Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05501/12
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:12/11/2012
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL.
IRC.
TRANSMISSÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS.
RAZÕES ECONÓMICAS VÁLIDAS.
PLANO ESPECÍFICO DE DEDUÇÃO.
Sumário:1.A norma do art.º 69.º da CIRC, na redacção do art.º 221/2001, de 7 de Agosto, impõe como requisito para o deferimento da transmissão dos prejuízos fiscais, no caso de fusão por incorporação, que a operação seja realizada por razões económicas válidas;

2. O preenchimento deste estalão legal constitui matéria de discricionariedade técnica por banda AT, com uma ampla margem de livre apreciação, o qual não pode ser fiscalizado pelos tribunais, salvo erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal;

3. O plano específico de dedução dos prejuízos fiscais da sociedade incorporada depois da sua fusão na incorporante, no caso de deferimento, pode ser ajustado pela AT dentro do período legalmente devido, quanto aos respectivos limites dentro de cada exercício.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. C…. ………………………………………, CRL, (doravante, C………… ou autora), identificada nos autos, veio deduzir a presente acção administrativa especial contra o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, tendo em vista obter a anulação do seu despacho de 8-1-2007 (despacho n.º 27/2007), proferido em delegação de competências, que lhe indeferiu o pedido de dedução de prejuízos fiscais por si apresentado em relação à incorporada CC…………………., e a entidade demandada condenada na prática do acto de deferimento expresso.


Tal acção foi interposta no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria o qual, após vicissitudes diversas, veio a declarar este Tribunal incompetente em razão da hierarquia (despacho de fls 474 a 476), tendo em conta a categoria do autor do acto, tendo os autos vindo a ser remetidos a este TCAS, onde prosseguiu a sua ulterior tramitação, com vista à Exma RMP e colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


Naquele TAF de Leiria, foi citada a entidade demandada, tendo a mesma vindo contestar e juntar o processo administrativo.


Neste mesmo TAF de Leiria, foi proferido o despacho de fls 374 dos autos, que decidiu da desnecessidade da produção de quaisquer outras provas, dele tendo sido interposto recurso para o STA, mas que foi não admitido pelo despacho de fls 404, sobre o qual nenhuma reacção suscitou junto das partes processuais.


No despacho supra, foram ainda as partes notificadas para alegarem por escrito, cujas conclusões na íntegra se reproduzem:


Da autora:
1. O pedido de transmissibilidade de prejuízos fiscais deduzido pela Autora, no âmbito da operação de fusão com a CC……………., respeitou todas as exigências legais e foi devidamente fundamentando, mormente, em face dos pressupostos previstos no n.º 2 do art. 69.º do CIRC.
2. Nos termos do art. 69.º do CIRC incumbe ao Ministro das Finanças decidir dos pedidos dos contribuintes para concessão do benefício ali previsto, indicando o n.º 2 que, para tal, a fusão deve fundar-se em razões económicas válidas e deve estar inserida numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva ­verificados tais pressupostos a lei incumbe a Administração no dever de decidir favoravelmente o pedido do contribuinte.
3. Conforme dispõe o Acórdão do STA de 05.07.06, proferido no recurso n.º 142/06, "razões económicas válidas" e "inserção numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo Prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva”, "são conceitos indeterminados cujo preenchimento cabe à Administração e que, ao contrário do poder discricionário verdadeiro e próprio, como poder de eleger uma de entre várias soluções igualmente válidas, só admitem uma solução justa no caso concreto".
4. Em face dos autos, é manifesta a existência de uma motivação económica válida da fusão em apreço, bem como, a sua inserção numa estratégia de redimensionamento e de reestruturação das entidades envolvidas, com claros efeitos positivos na estrutura produtiva.
5. Estes conceitos indeterminados de cujo preenchimento a lei faz depender a concessão do beneficio, segundo dispõe o Acórdão do TCA (Sul), de 01.02.05 (processo n.º 25/04), "devem ser preenchidos em concordância com o art. 11.º da Directiva n.º 90/434CEE do Conselho, de 23.07.1990, que dispõe sobre o regime fiscal comum, de modo a evitar a tributação das fusões, no sentido de que tais operações devem ir além da procura de um benefício puramente fiscal como a compensação horizontal de perdas, nos termos interpretados no acórdão C-28/95 do Tribunal de Justiça, de 17.07.1997".
6. In casu, muito para além do aproveitamento do potencial benefício fiscal atribuído por lei, o que, de facto, se visou com a fusão foi justamente a racionalização dos recursos existentes, lançando-se mão para o efeito do meio reconhecidamente mais válido para atingir esse fim - a fusão.
7. Em face da dissonância entre o disposto no art. 69.º do CIRC e a interpretação da Administração fiscal, o Despacho que indefere a pretensão da Autora é manifestamente ilegal, por violação de lei, por erro manifesto na interpretação de conceitos legais relativamente indeterminados e por desvio de poder, devendo ser anulado nos termos do art. 135.º do CPA.
8. O acto sub judice extravasa a letra e a ratio do n.º 2 do art. 69.º do CIRC, consubstanciando uma ilegalidade congénita do mesmo.
9. Estamos pois, perante o que a jurisprudência (vide, os acórdãos do STA, de 02.02.88, 10.07.86, 09.06.94 e 17.04.80, proferidos, respectivamente, nos recursos 021666, 020496, 028382, e 013565) denomina por erro manifesto na apreciação dos factos e na interpretação de conceitos legais relativamente indeterminados, erro esse que constitui vício de violação de lei, sindicável por esse Tribunal e susceptível de determinar a anulação do acto em crise.
10. O acto de indeferimento do pedido formulado pela Autora consubstancia um erro grosseiro de interpretação e uma manifesta desadequação ao escopo do art. 69.º do CIRC, bem como, da mens legis que o precede.
11. Invoca ainda a Administração fiscal que, ". . .a aplicação do plano especifico de dedução dos prejuízos fiscais, a que alude o n.º4 do art. 69.º do CIRC (determinado pelo Despacho n° 79/2005-XVII, de 2005/04/15, de S. Exa o SEAF), não iria permitir que a entidade incorporante deduzisse os prejuízos da entidade incorporada".
12. Como o poder decisório da Administração se esgota aqui na densificação dos requisitos do n.º 2 do art. 69.º, tal posição representa a criação de um verdadeiro critério decisório ex novo, fora do esquema regular de criação de normas legais impositivas, em violação do princípio da legalidade.
13. A limitação imposta pela Despacho n° 79/2005-XVII, do SEAF, cria uma efectiva e ilegal restrição do direito à dedução, violando abertamente os limites legalmente impostos no art. 69° do CIRC.
14. Tal viola manifestamente o princípio da legalidade, expresso no art. 103.º da CRP e no art. 8.º da LGT, bem como o princípio da tributação pelo rendimento real das empresas, vertido no n.º 2 do art. 104.º da CRP.
15. As circulares não são fonte de direito. Segundo SOARES MARTINEZ “não têm por destinatários os particulares, os cidadãos, os contribuintes", nem vinculam “os Tribunais, que tratam de aplicar as leis fiscais sem qualquer dependência dos critérios adoptados pela Administração" (Direito Fiscal, Almedina, 1993, pag. 111).
16. Visto que o Despacho n° 79/2005 - XVII, do SEAF, publicitado pela Circular 7/2005, não é lei não pode, como tal, o seu conteúdo ser assumido como critério decisor a ponderar pela Administração fiscal.
17. Sempre seria de refutar a aplicação in casu da Circular 7/2005, porquanto, as entidades envolvidas são cooperativas e, objectivamente, aquele normativo está pensada e estruturados para aplicar às sociedades comerciais.
18. O critério da Administração fiscal para indeferir o pedido da Autora é claramente desfasado desta ponderação e culmina numa decisão mal que viola, de forma flagrante, a ratio do art. 69.º do CIRC, bem como, de todo os instituto que potencia a neutralidade das operações de fusão.

TERMOS EM QUE, E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE A PRESENTE ACÇÃO SER TOTALMENTE PROCEDENTE POR PROVADA, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, NOMEADAMENTE A REVOGAÇAO DO ACTO DE INDEFERIMENTO EXPRESSO DO PEDIDO DE DEDUÇÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS DEDUZIDO PELA AUTORA E A CONSEUQUENTE CONDENAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO FISCAL À PRÁTICA DO DEFERIMENTO LEGALMENTE DEVIDO JUSTIÇA


Da entidade demandada:
I. A Entidade Ré reitera tudo o que ficou dito em sede de contestação, contudo, sempre se destaca, em suma, aquilo que entende ser mais relevante na decisão da presente Acção:
II. A Autora interpôs a presente acção administrativa especial contra o despacho n.º 27/2007-­XVII, de 08.01.2007, pugnando pela sua anulação por ilegalidade, na parte em que indeferiu o pedido de dedução de prejuízos fiscais nos termos do artigo 69.º do CIRC e pela condenação da Entidade Ré à prática de acto administrativo devido.
III. A Autora, não concorda com os fundamentos do acto ora impugnado, que no seu entender contrariam a letra e o espírito da lei, e argumenta que foi aplicada ilegalmente a Circular 7/2005 de 16 de Maio e que lhe foi coartado o seu "direito à dedução".
IV. Mas não tem a A. razão. Aliás, os seus argumentos são pouco consistentes, até contraditórios nada havendo a apontar à fundamentação do acto de indeferimento.
V. A Autora destaca o facto de a CC………………. se encontrar numa situação difícil e admite que a criação da nova estrutura foi motivada pelo facto de a actividade da estrutura existente no passado (referindo-se à CC………………) não ter corrido tão bem como se perspectivava.
VI. A Autora também admite que as limitações decorrentes do balanço e da desorganização da CC………………….. lhe vedaram a actividade de concessão de crédito não agrícola a não associados.
VII. Aliás, nos dias imediatamente anteriores à escritura de fusão, o património da CC………………….. registava um valor negativo (-€485.457).
VIII. E é inegável a grande desproporção entre o valor da sociedade incorporada e o da ora Autora.
IX. De acordo com os factos indicados, ficou assim, por esclarecer, o interesse económico da operação de incorporação da CC…………………., dado que esta sociedade representa uma sobrecarga tão elevada, com risco de não poder continuar a exercer a sua actividade normal, e apenas apresenta elevados prejuízos.
X. Refira-se o conteúdo do ponto 14 da Adenda à informação n.º 1439/2006 que destaca que, quaisquer efeitos positivos que se viessem a verificar após a fusão só poderiam ficar a dever­-se, exclusivamente à sociedade incorporante que se encontrava numa boa situação financeira e patrimonial.
XI. Da análise da fundamentação do acto, constante dos pareceres informações juntos no PA, nomeadamente a informação n.º 1439/2006 da Direcção de Serviços do IRC e a respectiva Adenda de 14/12/2006, resulta claramente indiciada a natureza fiscal da operação.
XII. Perante os factos referidos, a Administração Fiscal só podia concluir que o principal contributo da sociedade incorporada na operação de fusão se resume à transmissão de elevados prejuízos para a sociedade incorporante.
XIII. Contrariamente ao defendido pela Autora, não existe na presente situação um "direito à dedução".
XIV. O regime de reporte de prejuízos é um regime de excepção, tratando-se de um medida de afastamento excepcional do regime geral de intransmissibilidade dos prejuízos fiscais, consagrado no artigo 47.º do CIRC.
XV. Aliás, para que seja autorizada a dedução dos prejuízos fiscais da sociedade incorporada, é necessário ter em consideração os pressupostos e condições de aplicação do regime (cfr. art 69° do CIRC).
XVI. O artigo 69° do CIRC, contém conceitos indeterminados - como "razões económicas válidas" ou "se a fusão se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva" - o que dá à Administração fiscal uma margem de livre decisão, e a necessidade de ponderar, dentro dos limites da discricionariedade técnica, se por exemplo, existiram "razões económicas válidas" na operação de fusão para que seja autorizada a transmissão de prejuízo.
XVII. Assim, não se pode concluir que a A. tenha um verdadeiro "direito à dedução", como se se tratasse de um mero reconhecimento de um benefício, que estivesse dependente apenas da verificação de pressupostos sem a necessidade do preenchimento valorativo dos conceitos referidos. A ser assim, esta interpretação do artigo 69.º do CIRC seria completamente abusiva e ilegal.
XVIII. A própria jurisprudência, no Acórdão do STA de 07/05/2006, Rec. 0142/06, conclui que a Administração tem uma longa margem de apreciação relativamente a matéria de discricionariedade técnica. E o mesmo defende o Prof. Freitas do Amaral e o Prof. Casalta Nabais in. Direito Fiscal, 3. Edição, citados no referido Acórdão do STA.
XIX. Pelo que, não estamos perante o exercício de poderes vinculados, mas ao contrário é o próprio legislador que remete para a Administração a competência para fazer um juízo técnico, com uma larga margem de livre apreciação.
XX. Deste modo, se pode concluir que, face ao fim legal, outra não podia ter sido a decisão da Administração Fiscal, que não o indeferimento da requerida dedução de prejuízos.
XXI. Quanto à aplicabilidade da Circular 7/2005 de 16/5 que divulgou o Despacho n.º 79/2005-­XVII, de 16/04/05 do Sr. SEAF (articulados 150° a 164° da PI). Esclarece-se que no referido despacho, o Sr. SEAF sancionou a aplicação de critérios objectivos, para efeitos do exercício do poder conferido no n.º4 do artigo 69° CIRC, de modo a uniformizar as decisões.
XXII. As circulares são orientações genéricas que vinculam a Administração (art.º 68° n.º4 b) da LGT) e visam a uniformização da interpretação e aplicação das normas tributárias pelos serviços (art.º 55° CPPT).
XXIII. Contesta-se também a interpretação que Autora faz do n.º 4 do artigo 69.º do CIRC pois não tem em conta que o n.º 4 do artigo referido, só é aplicável quando existe um despacho de autorização.
XXIV. Apenas nesses casos, é que a Administração Fiscal recorre às orientações da referida Circular, e a isso está vinculada;
XXV. De facto, o objectivo da circular, é o "de compatibilizar os interesses financeiros do Estado com o regime especial de neutralidade fiscal em que se integra o benefício da transmissibilidade dos prejuízos fiscais, por forma a que o exercício da faculdade prevista no n.º4 do artigo 69° do Código do IRC assente em critérios objectivos que permitam a uniformização das referidas decisões."
XXVI. Pelo que, não tem a A. razão ao dizer que "o direito da Autora" foi efectiva e ilegalmente restringido, pugnando pela "desaplicação" do despacho n.º 79/2005-XVII, de 16/04/05 do Sr. SEAF.
XXVII. O pedido de transmissibilidade de prejuízos fiscais formulado pela ora Autora, foi indeferido ". . . pela falta de verificação dos pressupostos quanto à sua concessão, em concreto pela inexistência de razões económicas válidas, determinados pelos n.º1 e 2 do artigo 69º do Código do IRC," e esse é o fundamento de direito que se encontra no despacho ora impugnado.
XXVIII. As referências que são feitas ao n.º4 do artigo 69° do mesmo código servem apenas como reforço da decisão do indeferimento, veja-se o ponto 15 da Adenda à informação n.º 1439/2006, que se transcreve: "E mesmo que se entendesse que a fusão tinha sido realizada por razões económicas válidas, a aplicação do plano específico de dedução dos prejuízos fiscais, a que alude o n.º4 do artº 69° do CIRC, não iria permitir que a entidade incorporante deduzisse os prejuízos da entidade incorporada".
XXIX. Assim, podemos concluir que a decisão de indeferimento foi devidamente fundamentada, na não existência de razões económicas válidas nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 69º do CIRC, pelo que não tem a Autora razão quando pugna pela desaplicação da circular 7/2005.
XXX. Pelo supra exposto, deve manter-se a decisão de indeferimento por estar conforme à lei, mesmo que assim não se entenda, não pode ser procedente o pedido de condenação à prática de acto devido, tendo em conta que, o juízo discricionário da Administração só pode ser fiscalizado pelo Tribunal, quando exista erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal, o que não aconteceu.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. EXA., doutamente se dignará suprir, deve ser julgada procedente a excepção invocada, e no mais, deve a presente acção ser considerada inteiramente improcedente por não provada e pela não verificação de qualquer vício, mantendo-se o acto recorrido com todas as legais consequências.


Quanto à aceitação da competência deste Tribunal em razão da hierarquia para conhecer do mérito da presente acção, tendo em conta o disposto no art.º 38.º, alínea b) do ETAF, a mesma afigura-se-nos incontroversa, a qual assim, decididamente, se aceita.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se o despacho impugnado preencheu o conceito indeterminado de razões económicas válidas, em erro e, mesmo grosseiro; Se tais razões económicas válidas, no caso, se mostram preenchidas em ordem ao deferimento do pedido; E se tal despacho de indeferimento assentou em critério ex novo, fundado em Circular, sem acobertamento legal.


3. A matéria de facto.
Com relevo para a apreciação do mérito da acção, pelos documentos e processo administrativo juntos e articulação das partes, encontra-se provada a seguinte factualidade, a qual se passa a subordinar às seguintes alíneas:
a) Por requerimento entrado no Serviço de Finanças do Concelho de ………….. em 30.11.2005 e dirigido ao Exmo Ministro das Finanças, a C……….. ……………… de P..........., Cooperativa de Responsabilidade Limitada (ora autora), veio peticionar que se digne autorizar a transmissão, para si, entidade incorporante, dos prejuízos fiscais, no valor global de € 4.173.460, apurados no exercício de 2004 e no período compreendido entre 1/1/2005 e o dia da cessação da actividade da respectiva, pela C………. de ………. de Vila ……………, Cooperativa de Responsabilidade Limitada – cfr. processo instrutor, cujas folhas não se mostram numeradas;
b) No âmbito deste procedimento, uma técnica economista elaborou o parecer datado de 7.11.2006, onde propõe que tal autorização não seja concedida, por, além do mais e para o qual se remete, dada a sua extensão ...na medida em que, para além de não haver interesse económico conforme exige o n.º2 do artigo 69.º do CIRC, o plano específico de dedução de prejuízos fiscais transmitidos, que deverá ser efectuado ...não permitiria qualquer dedução dos prejuízos fiscais transmitidos pela CC……….. Com efeito, a alínea c) do n.º1 da Circular 7/2005, impõe como restrição à dedutibilidade dos prejuízos o contributo da sociedade incorporada na promoção dos resultados futuros da sociedade incorporante. Esse parâmetro é encontrado através do peso relativo que o património da sociedade incorporada possui, no conjunto dos patrimónios de todas as entidades envolvidas na operação.
Se, como um peso relativo próximo do zero (património quase nulo), a dedução fica limitada a uma reduzida percentagem do acréscimo do lucro tributável da sociedade incorporante, quando um património é negativo (o nosso exemplo), não será possível, face ao que está determinado, efectuar qualquer dedução dos prejuízos da incorporada na incorporante... - cfr. mesmo processo instrutor;
c) Sobre tal parecer foi ainda produzida uma ADENDA, datada de 14-12-2006, depois de exercido o direito de audição pela ora autora, onde foi aduzida doutrina no sentido da não autorização propugnada e tendo sido apreciados os fundamentos invocados em tal direito, rebatendo-os, tendo-se concluído: Somos de parecer que os argumentos aduzidos pela requerente no exercício do direito de audição não merecem acolhimento. Tendo em atenção a presente adenda e os factos e fundamentos invocados no projecto de decisão que se encontra no processo, propõe-se que se convole em definitivo o projecto de decisão ...- cfr. mesmo processo instrutor;
d) Sobre tal Adenda e parecer a Directora de Serviços apôs o seu despacho de Concordo, afigurando-se de convolar em definitiva a decisão de indeferimento do pedido de transmissão de prejuízos, com os fundamentos apresentados na informação e adenda, em 18-12-2006, bem como o substituto legal do Director-Geral, apôs o seu despacho de Concordo com o indeferimento, em 27.12.2006 – cfr. mesmo processo;
e) Sobre tais informações e despachos, foi lavrada a nota informativa, composta por duas folhas, procedendo ao resumo das razões para o indeferimento de tal transmissão de prejuízos, onde se propõe o consequente indeferimento, na qual o Exmo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, em 8.01.2007, apôs o seu despacho de Concordo, Despacho n.º 27/2007/XVII – cfr. mesmo processo;
f) O despacho supra foi notificado à ora autora pelo ofício 1236, datado de 17-01-2007 – cfr. mesmo processo;
g) A petição inicial da presente acção administrativa especial deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria em 20.04.2007 – cfr. carimbo aposto a fls 2 dos presentes autos;
h) Pelas apresentações (provisórias por natureza), n.ºs 09/200050622 e 03/20051028, na Conservatória do Registo Comercial de P..........., foi inscrito o projecto de fusão, fusão e designação de órgãos sociais, da firma C……….. de ……………. de P..........., CRL, por transferência global do património da sociedade incorporada C……… de …………… de Vila …………., CRL,...para a sociedade incorporante, C……….. …………………. de P..........., CRL, por fusão por incorporação com alteração dos estatutos quanto ao objecto, capital mínimo e órgãos sociais...- cfr. mesmo processo.


4. O direito.
À hoje denominada acção administrativa especial correspondia o anterior recurso contencioso, que aquela veio substituir, tendo contudo o seu objecto sido ampliado, de molde a nela caber não só a declaração de invalidade ou anulação dos actos recorridos – cfr. art.ºs 6.º do anterior ETAF e 191.º do CPTA – como também, entre outros, no pedido de condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido – art.º 46.º e segs do CPTA – e tendo o prazo geral para a sua dedução sido alargado para três meses – seu art.º 58.º - sendo esta, actualmente, a forma processual para fazer valer em juízo os direitos dos administrados que até então eram efectuados através do dito recurso contencioso.

A reforma sobre a tributação do rendimento e a adopção de medidas destinadas a combater a evasão e fraude fiscais constituiu o fundamento avançado pelo legislador para proceder a vastas e profundas alterações, quer no CIRS, quer no CIRC, na chamada reforma da tributação aprovada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.
Porém, volvidos que foram pouco mais de seis meses já, de novo, o legislador sentiu necessidade de rever, quer esses mesmos códigos, quer outros diplomas legais como o Estatuto dos Benefícios Fiscais, alteração agora erigida como instrumento de facilitação do conhecimento e interpretação do quadro legal por parte dos sujeitos passivos do imposto tendo procedido à sua republicação integral pelo Dec-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho.
Só que também aqui os propósitos do legislador nesta matéria não foram duradouros. Com efeito, volvido menos de um mês, já se encontrava de novo, a alterar, entre outros diplomas, o CIRC, em oito dos seus artigos pelo Dec-Lei n.º 221/2001, de 7 de Agosto.

Conforme consta do preâmbulo deste último Dec-Lei, as preocupações, agora, foram as de introduzir no regime de neutralidade fiscal no tratamento de operações que visam a reestruturação ou a racionalização da actividade das empresas, como forma decisiva para a competitividade do tecido empresarial, uma maior eficácia e celeridade. E como consta do mesmo preâmbulo, Dá-se a um dos aspectos fulcrais do regime – a transmissibilidade de prejuízos – maior desenvolvimento e prevê-se uma norma de deferimento tácito aplicável nas situações em que não seja proferida decisão no prazo de três meses contados a partir da data da apresentação do requerimento.

Por este último Dec-Lei, aplicável ao caso, tendo em conta a data em que o requerimento a pedir tais benefícios deu entrada na DGCI, a norma do art.º 69.º do CIRC, subordinada à epígrafe, Transmissibilidade dos prejuízos fiscais, tinha a seguinte redacção:
1 – Os prejuízos fiscais das sociedades fundidas podem ser deduzidos dos lucros tributáveis da nova sociedade ou da sociedade incorporante até ao fim do período referido no n.º1 do artigo 47.º, contado do exercício a que os mesmos se reportam, desde que seja concedida autorização pelo Ministro das Finanças, mediante requerimento dos interessados entregue na Direcção-Geral dos Impostos até ao fim do mês seguinte ao do registo da fusão na conservatória do registo comercial.
2 – A concessão da autorização está subordinada à demonstração de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, devendo ser fornecidos, para esse efeito, todos os elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos como económicos.
3 – O disposto nos números anteriores pode igualmente aplicar-se com as necessárias adaptações, às seguintes operações:
a)...
b)Na entrada de activos, em que é transferido para uma sociedade residente em território português um estabelecimento estável nele situado de uma sociedade residente num estado membro da união Europeia, que preencha as condições estabelecidas no artigo 3.º da Directiva n.º 90/434/CEE, de 23 de Julho, verificando-se em consequência dessa operação, a extinção do estabelecimento estável;
c)...
4 – No despacho de autorização pode ser fixado um plano específico de dedução dos prejuízos fiscais a estabelecer o escalonamento da dedução durante o período em que pode ser efectuada e os limites que não podem ser excedidos em cada exercício.
...
7 – O requerimento referido no n.º1, quando acompanhado dos elementos previstos no n.º2, considera-se tacitamente deferido se a decisão não for proferida no prazo de três meses a contar da sua apresentação, sem prejuízo das disposições legais antiabuso eventualmente aplicáveis.
8 – Para efeitos do cômputo do prazo referido no número anterior, considera-se que o mesmo se suspende sempre que o procedimento estiver parado por motivo imputável ao requerente.
...
A norma daquele n.º7 veio ainda a ser objecto de nova alteração legislativa pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para o ano de 2003), tendo vindo alargar o prazo para se produzir o deferimento tácito para seis meses.

E a do art.º 47.º, esta na redacção vigente introduzida pelo citado Dec-Lei n.º 198/2001:
1 – Os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores.
...

No caso, o despacho do Exmo SEAF em causa, indeferiu, de forma expressa, o pedido da ora autora para esta deduzir no lucro tributável apurado no exercício da sua actividade, os prejuízos fiscais da sociedade em si incorporada, e teve lugar porque, além do mais ... na medida em que, para além de não haver interesse económico conforme exige o n.º2 do artigo 69.º do CIRC, o plano específico de dedução de prejuízos fiscais transmitidos, que deverá ser efectuado ...não permitiria qualquer dedução dos prejuízos fiscais transmitidos pela CCAMVNÇOS. Com efeito, a alínea c) do n.º1 da Circular 7/2005, impõe como restrição à dedutibilidade dos prejuízos o contributo da sociedade incorporada na promoção dos resultados futuros da sociedade incorporante. Esse parâmetro é encontrado através do peso relativo que o património da sociedade incorporada possui, no conjunto dos patrimónios de todas as entidades envolvidas na operação.
Se, como um peso relativo próximo do zero (património quase nulo), a dedução fica limitada a uma reduzida percentagem do acréscimo do lucro tributável da sociedade incorporante, quando um património é negativo (o nosso exemplo), não será possível, face ao que está determinado, efectuar qualquer dedução dos prejuízos da incorporada na incorporante..., ao que a ora autora contrapõe, que existe uma motivação económica nessa operação, desta forma pretendendo dar como preenchido o citado conceito legal de razões económicas válidas, sendo que tal erro em que a AT labora nesse preenchimento é mesmo grosseiro - conclusões 1.ª a 10.ª - e que tal despacho ao assumir como parâmetro de preenchimento desse conceito indeterminado o Despacho n.º 79/2005-XVII, de 2005/04/15, de S. Exa o SEAF, veio estribar a sua conformação legal com doutrina contida em fonte não legal, criando um verdadeiro critério decisório novo, em violação dos princípios da legalidade e da tributação pelo lucro real, já que tal Despacho não pode servir como parâmetro de conformação para o preenchimento desse conceito legal, antes o extravasando, o que também constitui uma sua ilegalidade – restantes conclusões recursivas da presente acção.

Relativamente à matéria das suas primeiras dez conclusões desta acção quanto o que teria sido o verdadeiro fundamento para indeferir a pretensão da ora autora, dos autos resulta, com suficiente clareza, desde logo da matéria da alínea b) do probatório firmado, que só por si, permite apreender que o foi por ausência de razões económicas válidas, estalão legal previsto no n.º2 do citado art.º 69.º do CIRC, que a AT entendeu e decidiu não se encontrar preenchido, sendo que a situação de património quase nulo da sociedade incorporada, como no caso acontecia, foi erigido pela AT como mais um factor coadjuvante ou acréscimo, para tal estalão se não encontrar preenchido, logo não podendo haver lugar à dedução dos pretendidos prejuízos da incorporada no apuramento da matéria colectável da incorporante, ainda que em tal despacho, segundo dele perpassa, pareça que se tenha ido mais longe, concretamente, quanto a tal dedução dos prejuízos, prospectando-o também, condicionalmente e no futuro.

É que na nota informativa referida na matéria da alínea e) do probatório supra fixado, nela se escreveu, ainda, “E mesmo que se entendesse que a fusão tinha sido realizada por razões económicas válidas, a aplicação do plano específico de dedução dos prejuízos fiscais, a que alude o n.º4 do art.º 69.º do CIRC, não iria permitir que a entidade incorporante deduzisse os prejuízos da entidade incorporada”, ou seja, ao menos em tese, o despacho recorrido admitiu, que mesmo com o preenchimento do estalão legal de razões económicas válidas, poderia, ainda assim, também não haver lugar à dedução de tais prejuízos, no todo, no caso, face ao citado n.º4 do art.º 69.º, que na realidade volta a colocar na AT o poder de, face à situação económico-financeira das entidades envolvidas na operação, designadamente dos respectivos patrimónios, da incorporada no caso, poder fixar os respectivos limites dessa dedução, pelo que embora tenha sido erigido aquele pressuposto legal como fundamento para o indeferimento desse pedido, ao se avançar mais uma razão para esse indeferimento, ao se convocar, no condicional, é porque se entendeu que a autora não reunia tais condições económicas válidas, desta forma se ficcionando que, mesmo que as reunisse, sempre o despacho seria o mesmo esteado num outro fundamento que a tal conduziria, não tendo directamente que ver com a invocação da Circular n.º 7/2005, cujo regime apenas foi avançado a título condicional e não para sobre ele estear o indeferimento desse despacho.

Aliás, em todo esse parecer de 7-11-2006, referido na matéria da alínea b) do probatório supra firmado, ressalta que o preenchimento desse conceito legal de razões económicas válidas era um dos requisitos legais que tinha de se mostrar preenchido para alcançar tal deferimento, como se pode ver desde logo de fls 4 desse relatório nos seus pontos 9., 10. e 11, a fls 7 no seu ponto 19 (a concessão da autorização da transmissibilidade dos prejuízos fiscais da incorporada na incorporante, está subjugada à evidência de que a fusão foi efectuada por critérios económicos vantajosos com consequências positivas na estrutura positiva ...), tendo concluído que “não se vislumbra qualquer efeito positivo na incorporação do património da CC……………… para a CCAMP..........., não contribuindo esse património para os resultados positivos futuros da requerente (sociedade incorporante)” e a fls 8., no seu ponto 21 (ainda que assim não fosse, em face da sociedade incorporada apresentar uma situação patrimonial negativa no último balanço apresentado antes da fusão, a aplicação do plano específico de dedução dos prejuízos fiscais, de acordo com o que estabelece o nº4 do artigo 69º do CIRC, conduz a um limite de dedução anual nulo), ainda que, o facto de a sociedade incorporada apresentar um património negativo parecer constituir também, um entre outros elementos relevantes para a AT considerar não preenchido esse conceito, reforçando esse não preenchimento que entendeu não verificado (como nesta parte bem se pronuncia a entidade demandada na matéria da sua conclusão XXVIII), não se vendo onde possa residir o erro pela AT no preenchimento desse estalão legal e muito menos que o mesmo seja grosseiro com a mesma o apelida na matéria da sua conclusão 10..

E o mesmo resulta da fundamentação da citada Adenda à informação n.º 1439/2006, onde foram analisados os fundamentos avançados pela ora autora em sede do direito de audição, com se vê de suas fls 4/6 e na referida nota informativa onde foi aposto o referido despacho que constitui o objecto desta acção e onde se conclui, além do mais, pela falta de verificação dos pressupostos quanto à sua concessão, em concreto pela inexistência de razões económicas válidas, determinados pelos n.º1 e 2 do artigo 69.º do Código do IRC ... pelo que mal se compreende que a ora autora venha querer erigir em fundamento do despacho aquilo que mais não foi um seu elemento integrador ao lado de outros, e através dos quais o mesmo despacho aquilatou que no caso não se encontrava preenchido o estalão legal de razões económicas válidas, pelo que não pode deixar de improceder a matéria destas conclusões do recurso.

Na matéria destas mesmas conclusões recursivas, pretende ainda a autora, que o tribunal sindique o bom uso efectuado pela AT quanto ao preenchimento deste conceito indeterminado legalmente consagrado de razões económicas válidas, que no caso, a mesma pretende que se mostram preenchidas, como da matéria das suas conclusões 4., 6. e 9. se pode retirar.

Na acção administrativa especial n.º25/04, de 1.2.2005, deste Tribunal(1), conheceu-se, sem limitações, se a aí requerente preenchia todos os requisitos para que lhe fosse deferida a requerida dedução dos prejuízos fiscais das referidas Sucursais a integrar nesta e a extinguir, que era o que estava em causa nessa mesma acção.

Porém, objecto de recurso para o STA, este mesmo Tribunal não veio a sufragar, nesta matéria, a posição aí seguida, antes veio a revogar o citado acórdão, pelo que será na senda do aí doutrinado e de outros acórdãos do mesmo Tribunal, entretanto prolatados, que iremos acompanhar, que a presente decisão terá lugar, tendo sobretudo presente, nos termos do disposto no art.º 8.º, n.º3, do Código Civil, que dispõe que o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, para o que, especialmente, devem contribuir os tribunais de grau hierárquico inferior relativamente às decisões proferidas pelos tribunais de grau hierárquico superior, e também que, posteriormente, o aqui relator subscreveu, como 1.º adjunto, o acórdão deste TCAS de 15.7.2008, recurso n.º 2087/07, onde se seguiu esta mesma doutrina.

Como antes se viu, a concessão da autorização para a transmissão dos prejuízos fiscais, encontra-se dependente do preenchimento dos vários requisitos enunciados na norma do art.º 69.º n.º2 do CIRC, como seja a de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, devendo ser fornecidos, para esse efeito, todos os elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos como económicos, iniciando a norma pelo pano de fundo pretendido atingir pela fusão – razões económicas válidas – seguindo depois com um quadro exemplificativo onde é suposto apreender tais razões económicas válidas, como sejam nos casos de reestruturação ou racionalização, com efeitos positivos na estrutura produtiva, etc.
Este conceito de razões económicas válidas, tem assim de ser preenchido pela Administração, com os concretos elementos que tendam para aquele fim, concedendo à Administração um vastíssimo campo de concretização e de pesquisa tendo em vista preencher o estalão legal previsto em tal norma, mas ainda assim, havendo uma vinculação do administrador a um comportamento demarcado na lei, não existindo aqui quaisquer poderes administrativos discricionários, ao contrário do que parece afirmado pela entidade demandada na matéria das suas alegações.

Diferente, seria se o legislador tivesse optado por atribuir à Administração, entre os vários interesses aptos para a satisfação do interesse público, aquele que, no momento, melhor o satisfazesse, em que já lhe deixava nas mãos a escolha entre os vários comportamentos possíveis a adoptar, onde existiria a discricionariedade administrativa (2).

Como refere, Mário Esteves de Oliveira (3), também não temos dúvidas de que na interpretação da lei, não goza o intérprete – seja ele um juiz, um órgão administrativo ou a doutrina – de qualquer margem de livre escolha, tendo antes que procurar conhecer a mens legis e actuar na sua conformidade: o sentido a adoptar na interpretação é algo de profundamente diferente – senão contrário – da discricionariedade.
No poder discricionário qualquer dos comportamentos por que o agente opte é legal, enquanto que a interpretação só pode conduzir a um sentido ou comportamento – o que for querido pelo legislador ou pela lei.
...
Quando a lei administrativa, nomeadamente para a definição dos pressupostos da actividade administrativa, remete para conceitos técnicos próprios de outros ramos da ciência (Medicina, Química, Física, Engenharia, Economia, Sociologia, etc.), tem o órgão administrativo que recorrer aos ensinamentos destes para determinação do conteúdo da lei.
De facto, as questões resultantes da utilização de conceitos técnicos pela lei, resolvem-se através de critérios exclusivamente técnicos, não tendo o órgão administrativo a liberdade de repudiar o conteúdo que lhes é imputado nos respectivos ramos de ciência e optar por qualquer outro.

Como consta na matéria da alínea b) do probatório, além de outra constante nas informações em que o despacho impugnado se fundou, o fundamento por que foi indeferido o pedido de dedução de prejuízos fiscais, foi o de não preenchimento do pressuposto legal de razões económicas válidas, por entre outros elementos, a existência de património negativo da sociedade incorporada torna sem interesse a sua integração na sociedade incorporante e torna mais difícil a obtenção da reorganização e de obtenção de resultados positivos futuros nesta, o que só vai prejudicar a empresa incorporante (a ora autora), inexistindo preenchido, no caso, o pressuposto legal de interesse económico da fusão, não fazendo sentido aplicar-se-lhes o regime especial da neutralidade fiscal e a inerente transmissibilidade de prejuízos.

A sindicância de tal juízo de valor efectuado pela AT no citado despacho, de não se encontrar preenchido tal pressuposto legal de inexistência de razões económicas válidas para a incorporação, deve ser entendido nos termos da doutrina de, entre outros, do acórdão do STA de 12.7.2006, recurso 1003/05, no âmbito dos conceitos indeterminados em que nos encontramos, que a mesma AT cabe preencher.

"Sabendo nós que estamos perante conceitos indeterminados, como acima referimos, importa agora avançar no sentido de saber se, no caso, estamos perante um acto sindicável.

Escreve Freitas do Amaral que "o que importa é saber se a interpretação de conceitos indeterminados é uma actividade vinculada ou discricionária e, por conseguinte, sindicável, ou não, pelos tribunais - Curso de Direito Administrativo, vol. II, pág. 107.

Ora, saber se houve "razões económicas válidas" ou se a fusão "se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva" é matéria de discricionariedade técnica, com uma longa margem de livre apreciação da Administração, que poderá originar soluções diferentes, consoante o interesse que a Administração privilegie: uma fusão pode fundar-se numa razão económica válida para um interesse público de vitalidade da economia nacional, mas tal pode já não ocorrer em face dum interesse público de vitalidade de uma economia sectorial.

Citando Freitas do Amaral: "Porque não se lhe pede um trabalho de subsunção, uma tarefa declarativa de coincidência com um esquema dado, mas se exige uma tensão criadora do direito no caso concreto, deve naturalmente entender-se que esta actividade que, por desejo do legislador, sofre um influxo autónomo da vontade do agente-administrativo; deve escapar ao controlo do juiz, embora este tenha o dever de verificar se a solução encontrada obedeceu às exigências externas postas pela ordem jurídica".

"Assim sendo, e porque o acto de indeferimento do SEAF se fundamentou na inexistência dos requisitos exigidos pela lei para a concessão da autorização para deduzir os prejuízos fiscais acumulados pelas sociedades fundidas, este seu juízo não pode ser fiscalizado pelos tribunais.
A menos que ocorresse erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal. O que não se antolha (...).

Doutrina esta que também havia sido seguida no acórdão do mesmo STA de 5.7.2006, no recurso n.º 142/06, no sentido ora exposto, de que não cabe ao tribunal sobrepor à Administração o seu juízo na interpretação de tais conceitos técnicos e indeterminados, já que não nos encontramos no estrito campo da subsunção pelo intérprete do preenchimento dos conceitos jurídicos, a não ser perante a ocorrência de "erro grosseiro ou manifesto que é um erro crasso, palmar, ostensivo, que terá necessariamente de reflectir um evidente e grave desajustamento da decisão administrativa perante a situação concreta, em termos de merecer do ordenamento jurídico uma censura particular mesmo em áreas de actuação não vinculadas", como se refere no acórdão do mesmo STA de 11/05/2005, rec. 330/05, que no caso dos autos, tal espécie de erro, não aconteceu, igualmente improcedendo, nesta dimensão, a matéria destas conclusões.


Quanto à matéria das restantes conclusões 11. a 18., na medida em que a ora autora faz repousar o indeferimento desse indeferimento dos prejuízos fiscais em critério ex novo, do citado Despacho nº 79/2005/04/15, de S. Exa o SEAF, que o criara sem cobertura legal, na medida em que, como se viu, tal entendimento não correspondeu à realidade no caso, a acção não poderia deixar de improceder enquanto abrigada em fundamento que na realidade não teve lugar, visto que a invocação de tal Despacho o foi no condicional para, mesmo se preenchido o estalão legal de razões económicas válidas e outros legalmente fixados, houvesse deferimento do pedido, sempre a dedução dos prejuízos não poderia ter lugar, por força do disposto no n.º4 do mesmo art.º 69.º, que o citado Despacho visava interpretar com força vinculativa no âmbito da AT, como a lei lhe permite – cfr. art.º 68.º, n.º4, alínea b) da LGT (redacção de então) – como nesta matéria bem se pronuncia a entidade demandada, na matéria das suas conclusões XXII a XXVI, tendo apenas lugar a aplicação de tal norma deste n.º4, enquanto pressuposto autónomo, quando exista autorização para tal transmissibilidade desses prejuízos fiscais, só assim fazendo sentido que tal despacho os restrinja ou os escalone, que não quando ela seja denegada, o que a letra da norma desde logo não deixa dúvidas ao iniciar o seu texto por, “No despacho de autorização pode ser fixado um plano específico de dedução dos prejuízos ...”, em suma, constitui pressuposto para a emissão de despacho com os condicionalismos deste n.º4, quando se encontrem preenchidos os restantes e anteriores requisitos para o efeito, como seja o da existência de razões económicas válidas, conducentes ao deferimento do pedido, o que não foi o caso dos autos, pelo que a acção não poderia deixar de naufragar, enquanto esteada nesta invocada fundamentação da autora.


É assim de julgar improcedente na sua totalidade, a presente acção administrativa especial e de absolver dos pedidos a entidade demandada.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em julgar improcedente a presente acção administrativa especial e em manter o acto impugnado.


Custas pela autora, fixando-se a taxa de justiça em dez UCs e a procuradoria em 1/6 - art.ºs 73.º-D n.º3 e 41.º do CCJ.


Lisboa,11 de Dezembro de 2012
Eugénio Sequeira
Aníbal Ferraz
Pedro Vergueiro