 10.477,33, actos ora impugnados (cf. doc. 2, junto com a p. i., a fls. 58 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
R. Em 21 de Dezembro, foi emitido mandado de notificação de tais actos de liquidação à Impugnante na Av. ..., 97, 8 Dto., Lisboa (cf. doc. 8, junto com a p. i., a fl. 109, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
S. Em 11 de Maio de 2007, a Impugnante apresentou reclamação graciosa (cf. doc. 9, junto com a p. i., a fls. 110 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
T. Através do ofício n.º 002454 de 11 de Janeiro de 2008, a Direcção de Finanças de Lisboa notificou a Impugnante para autorizar para consulta o acesso a informação e documentos bancários, referente ao apuramento da verdade material relativa à situação tributária dos anos de 2002 e 2003, tendo a Impugnante autorizado tal acesso (cf. doc. 16, junto com a p. i., a fls. 234 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

U. Em 22 de Abril de 2008, a Direcção de Finanças de Lisboa, através de ofício n.º 031799 dirigido ao Presidente do Conselho de Administração do Banco de Portugal, solicitou informação sobre identificação das contas bancárias de que a Impugnante era titular nos anos de 2002 e 2003 (cf. fl. 202 do PAT apenso cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

V. A Administração Tributária considerou que a análise dos elementos recebidos das instituições bancárias foi inconclusiva (cf. fl. 164 do doc. 10, junto com a p. i., a fls. 144 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
W. Através do ofício n.º 021808 de 15 de Março de 2010, a Impugnante foi notificada do despacho que determinou a notificação para o exercício do direito de audição previsto no artigo 60.° da LGT, com base na informação de 10 de Março de 2010 e no parecer de 11 de Março de 2010, que se juntaram (cf. doc. 10, junto com a p. i., a fls. 144 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
X. Dá-se por integralmente reproduzido o teor da informação de 10 de Março de 2010 sobre que recaiu o parecer e o despacho referidos na letra anterior (cf. doc. 10, junto com a p. i., a fls. 144 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
Y. A Impugnante veio exercer o direito de audição através de requerimento que deu entrada na Direcção de Finanças de Lisboa em 31 de Março de 2010 (cf. doc. 11, junto com a p. i., a fls. 172 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
Z. Através do ofício n.º 040616 de 17 de Maio de 2010, a Impugnante foi notificada que a reclamação foi indeferida por despacho da Directora de Finanças Adjunta de 10 de Maio de 2010, com base na informação de 19 de Abril de 2010 e no parecer de 28 de Abril de 2010, que se juntaram (cf. doc. 1, junto com a p. i., a fls. 52 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

AA. Dá-se por integralmente reproduzido o teor da informação de 19 de Abril de 2010 sobre que recaiu o parecer e o despacho referidos na letra anterior (cf. doc. 1, junto com a p. i., a fls. 52 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

BB. Em 4 de Junho de 2010, a Impugnante deduziu a presente impugnação (cf. carimbo aposto a fl. 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
CC. Dá-se por integralmente reproduzido o teor dos prints informáticos e cópia da nota de cobrança, que consubstanciam o doc. 2, junto com a p. i., a fls. 58 e segs;
DD. Dá-se por integralmente reproduzido o teor da missiva enviada pelo Mandatário da ..., Planeamento e Construção, Lda., aos Mandatários, entre outros, da Impugnante, relativa à escritura de rectificação referida na letra O) supra, que consubstancia o doc. 14, junto com a p. i., a fls. 192 e segs;
EE. Dá-se por integralmente reproduzido o teor da sentença de 30 de Setembro de 2011, junta a fls. 323 e segs., proferida no processo n.º 865/07.5BELSB, que correu termos neste Tribunal;
FF. Dá-se por integralmente reproduzido o teor da factura de 30 de Dezembro de 2002, relativa a imposto de selo, junta a fls. 488;
GG. A totalidade do preço da venda do bem em causa nos presentes autos foi pago em data anterior a 2002 (cf. escritura referida na letra G) supra, facto referido na letra V) supra e depoimentos das testemunhas inquiridas, os quais foram, nesta parte, pela sua isenção e credibilidade, relevados positivamente);
HH. Em 6 de Julho de 2007, a Impugnante procedeu à prestação de garantia bancária no processo de execução instaurado para cobrança coerciva da divida de IRS e juros compensatórios relativa aos actos ora impugnados (cf. doc. 18, junto com a p. i., a fls. 237 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
II. A qual, veio a ser substituída em 26 de Março de 2009 por outra de igual valor (cf. doc. 19, junto com a p. i., a fls. 240 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

Com interesse para a decisão a proferir, nada mais se provou.

Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos e informações constantes dos autos e do PAT apenso, atenta a fé que merecem e o facto de não terem sido impugnados, nos depoimentos das testemunhas inquiridas, os quais se revelaram isentos e credíveis, na parte relevada, tal como referido em cada letra do probatório.


Não foi feita prova de que a Impugnante celebrou a quadra natalícia e o ano novo com a sua família no Estoril, nem de que apenas regressou ao seu domicílio após a passagem de ano – não foi feita qualquer prova a esse respeito.

Não foi feita prova concludente da tradição do bem na sequência da celebração do contrato promessa de compra e venda, nem de que o procurador não prestou contas à Impugnante sobre a venda do imóvel – o depoimento da primeira testemunha inquirida foi vago e impreciso a este respeito, dizendo não se recordar dos factos, afigurando-se, por isso, pouco consistente; o singelo depoimento da segunda testemunha inquirida, dada a sua relação com os factos – tal como a Impugnante, era um dos proprietários do imóvel -, não permite formular um juízo com a certeza requerida.

Não foi feita prova concludente de que o preço da venda do bem em causa nos presentes autos tenha sido de Esc. 160.000.000,00 ou outro diferente do que consta da escritura de rectificação outorgada em 2004 – os depoimentos das testemunhas inquiridas foram contraditórios a este respeito, uma referindo € 50.000,00 e a outra € 160.000,00, afigurando-se, por isso, pouco consistentes; o singelo depoimento da segunda testemunha inquirida, dada a sua relação com os factos, não permite formular um juízo com a certeza requerida.

Não foi feita prova concludente da realização de encargos com a valorização do bem, designadamente a obtenção de alvará de loteamento – o depoimento da primeira testemunha inquirida foi, a este respeito, vago e impreciso, dizendo não se recordar dos factos, afigurando-se, por isso, pouco consistente; o singelo depoimento da segunda testemunha inquirida, dada a sua relação com os factos, não permite formular um juízo com a certeza requerida.»

****

Conforme resulta dos autos, a Impugnante foi objecto de uma acção de inspecção interna, em sede de IRS do ano de 2002, no âmbito da qual se concluiu que foram omitidos rendimentos da categoria G. Com efeito, a Autoridade Tributária (AT) apurou que, nesse ano, a Impugnante alienou a sua quota-parte (1/6) num prédio rústico de que era comproprietária, por escritura pública outorgada pelo seu procurador (poder conferido através de procuração irrevogável em 23/05/1997), que por sua vez, também era procurador dos restantes comproprietários, e nessa medida apurou uma mais-valia no montante de 207.819,25€ (valor de realização de 415.664,92€ e valor de aquisição de 22,97€, coeficiente de desvalorização monetária de 1,15), que imputou à Impugnante enquanto rendimentos da categoria G, com fundamento no disposto no art. 10.º, n.º 1, alínea a) do CIRS.

Considerando a matéria de facto supra descrita, o Meritíssimo Juiz do TT de Lisboa julgou parcialmente procedente a impugnação judicial (na parte em que a AT considerou, para o cálculo da mais-valia, o valor constante da escritura de compra e venda rectificada) anulando-se a liquidação na respectiva parte e proporção, condenou a Fazenda Pública no pagamento de indemnização resultante de prestação de garantia bancária indevida nos termos do art. 53.º da LGT.

A Recorrente Impugnante não se conforma com o decidido, porquanto, como supra referimos, entende que a liquidação de IRS deveria ter sido anulada totalmente, invocando para tanto, erro de julgamento de facto e de direito da sentença recorrida, com os seguintes fundamentos: verifica-se a falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade, violando-se o art. 45.º da LGT [conclusões A) a D)], os actos de liquidação são nulos por não se encontrarem assinados, violando-se a alínea g), do n.º 1, do art. 123.º do CPA e 226.º da CRP [conclusões E)], a Impugnante não obteve ganhos, nem rendimentos referente ao imóvel em causa, violando-se o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS e o princípio da capacidade contributiva [conclusões F) a Z)], e falta de fundamentação, por vício de forma, da liquidação de juros compensatórios, violando-se o disposto no art. 35.º, n.º 1 da LGT [conclusão AA], e deverá ser reconhecido o direito da Recorrente ao ressarcimento dos custos com a prestação indevida de garantia bancária [conclusão BB)].

Por sua vez, e como também já referimos, a Recorrente Fazenda Pública não se conforma com o decidido na parte em que a sentença lhe é desfavorável, invocando erro de julgamento de facto e de direito, entendendo que cabia à Impugnante provar que o preço de venda do bem em causa nos presentes autos é o que consta da escritura de rectificação outorgada em 2004 (cfr. art. 74.°, n.° 1 da LGT e art. 342, n.° 1 do CC), prova que não logrou fazer, não havendo como não considerar o valor rectificado.

Vejamos.

A questão substantiva principal em causa nos presentes autos, que cumpre analisar em primeiro lugar, e que a proceder prejudica o conhecimento das restantes, consiste em aferir se a Impugnante auferiu rendimentos em sede de IRS do ano de 2002, da categoria G, tributável nos termos do disposto no disposto no art. 10.º, n.º1, alínea a) do CIRS, conforme entendeu a AT, no âmbito da acção de inspecção interna supra referida.

Saliente-se, desde logo, que a Impugnante também foi objecto de uma acção de inspecção interna, em sede de IRS do ano de 2000, sendo o rendimento desse ano objecto de correcção em sede de categoria G, por transmissão de um outro imóvel, estando em causa nos autos a mesma questão jurídica e factos em tudo semelhante ao desse relatório de nspecção (diferindo apenas o imóvel subjacente à mais-valia apurada pela AT). Em 1.ª instância, a impugnação deduzida contra a correspondente liquidação de IRS foi julgada totalmente procedente, tendo a Fazenda Pública apresentado recurso. Ora, é neste contexto que é foi proferido o acórdão do TCAS de 27/10/2016, proc. n.º 07347/14, Relatado pelo ora 2.º adjunto, no sentido favorável à Impugnante.

Por concordarmos com o decidido naquele acórdão, em tudo aplicável ao caso dos autos (repare-se que no ponto 12 da matéria de facto daquele acórdão também se refere expressamente ao prédio em causa nos autos, e cujo facto corresponde à alínea F) da matéria de facto dada como assente nos presentes autos) aqui o subscrevemos na íntegra, e na parte com relevo para a decisão do mesmo consta o seguinte:

“Mais aduz o recorrente, em síntese, que o âmago da questão controvertida do caso dos autos consiste em saber se, no ano de exercício em causa o sujeito passivo auferiu rendimentos da Categoria G, na cédula de I.R.S. Que o acréscimo patrimonial resulta documentalmente comprovado pelas escrituras públicas. Que a alienação ocorreu na data de celebração da escritura pública de compra e venda, sendo indiferente a data na qual o preço foi pago, pelo que tais ganhos terão que ser imputados ao exercício respeitante ao ano de 2000. Que o relacionamento entre a impugnante/recorrida e os seus procuradores é questão lateral aos autos, pois só releva nas relações internas entre os mesmos. Que não colhe o argumento de que a rectificação das escrituras determina a correcção do cálculo fiscal. Que o Tribunal "a quo" lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito (cfr.conclusões 9, 10, 14 a 17, 19 a 40, 43 a 48 e 50 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece deste vício. No exame do presente recurso, desde logo, se deve recordar que o apelante não impugna a factualidade provada constante da sentença recorrida no âmbito do salvatério que deduz para este Tribunal (cfr.artº.640, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), nos termos previstos na lei.
Avancemos.
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.2912/09). Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias (vistas enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma actividade produtiva, mas que têm algum significado económico e sendo passíveis de controlo pela A. Fiscal, nestas se incluindo as mais-valias prediais) e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do C.I.R.S.; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.379).
A mais-valia deve definir-se, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se descreve como uma alienação onerosa, assim estando sujeita ao princípio da realização (cfr.artº.44, do C.I.R.S.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.4771/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.2912/09; José Guilherme Xavier Basto, ob.cit., pág.443 e seg.).
"In casu", a A. Fiscal baseia a liquidação adicional objecto do presente processo no pressuposto de que tais vendas geraram mais-valias enquadráveis em sede de I.R.S. no artº.10, nº.1, al.a), do C.I.R.S., mais sendo tributáveis como rendimentos de categoria “G” (cfr.nº.4 do probatório).O artº.10, nº.1, do C.I.R.S., então em vigor, mostrava o carácter selectivo da tributação das mais-valias, norma que consagrava uma espécie de “numerus clausus” em matéria de incidência fiscal. Assim e desde logo, afasta-se da qualificação como mais-valias os ganhos que devam considerar-se como rendimentos resultantes de actividade profissional ou empresarial, os quais se consideram como rendimento de categoria B, enquadráveis no artº.3, do mesmo diploma. Pelo que, somente os ganhos inesperados ou imprevistos, não enquadráveis numa actividade profissional ou empresarial são passíveis de enquadramento nas diversas alíneas do examinado artº.10, nº.1, do C.I.R.S. É o caso da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, situação prevista na primeira parte da norma constante do artº.10, nº.1, al.a), do mesmo diploma (cfr.José Guilherme Xavier Basto, ob.cit., pág.394; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.136 a 139).
Por outras palavras, qualquer das alienações onerosas referidas nas diversas alíneas do artº.10, nº.1, do C.I.R.S., só originará uma mais-valia tributável enquanto tal se for efectuada fora dos quadros de uma actividade económica deliberada, porque só então o respectivo ganho não será considerado um rendimento profissional ou empresarial, portanto um rendimento da categoria “B”. Estaremos sempre perante ganhos inesperados ou imprevistos, conforme referido acima, os quais não podem ser produto de uma actividade económica apostada em obtê-los (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/1/2012, proc.4966/11; José Guilherme Xavier Basto, ob.cit., pág.394; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.135 a 137).
Fala-nos o probatório, igualmente, na estruturação de procurações irrevogáveis por parte da impugnante/recorrida (cfr.nºs.12 e 19 do probatório).

A procuração irrevogável (1) com poderes de alienação (no caso de imóvel), confere ao procurador mandato materialmente idêntico ao do proprietário. As cláusulas de irrevogabilidade, bem como a circunstância de serem passadas no interesse do procurador, transmitem para o domínio deste, praticamente os mesmos poderes materiais que correspondem ao exercício dos poderes do proprietário. Embora o procurador não seja o titular do direito de propriedade, porque não adquiriu o respectivo título, e exerça esses poderes em nome do mandante (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/3/2013, proc. 5472/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/4/2015, proc.6984/13; Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª.edição, Coimbra Editora, 1989, pág.535 e seg.). No caso “sub judice”, não se comprovou que o impugnante/recorrido auferiu as mais-valias identificadas pela A. Fiscal, sendo certo que as escrituras de compra e venda foram outorgadas por procuradores cujo mandato foi conferido sem obrigação de prestação de contas. Daí que, uma vez demonstrado que foram os procuradores que receberam o questionado rendimento, e não o impugnante/recorrido, este não pode ser considerado sujeito passivo de I.R.S. relativamente a esse facto tributário, sabido que este imposto assenta sobre a capacidade contributiva, revelada através dos rendimentos auferidos, tudo conforme supra se alude, só podendo incidir sobre o valor anual dos rendimentos que tenham sido obtidos, estando a sua incidência pessoal sujeita ao princípio da legalidade tributária (artº.8, da L.G.T.). O que única e realmente releva no caso concreto, é que o impugnante/recorrido não pode ficar sujeito a I.R.S. relativamente a rendimentos que não obteve, em virtude do procurador ter feito seu o preço da venda do terreno. Não sendo o impugnante/recorrido o sujeito passivo da relação tributária, não está sujeito ao cumprimento da prestação tributária que lhes está a ser exigida através da liquidação de I.R.S. impugnada, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, o que inquina a legalidade desta e determina a procedência da impugnação, tudo conforme decidiu o Tribunal “a quo”.
O dito princípio da capacidade contributiva (não obstante o silêncio da actual Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a “capacidade contributiva” continua a ser um critério básico da nossa “Constituição fiscal”, sendo que a ele se pode, ou deve, chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artºs.103 e 104 do diploma fundamental) exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária. Isto porque se o princípio da igualdade tributária pressupõe o tratamento igual de situações iguais e o tratamento desigual de situações desiguais, a capacidade contributiva é o “tertium genus” - leia-se, o critério - que há-de servir de base à comparação. Neste sentido, o princípio da capacidade contributiva opera tanto como condição, ou pressuposto, quanto como critério ou parâmetro da tributação. Opera como pressuposto ou condição visto que impede que a tributação atinja uma riqueza ou um rendimento que não existe; vale como critério ou parâmetro porque determina que a exacção do património dos contribuintes se faça de acordo com a sua “capacidade de gastar” (ability to spend). Ou seja, contribuintes com a mesma capacidade de gastar devem pagar os mesmos impostos (igualdade horizontal), e contribuintes com diferente capacidade de gastar devem pagar impostos diferentes (igualdade vertical). Outro dos corolários deste princípio é precisamente a tributação do rendimento líquido do contribuinte, de onde deflui uma exigência de dedução das despesas necessárias à angariação do próprio rendimento (cfr.acórdão do T.Constitucional 601/2004, de 12/10/2004, proc.793/03; acórdão do T.Constitucional 197/2013, de 9/04/2013, proc.602/12; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.227 e seg.).
Consequentemente, por tudo quanto foi dito, também o princípio da legalidade, concretizado no dever de a Administração Tributária actuar em obediência à lei e ao Direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes foram conferidos (cfr.artº.266, nº.2, da C.R.P.; artº.55, da L.G.T.), não pode deixar de se considerar como não respeitado no caso concreto.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso, desnecessário se tornando o exame da pedida ampliação do seu âmbito, deduzida pelo recorrido, e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.”


Em suma, também no caso em apreço a AT não comprovou que a Impugnante auferiu rendimento da categoria G (mais-valias), conforme lhe competia (art. 74.º da LGT), repare-se que da alínea V) dos factos provados e não impugnados no presente recurso, resulta que “A Administração Tributária considerou que a análise dos elementos recebidos das instituições bancárias foi inconclusiva”. Ou seja, pese embora tenha tido acesso aos elementos bancários da Impugnante não conseguiu concluir pelo recebimento da quantia que lhe imputa da referida transmissão efectuada por procurador com procuração irrevogável.

Ora, não se comprovando rendimento-acréscimo na esfera jurídica da Impugnante, não pode ser tributada em sede de IRS sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, como se refere no acórdão, considerando que as escrituras de compra e venda em causa nos autos (quer a inicial quer a de rectificação) não foram outorgadas por si, mas por procurador com procuração irrevogável, cujo mandato foi conferido sem obrigação de prestação de contas, tendo este estabelecido o preço de venda do terreno.

Pelo exposto, o recurso da Impugnante deve proceder, devendo ser anulada a liquidação de IRS na íntegra, e consequentemente, tal como se decidiu na 1.ª instância, como base nos factos das alínea HH) e II), mas agora considerando-se que a liquidação deve ser anulada na sua totalidade, a Impugnante tem direito a ser indemnizada pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia, que se mostra indevida, nos termos e para efeitos do art. 53.º da LGT.

Fica prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do recurso da Impugnante, nos termos do disposto no art. 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art. 663.º, n.º 2 do CPC.

Com efeito, dispõe aquele primeiro preceito legal que “2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; (…)”.

Portanto, havendo questões nos recursos apresentados pelas partes, cuja resolução fique prejudicada pela solução dada a outras, o juiz não tem de conhecer dessas questões.

No caso do recurso apresentado pela Impugnante resolvida a questão supra enunciada favoravelmente à sua pretensão, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas, devendo-se, conceder provimento ao recurso com base na resolução favorável de uma das questões de recurso.

Quanto ao recurso da Fazenda Pública, tendo sido suscitada uma única questão, a resolução desta ficou prejudicada nos termos do art. 608.º, n.º 2 do CPC, com a solução que foi dada à questão suscitada no recurso da Impugnante, porquanto, e conforme supra exposto, não ficou demonstrada qualquer mais-valia tributável, e nessa medida, a impugnação deverá necessariamente proceder, e consequentemente, é inútil apurar se o valor a considerar é o constante da escritura pública inicial ou da rectificada, pois sempre o acto de liquidação deverá ser anulado com aquele outro fundamento, e nessa medida, fica prejudicado o conhecimento da questão suscitada no recurso da Fazenda Pública, nos termos do disposto no art. 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art. 663.º, n.º 2 do CPC, e por essa razão, não se conhece do objecto deste recurso.


Sumário

Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias (vistas enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma actividade produtiva, mas que têm algum significado económico e sendo passíveis de controlo pela A. Fiscal, nestas se incluindo as mais-valias prediais) e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso da Impugnante e não conhecer do objecto do recurso da Fazenda Pública, cujo conhecimento ficou prejudicado, revogando-se a decisão recorrida, e em consequência, julga-se procedente a impugnação judicial.

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Custas pela Fazenda Pública.
D.n.
Lisboa, 22 de Fevereiro de 2018.

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Cristina Flora

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Ana Pinhol

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Joaquim Condesso