Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09894/16
Secção:CT
Data do Acordão:01/12/2017
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:I.R.C.
NOÇÃO DE CUSTOS.
REQUISITO DA INDISPENSABILIDADE DE UM CUSTO.
SUBSÍDIOS JURISPRUDENCIAIS RELATIVOS À APLICAÇÃO DO ARTº.23, DO C.I.R.C.
ENCARGOS NÃO DEVIDAMENTE DOCUMENTADOS. ARTº.41, Nº.1, AL.H), DO C.I.R.C.
DESPESAS DE DESLOCAÇÕES E ESTADAS. CONCEITO. INSERÇÃO CONTABILÍSTICA.
MEIOS DE PROVA DO CUSTO EM SEDE DE I.R.C.
DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO. CONCEITO.
TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA DAS DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO.
DESPESAS DE PUBLICIDADE (CFR.ARTº.23, Nº.1, AL.B), DO C.I.R.C.).
Sumário:1. A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”. Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
2. Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.
3. O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário.
4. Quanto ao enquadramento no aludido artº.23, do C.I.R.C., deve fazer-se menção a três subsídios jurisprudenciais relativos à aplicação de tal normativo:
a-É entendimento da jurisprudência que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjectivista. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr.artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica;
b-Um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que nem por isso deixam de ser considerados indispensáveis, nos termos do artº.23, do C.I.R.C.;
c-A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado artº.23, do C.I.R.C.
5. Estipulava o artº.41, nº.1, al.h), do C.I.R.C., que não era permitida a dedução, para efeitos de determinação do lucro tributável, além do mais, dos encargos não devidamente documentados. Despesas não documentadas são aquelas que não têm qualquer suporte documental a nível contabilístico. Por sua vez, as despesas não devidamente documentadas serão aquelas cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, embora permita identificar os beneficiários e a natureza da operação. Nesse aspecto, se pode defender que o preceito em análise (artº.41, nº.1, al.h), do C.I.R.C.) constituía um afloramento do princípio da prova legal, dado exigir uma formalidade especial (prova documental) formalidade esta que não podia ser dispensada (cfr.artºs.364 e 393, do C.Civil; artº.607, nº.5, do C.P.Civil).
6. As despesas de deslocações e estadas são as suportadas pelos sujeitos passivos de I.R.C., quando estivermos perante encargos com transporte, estadias e refeições comportadas com trabalhadores dependentes da empresa por motivos de deslocação destes para fora do local de trabalho e mediante a apresentação de um documento comprovativo, mais devendo tais custos ser inscritos na conta 62 - Fornecimentos e serviços externos, face ao anterior regime do P.O.C. aprovado pelo dec.lei 410/89, de 21/11 (regime aplicável ao caso "sub judice" - cfr.artº.12, do C.Civil). Pelo contrário, se tais encargos fossem suportados através de ajudas de custo (sem apresentação do respectivo documento comprovativo da despesa), deviam ser inscritos na conta 64 - Custos com o pessoal.
7. A prova do custo pode ser efectuada através de documento interno (emitido pelo próprio sujeito passivo), desde que coadjuvado por qualquer outro meio de prova (testemunhas, documentos auxiliares, explanação da sua contabilidade), competindo ao Tribunal aquilatar sobre o preenchimento do respectivo ónus probatório. Deste modo, um custo não documentado externamente, pode assumir relevo fiscal se o contribuinte provar, por quaisquer meios ao seu dispor, a efectividade da operação e o montante do gasto. Por outras palavras, um documento de origem interna pode substituir um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele reflectidos.
8. O P.O.C. não conceptualizava as despesas de representação, pelo que, para a sua relevação contabilística, tem sido considerado o conceito previsto no C.I.R.C. Assim, o artº.41, nº.3, do referido diploma, prescrevia que se consideravam despesas de representação, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no país ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.
9. Actualmente para o conceito de despesas de representação deve atender-se ao artº.81, nº.7, do C.I.R.C. (cfr.anteriormente o artº.4, nº.6, do dec.lei 192/90, de 9/6), devem considerar-se como abarcando tal conceito, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos, no país ou no estrangeiro, a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.
10. A tributação autónoma das despesas de representação está actualmente incluída no artº.81, nº.3, do C.I.R.C., sendo a taxa de 20%. A sujeição a tributação autónoma de tais gastos implica que cada acto de despesa se considere um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em I.R.C. no fim do período contabilístico respectivo.
11. Por último, refira-se que apenas são dedutíveis como despesas de representação os custos devidamente documentados e escriturados, assim devendo satisfazer o requisito de indispensabilidade previsto no citado artº.23, do C.I.R.C. para que sejam como tal considerados.
12. Se do exame da factualidade provada se conclui que estamos perante despesas que se destinam, não a representar a sociedade impugnante onde esta não se encontra presente (portanto, fora da sua actividade principal), mas a assegurar o normal desenvolvimento do seu objecto social, dentro do circuito económico onde este naturalmente se manifesta, não se podem qualificar tais custos como despesas de representação, mas antes como custos inerentes ao normal desenvolvimento da actividade principal da sociedade impugnante/recorrida, de acordo com a definição do mesmo constante do nº.1 do probatório (comércio por grosso de produtos farmacêuticos), assim devendo enquadrar-se no artº.23, nº.1, al.b), do C.I.R.C., enquanto despesas de publicidade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.942 a 957 do presente processo, através da qual julgou totalmente procedente a impugnação intentada pela sociedade recorrida, "M..., S.A.", tendo por objecto liquidação adicional de I.R.C. e juros compensatórios, relativas ao ano de 1998 e no montante total de € 176.473,56.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.975 a 986 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Na douta sentença a quo entendeu-se que seria de anular parcialmente a liquidação adicional de imposto (IRC/1998), considerando então que a impugnante logrou provar ter incorrido em despesas com "deslocações e estadas" com os seus colaboradores, apenas tendo como documento contabilístico de suporte meros registos internos e, bem assim, despesas com "publicidade e propaganda e respectiva tributação autónoma", por considerar que as despesas incorridas com a participação de profissionais de saúde em congressos e seminários não se destinavam a representar a sociedade mas a assegurar o normal desenvolvimento do seu objecto social;
2-No que tange às correcções com "deslocações e estadas'', ressalvada a devida vénia, dissente do julgado esta RFP porquanto o mero documento contabilístico interno não constitui prova suficiente de a impugnante ter incorrido efectivamente nestas despesas, dado que, tratando-se de despesas relativas a pagamento de quilómetros a colaboradores da impugnante pela utilização de viaturas da empresa, e não obstante a apresentação de mapas de quilómetros, o certo é que estes registos deveriam estar documentados pelas facturas do combustível gasto, em cumprimento do disposto na alínea h), do nº 1 do art.º 41º do CIRC;
3-Assim, estando em causa a comprovação de um fornecimento de combustíveis, sempre seria indispensável para demonstrar e quantificar com rigor e exactidão as despesas incorridas, o recurso a elementos que constassem de documentos externos, como sejam: valores unitários e totais; identificação do vendedor e comprador, por exemplo;
4-Ainda assim, a prova da materialidade dos custos feita por documento interno deverá conter os elementos essenciais das facturas, o que não sucede no caso em apreço, posto que do teor daqueles documentos fica-se sem saber qual o consumo efectivo e real de combustível de cada veículo;
5-Quer isto dizer que através dos referidos documentos internos, não é possível saber quais as quantidades de combustível adquirido para aquele fim apenas com base na quilometragem das viaturas, sem que paralelamente sejam exibidos os necessários documentos de suporte comprovativos daquelas aquisições;
6-Ora, a aquisição do referido combustível, por parte dos colaboradores da impugnante, destinando-se, quer ao uso das viaturas para o desempenho das respectivas funções, quer para o respectivo uso pessoal, sem as respectivas facturas de aquisição, não é passível de ser conhecido o que e em que medida se destinava a um fim e a outro;
7-E, salvo o devido respeito, a prova testemunhal produzida nos autos, não permitiu confirmar a veracidade dos valores inscritos nos documentos internos que serviram de base ao registo contabilístico das pretensas despesas, porquanto apenas confirmaram a existência de tais documentos internos e que os próprios trabalhavam para a impugnante;
8-Sendo certo que a natureza de semelhantes despesas não se compagina com a qualificação de despesas de "deslocações e estadas", porquanto ao pagar quilómetros aos seus colaboradores pela utilização das suas próprias viaturas, o que a impugnante verdadeiramente está a ressarcir, são os próprios custos em que incorre pela sua utilização, quer se trate do combustível, quer do desgaste provocado no veículo;
9-No que tange às correcções relativas a alegadas despesas incorridas com "publicidade e propaganda e respectiva tributação autónoma", respeitam estas últimas a reuniões e seminários, nacionais ou internacionais, em que a impugnante diz ter incorrido para efeitos de participação de profissionais de saúde;
10-Ora, contrariamente ao infirmado na douta sentença a quo, o objectivo primacial dos referidos eventos - congressos e seminários - era a valorização profissional dos médicos e/ou proporcionar-lhes deslocações e estadas de carácter recreativo e social, não se vislumbrando qualquer justificação para ser a impugnante a assumir tais custos, já que, manifestamente, não contribuem para a realização dos seus proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, ou para a manutenção da fonte produtora e, como tal, não poderiam ser aceites fiscalmente conforme estatuído no nº 1 do art.° 23° do CIRC;
11-Acresce que não ficou evidente que a natureza de tais despesas se subsuma a despesas de publicidade, por incumprimento do disposto no DL 100/1994 de 19/04 e DL 48/99 de 16/02, dado que o médico não poderá ser influenciado, por via de um comportamento das empresas do ramo, na escolha do respectivo receituário, logo, não se pode aqui falar em despesas de publicidade enquanto meio para alcançar um incremento de vendas, motivo pelo qual não poderão ser consideradas como despesas de publicidade para os efeitos previstos no mesmo diploma legal e para efeitos do art.° 23º do CIRC;
12-Porém, e na parte destas despesas que a impugnante qualificou como sendo de publicidade e propaganda (correcção como despesas de representação) e em que participaram representantes seus, não se pode deixar de considerar, como resulta do relatório inspectivo, tratarem-se de verdadeiras despesas de representação, porquanto os custos incorridos com a deslocação de profissionais de saúde a seminários e congressos, quando acompanhados por pessoa ligada à impugnante e com capacidade de a representar, não poderão deixar de ser consideradas, por tal facto, como despesas de representação, sujeitas a tributação autónoma;
13-E, devendo manter-se a liquidação de imposto qua tale na ordem jurídica, correlativamente, não subjazem fundamentos, para a percepção de juros indemnizatórios por parte da impugnante;
14-Deste modo, entende a Fazenda Pública que o douto decisório fez uma errada valoração da fundamentação e da prova carreada pela AT e que se encontra vertida no relatório da Inspecção Tributária, bem como incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de direito, por errada interpretação do disposto nos art.° 74°, nº 1 e 75°, nº 1 da LGT, 41° e 23° do CIRC, na medida em que ali se considera que o impugnante cumpriu a obrigação de prova dos factos que alega, designadamente, através da prova testemunhal, sem que os documentos contabilísticos de suporte permitam retirar semelhantes conclusões;
15-Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação totalmente improcedente, tudo com as legais e devidas consequências. Porém V. Ex.as decidindo, farão a costumada justiça.
X
A sociedade recorrida produziu contra-alegações nas quais pugna pela improcedência do recurso e manutenção da decisão do Tribunal "a quo" (cfr.fls.989 a 1009 dos autos), rematando com o seguinte quadro Conclusivo:
1-Inconformada com a decisão do Tribunal a quo, a Fazenda Pública veio interpor recurso contra a Sentença proferida, em 7 de março de 2016, no âmbito do processo de impugnação judicial que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa, sob o número de processo .../04.1 BELSB, a qual julgou totalmente procedente a impugnação judicial apresentada pela ora recorrida contra o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e de juros compensatórios por referência ao exercício de 2008, na importância de na importância global de Eur. 116.718,03 (cento e dezasseis mil, setecentos e dezoito euros e três cêntimos);
2-Para o efeito, em especial no que respeita a despesas atinentes a «deslocações e estadas», questiona genericamente a Fazenda Pública a prova produzida em sede de inquirição de testemunhas, alegando que a mesma não permitiu confirmar a veracidade dos valores inscritos nos documentos internos que serviram de base ao registo contabilístico das pretensas despesas, porquanto apenas confirmaram a existência de tais documentos internos;
3-Tendo a prova testemunhal produzida nos presentes autos como principal intuito esclarecer os procedimentos adotados e não provar os valores inscritos, verifica-se que em momento algum esteve em causa a veracidade dos valores inscritos nos documentos internos - aliás não foi esse o fundamento das correções promovidas em sede de inspeção tributária - mas apenas o procedimento adotado pela recorrida;
4-Pelo que, para além da evidente essencialidade dos custos em causa incorridos com deslocações e estadas dos respetivos trabalhadores, ficou também demonstrado que os documentos internos existentes contêm todos os elementos necessários que justificam os custos registados, sendo que a forma como os mesmos são processados permite não apenas apurar a sua causa, natureza e montante de modo a permitir a sua arrumação contabilística, bem como a permitir o apuramento do lucro, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, devendo em consequência, ser anulada a correção efetuada à matéria coletável com estes fundamentos;
5-De facto, não é concebível que a frota automóvel da recorrida seja utilizada sem que existam custos com combustível, nem que os delegados da recorrida se desloquem nos automóveis propriedade daquela sem que sejam incorridos custos com combustível, que, como é óbvio, não podem ser suportados pelos próprios funcionários;
6-Acresce que, atenta a actividade particular desenvolvida pela recorrida, as deslocações dos delegados de venda são essenciais para a concretização do seu objeto social, pelo que também o são os custos com o combustível incorridos com essas deslocações;
7-Por outro lado, face ao número de veículos que constituem a frota automóvel da recorrida afeta às deslocações dos seus delegados, é perfeitamente razoável o montante constante a título de despesas com combustíveis;
8-Nessa medida, e face à douta jurisprudência superior invocada na decisão recorrida, em especial, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24 de abril de 2006 (Processo n.º 01194705), para efeitos de IRC a fatura não é a única forma de documentar e provar os custos incorridos, não existindo qualquer norma no Código do IRC e, muito menos nas normas contabilísticas, que exija a necessidade de fatura para documentar um custo;
9-Assim, louva-se uma vez mais a recorrida nas doutas conclusões alcançadas pelo Tribunal a quo e, bem assim, na jurisprudência superior invocada;
10-Ficou igualmente demonstrado que as despesas apresentadas pela recorrida, no exercício de 1998, com reuniões, seminários nacionais e internacionais, objeto das correções levadas a cabo no ponto 1.4 das Conclusões do Relatório Final de Inspeção, foram incorridas com o escopo de publicitar os produtos comercializados pela recorrida, e, consequentemente, incrementar as respetivas vendas e aumentar os lucros, razão pela qual que as despesas em causa devem ser consideradas despesas com publicidade, integralmente aceites, nos termos do artigo 23.º do CIRC;
11-A recorrida louva-se, assim, na sentença recorrida, a qual julgou bem a causa, “sub judice”, devendo ser mantida na íntegra, com as legais consequências;
12-Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deverá ser julgado improcedente o recurso apresentado pela Fazenda Pública, e assim, confirmada a douta Sentença recorrida, nos seus exatos termos.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de se negar provimento ao presente recurso (cfr.fls.1024 a 1026 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.944 a 949 dos autos):
1-A sociedade impugnante, "M..., S.A.", com o n.i.p.c. …, tem como atividade principal o comércio por grosso de produtos farmacêuticos, CAE 51460 (cfr.relatório de inspeção tributária junto a fls.625 a 648 dos presentes autos);
2-Com base nas Ordens de Serviço nº 73122 e 73123, foi efetuado procedimento inspectivo de âmbito parcial à sociedade M..., SA. aos exercícios de 1997 e 1998 (cfr.relatório de inspeção tributária junto a fls.225 a 248 dos presentes autos);
3-As correções, ora contestadas, obtiveram a seguinte fundamentação:
(…) Deslocações e Estadas - Registaram na conta Deslocações e Estadas o pagamento de quilómetros efetuado a funcionários da empresa pela utilização de viaturas da empresa, no valor de € 224.471,65 (…) dizem respeito ao pagamento de combustível utilizado nas mesmas. No entanto não existe legislação que permita o pagamento de quilómetros por utilização de viatura da empresa, pelo que o mapa de Kms apesar de registar o nº de km percorridos pelas viaturas que pertencem ao seu ativo ou por ele utilizadas em regime de locação, o nome dos funcionários que as utilizam e a matrícula das mesmas, não é suficiente para documentar a despesa, uma vez que a acompanhar este registo a empresa deveria ter documentos de suporte, tais como faturas de gasolina ou gasóleo correspondentes aos regimes referidos, não sendo por este motivo aceite como custo fiscal o montante de € 175.764,08, nos termos do art. 41º, nº 1, al. h) do CIRC (…)” (cfr.relatório de inspeção tributária junto a fls.225 a 248 dos presentes autos; documentos anexos ao relatório juntos a fls.311 a 324 dos presentes autos);
4-Com referência à Conta de Publicidade e Propaganda, Conta 62233310-Reuniões Seminários Nacionais, foi vertida no relatório inspetivo a seguinte fundamentação:
“(…) Em face da análise efetuada verificou-se que, em diversos congressos, os médicos foram acompanhados de representantes da empresa. Enquanto que os custos suportados com estes últimos foram corretamente registados na rubrica de deslocações e estadas, tendo sido acrescido ao resultado líquido do exercício 20% das despesas contabilizadas, os custos relativos às despesas efetuadas com o pessoal médico foram registados nesta subconta (62233310) e, como tal não foram acrescidos para efeitos de lucro tributável 20% destas despesas. Ainda que o objetivo principal do congresso seja a valorização profissional dos médicos, esteve sempre subjacente a representação da M..., donde se conclui serem despesas enquadráveis no nº 3 do art. 41º CIRC, não sendo, então, aceite como custo fiscal 20% do seu valor, o que, neste caso, corresponde ao montante de € 30.559,02 (6.126.533$00), nos termos da al. g) do nº 1 do art. 41º CIRC (...)”
(cfr.relatório de inspeção tributária junto a fls.225 a 248 dos presentes autos; documentos anexos ao relatório juntos a fls.325 a 337 dos presentes autos);
5-Com referência à Conta de Publicidade e Propaganda, Conta 62233320-Reuniões Seminários Internacionais foi vertida, no relatório inspetivo, a seguinte fundamentação:
“(…) Nesta subconta foram contabilizados os custos suportados com as inscrições oferecidas a médicos para participar em congressos realizados no estrangeiro, seminários, viagens e despesas de alojamento. (…) foi detectado que os médicos convidados foram acompanhados por representantes da empresa, enquadrando-se estas despesas no nº 3 do art. 41º do CIRC. Assim sendo é de acrescer ao resultado líquido do exercício 20% daqueles custos (€ 34.841,54) (Esc. 6.985.102$00), conforme previsto na al. g) do nº 1 do art. 41º do CIRC (…)”
(cfr.relatório de inspeção tributária junto a fls.225 a 248 dos presentes autos; documentos anexos ao relatório juntos a fls.338 a 344 dos presentes autos);
6-Em 27/11/2002, é efetuada a liquidação adicional de IRC/1998 no valor total de € 176.473,56, a qual estipulava a data limite de pagamento do imposto em 15/01/2003 (cfr.documento junto a fls.91 dos presentes autos);
7-Notificada da nota de cobrança relativa à liquidação identificada no ponto anterior, em 27/12/2002, a impugnante procedeu ao pagamento do imposto (IRC/98) no valor de € 142.702,05, nos termos do disposto no “D.L. 248-A/2002” (cfr.documento junto a fls.581 dos presentes autos);
8-Os veículos utilizados pelos delegados de propaganda médica da M..., encontram-se afetos a uso total dos mesmos, sendo que estes pagam, na totalidade, as despesas em que incorrem por causa da sua prestação de trabalho, nomeadamente, o consumo de combustível e parques de estacionamentos (cfr.depoimento das testemunhas J..., M... e J...);
9-O delegado de propaganda médica tem uma planificação do trabalho, por locais e médicos a visitar que depende de aprovação superior e, da qual não pode afastar-se sem prévio sancionamento superior (cfr.depoimento da testemunha J...);
10-O consumo de combustível gasto pelos delegados de propaganda médica era calculado (valor Km) com base num consumo médio de nove litros por cada cem quilómetros, tendo por referência o preço da gasolina sem chumbo (cfr.depoimento das testemunhas J..., M... e J...);
11-Os delegados de propaganda médica entregam mensalmente ao Chefe Regional de Vendas um “Mapa de Kms.”, com a identificação da matrícula da viatura, o qual enuncia o dia da deslocação, o local onde é feita a deslocação e o número de quilómetros realizados ao serviço da empresa (cfr.documentos juntos a fls.860 e 861 dos presentes autos; depoimento das testemunhas J... e M...);
12-Esse Chefe Regional de Vendas, ratificava os percursos e quilómetros percorridos, após a validação feita pelo chefe direto do funcionário (cfr.documentos juntos a fls.860 e 861 dos presentes autos; depoimento das testemunhas J... e J...);
13-As despesas com as “deslocações”, supra referidas, reportam-se a deslocações efetuadas pelos delegados de propaganda médica aos centros de saúde e hospitais com o fim de visitar médicos para promoção dos produtos da empresa (cfr.depoimento da testemunha M...);
14-Na sequência de reclamação graciosa deduzida, pela ora impugnante, em 9/02/2004, veio a ser deferida parcialmente relativa à rúbrica de publicidade – Reuniões e Seminários, enquadrados como Despesas de Representação, tendo sido aceite como despesas de publicidade o montante global de € 61.080,47, pelo que não foi deduzido do acréscimo ao lucro tributável a verba de € 12.216,09/€ 61.080,47 x 20% (cfr.documento junto a fls.32 a 43 dos presentes autos);
15-Em 27/02/2004, a impugnante apresenta no Tribunal Tributário de Lisboa a p.i. que originou a presente impugnação (cfr.data de entrada aposta a fls.2 do autos; articulado junto a fls.4 a 30 do processo).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados…”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e expressamente referidos no probatório supra e com base na prova testemunhal seguinte:
J..., Chefe Regional de Vendas (zona sul) e funcionário da impugnante há mais de trinta e cinco anos.
Esta testemunha explicou a forma como se processavam as “deslocações” dos delegados de propaganda médica ao serviço da impugnante, afirmando que sem as deslocações efetuadas pelos delegados de informação médica que se destinavam a visitar os médicos para divulgar os produtos da empresa, não se tinham verificado os resultados obtidos pela impugnante.
M..., empregada da impugnante e responsável por toda a documentação da empresa, relatou os mesmos factos descritos pela testemunha anterior, explicando como se processavam as deslocações ao serviço da empresa e a respetiva comprovação das despesas.
J..., Diretor de Vendas desde 1995 ao serviço da impugnante, veio a corroborar a prática seguida pela impugnante quanto às deslocações efetuadas pelos Delegados de Propaganda Médica.
Os depoimentos das três testemunhas inquiridas confirmaram, no essencial, os factos alegados pelo impugnante, nomeadamente, como se processavam as deslocações efetuadas ao serviço da impugnante, sendo que da análise aos documentos juntos nos autos, nomeadamente, os “Mapas de Kms”, em confronto com o depoimento das testemunhas, resultou a convicção que os depoimentos foram credíveis e esclarecedores, havendo uma relação lógica entre a prova testemunhal e a prova documental…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar totalmente procedente a impugnação pela sociedade recorrida intentada, nos termos seguintes:
1-Anulação parcial da liquidação adicional de I.R.C., do ano de 1998, na parte relativa à correcção efectuada incidente sobre “deslocações e estadas” e respectivos juros compensatórios;
2-Anulação parcial da liquidação adicional de I.R.C., do ano de 1998, na parcela atinente à correcção efectuada incidente sobre “despesas de publicidade e propaganda” e respectivos juros compensatórios, uma vez que estas despesas não consubstanciam despesas de representação conforme entendimento da Fazenda Pública (que nesse sentido as sujeitou a tributação autónoma), mas sim custos inerentes ao normal desenvolvimento da atividade principal da sociedade recorrida, cabendo na previsão normativa do artº.23, nº.1, al.b), do C.I.R.C.;
3-Condenação da Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios à sociedade recorrida desde a data em que esta efectuou o pagamento do imposto liquidado, até à data em que vier a ser emitida a respectiva nota de crédito.
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando, em síntese e como supra se menciona, que relativamente às correcções com "deslocações e estadas'', o mero documento contabilístico interno não constitui prova suficiente de a sociedade recorrida ter incorrido, efectivamente, nestes custos, dado que, tratando-se de despesas relativas a pagamento de quilómetros a colaboradores da sociedade pela utilização de viaturas da empresa, e não obstante a apresentação de mapas de quilómetros, o certo é que estes registos deveriam estar documentados pelas facturas do combustível gasto, sob pena de se considerarem gastos indocumentados nos termos do artº.41, nº.1, al.h), do C.I.R.C. Que a prova da materialidade dos custos feita por documento interno deverá conter os elementos essenciais das facturas, o que não sucede no caso em apreço, posto que do teor daqueles documentos fica-se sem saber qual o consumo efectivo e real de combustível de cada veículo. Que a prova testemunhal produzida nos autos não permitiu confirmar a veracidade dos valores inscritos nos documentos internos que serviram de base ao registo contabilístico das pretensas despesas. No que tange às correcções relativas a alegadas despesas incorridas com "publicidade e propaganda e respectiva tributação autónoma" não se vislumbra qualquer justificação para ser a sociedade recorrida a assumir tais custos, já que, manifestamente, não contribuem para a realização dos seus proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, ou para a manutenção da fonte produtora e, como tal, não poderiam ser aceites fiscalmente conforme estatuído no artº.23, nº.1, do C.I.R.C. Que na parte destas despesas que a sociedade recorrida qualificou como sendo de publicidade e propaganda e em que participaram representantes seus, não se pode deixar de considerar, como resulta do relatório inspectivo, tratarem-se de verdadeiras despesas de representação, porquanto, os custos incorridos com a deslocação de profissionais de saúde a seminários e congressos, quando acompanhados por pessoas ligadas à mesma sociedade e com capacidade de a representar, não poderão deixar de ser consideradas, por tal facto, como despesas de representação, sujeitas a tributação autónoma (cfr.conclusões 1 a 14 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erros de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal pecha.
No exame do presente recurso, desde logo, se deve recordar que o apelante não impugna a factualidade provada constante da sentença recorrida no âmbito do salvatério que deduz para este Tribunal (cfr.artº.640, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), nos termos previstos na lei.
Avancemos.
A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.).
Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/3/2006, rec.1236/05; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 17/7/2007, proc.1107/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15).
Refira-se, igualmente, que as empresas são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, a qual permita o controlo do lucro tributável (cfr.artº.98, do C.I.R.C., na versão em vigor em 1998; artºs.29 e 31, do C. Comercial).
Quanto ao enquadramento no aludido artº.23, do C.I.R.C., deve apelar-se a três subsídios jurisprudenciais relativos à aplicação de tal normativo:
1-É entendimento da jurisprudência que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjectivista. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr.artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/04/2010, rec.774/09; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/02/2008, rec.798/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/11/2009, proc.3253/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15);
2-Um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que, nem por isso, deixam de ser considerados indispensáveis, nos termos do artº.23, do C.I.R.C. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/6/2011, proc.4589/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2015, proc. 8137/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15);
3-A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado artº.23, do C.I.R.C. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/2/2010, proc.3669/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2015, proc. 8137/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15).
Revertendo ao caso dos autos, no que diz respeito aos custos com "deslocações e estadas'', conforme se retira do probatório (cfr.nº.3 da matéria de facto) a Fazenda Pública não acolheu tais despesas, visto as considerar não devidamente documentadas e, por consequência, enquadráveis no artº.41, nº.1, al.h), do C.I.R.C., em vigor em 1998, apesar de não colocar em causa a indispensabilidade das mesmas em sede de artº.23, do citado diploma.
Por seu lado, o Tribunal "a quo" concluiu que a sociedade recorrida havia produzido prova da materialidade e relevo de tais custos, atento o objecto social da sociedade recorrida, assim devendo ter relevância fiscal e ser considerados no apuramento do lucro tributável do sujeito passivo.
Vejamos quem tem razão.
Abordando os encargos não devidamente documentados, estipulava o artº.41, nº.1, al.h), do C.I.R.C., então em vigor, que não era permitida a dedução, para efeitos de determinação do lucro tributável, além do mais, dos encargos não devidamente documentados. Despesas não documentadas são aquelas que não têm qualquer suporte documental a nível contabilístico. Por sua vez, as despesas não devidamente documentadas serão aquelas cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, embora permita identificar os beneficiários e a natureza da operação (cfr.ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/6/2016, proc. 9551/16; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, ob.cit., pag.347).
Especificamente, no que se refere às despesas de deslocações e estadas, são as mesmas suportadas pelos sujeitos passivos de I.R.C. quando estivermos perante encargos com transporte, estadias e refeições comportadas com trabalhadores dependentes da empresa/sócios-gerentes actuando ao serviço da empresa, por motivos de deslocação destes para fora do local de trabalho e mediante a apresentação de um documento comprovativo, mais devendo tais custos ser inscritos na conta 62 - Fornecimentos e serviços externos, face ao anterior regime do P.O.C. aprovado pelo dec.lei 410/89, de 21/11 (regime aplicável ao caso "sub judice" - cfr.artº.12, do C.Civil). Pelo contrário, se tais encargos fossem suportados através de ajudas de custo (sem apresentação do respectivo documento comprovativo da despesa), deviam ser inscritos na conta 64 - Custos com o pessoal (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/05/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/9/2015, proc.8225/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/6/2016, proc. 9551/16; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, 2000, pág.277).
"In casu", conforme releva o Tribunal "a quo", tais despesas ocorreram para realização do objeto social da empresa e, não obstante não se encontrarem suportadas em documentos externos, baseiam-se em documentos internos elaborados pelos trabalhadores, visados pelos Chefes Directos, sancionados pelo Chefe Regional de Vendas e todo este procedimento é confirmado por meio da prova testemunhal produzida nos autos (cfr.nºs.3 e 8 a 13 do probatório).
É que, não obstante os custos incorridos deverem estar suportados pelos documentos externos respectivos, na medida em que adequados a conferirem-lhes credibilidade e a compor uma contabilidade legalmente organizada, à luz do direito (comercial, fiscal e contabilístico), sendo criadores de uma presunção de verdade, a circunstância de o não estarem não tem, necessária e vinculadamente, por consequência, a respectiva desconsideração no apuramento do lucro tributável, tudo em consonância com o princípio da prevalência da substância sobre a forma, no sentido de que, nuclearmente, o que releva, para o direito fiscal, é o apuramento da efectiva realidade, relevante para efeitos de tributação (cfr.J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.154 e seg.).
E recorde-se que a prova do custo pode ser efectuada através de documento interno (emitido pelo próprio sujeito passivo), desde que coadjuvado por qualquer outro meio de prova (testemunhas, documentos auxiliares, explanação da sua contabilidade), competindo ao Tribunal aquilatar sobre o preenchimento do respectivo ónus probatório. Deste modo, um custo não documentado externamente, pode assumir relevo fiscal se o contribuinte provar, por quaisquer meios ao seu dispor, a efectividade da operação e o montante do gasto. Por outras palavras, um documento de origem interna pode substituir um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele reflectidos (cfr.Joaquim Manuel Charneca Condesso, "Operações simuladas em sede de I.V.A. e de I.R.C. Perspectiva da Jurisprudência Tributária", in Cadernos de Justiça Tributária, edição do CEJUR-Centro de Estudos Jurídicos do Minho, nº.12, Abril/Junho 2016, pág.21 e seg.).
Concluindo, não vislumbra este Tribunal que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de direito, assim sendo forçoso julgar improcedente este fundamento do recurso, em consequência se confirmando a decisão do Tribunal “a quo”, neste segmento.
Passemos ao exame da correcção relativa a custos com "publicidade e propaganda e respectiva tributação".
Conforme se retira do probatório (cfr.nºs.4 e 5 da matéria de facto) a Fazenda Pública não acolheu tais despesas, visto concluir que as mesmas se enquadravam no conceito de despesas de representação, constante do artº.41, nº.3, do C.I.R.C., então em vigor, assim não devendo ser dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável e na proporção de 20%, nos termos do artº.41, nº.1, al.g), do mesmo diploma, mais uma vez não colocando em causa a indispensabilidade de tais custos em sede de artº.23, do C.I.R.C.
Por seu lado, o Tribunal "a quo" concluiu que não estamos perante despesas de representação, mas antes face a custos de marketing inerentes ao normal desenvolvimento da actividade principal da sociedade recorrida, assim devendo enquadrar-se no artº.23, nº.1, al.b), do C.I.R.C., enquanto despesas de publicidade/propaganda.
Vejamos quem tem razão.
De acordo com o anterior artº.37, al.a), do antigo Código da Contribuição Industrial (C.C.I.), as despesas de representação não se consideravam como custos ou perdas do exercício, sendo escrituradas a qualquer título e ainda que devidamente documentadas, na parte em que a Direcção Geral das Contribuições e Impostos as reputasse de exageradas.
Face ao regime previsto no citado artº.37, al.a), do C. C. Industrial, a doutrina definia as despesas de representação como aquelas que visavam custear as deslocações dos gerentes das empresas ou os seus representantes, sempre que tais deslocações fossem ao serviço das mesmas e devendo ser devidamente documentadas para serem consideradas custos pela Administração Fiscal (cfr.Prof. Raúl Dória e António Álvaro Dória, Dicionário Prático de Comércio e Contabilidade, Livraria Cruz-Braga, 3ª. edição, 1975, I volume, pág.489).
O Código do I.R.C., aprovado pelo Dec.lei 442-B/88, de 30/11, na redacção originária do artº.41, nº.1, al.g), passou a determinar que as despesas de representação não são custos fiscais, sendo escrituradas a qualquer título, na parte em que a Direcção Geral dos Impostos as repute exageradas.
Em qualquer dos normativos mencionados o “quantum” das despesas de representação não se encontrava vertido na lei e dependia da subjectividade de interpretação da D.G.I. Deste modo, o quantitativo das despesas de representação que não era aceite fiscalmente sujeitava-se ao poder discricionário da Administração Fiscal, podendo o sujeito passivo recorrer hierarquicamente para o Ministro das Finanças, no caso de não concordar com a decisão da D.G.I.
Com a Lei 39-B/94, de 27/12 (Lei do OE/95), regime em vigor a partir de 1/1/1995, o artº.41, nº.1, al.g), do C.I.R.C., passou a não considerar como custo fiscal as despesas de representação, escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%. Com esta alteração legislativa, a quantificação em 20% da não consideração como custo fiscal das despesas de representação, o legislador visou resolver os ditos problemas subjectivos inerentes ao critério de razoabilidade a analisar pela Administração Fiscal (regime aplicável ao caso dos autos).
Como já referimos, o P.O.C. não conceptualizava as despesas de representação, pelo que, para a sua relevação contabilística, tem sido considerado o conceito previsto no C.I.R.C. Assim, o artº.41, nº.3, do referido diploma, prescrevia que se consideravam despesas de representação, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no país ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.
Posteriormente, o artº.41, nº.5, da Lei 3-B/2000, de 4/4 (OE/2000), veio revogar, além do mais, o artº.41, nºs.3 e 4, do C.I.R.C., integrando essas despesas no artº.4, do dec-lei 192/90, de 9/6, mais estabelecendo, no seu nº.3, que as despesas de representação são tributadas autonomamente em I.R.S. ou I.R.C., consoante os casos, a uma taxa de 6,4%. Com a Lei 30-G/2000, de 29 de Dezembro (a designada “Lei da Reforma Fiscal”), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2001, no seu artº.6, aditou o artº.69-A, ao C.I.R.C., sendo que no nº.3 deste novo preceito, passam a ser tributados autonomamente, a taxa correspondente a 20% da taxa normal mais elevada, as despesas de representação. Por último, através do dec.lei 198/2001, de 3/7, que procedeu à renumeração dos artigos do C.I.R.C., a tributação autónoma das despesas de representação passou a ser incluída no artº.81, nº.3, do mesmo diploma, mantendo-se a taxa de tributação autónoma em 20%. Desta forma, é assegurada uma maior receita fiscal em I.R.C., pois que a tributação autónoma de tais despesas se caracteriza pelo facto de a empresa pagar imposto, independentemente da obtenção de lucro ou prejuízo fiscal.
É que, recorde-se, a sujeição a tributação autónoma de tais gastos implica que cada acto de despesa se considere um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em I.R.C. no fim do período contabilístico respectivo (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/2/2013, rec.1375/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2015, proc.8534/15).
Ainda no que diz respeito ao conceito de despesas de representação, atento o disposto no artº.81, nº.7, do C.I.R.C. (cfr.anteriormente o artº.4, nº.6, do dec.lei 192/90, de 9/6; actual 88, nº.7, do C.I.R.C.), devem considerar-se como abarcando tal conceito, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos, no país ou no estrangeiro, a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2015, proc.8534/15; Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pág.202 e seg.).
No caso "sub judice", do exame da factualidade provada (cfr.nºs.4 e 5 do probatório), deve concluir-se, com o Tribunal "a quo", que nos encontramos perante despesas que se destinam, não a representar a sociedade impugnante onde esta não se encontra presente (portanto, fora da sua actividade principal), mas a assegurar o normal desenvolvimento do seu objecto social, dentro do circuito económico onde este naturalmente se manifesta. Por outras palavras, não nos encontramos perante despesas de representação, mas antes perante custos inerentes ao normal desenvolvimento da actividade principal da sociedade impugnante/recorrida, de acordo com a definição do mesmo constante do nº.1 do probatório (comércio por grosso de produtos farmacêuticos), assim devendo enquadrar-se no artº.23, nº.1, al.b), do C.I.R.C., enquanto despesas de publicidade, conforme se entendeu na decisão recorrida.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 12 de Janeiro de 2017



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Cremilde Miranda - 2º. Adjunto)