Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03130/09
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/09/2011
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA. ARTº.668, Nº.1, AL.B), DO C.P.CIVIL.
FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
ARTº.38, Nº.1, DA L. G. TRIBUTÁRIA.
NOÇÃO DE MAIS-VALIA. ARTº.10, Nº.1, DO C.I.R.S.
CONTRATO DE CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL.
CATEGORIA B DOS RENDIMENTOS SUJEITOS A TRIBUTAÇÃO EM I.R.S.
Sumário:1. Nos termos do preceituado no citado artº.668, nº.1, al.b), do C. P. Civil, é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.659, nº.3, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação. No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário.

2. Quanto à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário).

3. Diz-nos o artº.38, nº.1, da L. G. Tributária, na redacção resultante da lei 30-G/2000, de 29/12, que a ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes. A norma sob exame consagra a possibilidade de tributação dos efeitos económicos pretendidos pelas partes que tenham sido produzidos apesar da ineficácia do negócio. No entanto, tal tributação só ocorrerá se, e na medida em que, tais efeitos existam e recaiam na previsão de um tipo legal de imposto.

4. A mais-valia deve definir-se, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do
imposto se define como uma alienação onerosa (cfr.artº.44, do C.I.R.S.).

5. O artº.10, nº.1, do C.I.R.S., mostra o carácter selectivo da tributação das mais-valias em sede de I.R.S., norma que consagra uma espécie de “numerus clausus” em matéria de incidência fiscal. Desde logo, se afastando da qualificação como mais-valias os ganhos que devam considerar-se como rendimentos resultantes de actividade profissional ou empresarial, os quais se consideram como rendimento de categoria B, enquadráveis no artº.3, do mesmo diploma. Assim, somente os ganhos inesperados ou imprevistos, não enquadráveis numa actividade profissional ou empresarial são passíveis de incidências nas diversas alíneas do examinado artº.10, nº.1, do C.I.R.S. É o caso da cessão onerosa de posições contratuais relativas a imóveis, situação prevista no artº.10, nº.1, al.d), do mesmo diploma.

6. A figura da cessão da posição contratual consiste no negócio pelo qual um dos outorgantes em qualquer contrato bilateral ou sinalagmático transmite a terceiro, com o consentimento do outro contraente, o complexo dos direitos e obrigações que lhe advieram desse contrato (cfr.artº.424, do C.Civil). São três os protagonistas da operação: o contraente que transmite a sua posição (cedente); o terceiro que adquire a posição transmitida (cessionário); e a contraparte do cedente, no contrato originário ou base, que passa a ser contraparte do cessionário (contraente cedido, ou o cedido, tout court). O contrato de cessão da posição contratual descreve, na sua configuração, um circuito de natureza triangular, visto a sua perfeição exigir o consentimento dos três sujeitos colocados em posições diferentes. Além da vontade dos intervenientes directos na cessão (o cedente, dum lado; o cessionário, do outro), o artº.424, nº.1, do C.Civil, alude directamente à necessidade do consentimento do contraente-cedido, para quem não é indiferente a pessoa do devedor nas obrigações de que ele seja credor.

7. A conexão existente entre os dois contratos provém do facto de o contrato de cessão ter por efeito típico a transmissão da posição de um dos contraentes na relação nascida do contrato base. Mais se dirá, nos termos do artº.425, do C.Civil, que os requisitos do contrato de cessão estão directamente ligados, ou definem-se em função do tipo de negócio que serve de base à cessão. Nestes termos, além do mais, se o contrato base exigir a forma escrita, como é o caso do contrato-promessa de compra e venda de imóvel para o qual a lei exige a forma de celebração através de documento (cfr.artº.410, do C.Civil), conforme mencionado supra, igualmente o contrato de cessão que lhe está associado deve revestir a forma escrita.

8. A actual categoria B dos rendimentos sujeitos a tributação em I.R.S. goza de uma característica especial que consiste no seu carácter predominante, relativamente aos rendimentos de qualquer outra categoria. Assim, nos rendimentos líquidos da nova categoria B integram-se todos os proventos obtidos ou conexos com a respectiva actividade desenvolvida. É o que se conclui da análise interpretativa do artº.3, nº.2, do C.I.R.S., na redacção resultante da Lei 30-G/2000, de 29/12. A predominância significa pois que todos os rendimentos, de todas as naturezas, que se possam imputar à actividade profissional ou empresarial acabam por ser qualificados como proveitos da categoria, integrando-se na respectiva conta de exploração para efeitos de cálculo do lucro tributável.

9. Nos termos do artº.3, nº.1, al.b), do C.I.R.S., são tributados nesta categoria os rendimentos decorrentes do exercício, por conta própria, de qualquer actividade de prestação de serviços. A lista de actividades cujo exercício dá origem a rendimentos profissionais está consagrada na portaria 1011/2001, de 21/8 (cfr.artº.151, do C.I.R.S.). Entre as diversas actividades consagradas na citada portaria vamos encontrar os mediadores imobiliários. Vemos pois, que a actividade de mediação imobiliária, no ano de 2001, era geradora de rendimentos profissionais enquadráveis na categoria B, do I.R.S., atenta a norma de incidência consagrada no citado artº.3, nº.1, al.b), do C.I.R.S.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
JOSÉ ………………., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pelo Mmo. Juiz do T.A.F. de Loulé, exarada a fls.295 a 314 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a impugnação intentada tendo por objecto uma liquidação de I.R.S. e juros compensatórios, relativa ao ano de 2001 e no montante total de € 2.168.251,28.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.327 a 358 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Na fundamentação de facto da douta sentença (no seu ponto 2.1) é feito um mero translado do texto do relatório de inspecção, não especificando quais os factos que considera provados e tidos por assentes;
2-A transposição daqueles textos, com o aporte dos inúmeros factos dos mesmos constantes, não permite a percepção dos factos que efectivamente se consideram provados, nem permite descortinar os factos concretos que se devem considerar incorrectamente julgados;
3-O que se traduz numa manifesta insuficiência ou deficiência na fundamentação da douta sentença recorrida que, por isso, deve ser revogada;
4-Nos fundamentos do julgamento encontra-se a consideração do depoimento prestado pelas testemunhas, nomeadamente, de Mancio ………., sendo que o mesmo não foi contrariado por qualquer prova produzida, pelo que os factos aí considerados deveriam ter sido levados à matéria de facto tida como assente por serem relevantes para a decisão da causa;
5-O recorrente alegou na sua petição inicial que o preço convencionado com os comproprietários e vendedores foi, desde logo, por si pago integralmente e que os mesmos o autorizaram a fazer negócio consigo mesmo, ou com terceiros, e disso tendo feito prova através dos documentos juntos à sua petição inicial;
6-Não obstante, a douta sentença recorrida considerou que tais factos apenas estavam provados quanto aos comproprietários a que se referem as alíneas H) e Q) da matéria de facto assente;
7-E tais factos, que deveriam ter sido dados como provados, são essenciais para determinar a natureza da relação jurídica existente entre o aqui recorrente e os comproprietários, encontram-se manifestamente provados pela supra referida prova documental e, como tal, considerando-se aqueles meios probatórios, outra deveria ter sido a decisão sobre a matéria de facto, nomeadamente, considerando tais factos como assentes;
8-Por outro lado, a douta decisão recorrida considerou como não provada a existência de promessa de compra e venda relativamente aos comproprietários identificados nas alíneas AA), AB) e AC) do ponto 2.1.;
9-Contudo, estes comproprietários outorgaram procuração irrevogável a favor do aqui recorrente em idênticos moldes às outorgadas pelos comproprietários de quem foram apresentados contratos promessa, onde deram quitação do preço e autorizaram a realização da venda consigo mesmo;
10-Tais factos, tidos como assentes no ponto 2.1., seriam bastantes para que se considerasse que relativamente a estes oito comproprietários também existiu promessa de compra e venda, ainda que não escrita, pois os termos das respectivas procurações faz pressupor a existência daquela promessa de venda;
11-Na verdade e como é do conhecimento geral, apenas se emite procuração irrevogável com quitação do preço e autorizando o negócio consigo mesmo a quem é o verdadeiro adquirente do imóvel e depois de já ter pago o respectivo preço;
12-Pelo que, também aqui mal andou a douta sentença recorrida quando não levou aos factos assentes a existência de promessas de compra e venda com aqueles oito comproprietários;
13-Mas mesmo que assim não se entendesse, os referidos oito proprietários apenas são donos de 12/108 avos, pelo que, relativamente aos restantes 96/108 avos em que havia contrato promessa, havia que diferenciar as situações;
14-Por outro lado, a douta sentença recorrida entendeu não se verificar a existência de cedência da posição contratual nas referidas promessas de compra e venda;
15-E fê-lo com recurso à lei civil, por entender inexistir o consentimento dos promitentes vendedores e por faltar a forma exigida àquela cedência;
16-Ora, salvo melhor opinião, também aqui andou mal a douta sentença ao considerar como não provada a cedência de posição contratual com base na disciplina civil deste instituto;
17-Desde logo, porque o consentimento para que a venda se realizasse com terceiros havia sido já dado, quer nos contratos promessa outorgados, quer nas procurações emitidas a favor do aqui recorrente;
18-Por outro lado, a lei fiscal determina a primazia da substância sobre a forma, como, aliás, estatuí o nº.1, do artigo 38, da L.G.T., pelo que a ineficácia que a lei comum atribuí a um negócio jurídico não impede a tributação do mesmo, desde que se mostrem verificados os respectivos efeitos económicos;
19-Pelo que, mal andou a douta sentença recorrida quando considerou a inexistência (entenda-se, ineficácia) da cedência de posição contratual por inobservância de formalismos legais decorrentes da lei comum, por força do disposto no artigo 11, da L.G.T., quando o normativo aplicável aos factos “sub judice” era o do nº.1, do artigo 38, da L.G.T.;
20-Acresce que o que aqui recorrente alega, em primeira mão, é que o seu ganho não pode ser qualificado como decorrente de uma prestação de serviços de intermediação imobiliária, enquadrável na categoria B, do I.R.S. no âmbito do artigo 3, do respectivo Código;
21-Apenas subsidiariamente, alega que tal ganho deveria, quanto muito, ser qualificado como proveniente do ajuste da revenda com terceiro ou de cedência da sua posição contratual e, como tal, enquadrado como mais-valia nos termos do artigo 10, do C.I.R.S.;
22-Mas mesmo que esta qualificação avançada pelo aqui recorrente não venha a ser acolhida, tal facto não conduz, por exclusão de partes e forçosamente, a que o ganho seja qualificado como resultante de uma prestação de serviços de intermediação;
23-Já que esta última qualificação não tem cabimento legal e tal ganho, pela sua natureza, nunca poderia ser qualificado como rendimento profissional sujeito a imposto na categoria B, do I.R.S.;
24-Pelo que mal andou a douta sentença recorrida quando não considerou provada a cedência de posição contratual ou o mero ajuste de revenda com terceiro, em manifesta oposição com o que legalmente vem estatuído no artigo 38, da L.G.T.;
25-Como mal andou a douta sentença quando entendeu que o ganho obtido pelo aqui recorrente devia ser sujeito a I.R.S., na categoria B, por força do artigo 3, do C.I.R.S.;
26-Enquadramento que, atenta a prova produzida, não podia fazer, pelo menos quanto aos casos em que considerou provada a existência de promessa de compra e venda;
27-Já que a qualidade de promitente comprador não é compatível com a de intermediário na mesma venda e o aqui recorrente limitou-se a ajustar a revenda com terceiros;
28-Estando, assim, a douta sentença recorrida inquinada de vício de violação de lei, nomeadamente, por errada qualificação dos factos e consequente erro nos pressupostos e fundamentação da tributação e por errada determinação da norma de incidência do tributo que nunca seria a do artigo 3, do C.I.R.S., devendo, salvo melhor opinião, ser aplicável o artigo 10, do mesmo Código, na alínea d), do nº.1, ou nos termos das alíneas a), do nº.1, e a) do nº.3, nos termos sobreditos das alegações que antecedem;
29-Tal tributação do ajuste de revenda do promitente-comprador com terceiro que vem a adquirir não é nova na legislação fiscal, tendo tido assento no Código da SISA e, actualmente, na alínea e), do nº.3, do artigo 2, do Código do I.M.T.;
30-A errada qualificação do rendimento (e da consequente tributação) levada a cabo pela Administração Tributária, inquina a liquidação impugnada de vício de violação de lei e impunha a sua anulação judicial;
31-A douta sentença, ao manter na ordem jurídica tal liquidação ilegal, deve, igualmente, ser revogada;
32-Termina, pugnando por que seja dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que considere ilegal a liquidação de I.R.S. impugnada, com a sua consequente anulação, como é de inteira JUSTIÇA.
X
Não foram apresentadas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso, acompanhando o parecer, nessa direcção, exarado pelo M. P. na 1ª. Instância (cfr.fls.368 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.368 e 371 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.301 a 308 dos autos):
1-Em cumprimento da Ordem de Serviço nº.OI200501228, de 6/7/2005, a Administração Fiscal, entre 28/7/05 e 31/8/05, procedeu a inspecção ao Impugnante (cfr.cópia do relatório de inspecção junta a fls.118 a 123 dos presentes autos);
2-No âmbito da inspecção a que se refere o número anterior foi elaborado o relatório de inspecção de fls.118 e seg. dos presentes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido e donde resulta com interesse para a decisão:
«(…)

RELATÓRIO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA

I - CONCLUSÕES DA ACÇÃO INSPECTIVA

O contribuinte, no exercício de 2001, não declarou os proveitos obtidos na intermediação da venda de um terreno misto, os quais revestem o carácter de rendimentos do trabalho independente, atendendo ao disposto na al. b) do n.° 1 do Art.° 3° do CIRS, no montante total de 4.713.640,13 €, pelo que se procederá às devidas correcções, conforme descrito no ponto III do presente relatório.

(…)

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

Em 30/01/2001, o Contribuinte compareceu no 2° Cartório Notarial ………, na qualidade de procurador de todos os proprietárias do prédio misto descrito na matriz predial sob o artigo n.° ……….., quanto à parte urbana, e a parte rústica sob o artigo n.°……., da secção AG, situado no Cerro ………, freguesia e concelho de ………, para celebrar a respectiva escritura de compra e venda, a qual foi efectuada pelo valor 4.987.978,97 € (quatro milhões novecentos e oitenta e sete mil, novecentos e setenta e oito euros, noventa e sete cêntimos).

Após contactados alguns dos proprietários do imóvel, e atendendo à discrepância de valores, veio o Contribuinte prestar declarações no âmbito do Processo de Inquérito 30/……….. IDFAR, tendo o mesmo afirmado que o valor em causa foi por si recebido, sendo que aos proprietários foram pagos 274.338,84 € (duzentos e setenta e quatro mil trezentos e trinta e oito euros, oitenta e quatro cêntimos), daqui resultando um proveito de 4.713.640,13 € (quatro milhões setecentos e treze mil seiscentos quarenta euros e treze cêntimos).

Atendendo a que o Contribuinte agiu em nome e por conta dos proprietários, através de procurações irrevogáveis passadas pelos mesmos, e de acordo com o disposto al. b), do n.° 1, do Art.° 3, do CIRS, o proveito acima mencionado constitui rendimento passível de tributação em sede de I.R.S., na categoria B, devendo ser reflectidos na declaração prevista no Art.° 57, do mesmo Código.

No caso em apreço, e não cumprindo o contribuinte com o normativo acima referido, proceder-se-á às devidas correcções, acrescendo aos rendimentos da Categoria B o montante de 4.713.640,13 Euros.

(...)

IX - DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO

Em 15 de Setembro de 2005, o Contribuinte veio exercer o direito de audição, passando-se de seguida à análise dos pontos mais relevantes do mesmo:

Ponto 3. — Ora, tal rendimento está a ser imputado ao aqui requerente a título de prestação de serviços, sendo certo, contudo, que este não desenvolve qualquer actividade prestadora de serviços, nem nunca praticou pessoalmente qualquer acto desta natureza, nem está colectado para o efeito”

A afirmação do Contribuinte não corresponde à realidade, uma vez que desde 04 de Setembro de 1998 se encontrava colectado pela actividade de mediação imobiliária, CAE 70310, até 31 de Dezembro de 2002, data em que cessou.

Pontos 6. a 11. — O Contribuinte faz referências diversas a contratos promessa de compra e venda, sendo que não as sustenta, em virtude da não apresentação de qualquer contrato celebrado entre ele e os proprietários do imóvel.

Ponto 12. — E, diga-se desde já, que a procuração emitida pelos proprietários a favor do aqui requerente e que foi utilizada na escritura de compra e venda não tem qualquer relevância nesta matéria, já que tal procuração não é mais do que um instrumento em que os proprietários concedem poderes ao procurador para a prática de um acto jurídico (no caso compra e venda) em seu nome e representação, ou seja, os sujeitos activos da compra e venda continuam a ser os proprietários e não o procurador que apenas age em nome, representação e por conta daqueles.”

Neste ponto, o Contribuinte confirma que agiu em nome e por conta dos proprietários, de acordo com enquadramento efectuado pela Administração Fiscal e descrito no ponto III do projecto de relatório.

Pontos 13. a 20. — O Contribuinte alega argumentos para o não enquadramento da situação como uma prestação de serviços, apontando para uma cedência de posição contratual, baseada na promessa de compra e venda.

Atendendo à não apresentação de qualquer contrato promessa de compra e venda, situação esta essencial para o enquadramento pretendido, e que ainda eventualmente se tratasse de uma compra e venda, e tomando em consideração a actividade desenvolvida pelo Contribuinte, o resultado fiscal apurado para efeitos de tributação em sede de IRS, seria rigorosamente o mesmo, uma vez que os valores a declarar seriam os da escritura, por um lado, e os valores pagos aos proprietários, por outro, sendo que da diferença entre ambos resulta o valor proposto para efeitos de tributação.

Ponto 21. — Ora, o aqui requerente limitou-se a celebrar promessa de compra e venda de imóvel com os proprietários que lhe emitiram procuração irrevogável em virtude do integral pagamento do preço (o que, aliás, é corrente nos negócios imobiliários) e, posteriormente, ajustou o negócio para terceiro interessado para quem cedeu a sua posição contratual naquele contrato.”

O Contribuinte confirma que o procedimento adoptado no caso em apreço corrente nas negócios imobiliários)... ou seja, na actividade para a qual o sujeito passivo estava à data colectado.

Atendendo ao acima exposto, propõe-se a manutenção das propostas de correcções constantes do projecto de relatório.

(...)

Faro, 21 de Setembro de 2005

O Inspector Tributário”;
3-Sobre o relatório a que se refere a alínea anterior recaiu o seguinte parecer (cfr.documento junto a fls.118 e 119 destes autos):
«Feita a inspecção externa de âmbito geral, foram efectuadas correcções meramente aritméticas em sede de I.R.S. do exercício de 2001 no montante de € 4.713.640,13, conforme se encontra descrito no capítulo III do presente relatório.
Notificado o Sujeito Passivo para exercer o direito de audiência nos termos dos art.s 60.º da L.G.T. e do R.C.P.I.T., veio exercê-lo por escrito, conforme se encontra comentado no ponto IX deste relatório, contudo, não foi apresentada matéria de facto susceptível de alterar as correcções constantes do projecto de relatório, pelo que se mantêm.
(...)
F……., 23 de Setembro de 2005.»;
4-Sobre os antecedentes relatório de inspecção e parecer recaiu o seguinte despacho (cfr.documento junto a fls.118 dos presentes autos):

«Concordo.
2005-29-26» ;
5-Das correcções efectuadas resultou a liquidação adicional de I.R.S., nº.2005 5004387867, no montante de € 1.859.744,35, que por sua vez deu origem à Nota - Compensação nº……………., no montante de € 2.168.197,00 (cfr.documentos juntos a fls.21 e 22 dos presentes autos);
6-O impugnante efectuou o pagamento da importância liquidada em 20/1/2006, no montante de € 2.168.197,00 (cfr.documento junto a fls.23 dos presentes autos);
7-O prazo para pagamento voluntário terminou em 21/12/2005 (cfr.documentos juntos a fls.21 e 22 dos presentes autos);
8-A petição inicial da presente impugnação foi remetida por correio registado em 21/3/2006 (cfr. documento junto a fls.72 dos presentes autos);
9-Em 15/6/2000, entre o impugnante como promitente-comprador e primeiro outorgante, Delfina ………. e Ana …………, como promitentes-vendedoras e segundas outorgantes, foi celebrado o contrato-promessa de contra e venda de fls.24 e seg. dos presentes autos (cfr.documento junto a fls.24 e 25 dos presentes autos);
10-As segundas outorgantes prometeram vender 2/108 (avos) do prédio misto sito no Cerro ………., Freguesia e Concelho de ………, descrito na Conservatória Predial de ……., sob o nº………., da referida Freguesia, inscrito na respectiva matriz sob o artigo urbano nº.2476 e sob o artigo rústico nº………, Secção AG (cfr.documento junto a fls.24 e 25 dos presentes autos);
11-Mais declararam as segundas outorgantes ter recebido a totalidade do preço e autorizaram o primeiro a comprar a parte do prédio para si, ou a vendê-la a terceiro, pelo preço que entender, desde que o primeiro se responsabilize pelo pagamento de qualquer I.R.S. a título de mais-valia que se mostre devido, e proceda ao respectivo pagamento (cfr.documento junto a fls.24 e 25 dos presentes autos);
12-Em 15/6/2000, as segundas outorgantes subscreveram procuração irrevogável a favor do impugnante conferindo-lhe poderes para vender 2/108 do prédio a que se refere o nº.10 supra (cfr.documento junto a fls.48 a 51 dos presentes autos);
13-Em 29/6/2000, entre o impugnante como promitente-comprador e primeiro outorgante e Maria …………, como promitente-vendedora e segundo outorgante, foi celebrado o contrato-promessa de contra e venda de fls.27 e seg. dos presentes autos (cfr.documento junto a fls.27 e 28 dos presentes autos);
14-A segunda outorgante prometeu vender 12/108 (avos) em nome próprio, dela, e 66/108 (avos), de que é titular em comum e sem determinação de parte ou direito com sua sobrinha Maria ……………….., do prédio misto sito no Cerro ………, freguesia e Concelho de ………., descrito na Conservatória Predial de ……., sob o nº………, da referida Freguesia, inscrito na respectiva matriz sob o artigo urbano nº………. e sob o artigo rústico nº……., Secção AG (cfr.documento junto a fls.27 e 28 dos presentes autos);
15-Mais declarou a segunda outorgante ter recebido a totalidade do preço (cfr. documento junto a fls.27 e 28 dos presentes autos);
16-Em 29/6/2000, Maria …………….. subscreveu procuração irrevogável a favor do impugnante conferindo-lhe poderes para vender 12/108 (avos) que possui em nome próprio e 66/108 (avos) que é titular em comum, sem determinação de parte, com sua sobrinha Maria ………….. (cfr.documento junto a fls.52 a 54 dos presentes autos);
17-Em 18/7/2000, entre o impugnante como promitente-comprador e primeiro outorgante e Maria ………………., casada com António …………….., como promitentes-vendedores e segundos outorgantes, foi celebrado o contrato-promessa de contra e venda de fls.29 e seg. dos presentes autos (cfr. documento junto a fls.29 e 30 dos presentes autos);
18-Os segundos outorgantes prometeram vender 6/108 (avos) em nome próprio, dela, 6/108 (avos) herdados por óbito de sua mãe, Gisela ……………., e 66/108 (avos), de que é titular em comum e sem determinação de parte ou direito com sua tia Maria Teresa …………., do prédio misto sito no Cerro ……….., Freguesia e Concelho de ……, descrito na Conservatória Predial de ……, sob o nº………., da referida Freguesia, inscrito na respectiva matriz sob o artigo urbano nº……… e sob o artigo rústico nº.68, Secção AG (cfr.documento junto a fls.29 e 30 dos presentes autos);
19-Mais declararam os segundos outorgantes ter recebido a totalidade do preço e autorizaram o primeiro a comprar a parte do prédio para si, ou a vendê-la a terceiro, pelo preço que entender, desde que o primeiro se responsabilize pelo pagamento de qualquer I.R.S. a título de mais-valia que se mostre devido, e proceda ao respectivo pagamento (cfr.documento junto a fls.29 e 30 dos presentes autos);
20-Em 18/7/2000, Maria ………………… e António …………….. subscreveram procuração irrevogável a favor do impugnante conferindo-lhe poderes para vender 6/108 + 6/108 (avos) e 66/108 (avos), de que é titular em comum e sem determinação de parte ou direito com sua tia Maria Teresa ………… a que se refere o nº.18 supra (cfr.documento junto a fls.37 e 38 dos presentes autos);
21-Em 7/8/2000, entre o impugnante como promitente-comprador e primeiro outorgante e Vitor ………., por si e em representação de seus filhos Luís ………… e Alexandre ………., como promitentes-vendedores e segundos outorgantes, foi celebrado o contrato-promessa de compra e venda de fls.31 e 32 dos presentes autos;
22-Os segundas outorgantes prometeram vender 4/108 (avos) do prédio misto sito no Cerro da ……….., Freguesia e Concelho de ……………., descrito na Conservatória Predial de …………., sob o nº………, da referida Freguesia, inscrito na respectiva matriz sob o artigo urbano nº……… e sob o artigo rústico nº…….., Secção AG (cfr.documento junto a fls.31 e 32 dos presentes autos);
23-Em 15/9/2000, Vitor …………… subscreveu procuração irrevogável a favor do impugnante conferindo-lhe poderes para vender os 4/108 (avos) a que se refere o número anterior (cfr.documento junto a fls.34 e 36 dos presentes autos);
24-Em 25/8/2000, Luís ………….. e Alexandre ………….. subscreveram procuração irrevogável a favor do impugnante conferindo-lhe poderes para vender os 4/108 (avos) a que se refere o nº.22 (cfr.documento junto a fls.46 e 47 dos presentes autos);
25-Em 16/6/2000, Maria …………, Fernando ………. e mulher, José ……….. e mulher, Paula ………… e Mário ………… subscreveram procuração irrevogável a favor do impugnante conferindo-lhe poderes para vender 6/108 (avos) do prédio misto sito no Cerro ……., Freguesia e Concelho de ………, descrito na Conservatória Predial de …………., sob o nº…………, da referida Freguesia, inscrito na respectiva matriz sob o artigo urbano nº.2…….. e sob o artigo rústico nº………., Secção AG (cfr.documento junto a fls.39 a 43 dos presentes autos);
26-Em 16/6/2000, Maria ……………… e marido, Fernando …………, António ……………….. e Maria João ………………, subscreveram procuração irrevogável a favor do impugnante conferindo-lhe poderes para vender 6/108 (avos) indivisos do prédio misto sito no Cerro da P........., Freguesia e Concelho de A................, descrito na Conservatória Predial de A................, sob o nº…….., da referida Freguesia, inscrito na respectiva matriz sob o artigo urbano nº………. e sob o artigo rústico nº……, Secção AG (cfr.documento junto a fls.55 a 59 dos presentes autos);
27-Em 26/6/2000, Maria de Fátima …………, subscreveu procuração irrevogável a favor do impugnante conferindo-lhe poderes para vender 6/108 (avos) do prédio misto sito no Cerro da P........., Freguesia e Concelho de A................, descrito na Conservatória Predial de A................, sob o nº…….., da referida Freguesia, inscrito na respectiva matriz sob o artigo urbano nº…….. e sob o artigo rústico nº………, Secção AG (cfr. documento junto a fls.60 a 63 dos presentes autos);
28-Em 30/1/2001, entre o impugnante na qualidade de primeiro outorgante e procurador de Maria ……………….., casada com António ………………., Maria Teresa ………………., Delfina ……………, Ana Paula …………… casada com Carlos ……………, Vitor ……………., Luís …………….., Alexandre …………….., Maria ……………., casada com Fernando ..................., António ……………, casado com Maria …………………, Maria do Carmo …………., Fernando ………………, casado com Maria Luísa ……………., José …………., casado com Maria Rita ……………., Paula ………………………., Mário …………… e Maria de Fátima do …………., todos representados pelo impugnante e primeiro outorgante, e a sociedade “Pedra ………. - G………………., S.A.”, na qualidade de segundo outorgante, foi celebrado, por escritura pública, o contrato de compra e venda do prédio misto sito no Cerro da P........., Freguesia e Concelho de A................, descrito na Conservatória Predial de A................, sob o nº…………, da referida Freguesia, inscrito na respectiva matriz sob o artigo urbano nº……….. e sob o artigo rústico nº………., Secção AG (cfr.documento junto a fls.64 a 71 dos presentes autos);
29-Tendo declarado o primeiro outorgante que pelo preço de mil milhões de escudos, já recebido, vende ao segundo outorgante o prédio a que se refere o número anterior (cfr. documento junto a fls.64 a 71 dos presentes autos);
30-Pela segunda outorgante foi declarado que aceita a venda, destinando-se o imóvel a revenda (cfr.documento junto a fls.64 a 71 dos presentes autos);
31-O Impugnante apresentou em 31/1/2003, com efeitos reportados a 31/12/2002, a declaração de cessação da actividade de mediação imobiliária (cfr.documentos juntos a fls.143 a 146 dos presentes autos).

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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte:
“…Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, não se provou:
1-que tenham sido celebrados contratos-promessa com os seguintes co-proprietários: Maria ………………..; António ……………..; Maria do Carmo ……….; Fernando ………….; José …………….; Paula …………..; Mário ………… e Maria de Fátima ………………;
2-a celebração do aludido contrato de cessão da posição contratual…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:
“…Todos os factos têm por base probatória, os documentos referidos em cada ponto. De realçar ainda os depoimentos das testemunhas arroladas pelo impugnante, na partem em que não contrariam os documentos apresentados.
O depoimento da testemunha arrolada pela Fazenda Pública corrobora o relatório de inspecção tributária.
As testemunhas referiram em síntese:
1.ª Testemunha - Orlando ……….
Em finais de Julho princípios de Agosto do ano 2000, foi contactado pelo Impugnante para lhe fazer um esboço de uma casa que em princípio seria para sua residência, no Cerro da P......... e, também, para saber se a casa que lá existia era recuperável. Deslocou-se ao local e fez um pequeno esboço de acordo com as preferências do Impugnante, para construção de uma moradia unifamiliar ou para recuperar a casa existente. O terreno que era grande. O Impugnante não voltou a contactar o depoente.
2.ª Testemunha - Mancio ……….
Mediou o negócio em representação da adquirente Pedra ……………... O Impugnante comprou o terreno a vários herdeiros e nunca manifestou interesse na venda do terreno. Para a aquisição do terreno ao Impugnante, de início fez uma oferta de cerca de 400.000 contos, que foi recusada. Depois de várias propostas fez uma proposta de 1.000.000 de contos, que acabou por ser aceite. Recebeu cerca de 18.000 contos de comissão. Esclareceu que na altura era normal, uma vez pago o preço da aquisição e celebrado o contrato-promessa, passar uma procuração irrevogável para fazer a escritura.
3.ª Testemunha - Paulo ………….:
Procedeu à inspecção ao Impugnante. Enviou cartas, mas apenas duas senhoras o contactaram. Uma delas referiu que o Impugnante foi a Lisboa levando consigo um cheque de 5.000 contos, que a dita senhora endossou. O Impugnante foi ao banco, levantou o dinheiro e entregou à referida 4.500 contos, tendo esta passado uma procuração.
Contactou o Impugnante que referiu que tinha intervindo no negócio como amigo da família dos vendedores e que não recebeu qualquer dinheiro, mas apenas algumas prendas. Referiu também que tinha um comprador para o imóvel.
No direito de audição o Impugnante veio referir que o terreno era para ele.
Tentou perceber para quem é que foi o dinheiro e verificou que cheques no valor de 600.000 contos foram passados à ordem do Impugnante e que um cheque de 400.000 contos foi levantado por um dos sócios da empresa Pedra …………... Considerou como custos cerca 274.000,00 euros e contactou o Impugnante para que declarasse aquele rendimento com rendimento da categoria B, porque aquele se encontrava colectado para o exercício da actividade imobiliária e não tinha ao seu dispor qualquer elemento que permitisse concluir que a aquisição se destinava ao Impugnante…”.
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A decisão da matéria de facto em 1ª. Instância baseou-se em prova testemunhal (cujos depoimentos se encontram gravados) e documental constante dos presentes autos, e dado que o recorrente impugna a mesma decisão, imputando-lhe insuficiência ou deficiência na fundamentação, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nºs.1, al.a), do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P. Tributário):
32-No ano de 2001, o impugnante, José ……………, com o n.i.f. ……….., exercia a actividade de “Mediação Imobiliária”, CAE 70310, enquanto empresário em nome individual e auferindo rendimentos de trabalho independente passíveis de tributação em sede de I.R.S. (cfr.cópia do relatório de inspecção junta a fls.118 a 123 dos presentes autos; documentos juntos a fls.159 a 164 dos presentes autos);
33-A inspecção a que se refere o nº.1 supra da matéria de facto incidiu sobre a actividade do impugnante realizada no ano de 2001 (cfr.cópia do relatório de inspecção junta a fls.118 a 123 dos presentes autos);
34-Relativamente ao exercício de 2001 e em sede de I.R.S., o impugnante apresentou uma declaração de rendimentos mod.3, em 30/4/2002, junto do Serviço de Finanças de A................, com anexo C, na qual apurou um prejuízo derivado da sua actividade profissional no montante de € 52.528,61 (cfr.documentos juntos a fls.171 a 174 dos presentes autos);
35-O montante de proveitos de 4.713.640,13€ (quatro milhões setecentos e treze mil seiscentos quarenta euros e treze cêntimos), a que se refere o nº.2 da matéria de facto provada, auferidos pelo impugnante com a venda do imóvel identificada no nº.28 da matéria de facto supra exarada foi pago pela empresa compradora, “Pedra ……….. - G…………………, S.A.”, através de cheques emitidos pela mesma sociedade (cfr.documentos juntos a fls.126 a 142 dos presentes autos; factualidade admitida pelo impugnante nos artºs.20 a 23 da p.i.; depoimentos das testemunhas Mancio ………. e Paulo ………… constantes de cassete áudio apensa aos presentes autos).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada um dos números do probatório, nos depoimentos testemunhais prestados e registados em cassete áudio e nas regras da experiência, tal como na análise dos mecanismos de admissão de factualidade por parte do impugnante, enquanto espécie de prova admitida no âmbito da relação jurídico-fiscal, embora de livre apreciação pelo Tribunal (cfr.artº.361, do C.Civil).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente improcedente a impugnação que originou o presente processo, em virtude de considerar legal a correcção à matéria colectável, em sede de rendimentos de categoria B, e consequente liquidação, levadas a efeito pela A. Fiscal, relativamente ao ano fiscal de 2001 do impugnante e em sede de I.R.S.
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Refira-se, antes de mais, que são as conclusões das alegações do recurso que, como é sabido, definem o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.684 e 690, do C.P.Civil, então em vigor; António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.89 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.41).
O apelante dissente do julgado alegando, em primeiro lugar, que na sentença recorrida a fundamentação de facto é feito um mero translado do texto do relatório de inspecção, não especificando quais os factos que considera provados e tidos por assentes. Que a transposição daqueles textos, com o aporte dos inúmeros factos dos mesmos constantes, não permite a percepção dos factos que efectivamente se consideram provados, nem permite descortinar os factos concretos que se devem considerar incorrectamente julgados, tal se traduzindo numa manifesta insuficiência ou deficiência na fundamentação da douta sentença recorrida que, por isso, deve ser revogada (cfr.conclusões 1 a 3 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, segundo cremos, assacar à sentença recorrida uma nulidade prevista no artº.668, nº.1, al.b), do C.P.Civil, no que diz respeito à falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal pecha.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.668, do C. P. Civil.
Nos termos do preceituado no citado artº.668, nº.1, al.b), do C. P. Civil, é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.659, nº.3, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.139 a 141; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.687 a 689; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36).
No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.906 a 910; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.871/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/10/2010, rec.218/10).
No caso “sub judice”, não entrevemos que a sentença recorrida padeça da nulidade em análise. Pelo contrário, a fundamentação fáctica da sentença existe, conforme se refere supra, assim não vislumbrando este Tribunal que tal vício possa proceder.
Face ao exposto, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente este fundamento do recurso.
O recorrente dissente do julgado alegando igualmente, como supra se alude, que nos fundamentos do julgamento de facto se encontra o depoimento prestado pela testemunha Mancio Barreto, sendo que o mesmo não foi contrariado por qualquer prova produzida, pelo que os factos deste depoimento constante deveriam ter sido levados à matéria de facto tida como assente por serem relevantes para a decisão da causa (cfr.conclusão 4 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de facto da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Desde logo, se dirá que quanto à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A. Sul, 17/5/2011, proc.4745/11).
“In casu”, não pode deixar de estar votado ao insucesso o fundamento do recurso em análise devido a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra, especificamente quanto à concreta factualidade que se deve considerar provada e que consta do depoimento da dita testemunha Mancio ………….. e que, alegadamente, não é contrariada pela prova documental realizada no âmbito do presente processo. Tal factualidade não é minimamente concretizada pelo recorrente.
Por outro lado, conforme se pode constatar supra, na fundamentação da decisão da matéria de facto, o Tribunal “a quo” assentou a matéria de facto provada também no depoimento da testemunha Mancio …………….
Nestes termos, julga-se improcedente este fundamento do recurso.
Mais aduz o apelante que alegou na sua petição inicial que o preço convencionado com os comproprietários e vendedores foi, desde logo, por si pago integralmente e que os mesmos o autorizaram a fazer negócio consigo mesmo, ou com terceiros, e disso tendo feito prova através dos documentos juntos ao mesmo articulado. Não obstante, a douta sentença recorrida considerou que tais factos apenas estavam provados quanto aos comproprietários a que se referem os nºs.9 e 17 da matéria de facto assente. Ora, tais factos, que deveriam ter sido dados como provados, são essenciais para determinar a natureza da relação jurídica existente entre o recorrente e os comproprietários (cfr. (cfr.conclusões 5 a 7 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar mais um erro de julgamento de facto da sentença recorrida.
Analisemos se a decisão recorrida padece de tal vício.
Antes de mais, se dirá que consta do probatório o pagamento da totalidade do preço aos comproprietários e vendedores identificados nos nºs.9 e 17 da matéria de facto provada, mas também dos comproprietários e vendedores identificados nos nºs.13 e 14 da factualidade provada e supra exarada. Certamente por lapso, o recorrente não faz referência aos comproprietários e vendedores identificados nos nºs.13 e 14 da matéria de facto.
Por outro lado, deve referir-se que da prova documental produzida no processo não resulta provado o alegado pagamento (por parte do impugnante/recorrente) e quitação (por parte dos restantes comproprietários e vendedores), sendo que a prova de tal factualidade onerava o recorrente (cfr.artº.342, nº.1, do C.Civil; artº.74, nº.1, da L.G.T.).
Já quanto ao facto dos comproprietários e vendedores terem autorizado o recorrente a fazer negócio consigo mesmo, no âmbito da passagem das procurações irrevogáveis ou dos contratos-promessa celebrados, tal prova consta dos autos e abrange todos os comproprietários do imóvel posteriormente vendido pelo impugnante, factualidade esta que é pressuposto aferidor da legitimidade deste no momento da venda do mesmo imóvel (cfr.nº.28 da matéria de facto provada).
Concluindo, também neste caso não vislumbra o Tribunal “ad quem” que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de facto, assim sendo forçoso julgar improcedente este fundamento do recurso.
Igualmente alega o recorrente que a decisão recorrida considerou como não provada a existência de promessa de compra e venda relativamente aos comproprietários identificados nos nºs.25, 26 e 27 do probatório. Contudo, estes comproprietários outorgaram procuração irrevogável a favor do recorrente em idênticos moldes às outorgadas pelos comproprietários de quem foram apresentados contratos promessa, onde deram quitação do preço e autorizaram a realização da venda consigo mesmo. Tais factos seriam bastantes para que se considerasse que relativamente a estes oito comproprietários também existiu promessa de compra e venda, ainda que não escrita, pois os termos das respectivas procurações faz pressupor a existência daquela promessa de venda. Pelo que, também aqui mal andou a douta sentença recorrida quando não levou aos factos provados a existência de promessas de compra e venda com aqueles oito comproprietários (cfr.conclusões 8 a 12 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar mais um erro de julgamento de facto da sentença recorrida.
Dissequemos se a decisão recorrida comporta tal pecha.
Também neste fundamento do recurso o apelante não cumpre o ónus a que já aludimos acima, dado que não indica, quanto à factualidade que chama agora à colação (a prova da celebração dos contratos-promessa de compra e venda), os concretos meios probatórios, constantes do processo que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto agora em causa, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
E lembremo-nos que nos encontramos perante contrato-promessa de compra e venda de imóvel para o qual a lei exige a forma de celebração através de documento (cfr.artº.410, do C.Civil), pelo que o meio de prova de tal negócio jurídico não pode deixar de se consubstanciar em indício documental (cfr.artº.364, nº.1, do C.Civil), cujo ónus, mais uma vez, onerava o recorrente (cfr.artº.342, nº.1, do C.Civil; artº.74, nº.1, da L.G.T.).
Concluindo, não tendo sido produzida prova da celebração da promessa de compra e venda com o recorrente e por parte dos comproprietários identificados nos nºs.25, 26 e 27 do probatório, não podia o Tribunal “a quo” julgar tal matéria provada, assim improcedendo igualmente este fundamento do recurso.
Mais alega o recorrente que a douta sentença recorrida entendeu não se verificar a existência de cedência da posição contratual nas referidas promessas de compra e venda, para tanto fazendo apelo à lei civil, por entender inexistir o consentimento dos promitentes vendedores e por faltar a forma exigida àquela cedência. Ora, salvo melhor opinião, também aqui andou mal a douta sentença ao considerar como não provada a cedência de posição contratual com base na disciplina civil deste instituto, por força do disposto no artº.11, da L.G.T., quando o normativo aplicável aos factos “sub judice” era o do nº.1, do artº.38, da L.G.T. (cfr.conclusões 14 a 19 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Diz-nos o artº.38, nº.1, da L. G. Tributária, na redacção resultante da lei 30-G/2000, de 29/12 (cfr.artº.12, do C.Civil), que a ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes.
A norma sob exame consagra a possibilidade de tributação dos efeitos económicos pretendidos pelas partes que tenham sido produzidos apesar da ineficácia do negócio. No entanto, tal tributação só ocorrerá se, e na medida em que, tais efeitos existam e recaiam na previsão de um tipo legal de imposto.
O artº.38, nº.1, da L.G.T., integra-se numa certa vertente do chamado “realismo” do direito fiscal. Determina-se a tributação dos efeitos económicos dos actos e negócios jurídicos, independentemente da eficácia ou validade dos negócios jurídicos que lhe estão subjacentes. No entanto, têm os efeitos económicos que se tenham produzido e subsistirem, para ser tributados, de caber na previsão (incidência) de uma norma tributária. Há que ter em atenção, nomeadamente, se a norma em causa tributa a realidade económica, ou a realidade jurídica, em termos de, por exemplo, exigir uma certa forma para o negócio. Por outras palavras, o presente artigo consagra a eficácia perante a Administração Tributária dos negócios jurídicos ineficazes no âmbito do direito comum, nos casos em que já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes, de que resulta o direito, em tais circunstâncias, à tributação do negócio jurídico ineficaz. Assim, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes, a Administração Tributária, para proceder à tributação, não necessita de solicitar judicialmente a declaração de eficácia ou validade dos negócios jurídicos. Mais sendo irrelevante, para efeitos fiscais, a destruição retroactiva a que as partes pretendam proceder dos efeitos económicos do negócio jurídico susceptível de tributação (cfr.Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, págs.175; António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, Rei dos Livros, 2000, pág.183 e seg.).
“In casu”, pretende o recorrente que a A. Fiscal, ao abrigo da norma em exegese, se conclui-se pela existência de uma cedência da posição contratual, apesar da ineficácia que a lei civil atribui ao negócio jurídico realizado, tal não impedindo a tributação do mesmo, desde que se mostrem verificados os respectivos efeitos económicos.
Ora, salvo melhor opinião, não nos encontramos, no caso concreto, perante uma questão de ineficácia jurídica de um determinado negócio jurídico, de acordo com o regime da lei civil, assim não sendo aplicável no âmbito do presente processo a norma sob análise.
Antes terá o aplicador do direito de efectuar o enquadramento jurídico da factualidade que se encontra dada como provada, para tanto devendo aplicar os princípios gerais de hermenêutica jurídica previstos na lei geral. Mais sendo hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr. artº.11, da L.G.Tributária; artº.9, do C.Civil; José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Editorial Verbo, 4ª. edição, 1987, pág.335 e seg.; J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1989, pág.181 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de C.T.Fiscal, nº.174, 1996, pág.363 e seg.).
Vejamos, pois, se no caso “sub judice” se pode defender a existência, como alega o recorrente, de uma cessão da posição contratual, enquadrável como mais-valia nos termos do artº.10, nº.1, al.d), do C.I.R.S., após a reforma operada pela Lei 30-G/2000, de 29/12.
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
“In casu”, o recorrente defende que a factualidade constante dos presentes autos se deve enquadrar como mais-valia nos termos do artº.10, nº.1, al.d), do C.I.R.S., para efeitos de incidência e tributação em sede de I.R.S.
Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias (vistas enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma actividade produtiva, mas que têm algum significado económico e sendo passíveis de controlo pela A. Fiscal, nestas se incluindo as mais-valias prediais) e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do C.I.R.S.; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.379).
Mais se dirá que a mais-valia se deve definir, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se define como uma alienação onerosa (cfr.artº.44, do C.I.R.S.; José Guilherme Xavier Basto, ob.cit., pág.443 e seg.).
O artº.10, nº.1, do C.I.R.S., mostra o carácter selectivo da tributação das mais-valias, norma que consagra uma espécie de “numerus clausus” em matéria de incidência fiscal. Desde logo, se afastando da qualificação como mais-valias os ganhos que devam considerar-se como rendimentos resultantes de actividade profissional ou empresarial, os quais se consideram como rendimento de categoria B, enquadráveis no artº.3, do mesmo diploma. Assim, somente os ganhos inesperados ou imprevistos, não enquadráveis numa actividade profissional ou empresarial são passíveis de incidências nas diversas alíneas do examinado artº.10, nº.1, do C.I.R.S. É o caso da cessão onerosa de posições contratuais relativas a imóveis, situação prevista no artº.10, nº.1, al.d), do mesmo diploma (cfr.José Guilherme Xavier Basto, ob.cit., pág.394; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.136 a 139).
Já a figura da cessão da posição contratual consiste no negócio pelo qual um dos outorgantes em qualquer contrato bilateral ou sinalagmático transmite a terceiro, com o consentimento do outro contraente, o complexo dos direitos e obrigações que lhe advieram desse contrato (cfr.artº.424, do C.Civil). São três os protagonistas da operação: o contraente que transmite a sua posição (cedente); o terceiro que adquire a posição transmitida (cessionário); e a contraparte do cedente, no contrato originário, que passa a ser contraparte do cessionário (contraente cedido, ou o cedido, tout court).
O contrato de cessão da posição contratual descreve, na sua configuração, um circuito de natureza triangular, visto a sua perfeição exigir o consentimento dos três sujeitos colocados em posições diferentes. Além da vontade dos intervenientes directos na cessão (o cedente, dum lado; o cessionário, do outro), o artº.424, nº.1, do C.Civil, alude directamente à necessidade do consentimento do contraente-cedido, para quem não é indiferente a pessoa do devedor nas obrigações de que ele seja credor. Assim, pela mesma razão por que não é possível a assunção de dívida sem o assentimento do credor, também a substituição do cedente, na transmissão da posição contratual, se não pode consumar sem o consentimento do contraente cedido.
Para que possam ser definidos os direitos e deveres de cada um dos três protagonistas da cessão da posição contratual e compreendida a função específica deste tipo negocial, importa ter presente a distinção entre os dois contratos que se cruzam na operação. Existe, por um lado, o verdadeiro contrato de cessão da posição jurídica de certo contraente; por outro há o contrato base de onde nasceu a posição (complexo de direitos e deveres) que um dos contraentes (cedente) transmite a um terceiro (cessionário).
A conexão existente entre os dois contratos provém do facto de o contrato de cessão ter por efeito típico a transmissão da posição de um dos contraentes na relação nascida do contrato base. Mais se dirá, nos termos do artº.425, do C.Civil, que os requisitos do contrato de cessão estão directamente ligados, ou definem-se em função do tipo de negócio que serve de base à cessão. Nestes termos, além do mais, se o contrato base exigir a forma escrita, como é o caso do contrato-promessa de compra e venda de imóvel para o qual a lei exige a forma de celebração através de documento (cfr.artº.410, do C.Civil), conforme mencionado supra, igualmente o contrato de cessão que lhe está associado deve revestir a forma escrita (cfr.João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, 5ª.edição, 1992, vol.II, pág.381 e seg.; António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, AAFDL, 1990, vol.II, pág.121 e seg.; ac.S.T.J.-6ª.Secção, 12/7/2011, proc.1552/03.9TBVLG.P1).
No caso concreto, a problemática em equação gira em torno de duas questões a que haverá que responder:
1-A primeira consiste em saber se são alegados/provados factos suficientes para se poder chegar a esta figura (cessão da posição contratual);
2-A segunda, pressupondo resposta positiva à anterior, se ela teve efectivamente lugar.
Como cedente da posição contratual apenas se pode configurar como possível a figura do impugnante/recorrente.
Os contraentes cedidos são os promitentes vendedores, isto para aqueles em relação aos quais foi efectuada prova da celebração de contratos promessa de compra e venda (cfr.nºs.9, 13, 17 e 21 da matéria de facto provada).
Quanto aos restantes vendedores, os quais são:
- Maria ………………………;
- António …………………….;
- Maria do Carmo …………..;
- Fernando …………….……;
- José ………………………..;
- Paula ………………..;
- Mário ……………………… e;
- Maria de Fátima ……………...
Face a estes, não tendo efectuado prova da existência dos aludidos contratos-promessa, não pode o impugnante/recorrente assentar toda a sua argumentação nos referidos contratos, assim falecendo a possibilidade de estes vendedores ocuparem a posição de contraentes cedidos.
Resta agora saber quem é o cessionário, ou seja, para quem é transmitida a promessa de celebrar o contrato definitivo de compra e venda.
O impugnante/recorrente não faz prova do contrato (ou dos contratos) mediante o qual transmitiu a sua posição contratual, ou seja, a favor de quem transmitiu a promessa de celebração do contrato prometido. O Tribunal não vislumbra que tenha ocorrido tal transmissão, sendo certo que o contrato de cessão da posição contratual obedece aos requisitos formais prescritos pelo artº.425, do C. Civil, conforme mencionado supra. Assim, em conclusão, nas situações em que não foi celebrado contrato-promessa de compra e venda, não existe contrato base que suporte a posição da parte no contrato de cessão da posição contratual. Por outro lado, nos casos em que foi celebrado contrato-promessa de compra e venda não foi efectuada prova, nos termos legalmente prescritos, da transmissão da posição contratual do impugnante/recorrente.
Voltando às questões formuladas acima, é óbvia a resposta negativa à primeira (o recorrente não faz prova de factualidade que enquadre a figura da cessão da posição contratual tendo por base contrato promessa de compra e venda de imóvel), desnecessário se tornando o exame da segunda.
Finalizando, o recorrente não faz prova da existência da figura da cessão de posição contratual no âmbito dos presentes autos, em consequência do que não é possível enquadrar a situação “sub judice” na norma de incidência prevista no artº.10, nº.1, al.d), do C.I.R.S., enquanto mais-valia tributável como rendimento de categoria G, em sede de I.R.S.
Alega, por último, o recorrente que mal andou a douta sentença recorrida quando entendeu que o ganho obtido por si devia ser sujeito a I.R.S., na categoria B, por força do artigo 3, do C.I.R.S., dado que tal enquadramento, atenta a prova produzida, não se podia fazer, pelo menos quanto aos casos em que considerou provada a existência de promessa de compra e venda, já que a qualidade de promitente comprador não é compatível com a de intermediário na mesma venda e o aqui recorrente limitou-se a ajustar a revenda com terceiros. Estando, assim, a douta sentença recorrida inquinada de vício de violação de lei, nomeadamente, por errada qualificação dos factos e consequente erro nos pressupostos e fundamentação da tributação e por errada determinação da norma de incidência do tributo que nunca seria a do artº.3, do C.I.R.S. (cfr.conclusões 23 a 28 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar mais um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Dissequemos se a decisão recorrida comporta tal pecha.
Haverá, agora, que analisar se, como entende a Administração Fiscal, o rendimento obtido pelo impugnante/recorrente resulta da prestação de serviços de intermediação imobiliária, pelo que cai no âmbito de incidência do artº.3, nº.1, al.b), do C.I.R.S., sendo passível de tributação enquanto rendimento de categoria B, em sede de I.R.S.
A antiga categoria C dos rendimentos da cédula de I.R.S. englobava os proventos resultantes das actividades de natureza comercial e industrial, naturalmente quando auferidos por pessoas singulares (cfr.artº.4, do C.I.R.S. na versão em vigor até 2000). Com a revisão do sistema de tributação do rendimento operada a partir de 2000, o legislador decidiu unificar todos os rendimentos empresariais e profissionais, assim suprimindo a categoria C de rendimentos, a qual foi incluída na actual categoria B (cfr.artºs.3 e 4, do C.I.R.S., na redacção resultante da Lei 30-G/2000, de 29/12; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.153 e seg.).
A actual categoria B dos rendimentos sujeitos a tributação em I.R.S. goza de uma característica especial que consiste no seu carácter predominante, relativamente aos rendimentos de qualquer outra categoria. Até à citada reforma operada em 2000, os rendimentos profissionais não tinham a característica da preponderância, pelo que, mesmo que obtidos no desenvolvimento de uma actividade profissional não se tornavam rendimentos de categoria B, antes sendo tributados como rendimentos da categoria a que, pela natureza, correspondessem. Assim, por exemplo, os rendimentos prediais conexos com a actividade profissional, eram tributados na categoria F, e não integrados no rendimento líquido da categoria B. Já as mais-valias de bens afectos à actividade de profissionais independentes não se integravam no rendimento líquido da mesma actividade (da então categoria B), antes sendo tratados autonomamente como mais-valias passíveis de tributação na categoria G.
Depois da reforma, nos rendimentos líquidos da nova categoria B integram-se todos os proventos obtidos ou conexos com a respectiva actividade desenvolvida. É o que se conclui da análise interpretativa do artº.3, nº.2, do C.I.R.S., na redacção resultante da Lei 30-G/2000, de 29/12. A predominância significa pois que todos os rendimentos, de todas as naturezas, que se possam imputar à actividade profissional ou empresarial acabam por ser qualificados como proveitos da categoria, integrando-se na respectiva conta de exploração para efeitos de cálculo do lucro tributável (cfr.José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.169 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.85 e seg.).
Nos termos do artº.3, nº.1, al.b), são tributados nesta categoria os rendimentos decorrentes do exercício, por conta própria, de qualquer actividade de prestação de serviços. A lista de actividades cujo exercício dá origem a rendimentos profissionais está consagrada na portaria 1011/2001, de 21/8 (cfr.artº.151, do C.I.R.S.). Entre as diversas actividades consagradas na citada portaria vamos encontrar os mediadores imobiliários. Vemos pois, que a actividade de mediação imobiliária, no ano de 2001, era geradora de rendimentos profissionais enquadráveis na categoria B, do I.R.S., atenta a norma de incidência consagrada no citado artº.3, nº.1, al.b), do C.I.R.S. (cfr.José Guilherme Xavier Basto, ob.cit., pág.158 e seg.; Rui Duarte Morais, ob.cit., pág.79 e seg.).
No caso “sub judice”, conforme se retira da matéria de facto provada (cfr.nºs.2 e 31 da matéria de facto provada), no ano de 2001 o impugnante/recorrente estava colectado para o exercício da actividade de mediação imobiliária.
A Administração Fiscal considerou que o impugnante/recorrente agiu em nome e por conta dos proprietários, através de procurações irrevogáveis passadas pelos mesmos, concluindo que o proveito auferido com a venda do imóvel identificada no nº.28 da matéria de facto provada constitui rendimento passível de tributação em sede de I.R.S., na categoria B, e procedeu a correcções meramente aritméticas acrescendo aos rendimentos desta categoria o montante de € 4.713.640,13.
Como supra se demonstrou o recorrente não provou a celebração de qualquer contrato de cessão da posição contratual e surge na escritura pública de compra e venda como procurador dos vendedores. A escritura pública de compra e venda esclarece que o impugnante/recorrente não é proprietário nem promitente, mas tão-somente procurador dos vendedores. Nunca o imóvel esteve registado em seu nome ou por qualquer outro modo este adquiriu a propriedade do mesmo.
Pelo que, se deve concluir que a actividade do recorrente se reconduz à prestação de serviços no âmbito da mediação imobiliária em que se encontrava colectado no citado ano de 2001, sendo os seus proventos enquadráveis na categoria B, do I.R.S., atenta a norma de incidência consagrada no citado artº.3, nº.1, al.b), do C.I.R.S., e a citada predominância de tais rendimentos.
Concluindo, não merece censura a decisão recorrida, a qual não padece do vício de violação de lei, por errada qualificação dos factos e consequente erro nos pressupostos e fundamentação da tributação e por errada determinação da norma de incidência do tributo.
Sem necessidade de mais amplas ponderações, considera-se improcedente também este fundamento do recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida a qual não sofre de qualquer dos vícios que lhe são assacados pelo recorrente, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Ofício junto a fls.381 dos presentes autos: após trânsito, satisfaça remetendo cópia certificada do presente acórdão.
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Lisboa, 9 de Novembro de 2011

(Joaquim Condesso - Relator)

(Lucas Martins - 1º. Adjunto)

(Magda Geraldes - 2º. Adjunto)