Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1237/12.5BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:12/15/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:SOCIEDADE EXTINTA
NOTIFICAÇÃO
CADUCIDADE
Sumário:I. Tendo sido emitida liquidação relativa a sociedade já dissolvida e encerrada, a mesma tem de ser validamente notificada a quem àquela sociedade suceda, para que não ocorra caducidade do direito à liquidação.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

F. – C. I., Lda (doravante Recorrente ou Impugnante) veio apresentar recurso da sentença proferida a 01.10.2015, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto o indeferimento do recurso hierárquico que versou sobre o indeferimento da reclamação graciosa que, por seu turno, respeitou às liquidações de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), atinentes ao ano de 2005.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“A) Vem o presente recurso interposto da sentença da 1.a Unidade Orgânica, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 01 de Outubro de 2015, proferida nos autos de impugnação judicial n.° 1237/12.5BESNT, a qual julgou “totalmente improcedente a impugnação do acto tributário controvertido, sendo o mesmo válido".

B) Entende a Recorrente que a decisão recorrida enferma de erro de julgamento, ao ter assim decidido e com os fundamentos ali enunciados, razão pela qual deve a mesma ser revogada por este Tribunal, e substituída por outra que faça uma correcta interpretação do Direito aplicável.

C) Com efeito, entende a ora Recorrente que há na decisão recorrida normas jurídicas violadas, as quais impunham decisão em sentido divergente.

Senão vejamos:

D) Como resulta do teor da sentença recorrida, o Tribunal a quo nada deu como provado acerca da notificação das liquidações adicionais de IVA, objecto dos presentes autos.

E) Quando essa foi uma das questões suscitadas nos presentes autos pela aqui Recorrente e sobre a qual o Tribunal a quo se pronunciou no sentido de que “(...) tal alegação não constitui causa de pedir do presente meio processual por o mesmo não contender com a validade do acto notificando mas apenas com a sua eficácia em relação ao notificado. —cfr n°1, do art° 36° do CPPT e J. Lopes de Sousa, in “CPPT Anotado, 4.a Ed. Pags 211."

F) Sucede, contudo, que a F. terá sido “notificada” das liquidações adicionais de IVA, referentes aos vários períodos de 2005, quando se encontrava já dissolvida e liquidada e tais actos registados.

G) Muito embora as notificações das liquidações em causa nos presentes autos não identifiquem a data das liquidações, sabe-se que as mesmas concederam prazo para pagamento voluntário até dia 28 de Fevereiro de 2010.

H) Quando já em 14 de Janeiro de 2009, foi registada (junto da competente Conservatória do Registo Comercial) quer a dissolução, quer o encerramento da liquidação da F., Recorrente nestes autos e nessa qualidade representada pelo seu (ex) sócio, A. A.

I) Ora, é sabido que a notificação, para produzir efeitos, implica um destinatário,

J) Não existindo in casu um destinatário, uma vez que «á morte das pessoas singulares é equiparável, para este efeito, a extinção das pessoas colectivas».

K) E a dissolução é uma causa de extinção das pessoas colectivas - maxime artigos 141.° a 146.°, do CSC.

L) A notificação das liquidações objecto dos presentes autos não produziu quaisquer efeitos externos (cfr. artigo 41.°, do CPPT).

M) Com efeito, uma sociedade dissolvida não tem personalidade jurídica em geral e, igualmente, não possui personalidade jurídica fiscal, já que a segunda depende necessariamente da primeira.

N) Para que a obrigação do sujeito passivo se torne certa, é necessário, num primeiro momento, que se proceda ao lançamento destinado, precisamente, a tornar certa e exigível a obrigação e, num segundo momento, é necessário notificar o sujeito passivo da liquidação.

O) A relação jurídica tributária pressupõe um sujeito passivo com personalidade jurídica.

P) A F. apenas teve personalidade jurídica até 14 de Janeiro de 2009, pelo que já não tinha personalidade jurídica quando se procedeu ao lançamento do imposto e respectivos juros compensatórios sub judice.

Q) Contudo, este facto não obsta a que se lançasse o imposto (e respectivos juros compensatórios), ou seja, que se tornasse certa e exigível a obrigação de imposto (e juros).

R) E dizemos que não obsta, por a lei prever duas maneiras de tornar efectivo o crédito do Estado.

S) Não seguramente contra o contribuinte (que já não existe), mas contra os (ex) sócios, na medida dos bens que tenham recebido - cf. artigo 147.°, n.° 2, do CSC, ou contra os responsáveis subsidiários, nos termos da Lei Geral Tributária (LGT).

T) Daqui decorre claramente que, uma vez liquidado o imposto e verificada a inexistência do contribuinte, devem ser notificados (da dívida) os sujeitos indicados no artigo 147.°, n.° 2, do CSC, no prazo de caducidade do direito à liquidação do tributo.

U) Assim, para que uma obrigação de imposto seja certa e exigível, é necessário, por um lado, que tenha sido liquidada e, por outro lado, que a liquidação seja validamente notificada ao respectivo sujeito passivo.

V) Ora, no caso concreto, a alegada dívida não foi validamente notificada ao sujeito passivo - a F., Lda..

W) Não sendo, naturalmente, exigível quanto à F., como não é exigível perante os responsáveis subsidiários, por lhe faltar o requisito essencial do seu trânsito, do foro interno da Administração Tributária, para o foro externo, ou seja a notificação da sua liquidação, pelo menos, ao sujeito passivo originário, in casu, a F.

X) Pelo exposto, importava ao Tribunal a quo concluir que as notificações das liquidações em causa nos presentes autos padecem de nulidade, não lhe podendo ser assacados quaisquer efeitos.

Y) É que, ao contrário do decidido na sentença recorrida, a nulidade da notificação do acto tributário integra uma alegação passível de ser apreciada em sede de impugnação.

Z) Com efeito, a falta de notificação do acto de liquidação repercute- se na caducidade do direito e essa é matéria passível de discussão em sede de impugnação judicial.

AA) A falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade afecta a validade da liquidação, tornando-a ilegal.

BB) A notificação dentro do prazo de caducidade integra um requisito de validade da própria liquidação.

CC) Aliás, a caducidade sob exame por contender com a legalidade da dívida, integra um fundamento típico do processo de impugnação judicial e não de qualquer outro meio processual (designadamente a oposição à execução fiscal).

DD) Ao contrário do entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, a invocação da falta de notificação da liquidação, dentro do prazo de caducidade, pode ser invocada em sede de processo de impugnação judicial, como causa de anulabilidade do acto tributário de liquidação, na medida em que esse se mostra imperfeito e inválido.

EE) Por outro lado, ainda, a caducidade do direito à liquidação consubstancia matéria de conhecimento oficioso pelo Tribunal, como melhor se retira quer da jurisprudência, designadamente, a que resulta do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24/09/2003, proferido no âmbito do processo de recurso n.° 564/02, quer da doutrina, nomeadamente, do Conselheiro Lopes de Sousa in Código de Procedimento e Processo Tributário anotado.

FF) Por outro lado e, uma vez mais, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, nem as liquidações adicionais de IVA, nem as liquidações dos juros compensatórios, se encontram fundamentadas.

GG) Ora, o vício de falta de fundamentação integra-se no conceito amplo, no direito tributário de «formalidades legais», já que o dever de fundamentação é determinado por um preceito legal imperativo.

HH) Quer a fundamentação, quer a competência para a prática do acto, são estritamente necessárias à formação e à perfeição do acto de liquidação, já que constituem, um pressuposto.

II) Provada qualquer das preterições, o acto tributário em causa padece de vício de forma, determinador da sua anulação.

JJ) Não existe fundamentação das liquidações oficiosas aqui colocadas em crise.

KK) Apenas com o projecto de decisão em sede de processo de reclamação graciosa, teve a Recorrente conhecimento do fundamento que motivou a liquidação em causa, ou seja, a inspecção externa de que foi alvo.

LL) A fundamentação expressa dos actos administrativos - neles se incluindo os actos tributários ou em matéria tributária - deve ser entendida como a exposição descritiva das razões do acto (da decisão), compreendendo a matéria de facto e a matéria de Direito que determinaram a autoridade administrativa à respectiva prática.

MM) O dever de fundamentação expressa encontra-se consagrado no artigo 268.°, n.° 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), no artigo 77.°, da Lei Geral Tributária (LGT) e no artigo 124.°, do Código de Procedimento Administrativo (CPA).

NN) A fundamentação tem que ser explícita, não bastando que resulte implicitamente do procedimento administrativo.

OO) A fundamentação tem, ainda, de ser contextuai, ou seja, deverá acompanhar o conteúdo da decisão, constando do mesmo como um seu pressuposto racional e legal.

PP) Desde logo, por se tratar de um dever da AT fornecer os fundamentos e não, de um direito de os particulares os virem a exigir após conhecimento do acto.

QQ) A suficiência da fundamentação pressupõe que esta contém os elementos, as razões bastantes capazes de sustentar (formalmente) a decisão.

RR) Na perspectiva dos órgãos de controlo, a fundamentação só será suficiente se contiver os elementos necessários a esse controlo, administrativo e judicial.

SS) Pelo exposto, o Tribunal a quo ao ter decidido que as liquidações se encontram devidamente fundamentadas, violou o artigo 268.°, n.° 3, da CRP, o artigo 77.°, da LGT, assim como, o artigo 124.°, do CPA.

Por outro lado,

TT) Entende a Recorrente que, sobre o facto tributário, teria o Tribunal a quo que ter reconhecido a fundada dúvida, quer sobre a existência, quer sobre a quantificação do facto tributário.

UU) Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, a AT não provou, em concreto, a existência de facto tributário ou o modo através do qual chegou à concreta quantificação da obrigação de imposto.

VV) Ora, porque a Recorrente alegou factos negativos, cabia à AT o ónus da prova de que o facto negativo invocado não se verificou.

WW) Tem sido entendimento pacífico da jurisprudência que, em qualquer caso, quando a prova não for possível ou se tornar muito difícil àquele que, segundo as regras do artigo 342.°, do CC, teria de a fazer, o ónus da prova deixa de impender sobre ele, passando a recair sobre a outra parte.

XX) É que o artigo 108.°, n.° 3, do CPPT, ao impor a junção, à petição inicial, dos documentos de prova, obriga a juntar apenas os documentos relativos aos factos em relação aos quais recaia sobre a Recorrente, nos termos gerais, o ónus da prova.

YY) Ao não fazer esta interpretação do artigo 108.°, n.° 3, do CPPT, a sentença recorrida violou o disposto no artigo 268.°, n.° 4, da CRP, já que esvaziou de conteúdo o direito dos interessados ao recurso contencioso.

ZZ) Salvo o devido respeito, impunha-se ao Tribunal a quo concluir que, não obstante o disposto no artigo 108.°, n.° 3, do CPPT, cabia à AT alegar e provar categoricamente, facto a facto, em que consistiu a conclusão de que teria ocorrido facto tributário, recaindo no âmbito da incidência objectiva e subjectiva de IVA e em que consistiu a concreta quantificação efectuada.

AAA) Em matéria tão delicada, não poderia o julgador bastar-se com um mero juízo de probabilidade da omissão.

BBB) Na ausência de tal certeza, a incerteza sobre o facto teria, necessariamente, de resolver-se a favor da Recorrente, não só por aplicação das regras gerais sobre a repartição do ónus da prova, mas também por conta do princípio do in dubio contra fiscum (artigo 100.°, n.° 1, do CPPT).

CCC) Cabia à AT alegar e demonstrar as razões válidas que determinaram as correcções efectuadas.

DDD) As declarações, maxime a de rendimentos, apresentadas pelo contribuinte gozam da presunção de verdade, pelo que a AT não poderia pô-las em causa, sem que possuísse elementos fundados (artigo 75.°, da LGT).

EEE) Face a todo o exposto, mal andou o Tribunal a quo ao decidir nos termos em que o fez, quando devia ter concluído pela procedência da pretensão jurídica da Recorrente, consistente na anulação total dos actos tributários impugnados.

FFF) No que concerne à liquidação de juros compensatórios, mostram- se aplicáveis as exigências próprias do procedimento administrativo e do procedimento administrativo tributário, designadamente, as que respeitam à fundamentação.

GGG) Nos termos das disposições conjugadas previstas no artigo 268.°, n.° 4, da CRP e artigo 77.°, da LGT, os actos tributários de liquidação - actos lesivos de eficácia externa - encontram-se sujeitos à fundamentação contextuai e suficiente, manifestada aquando da prática do acto e como elemento constituinte do mesmo.

HHH) No mesmo sentido, aliás, o n.° 2, do artigo 36.°, do CPPT, prevê que as notificações deverão (sempre) conter a decisão e os seus fundamentos de facto e de direito, de forma clara, objectiva e congruente.

III) Razão pela qual, desde logo, as liquidações de juros compensatórios teriam de ser fundamentadas.

JJJ) A ausência de forma escrita determina, nos termos do artigo 122.° do CPA, nulidade insuprível do procedimento, razão pela qual as liquidações aqui em causa deverão ser anuladas.

KKK) Para além de violar o dever de fundamentação, o procedimento da AT fere o princípio do contraditório e o direito à ampla defesa, princípios que se encontram constitucionalmente garantidos e que assistem como pilares ao procedimento e processo tributário.

LLL) Ora, através das “notificações” sub judice não é possível proceder à reconstituição do itinerário cognoscitivo percorrido pela AT e, desse modo, com um mínimo de clareza e suficiência conhecer os fundamentos de facto e de Direito nos quais a AT se baseou.

MMM)Tudo quando, nos termos do artigo 36.°, n.° 1, do CPPT, a ausência de fundamentação determina que o respectivo acto tributário não produza efeitos.

NNN) Face ao exposto, estes actos deveriam ter sido anulados, por vício de forma, enquanto irregularidade que condicionou, indubitavelmente, a Recorrente na sua presente defesa.

OOO) Por outro lado, os juros compensatórios possuem natureza indemnizatória, pelo que se impõe, para que sejam exigíveis, a existência de um nexo subjectivo de imputação do retardamento da liquidação ao contribuinte, a título de culpa (artigo 35.°, da LGT).

PPP) O critério de apreciação da culpa é o da diligência de um bonnus pater familiae, em face das circunstâncias concretas do caso, ou seja, um homem abstracto suposto pela ordem jurídica, colocado nas mesmas circunstâncias em que o agente actuou.

QQQ) A Recorrente agiu sem culpa, até porque, face às circunstâncias decorrentes dos factos alegados, não era exigível à Recorrente comportamento diverso daquele que teve.

RRR) Falta, assim, um nexo de imputação subjectiva, traduzido em um comportamento censurável, pelo que na falta desse nexo, não poderiam ter sido exigidos à Recorrente juros compensatórios.

SSS) Por esta ordem de razões, a sentença recorrida deveria ter determinado a anulação dos actos de liquidação, relativos a juros compensatórios.

IV - Pedido:

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso seja julgado procedente, por provado e, em consequência, deve ser revogada a decisão proferida em 01 de Outubro de 2015, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, tudo com as necessárias consequências legais”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

Foram os autos remetidos ao Supremo Tribunal Administrativo (STA), nos quais, por decisão sumária de 06.05.2016, o mesmo se declarou incompetente em razão da hierarquia, ordenando a sua remessa a este TCAS.

Neste TCAS, os autos foram a vista do Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro de julgamento, no que respeita à circunstância de a falta de notificação alegada não poder ser conhecida em sede de impugnação, dado que, uma vez liquidado o imposto e verificada a inexistência do contribuinte, devem ser notificados (da dívida) os sujeitos indicados no art.º 147.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), no prazo de caducidade do direito à liquidação do tributo?

b) Há erro de julgamento, em virtude de as liquidações adicionais de IVA e as dos juros compensatórios não se encontrarem fundamentadas?

c) Verifica-se erro de julgamento, dado que teria o Tribunal a quo que ter reconhecido a fundada dúvida, quer sobre a existência, quer sobre a quantificação do facto tributário?

d) Verifica-se erro de julgamento, quanto às liquidações de juros compensatórios, por falta de verificação do pressuposto da culpa?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1- Com base numa acção de inspecção externa à sociedade “F.- C. I., Ldª.”, da qual resultou determinadas correcções efectuadas ao IVA liquidado e não entregue, falta de liquidação de imposto relativamente a proveitos omitidos e operações efectuadas no mercado interno e de exportação de bens, e dedução indevida de imposto relativamente a operações simuladas, procedeu-se, em 12.12.09, à liquidação adicional de imposto e correspondentes juros compensatórios, no valor de € 242.047,96, de imposto e € 40.005,33, de juros compensatórios, relativamente aos períodos trimestrais de imposto do ano de 2005 - cfr Documentos de cobrança de fls 31 a 37, dos autos e “Prints Informáticos” de fls 66, do P.A apenso e de fls 802 a 804, do proc. recl. apenso aos autos.

2- A correcção mencionada em 1 resultou do Parecer e Despacho, de 27.11.09, de fls 135 e 136, efectuadas com base nas “ conclusões do relatório” de fls 138, fundamentadas no Relatório elaborado pelos serviços de inspecção, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido e do qual consta, designadamente que , face à constatação da existência de um sistema de facturação que permite a emissão de mais de que uma factura com o mesmo número, a emissão de guias de transporte com numeração igual e não sequencial referente a vendas não facturadas e não contabilizados os respectivos proveitos, resultando a falta de liquidação de imposto relativamente a essa vendas, assim como de vendas consideradas como efectuadas no mercado interno por não se traduzirem em transmissões intracomunitárias ou exportadas, por falta de comprovação da saída dos mesmos do território nacional , a liquidação de imposto não entregue nos cofres do Estado e, por último , a dedução de imposto em que os fornecedores têm números de identificação fiscal inválidos e a emissão de vários cheques em nome de um fornecedor e utilizados para pagamento de vários fornecedores e outros sem identificação dos beneficiários, a contabilização de pagamentos a fornecedores sem documento de suporte e efectuada com base em extractos bancários e de pagamentos em dinheiro sem documento de quitação, não tendo sido igualmente junto documentos comprovativos de suporte das operações realizadas com o fornecedor “HVN- H. V. N.” relativas aos pagamentos efectuados, resultando existirem indícios de simulação das operações efectuadas com aquele prestador, concluiu-se no sentido de proceder ás correcções técnicas de imposto no montante de € 242.047,96, notificado ao s.p. em 27.11.2009 – cfr Relatório da I.T. de fls 135 a 773 e Certidão de Notificação de fls 793 a 795, do P.A apenso.

3- Foi elaborado anteriormente um projecto de relatório notificado ao s.p., não tendo o mesmo exercido o direito de audição, pelo que foram mantidas as propostas de correcção, e elaborados os documentos de correcção, foi efectuada a liquidação de imposto referido em 1).- cfr Relatório da I.T. e ponto VIII, de fls 162, e D.C. Único de fls 780 a 787,do proc. recl. apenso

4- Em 28.06.2010, foi apresentado reclamação graciosa do acto tributário referido em 1), o qual mereceu decisão de indeferimento proferido em 25.05.11.- cfr despacho aposto sobre Parecer e Informação dos serviços, de fls 835 a 840 dos autos de reclamação.

5- Em 05.07.11, o s.p. deduziu recurso hierárquico da decisão proferida em sede de reclamação graciosa, o qual mereceu decisão de indeferimento proferido pelo Subdirector Geral da D.S. do IVA, de fls 39 a 49, dos autos e autos de rec. hier. apenso”.

II.B. Refere-se, ainda, na sentença recorrida:

“Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada:

6. Foram registados, através da apresentação n.º 30, de 14.01.2009, a dissolução e o encerramento da liquidação da sociedade F. – C. I., Lda (doravante, F.) (cfr. documento n.º 4, junto com a petição inicial).

7. Foi registado, no sistema informático da administração tributária (AT), a cessação, a 14.01.2009, da atividade da F., para efeitos de IVA e IRC (cfr. fls. 65 do processo administrativo – vol. 1 e fls. 33 a 35 do processo administrativo – vol. 3).

8. Foi registado, no sistema informático da AT, como representante, por força da cessação da F., A. M. E. A. (cfr. fls. 36 a 38 do processo administrativo – vol. 3).

9. No sistema informático da AT estava registada, como morada postal de A. M. E. A., a R. R. R., n.º 1.., R/C E.., M. M., 2..-.1.. M. M. (cfr. fls. 37 do processo administrativo – vol. 3).

10. São as seguintes as liquidações mencionadas em 1.:




(cfr. fls. 55 e 56 do processo administrativo – vol. 1).

11. Os ofícios emitidos pela AT, tendentes à notificação das liquidações referidas em 10., estavam dirigidos a F. – C. I., Lda – L. R. V. A., L., 2..-1.. B. (cfr. documentos n.ºs 1 e 2 juntos com a petição inicial).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento no que respeita às notificações das liquidações

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, ao não conhecer da irregularidade das notificações, suscitada na petição inicial, sendo que, atenta a extinção da sociedade, deveriam ter sido notificados das mesmas, dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação, os respetivos sócios.

Vejamos.

A notificação dos atos tributários decorre, desde logo, do desiderato constitucionalmente consagrado no art.º 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual “[o]s atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei”.

Trata-se, pois, de um direito e garantia do administrado.

Ao nível da lei ordinária, decorre do n.º 6 do art.º 77.º da LGT que a eficácia do ato depende da sua notificação.

Quanto à forma das notificações, somos remetidos para os art.ºs 36.º e ss. do CPPT, nos quais são definidas as formalidades subjacentes à notificação dos diversos atos tributários.

Em regra, a falta de notificação das liquidações não é fundamento de impugnação, porquanto não contende com a sua validade, mas sim com a sua eficácia (art.º 77.º, n.º 6, da LGT).
No entanto, em sede de impugnação judicial, a eficácia invalidante da notificação é relevante quando esteja em causa a apreciação da caducidade do direito à liquidação, (1)questão que, não sendo do conhecimento oficioso (ao contrário do defendido pela Recorrente), foi suscitada na petição inicial, onde expressamente se invoca a exigência de notificação das liquidações dentro do mencionado prazo de caducidade.
Assim, se constasse da petição inicial a alegação singela de ocorrência de falta de notificação das liquidações, tal não se configuraria como um fundamento de impugnação, mas sim de oposição à execução(2) [cfr. art.º 204.º, n.º 1, al. i), do CPPT], não tendo, pois, a virtualidade de pôr em causa a validade das liquidações impugnadas, o que é visado pelos impugnantes em sede de impugnação judicial.

No entanto, como referimos, tal alegação foi acompanhada de invocação de caducidade do direito à liquidação, motivo pelo qual se impunha o seu conhecimento, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo.

Posto isto, cumpre apreciar o alegado.

Nos termos do art.º 45.º, n.º 1, da LGT, o direito à liquidação caduca se aquela não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de 4 anos, prazo aplicável in casu.

Assim, sendo certo que, como referimos, regra geral, ao nível do direito administrativo, a notificação afeta não a validade do ato notificado, mas apenas a respetiva eficácia, atendendo ao teor deste art.º 45.º, n.º 1, da LGT, subsiste uma exceção neste domínio, ao regime regra dos atos administrativos, dado que, nas palavras de Jorge Lopes de Sousa, esta disposição legal “… atribui à falta de notificação tempestiva eficácia invalidante” (cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. III, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 488 e 489).

Ou seja, só se considera que o direito à liquidação não caducou se a notificação do ato em causa ocorrer antes de decorrido o prazo legalmente previsto.

Assim sendo, como decorre dos factos provados, os ofícios visando a notificação foram dirigidos à sociedade F. (cfr. facto 11), e não a A. M. E. A. (ao contrário do referido pela FP na informação para que remete a contestação), num momento ulterior ao da sua dissolução e encerramento da liquidação (cfr. factos 6. e 10.), ou seja, num momento em que já estava extinta (cfr. art.º 160.º, n.º 2, do CSC).

Como tal, desde logo não se pode notificar o que já não existe, tendo sim de ser notificado quem suceda à sociedade extinta.

A este respeito, chama-se à colação a disciplina constante do CSC a este propósito.

Assim, genericamente, do art.º 163.º, n.º 1, do CSC, decorrem as regras gerais atinentes ao passivo superveniente. Desta disposição legal extrai-se, desde logo, considerando o seu n.º 2, que, para efeitos de acionamento da generalidade dos sócios, as ações podem ser propostas contra os liquidatários, sendo que, atento o disposto no n.º 1 do art.º 151.º do CSC, “[s]alvo cláusula do contrato de sociedade ou deliberação em contrário, os membros da administração da sociedade passam a ser liquidatários desta a partir do momento em que ela se considere dissolvida”.
Em termos de passivo superveniente relativo a dívidas fiscais, é ainda de atentar no n.º 2 do art.º 147.º do mesmo código, que prevê a disciplina atinente à responsabilidade por dívidas fiscais ainda não exigíveis à data da dissolução, nas situações de partilha imediata, e do qual resulta a responsabilidade de todos os sócios. Como refere Raúl Ventura, (3)

“[a] existência, à data da dissolução, de dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis não obsta à partilha imediata (…). Em contrapartida, a responsabilidade pelas dívidas fiscais ainda não exigíveis alarga-se a todos os sócios, ilimitada e solidariamente (portanto, muito mais gravosamente do que o estabelecido no art. 163.º para o passivo superveniente)”.

Ou seja, em caso de dissolução e encerramento de liquidação da sociedade e sendo os sócios responsáveis nos termos explanados, deveria ter a AT procedido à sua notificação, o que não ocorreu, como resulta da matéria de facto assente.

Como tal, não resultando demonstrada a notificação das liquidações nos termos legalmente exigidos, tal comporta ilegalidade das mesmas, por caducidade do direito à liquidação.

Face ao exposto, assiste razão à Recorrente, resultando prejudicada a apreciação dos demais fundamentos do recurso.



Vencida a Recorrida é a mesma responsável pelas custas em ambas as instâncias (art.º 527.º do CPC), sem prejuízo de não haver lugar ao pagamento de taxa de justiça na presente instância, por não ter contra-alegado (art.º 7.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais).



Nos termos do art.º 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

In casu, atentas as questões em apreciação e a conduta processual das partes, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação, com a consequente anulação dos atos impugnados;

b) Custas pela Recorrida em ambas as instâncias, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 275.000,00 Eur.;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 15 de dezembro de 2021

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)
















1) Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. III, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 488 e 489.
2) Cfr. Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, do Supremo Tribunal Administrativo, de 20.01.2010 (Processo: 0832/08).
3) Raúl Ventura, Dissolução e Liquidação de Sociedades, 1.ª Ed., 3.ª Reimp., Almedina, Coimbra, 2003, p. 271.