Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07700/14
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/26/2014
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA
ERRO DE JULGAMENTO
NULIDADE PROCESSUAL
TAXA
IMPOSTO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCIPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário:I - Existe omissão de pronúncia quando o juiz, devendo pronunciar-se sobre determinada questão, não o fizer sem que essa apreciação se mostre prejudicada pela decisão dada a outra concretamente apreciada.
II - A falta de pronúncia sobre a realização de diligências instrutórias ou a falta de avaliação de provas que deveriam ter sido apreciadas não constitui a nulidade por omissão de pronúncia prevista no artigo 125º, nº1 do CPPT, sem prejuízo de poder constituir nulidade processual a ser arguida no prazo de 10 dias a contar da data em que a parte teve conhecimento (ou pudesse ter tido se tivesse actuado com a diligência devida) do seu cometimento.
III – A parte que, notificada do processo instrutor e para apresentar alegações nos termos do artigo 120º do CPPT, as apresentou sem que tenha suscitado a questão da não realização das diligências pedidas na petição inicial, não pode valer-se dessa nulidade processual no recurso interposto da sentença final que lhe foi desfavorável, por aquela se ter sanado.
 
IV - A distinção entre imposto e taxa reside, essencialmente, no carácter unilateral do primeiro e no carácter bilateral ou sinalagmático da segunda.
V – Se para o desenvolvimento de uma actividade económica lucrativa de prestação de serviços é necessária a ocupação/utilização do solo ou subsolo municipais, o tributo que é exigido pela disponibilidade desse solo ou subsolo constitui uma taxa, por esse tributo ser a contrapartida da referida disponibilidade.
VI – Para que se possa afirmar que o tributo é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, não basta afirmar a existência de uma desproporção entre a quantia a pagar e o beneficio auferido, sendo necessário demonstrar que essa desproporção é manifesta e compromete de forma definitiva a correspectividade pressuposta na relação sinalagmática.
VII – Se a Recorrente fundou a inconstitucionalidade da taxa por violação do princípio da proporcionalidade exclusivamente na inexistência de contraprestação, estando esta demonstrada e não existindo elementos nos autos que evidenciem a desproporcionalidade referida em VI., impõe-se julgar-se improcedente a inconstitucionalidade suscitada.
VIII – O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, a que as autoridades administrativas estão expressamente vinculadas (artigo 266º, n.º 2 da C.R.P), apenas exige que se trate por igual o que é igual, não impedindo a diferenciação de tratamento que tenha justificação e fundamento material bastante.
VII - O facto de existirem empresas, designadamente as concessionárias de serviços públicos, isentas de pagamento de taxa pela ocupação ou utilização do solo e subsolo do município, em nada contende com a legalidade da liquidação impugnada e muito menos com a constitucionalidade da taxa aplicada por violação do princípio da igualdade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO
...- ..., S.A, com sede na Rua ..., S/N, Campo Raso, 2710 Sintra, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra - que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra o acto de indeferimento expresso da reclamação graciosa que apresentara contra a liquidação da taxa de ocupação da via pública, referente ao ano de 2010, efectuada pela Câmara Municipal de Sintra no valor de € 2.421,90 - da mesma veio interpor o presente recurso jurisdicional.

A culminar as suas alegações de recurso apresentou as seguintes conclusões:
«a) A 12 de Dezembro de 2011, a ora Recorrente ... foi notificada pela Câmara Municipal de Sintra do acto de liquidação de alegada taxa de Ocupação/Utilização do subsolo, relativa ao ano de 2010, referente ao Projecto - Ligação ao depósito de gás, sito na Rua ...- Mem Martins.
b) O montante da mesma perfaz € 2.421,90 (dois mil quatrocentos e vinte e um euros e noventa cêntimos) reportando-se, em específico, segundo consta das notificações camarárias, à ocupação de subsolo/solo municipal com condutas e depósitos de gás.
c) A 23 de Abril de 2012, a ora Recorrente ... procedeu, nos termos do artigo 16° do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, à impugnação da obrigação de pagamento das referidas taxas municipais.
d) A ora Recorrente ... foi notificada da respectiva sentença a 11 de Outubro de 2013, a qual julgou totalmente improcedente a impugnação apresentada, pelo que são termos em que o presente recurso tem por base a sentença que julgou improcedente os vícios invocados pela ora Recorrente ... em sede de impugnação, considerando válida e constitucional as taxas cobradas pelo Município de Sintra.
e) Relativamente a inconstitucionalidade das taxas exigidas pelo Município de Sintra por violação do princípio da igualdade alegado pela ora Recorrente ..., o Tribunal a quo pronunciou-se no sentido de não foram alegados factos concretos para a sua prova.
f) Salvo o devido respeito, a ora Recorrente ... não pode concordar com esta apreciação feita pelo Tribunal a quo, porquanto foi alegada matéria factual para corroborar a violação do princípio da igualdade, designadamente os factos descritos nos artigos 21° a 28° da Impugnação, pelo que, resulta claro que o Tribunal a quo não se pronunciou, como devia, sobre o pedido formulado pela ora Recorrente ..., pelo que dever-se-á considerar que a sentença do Tribunal a quo padece de um vício de omissão de pronúncia, o que implica necessariamente a nulidade da mesma, nos termos do 125° do Código de Procedimento e Processo Tributário.
g) Acresce a isto que, na sua impugnação, a ora Recorrente ... requereu, ao abrigo do artigo 531° do anterior Código de Processo Civil, aplicável por remissão da alínea e) do artigo 2° do Código de Procedimento e Processo Tributário, a notificação de um conjunto de entidades no sentido de provarem o pagamento de taxas referentes à ocupação de espaço público.
h) Estes documentos eram essenciais para averiguar o respeito pelo princípio da igualdade por parte da Câmara Municipal de Sintra, porquanto estas empresas ocupam, à semelhança e nas mesmas condições da Recorrente ..., o subsolo do Município.
i) A Recorrente ... requereu, na sua reclamação, para efeitos de prova que a Recorrida Câmara Municipal de Sintra viesse juntar aos autos os documentos comprovativos do pagamento das taxas de ocupação de domínio público realizado pelas demais empresas supra citadas.
j) Ora, atente-se ao facto que a Recorrente ... encontra-se em igualdade de circunstâncias com estas empresas, desde logo porque também ela leva a cabo uma actividade de prestação de serviço de utilidade pública, razão pela qual deveria beneficiar das mesmas regalias e privilégios concedidos a estas.
k) Porquanto, a ora Recorrente ..., salvo o devido respeito, que é muito, não pode concordar com a sentença recorrida, na parte em que diz que não se fez prova do não pagamento destas entidades das referidas taxas, pois que não estando na posse desses meios de prova, não poderia a Recorrente ... apresentá-los, tendo requerido, por isso nos termos legais, a notificação da Recorrida Câmara Municipal de Sintra para apresentar os mesmos.
l) São termos em que, do teor da sentença ora proferida, resulta claro que este tribunal não se pronunciou, como deveria, sobre o pedido formulado pela ora Recorrente ..., comportamento que configura uma nulidade nos termos do 125° do Código de Procedimento e Processo Tributário.
m) Sobre a importância dessa prova para a boa decisão da causa veja-se o voto de vencido proferido no acórdão do Proc. n°06018/12 do Tribunal Central Administrativo.
n) Além disso, inexiste a obrigação de pagamento das aludidas taxas, visto que as mesmas configuram um verdadeiro imposto, criado ilícita e inconstitucionalmente no foro municipal, porquanto não se verificam os elementos/requisitos que permitem qualificar um determinado tributo como taxa.
o) No presente caso não se vislumbra qualquer contraprestação por parte da Câmara Municipal de Sintra, quanto à ocupação/utilização do solo e subsolo com depósitos de gás, visto que esta não procedeu ao seu planeamento, nem à sua implantação, nem posteriormente à sua conservação e/ou tratamento, ou à reposição do espaço onde os mesmos foram implantados e tanto os custos das obras de manutenção como de reparação dos depósitos de gás para abastecimento domiciliário de GPL foram e são da inteira responsabilidade da ora Recorrente ....
p) Além do que, ao encargo criado pelo município, tem de haver um serviço prestado com alguma individualização aos cidadãos e não uma qualquer contraprestação meramente formal. Só no caso de se verificar uma vantagem suficientemente individualizada e caracterizada é que se pode tomar como contraprestação de uma taxa.
q) A taxa tem ainda de satisfazer o pressuposto da contraprestação ser proporcional ao benefício auferido e também, portanto, susceptível de avaliação pecuniária, o que claramente não se verifica no caso em análise, porquanto não existe sequer contraprestação por parte do município.
r) Assim, ao não se verificam os elementos/ requisitos que permitem qualificar estes valores cobrados pelo Município de Sintra como taxas, pelo que a sua cobrança terá de ser considerada inconstitucional, por violação inequívoca do princípio da legalidade tributária, consagrado no n°2 do artigo 103° da C.R.P.
s) Não existe uma actividade do Município especialmente dirigida à ora Recorrente ....
t) Na verdade, o tributo em análise nos presentes autos não pode deixar de ser considerado como um imposto, ainda que camuflado, porquanto não só não se verifica uma contraprestação específica por parte do sujeito activo - a Câmara Municipal de Sintra - como também se verifica o carácter claramente desproporcional do montante a pagar em relação ao benefício supostamente recebido pela ora Recorrente ....
u) Assim sendo e tendo com base este princípio da legalidade fiscal, é evidente que os Municípios se encontram proibidos constitucionalmente de criar impostos, apenas tendo habilitação legal para criar taxas, tarifas e preços, para o financiamento dos serviços prestados e para a gestão administrativa do património - vide n.°s 1 e 3 do artigo 238° da C.R.P. e Regime Financeiro das Autarquias Locais das Entidades Intermunicipais.
v) Face ao exposto, não podem restar dúvidas de que o acto de liquidação praticado pela Câmara Municipal de Sintra, bem como as disposições regulamentares em que este se baseia, violam a reserva de lei formal consagrada no n°2 do artigo 103° e na alínea i) do n°1 do artigo 165° da C.R.P.
w) Este vício da inconstitucionalidade implica, nos termos da alínea b) do n°2 do artigo 133° do C.P.A., a nulidade do acto da Câmara Municipal de Sintra que criou um verdadeiro imposto, acto estranho por imposição constitucional às atribuições e competências dos municípios, porquanto se trata de matéria de competência da Assembleia da República (vide n°2 do artigo 103° e na alínea i) do n°1 do artigo 165° da C.R.P.).
x) É de conhecimento geral que várias empresas concessionárias de serviços públicos, nomeadamente a CP, Portugal Telecom e EDP, utilizam bens dominiais para implantação de infra-estruturas, sem pagarem por isso qualquer taxa ou renda.
y) Caso em que, ao serem isentas do pagamento de taxas, ficam numa posição de vantagem concorrencial. Ainda que não estejam em causa as mesmas actividades, mas sim similares, todas prestam serviços de satisfação de necessidades básicas colectivas (electricidade, transportes, telecomunicações e gás) e não são tributadas pela instalação das suas infra-estruturas e respectiva ocupação do domínio público municipal.
z) Tal representa uma manifesta violação do princípio da igualdade previsto nos artigos 13° e n°2 do 266° da C.R.P., porquanto o município não cobra as referidas taxas às supra citadas entidades, cobrando as mesmas à ora Recorrente ..., apesar de esta se encontrar, no caso em análise, na mesma posição das empresas supra referidas, pelo que o presente recurso deve ser considerado procedente, porquanto os actos de liquidação praticados pela Câmara Municipal de Sintra violam de forma flagrante o princípio da igualdade consagrado nos artigos 13° e n°2 do 266° da C.R.P.
aa) De acordo com a lei, o estabelecimento da medida de uma qualquer taxa deve estar sujeito ao Princípio da Proporcionalidade, ou seja, a quantia a pagar deve ser proporcional face ao valor do serviço prestado ao utente.
bb) Verificando-se uma desproporção nessa relação, como acontece no presente caso, compromete-se a correspectividade pressuposta na relação sinalagmática.
cc) A lei, ao definir o regime da compensação pela ocupação do domínio público, enuncia um critério que se baseia nos prejuízos causados ao interesse público a que o bem dominial se encontrava afecto.
dd) Ora, não existindo no caso concreto limitações à utilização do bem em que se verifica o atravessamento do subsolo por parte dos canos da Recorrente ... e sendo os custos envolvidos para o município com a ocupação privativa de parte do subsolo de ruas e caminhos municipais com tubos e condutas são virtualmente inexistentes, o preço justo será meramente simbólico.
ee) Em conclusão, no caso vertente, além de ser praticamente impossível determinar pela parte do sujeito activo o valor de um justo preço - quer das vantagens (supostamente) auferidas pelo munícipe, quer do custo do serviço prestado - a quantia a pagar é manifestamente excessiva face ao serviço prestado pela Câmara Municipal de Sintra como correspondência específica e individualizada da quantia a pagar - que se reconduz, na prática, a uma mera autorização de ocupação do solo para armazenagem de GPL e passagem de condutas no subsolo
ff) São termos em que o presente recurso deve ser considerado procedente, porquanto os actos de liquidação praticados pela Câmara Municipal de Sintra violam de forma flagrante o princípio da proporcionalidade consagrado no n°2 do artigo 266° da C.R.P.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve a sentença do Tribunal a quo ser considerada nula, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 125° do Código de Procedimento e Processo Tributário, porquanto a mesma não se pronunciou sobre a matéria factual apresentada pela ora Recorrente ... relativamente à violação dos princípio da igualdade, assim como não se pronunciou sobre a prova requerida por esta na Impugnação Judicial.
Caso assim não se entenda, contra o que se espera, dever-se-á considerar procedente o presente recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida, devendo a Impugnação Judicial ser julgada procedente, por provada, com a consequente declaração da nulidade do despacho de indeferimento da reclamação e da inconstitucionalidade orgânica do Regulamento e Tabela da Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para o ano de 2011, porquanto o mesmo viola a reserva de lei formal consagrada no n°2 do artigo 103° e na alínea i) do n°1 do artigo 165° da C.R.P., o princípio da igualdade consagrado nos artigos 13° e n°2 do 266° da C.R.P. e o princípio da proporcionalidade constante do n°2 do 266° da C.R.P.».

O Recorrido, Município de Sintra apresentou contra-alegações, encerradas no seguinte quadro conclusivo:
«1º - O Município de Sintra pugna pela manutenção da douta sentença recorrida que julgou improcedentes todos os vícios invocados pela recorrente, considerando válidas e constitucionais as taxas cobradas pelo Município de Sintra.
2º - Com efeito, a douta sentença recorrida não padece de quaisquer vícios que lhe são apontados pela recorrente, tendo-se pronunciado sobre todas as questões suscitadas com interesse para a boa decisão da causa.
3º- É nosso entendimento a conformidade constitucional do artigo 29º, nº2.1 da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra em vigor para o ano de 2010, aprovada em sessão de Assembleia Municipal de Sintra, de 27.04.2010 que entrou em vigor em 08.06.2010 - cfr. Aviso nº9719/2010, de 17 de maio de 2010, publicado no DR nº95, 2.- Série - não incorrendo a liquidação em violação do disposto nos artigos 13º, 103º nº2, 165º, nº1 al. i) e 266º, nº2, todas as disposições citadas da C.R.P.
4° - Deste modo, bem andou o Tribunal a quo ao julgar improcedente os vícios invocados pela ora recorrente, considerando válidas e constitucionais as taxas cobradas pelo ora recorrido.
5º - Aliás, é esse o entendimento constante da jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo que têm decidido que os tributos em causa revestem a natureza de taxas.
6º- Quanto às inconstitucionalidades imputadas pela recorrente às normas constantes do Regulamento e Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para o ano de 2010 (artigo 29º nº2.1), não colhe nenhum dos argumentos aduzidos pela recorrente.
7º - Isto porque, o RTTORMS para o ano de 2010 foi aprovado ao abrigo da legislação vigente, tendo sido aprovado pela Assembleia Municipal em cumprimento do estatuído no nº2, alínea e) do artº53º da Lei nº169/99, de 18 de setembro, republicada pela Lei nº5-A/2002, de 11 de janeiro, não padecendo por isso de qualquer inconstitucionalidade formal, material ou orgânica.
8º - A própria Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 238º determina que as autarquias locais têm património e finanças próprias, atribuindo a Lei das Finanças Locais aos municípios património próprio e finanças próprias cuja gestão compete aos respectivos órgãos.
9º - Mais dispõe o artigo 254º nº2 da CRP que os municípios dispõem de receitas tributárias próprias nos termos da lei, reconhecendo a Lei das Finanças Locais poder tributário aos municípios, atribuindo-lhes parte da receita da cobrança de determinados impostos e, entre outros, o produto da cobrança de taxas, tarifas e preços.
10º - As taxas em causa têm previsão na Lei Gerai Tributária (LGT), em concreto, no nº2 do artigo 4º, que dispõe que estas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.
11º - No caso dos presentes autos, as taxas referem-se à utilização do domínio público, tendo fundamento legal especificamente na previsão dos artigos 15º e 16º da Lei nº2/2007, de 15 de janeiro, e no nº1 al. c) do artigo 6º da Lei nº53-E/2006, de 29 de dezembro.
12º - Pelo que não lhes pode ser imputada qualquer inconstitucionalidade material, como bem entendeu a douta sentença recorrida.
13º - No que tange ao princípio da igualdade, este pressupõe o tratamento igual do que é igual e diferente do que é diferente.
14º- Assim, não se entende como pode a recorrente considerar-se prejudicada na concorrência com entidades como a EDP, CP ou PT, que atuam em áreas completamente diferentes da sua área de atividade.
15º - O artigo 29º nº2.1 da TTORMS para 2010 tem carácter geral e abstracto, aplicando-se igualmente a qualquer sujeito que preencha a previsão, não estabelecendo qualquer diferenciação de regimes entre os seus possíveis destinatários, sendo que o ora recorrido procede à liquidação da taxa de ocupação do solo/subsolo a toda e qualquer empresa que preencha a previsão da norma em causa.
16º - Pelo que, mais uma vez, muito bem andou a douta sentença recorrida ao considerar não se verificar qualquer violação do princípio da igualdade.
17º - Do mesmo modo, não se pode concordar com a recorrente quando vem invocar nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto à alegada violação do princípio da igualdade.
18º - Da sentença ora colocada em crise resulta claramente que o Tribunal a quo se pronunciou sobre o alegado vício de violação do princípio da igualdade, tendo considerado que o mesmo não se verifica.
19º- Quanto à alegada ausência de pronúncia relativamente ao pedido formulado pela recorrente, para notificação de um conjunto de entidades no sentido de provarem o pagamento de taxas referentes à ocupação de subsolo, impõe-se dizer que o Tribunal a quo, ao não promover a realização da prova requerida, deverá ter entendido que esta se mostrava desnecessária para a boa decisão da causa.
20º - Aliás, salvo melhor opinião, a sua realização redundaria numa violação do estatuído nos artigos 6º nº1 e 411º do CPC, aplicável ex vi artigo 2º do CPPT.
21°- Algumas das empresas referidas têm atividades económicas em áreas completamente diversas da área da recorrente pelo que não havia de apurar qualquer violação do princípio da livre concorrência;
22º- No que tange às empresas que atuam na mesma área de atividade que a recorrente e que esta elencou no seu requerimento, estão em curso no TAF Sintra diversos processos de impugnação e oposição dirigidos por aquelas empresas contra as mesmas taxas;
23º - Pelo que o Tribunal a quo tem conhecimento oficioso da liquidação das mesmas taxas a todas as empresas que em concreto se encontrem ao abrigo da mesma previsão geral do RTTORMS.
24º - O Tribunal a quo considerou também que os tributos colocados em crise se afiguram proporcionais e adequados aos fins.
25º - A recorrente não demonstrou quais os benefícios por si auferidos do desenvolvimento da sua atividade, sendo certo que a jurisprudência é unânime que, ao prestar o serviço público de distribuição de gás, esta satisfaz a sua necessidade individual de obter lucro ao mesmo tempo que satisfaz um interesse coletivo (neste sentido, vd. Acórdão STA de 27.04.2005, Processo nº1338/04).
26º - E só alcança este objetivo individualista de obter o lucro fazendo utilização de bens do município, designadamente o solo e subsolo municipais, limitando assim a utilização desse espaço por outras entidades.
27º - O facto é que a ocupação do solo e subsolo com instalações de gás prejudica a sua utilização para os outros fins e implica para o Município a necessidade de fazer o planeamento e gestão dos cruzamentos das várias ocupações solicitadas.
28° - Termos em que, muito bem andou a douta sentença ao concluir que as taxas cumprem os desideratos para a sua caracterização como taxa, entre os quais o princípio da proporcionalidade.
29º- Perante a não violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade fica também sem sustentabilidade todo o raciocínio que imputa inconstitucionalidade à taxa controvertida.
30º - Em conclusão, os tributos em discussão revestem a natureza de taxas e não de impostos, não padecendo o ato de liquidação dos vícios que a recorrente lhes vem imputando.
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. Senhores Desembargadores melhor suprirão, não deverá conceder-se provimento ao recurso interposto pela ..., devendo manter-se na integra a douta sentença recorrida, assim se alcançando a elementar JUSTIÇA!».

Neste Tribunal Central, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer pronunciando-se, a final, no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

II - OBJECTO DO RECURSO

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639°, n° 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635°, n°3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n°4 do mesmo art. 635°), razão pela qual todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos por seguro que, in casu, o objecto do mesmo está circunscrito às seguintes questões:

(i) - O valor liquidado a título de taxa configura verdadeiramente um imposto, instituído por Entidade que legal e constitucionalmente não se encontra legitimada para o efeito?

(ii) - Em caso negativo, sempre se deverá entender que a taxa instituída e liquidada é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, por o pagamento daquela não ter subjacente qualquer contraprestação?

(iii) - E inconstitucional por violação do principio da igualdade, por a exigência da mesma não ser realizada a todas as empresas no desenvolvimento das mesmas actividades e com o mesmo tipo de ocupação ?

(iv) - O Tribunal errou no julgamento que fez por ter decidido as questões enunciadas em (ii) e (iii), sem atentar nos factos invocados pela Recorrente para sustentar esses mesmos vício, nem determinar a junção dos elementos de prova/diligências por si requeridas para os comprovar?


Ill – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
1- Em 09.12.2011 foi elaborado Ofício de notificação do acto de liquidação da taxa devida pela ocupação do subsolo municipal, para o ano de 2010, referente a condutas de gás aí identificados, nos termos do disposto no n°2.1., do art° 29°. da Tabela de Taxas e outras Receitas do município de Sintra para o ano de 2010, aprovado em sessão da Assembleia Municipal de 27.04.2010, entrada em vigor em 08.06.2010 conforme aviso n°9719/2010 de 17.05.2010, devidamente notificada ao interessado - cfr Ofício de fls 20 a 22 e D.R., 2a Série, n°95, de 17.05.10. de fls 53 dos autos.
2- Da liquidação mencionada em 1, veio a impugnante deduzir reclamação graciosa, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, a qual mereceu decisão de indeferimento por parte da entidade administrativa competente - cfr Informação - Proposta n°5631/2012 EC, Proposta n°105/P/2012 e deliberação Camarária de 12.03.2012 de fls 24 a 27, dos autos e autos de reclamação n° 11/2012, apensos aos presentes autos.

Nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662º do Código de Processo Civil, e por se encontrarem documentalmente comprovados e assumirem relevância para a apreciação da causa e do mérito do recurso, acorda-se em aditar ao probatório os seguintes factos:

3. Na petição inicial da presente Impugnação Judicial da liquidação, que deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra a 3-5-2012, para além do mais e que aqui se dá por integralmente reproduzido, a Impugnante requereu ao Tribunal que fosse «junto a este processo de impugnação (…) documento comprovativo do pagamento de taxas de ocupação/Utilização do solo e subsolo municipal por parte das firmas: ..., Portugal ..., S.A.; ...de Portugal, ...Lda., ...– ...Energia SGPS, S.A.,... S.A., ..., Comércio de Combustíveis e Lubrificantes S.A. e ..., R.B., S.A.» [cf. petição inicial de fls. 4 a 17 dos presentes autos].
4. Sobre o referido requerimento não foi proferido qualquer despacho judicial (cfr. fls. 32 a 58 dos autos, cujo teor aqui se reproduz na integra).
5. Na sequência do despacho proferido a 9-9-2013, foram as partes notificadas «para apresentar alegações por escrito no prazo de 10 dias nos termos do art.º 120º do CPPT», o que ambas vieram as fazer nos termos constantes de fls. 70-79 e 80-89, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Conforme resulta do ponto I supra, nos presentes autos está em causa - bem poderíamos dizer, mais uma vez em causa, considerando, o que é facto público e notório, o vasto número de processos que neste Tribunal, com as mesmas partes e tendo por objecto, no essencial, as mesmas questões de facto e direito deste recurso, que têm sido submetidos à nossa apreciação – a legalidade e constitucionalidade de liquidações de taxas realizadas tendo por fundamento jurídico o Regulamento e Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para o ano de 2010 (RTTORMS), em especial o disposto nos artigos 27º e 32º do referido Regulamento e 28º, n.º 20 da mencionada Tabela, os quais prevêem a taxação das instalações de gás no subsolo municipal e os respectivos quantitativos.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra veio (como, de resto vem fazendo de forma uniforme), a julgar improcedente todos os vícios invocados por, em síntese nossa, ter entendido que a liquidação em causa tem subjacente a cobrança efectiva de uma taxa, a qual, por ter sido instituída por quem para tanto detém legitimidade e liquidada perante a verificação dos pressupostos de facto e direito que previamente a determinaram, sem que na sua aplicação se mostrem beliscados os princípios de igualdade e proporcionalidade alegadamente violados, concluindo, em conformidade, pela improcedência integral da Impugnação.
A Recorrente, mais uma vez, no exercício legitimo do seu direito de recurso, mostra-se inconformada sendo que, como também resulta evidenciado das questões que por nós foram enunciadas como tendo sido as suscitadas neste recurso (ponto II – delimitação do objecto de recurso), são também praticamente idênticos os argumentos de facto e direito que neste processo de recurso são esgrimidos contra o decidido em 1ª instância.
Antes, porém, de os enfrentarmos, deixemos assente uma última nota - delimitadora da apreciação que vamos realizar e que, embora se encontre já implícita nas questões enunciadas como fulcrais, entende-se, por razões de fundamentação e transparência da decisão, consignar - e que se prende com a confusão transversal às conclusões de recurso, entre nulidade da sentença por omissão de pronúncia e erro de julgamento.
Efectivamente, a Recorrente insiste em imputar à sentença o vício fulminante da nulidade, alegando, fundamentalmente, que a forma como o Tribunal a quo apreciou a violação do princípio da igualdade, sem atender aos factos por si invocados para os sustentar e sem curar de realizar as diligências de prova requeridas para os comprovar, constitui nulidade por omissão de pronúncia, nos termos em que esta se encontra prevista no artigo 125º do CPPT.
Ora, é plenamente pacífico na doutrina e na jurisprudência há longos anos, que só existe omissão de pronúncia se o juiz, devendo pronunciar-se sobre determinada questão [ou porque a mesma lhe foi suscitada pela parte ou oficiosamente se lhe impunha que tivesse conhecido, num caso e noutro por se não mostrar prejudicada pela solução dada a outra (s)], de todo, isto é, em absoluto o não tiver feito, não valendo, para este efeito (omissão de pronúncia), uma apreciação menos fundamentada e, muito menos, incorrecta, constituindo, naquela primeira circunstância, uma decisão do ponto de vista jurídico, pouco rigorosa (ou medíocre) e, na segunda, uma decisão passível de consubstanciar erro de julgamento.
Donde, ainda que sistemática e insistentemente a Recorrente invoque a omissão de pronúncia e clame pela nulidade da sentença, os fundamentos invocados reconduzem-se a meros erros de julgamento (que aliás a Recorrente acaba por reconhecer quando também invoca nas suas conclusões e com os mesmos fundamentos, ainda que subsidiariamente e por palavras distintas, o erro de julgamento) e, como tal, na sede própria - porque o Tribunal Superior, como também é pacifico, não está vinculado à qualificação jurídica dos vícios imputados à sentença pelas partes, nem, de resto, desobrigado de os apreciar apenas por discordar daquela qualificação - , isto é, em sede de erro de julgamento, serão apreciados.
Acresce que, e particularizando um pouco mais a invocada questão da «nulidade da sentença por omissão de pronúncia», sustentada no facto de o Tribunal se não ter pronunciado sobre a prova requerida, como este Tribunal Central teve já oportunidade de esclarecer no Acórdão proferido no processo n.º 6973/13, de 13-2-2014, «a nulidade por omissão de pronúncia, a que alude o artigo 125º, nº1 do CPPT, não comporta a falta de pronúncia sobre a realização de diligências instrutórias, nem mesmo a falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas.» Sendo que, a «falta de pronúncia sobre a realização de diligências instrutórias poderá, isso sim, constituir uma nulidade processual, entendidas tais nulidades como “quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais» (vide, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, pág.176)».
Ora, conforme resulta do probatório por nós aditado, a Recorrente solicitou, efectivamente, a realização de diligências instrutórias, mais concretamente, requereu a junção de documentos, e sobre esse requerimento o Tribunal a quo não se pronunciou.
Porém, como também resulta dos factos provados, a Recorrente foi notificada da contestação apresentado no processo pelo Município de Sintra, da junção do processo instrutor e para produzir alegações finais nos termos do artigo 120º do CPPT, o que fez sem que, até então, ou nesse momento ao abrigo do artigo 120º do CPPT arguisse qualquer irregularidade ou nulidade.
Ora, a arguição de uma nulidade secundária cometida em data anterior à sentença, como é o caso da que aqui curamos, (por não ser integrável no artigo 98º do CPPT) só é legítima e atempada em sede de recurso deduzido contra esta, se tal nulidade apenas pôde ser conhecida pela parte interessada com a notificação da sentença.
E isto porque, por força do preceituado no artigo 196º do Código de Processo Civil, qualquer nulidade secundária praticada pelo Tribunal deverá ser arguida no prazo de dez dias a contar do conhecimento de que a mesma foi cometida ou que a parte devesse ter tomado conhecimento se tivesse actuado com a diligência devida (artigo 149º e 199º do CPC). Não o sendo, a mesma fica sanada, isto é, da mesma se não pode valer a parte no recurso que posteriormente venha a realizar da sentença que lhe seja desfavorável.
Como se afirmou no Acórdão deste Tribunal supra citado de 14-2-2014 «No caso, face à sucessão de trâmites processuais acima exposta, e sem prejuízo de não ter sido proferido despacho de pronúncia sobre as diligências de prova requeridas, fácil é concluir que o Recorrente não suscitou no processo, na altura devida, a eventual nulidade processual que consistiria na não efectivação de diligências probatórias requeridas na p.i, não oferecendo dúvidas que a Recorrente foi notificado para apresentar alegações (…), mais tendo produzido alegações escritas que foram juntas aos autos em (…) não tendo, então, suscitado a nulidade processual decorrente da não efectivação das diligências probatórias em causa.».
E, sendo assim, para além de não estarmos perante qualquer nulidade da sentença, como supra explicitamos, não estamos, sequer, perante nulidade que deva, por intempestividade, aqui ser apreciada.
Do que vimos expondo resulta, pois, compreensível e fundamentada a delimitação do recurso efectuada e a apreciação que infra iremos concretizar.

4.1. Posto isto, avancemos, então, para os erros de julgamento de direito imputados à decisão em crise, começando pela primeira das questões enunciadas: o valor liquidado a título de taxa configura verdadeiramente um imposto, instituído por Entidade que legal e constitucionalmente não se encontra legitimada para o efeito?
Na sentença recorrida a esta questão foi dada resposta negativa.
Adiantamos, desde já, que subscrevemos integralmente a posição aí adoptada.
Como mostra a factualidade apurada, a liquidação da taxa impugnada foi efectuada com base no Regulamento e Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para o ano de 2010 (RTTORMS), no qual se encontra previsto que as instalações de gás no subsolo da área do Município estão sujeitas ao pagamento de uma taxa, cujos valores constam da tabela aí estabelecida (vide, designadamente, artigo 29º n.º 1, 2.1. da referida Tabela).
Defende a Recorrente que tal tributo não é, contrariamente à qualificação formal aí acolhida, uma taxa, mas um imposto, aqui residindo a alegada ilegitimidade do Município para a sua criação e consequente cobrança.
Considerando que «É ponto doutrinaria e jurisprudencialmente assente que não é o nomem escolhido pelo legislador que faz com que seja necessariamente taxa aquilo que como tal designa, ou imposto o que assim qualifica»(1), ou seja, que “Para que se possa atribuir a natureza de taxa a um tributo não basta a sua qualificação como tal pelo legislador, antes se impondo que o seu pagamento tenha subjacente a prestação de um serviço que, para além de satisfazer necessidades colectivas, satisfaça necessidades individuais»(2), tudo está, pois, em saber se, no caso concreto, o nomem que formalmente foi atribuído ao tributo corresponde substancialmente à designação que lhe é devida.
Antes, porém, de procederemos à apreciação de tal questão, e em ordem a fundamentar a conclusão que por nós foi adiantada, importa que deixemos desde já consignado que, para além das várias decisões deste Tribunal Central que sobre esta questão concreta se pronunciaram, a matéria, em abstracto (distinção entre taxa e imposto) tem merecido ao longo dos últimos anos dedicação da doutrina, da jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores e do Tribunal Constitucional, que infra, e sempre que se mostre pertinente, citaremos, e cujos ensinamentos e princípios daí decorrentes constituem o critério orientador da posição que assumimos.
Vejamos, então, o que se nos oferece dizer, começando por relembrar que é hoje inquestionável, como a própria Recorrente aceita, que a distinção entre imposto e taxa assenta, fulcralmente, no carácter unilateral do primeiro e no carácter bilateral ou sinalagmático da taxa. Ou seja, como de forma uniforme vem acentuando a doutrina, na taxa, distintamente do que acontece no imposto, à prestação do particular corresponde uma contraprestação específica, uma actividade do Estado ou de outros entes públicos especialmente dirigida ao respectivo obrigado, que se concretizará na prestação de um serviço público, no acesso à utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares.(3)
No mesmo sentido seguiu, desde cedo, a jurisprudência, centrando a distinção constitucional entre os conceitos de imposto e de taxa no carácter unilateral ou bilateral e sinalagmático dos tributos, qualificando como impostos os que têm aquela primeira e como taxas os que têm as últimas, sem contudo deixar de frisar que, embora não tenha que haver uma equivalência económica rigorosa entre o benefício recebido e a quantia paga, não pode ocorrer uma desproporção que, pela sua dimensão, demonstre com clareza que não existe entre aquele beneficio e aquela quantia a correspectividade jurídica indispensável à existência de uma relação sinalagmática.(4)
Todavia, como temos vindo a salientar em outros arestos que relatamos, em termos de concretização normativa não é na Constituição que se irão encontrar as bases desta distinção entre taxas e impostos, mas sim na Lei Geral Tributária (LGT), em especial nos seus artigos 3º e 4º: os tributos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas, constando de lei especial o regime geral das taxas e das contribuições financeiras (n° 2 e 3 do artigo 3º). Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património (artigo 4.°, n°1 da LGT); as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídica ao comportamento dos particulares (artigo 4.°, n°2, da LGT).
O que o legislador constitucional faz, com relevo para a questão enunciada pela Recorrente, é a distinção entre estes tributos em matéria de reserva de competência legislativa, aí se atribuindo em exclusivo à Assembleia da República a possibilidade de criação de impostos e a definição do regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas [cfr. artigo 165°, n°1 da Constituição da Republica Portuguesa (doravante CRP), no qual se encontra estabelecido, sob a epígrafe «reserva relativa de competência legislativa» que "é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo (. .. ) i) criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas.».].
Ou seja, se o valor cobrado a título de taxa de ocupação do subsolo não for, efectivamente, na sua génese e pelas suas características, uma taxa mas um imposto (se dever ser enquadrado na categoria de imposto) só a Assembleia da República a pode criar, salvo autorização ao Governo para o efeito, o que significa que, a sua instituição pelo Município deve considerar-se inconstitucional.
E, sendo assim, a questão que ora importa enfrentar, atento o que supra deixamos exposto quanto à essencialidade da taxa, é a de saber se, no caso concreto, existe ou não uma contrapartida a cargo do município em resultado da taxa ora sindicada.
Como se disse já, a jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo tem sido constante quanto à resposta que vem dando a esta questão, apontando inequivocamente no sentido da sinalagmaticidade do tributo em causa, que é liquidado como contrapartida da utilização do subsolo com tubos e condutas, destinando-se o respectivo valor a pagar a utilização individualizada do subsolo onde as mesmas foram colocadas (5)
Por absolutamente pertinente, chamamos aqui à colação o que a este propósito se escreveu no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 17/12/2008: a «(…) relação sinalagmática entre o benefício recebido e a quantia paga não implica uma equivalência económica rigorosa entre ambos, mas não pode ocorrer uma desproporção que, pela sua dimensão, demonstre com clareza que não existe entre aquele beneficio e aquela quantia a correspectividade ínsita numa relação sinalagmática.
Nomeadamente, o que está em causa, em primeiro lugar, para determinar se o tributo tem natureza de taxa, é se essa ocupação do subsolo consubstancia uma utilização individualizada desse bem, no interesse próprio da Impugnante, seja ou não exclusivo»(6).
No caso concreto, tal como no aí analisado, está em causa a colocação de tubagens no subsolo para implantação da rede de gás. Esta utilização, que é concretizada pela Impugnante, impede que o subsolo seja aproveitado para outras finalidades, designadamente para outras actividades de interesse público e para outras concessões do seu uso pela autarquia, com cobrança das respectivas taxas, pelo que naturalmente consubstancia uma utilização individualizada do subsolo, que como tal pode e deve ser taxada, sendo irrelevante que essa utilização seja do domínio público e este ter como destino natural o serviço à e para a comunidade.
Como se disse no Acórdão em último citado «(…) a satisfação de um interesse público pela actividade de uma empresa privada, não é obstáculo à aplicação da taxação prevista para autorizações de uso privativo de bens do domínio público, sendo mesmo esse tipo de situações em que há cumulativamente interesse público e privado o campo de aplicação natural das taxas pela utilização de bens do domínio público."
Tal entendimento veio a ser reforçado em múltiplos arestos posteriormente prolatados pelo nosso Superior Tribunal: pretendendo a Recorrente desenvolver uma actividade económica lucrativa e sendo o serviço que se propõe prestar o meio pelo qual atinge os seus ganhos, só possíveis de realizar pela ocupação/utilização do solo e subsolo municipal, é forçoso concluir que a utilização/ocupação que a Recorrente faz do solo/subsolo satisfaz, desde logo, as suas necessidades individuais enquanto empresa que assim assegura um factor de produção; mediatamente, satisfaz, ainda, a necessidade colectiva de dispor, nos locais de consumo, do gás que ela distribui e comercializa.
Deste modo, se é certo que a ocupação e utilização do subsolo ainda integra a «sua função própria de satisfação de necessidades colectivas», menos certo não é que, do mesmo passo, é satisfeita a necessidade individual da recorrente, enquanto entidade organizada com vista à exploração de um ramo de negócio.
Por isto, o tributo exigido a propósito da ocupação e utilização do subsolo tem contrapartida na disponibilidade dessas ocupações e utilização em benefício da recorrente, para satisfação das suas necessidades individuais de empresa dedicada à distribuição e venda de gás.
O que vale por dizer que se trata de uma taxa, e não de um imposto.
E que, consequentemente, o princípio da legalidade fiscal não implica que a criação do tributo fosse da autoria da Assembleia da República.»(7)
Donde: porque o tributo exigido a propósito da ocupação e utilização do subsolo tem contrapartida na disponibilidade dessas ocupações e utilização em benefício da Recorrente, para satisfação das suas necessidades individuais de empresa dedicada à distribuição e venda de gás, conclui-se, como pacificamente se tem entendido e as circunstâncias de facto e direito invocadas no caso sub iudice não permitem questionar, que a liquidação impugnada tem subjacente uma taxa ou, se preferirmos, e retomando a terminologia inicialmente por nós utilizada, impõe-se concluir que o nomem que formalmente lhe foi atribuído está conforme a substância (características) que lhe é inerente e que no caso concreto se verifica.
Considerando ainda que: as autarquias locais têm património e finanças próprios; podem dispor de poderes tributários; dispõem de receitas tributárias próprias nos termos da lei; podem criar taxas nos termos do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (estando tal criação subordinada aos princípios da equivalência jurídica, da justa repartição dos encargos públicos e da publicidade) as quais incidem sobre utilidades prestadas aos particulares, geradas pela actividade dos municípios ou pela utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado municipal ou resultantes da realização de investimentos municipais [tudo, conforme artigos 238°n.º 1 e 4 e 254º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa; 15º da Lei das Finanças Locais (aprovada pela Lei n°2/2007, de 15 de Janeiro, que revogou a Lei n°42/98, de 6 de Agosto) e 6°, n°1, al. c), do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais], temos por seguro carecer de qualquer fundamento ou sentido quer a qualificação de imposto realizada pela Recorrente neste recurso, quer a alegada ilegitimidade da Entidade que a instituiu e a inconstitucionalidade que nestas alegações assentou.
Improcede, pois, nesta parte, o recurso.

4.2. A questão que ora cumprirá analisar, observando a sequência por nós imposta na delimitação do recurso (ponto II supra), é a de saber se deverá ser entendido que a taxa instituída e liquidada é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade e, em caso negativo, se o Tribunal a quo errou no julgamento da referida questão.

Adiante-se, desde já, que a apreciação desta questão, na dupla vertente equacionada, não só não oferece complexidade como, até, se encontra já parcialmente respondida no ponto 4.1. supra.


4.3.1. Assim, quanto à pretensa inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade, constata-se, sem dificuldade, das conclusões apresentadas, que a mesma vem exclusivamente suportada na alegação de que «A taxa tem ainda de satisfazer o pressuposto da contraprestação ser proporcional ao benefício auferido e também, portanto, susceptível de avaliação pecuniária», o que, no caso concreto, afirma a Recorrente, conclusivamente, se não verifica «porquanto não existe sequer contraprestação por parte do município.» [cfr., em especial, conclusão q) - ponto I supra].
Em suma, partindo do pressuposto, para si inquestionável, de que no caso concreto não havia qualquer contraprestação por parte do Município, só poderia concluir-se pela inexistência de proporcionalidade entre o valor do tributo exigido e o benefício auferido pela Recorrente.
Diga-se que, do ponto de vista lógico, o silogismo apresentado pela Recorrente não merece ser censurado, conseguindo este Tribunal ir ainda mais longe: se não há contraprestação, nem sequer há que falar em qualquer relação de equilíbrio ou de proporcionalidade entre a taxa paga e o benefício (inexistente), estranhando-se até que a questão tenha sido colocada.
O problema - de que a Recorrente, salvo o devido respeito, estaria, provavelmente ciente, pelo menos alertada pelas inúmeras decisões que na matéria têm sido proferidas, algumas das quais tendo-a, até, como destinatária directa - é que no caso concreto há uma contraprestação que está devidamente identificada e individualizada na sua pessoa, consubstanciada no resultado da actividade lucrativa exercida, de que é beneficiária e cuja concretização só é possível de ser alcançada pela utilização do solo/subsolo da área do Município, em prejuízo ou exclusão da utilização do mesmo espaço físico para esse fim ou outro pela própria Entidade reguladora ou terceiros simultaneamente.
Ora, tendo em consideração o exposto, deveria a Recorrente, nem que fosse, como é hábito dizer-se, ad cautelam ou por dever de patrocínio, ter alegado e demonstrado a inexistência desse exigível equilíbrio entre o valor pago e a contraprestação de que beneficiava, designadamente por o valor do serviço por si prestado ser, enquanto meio de satisfação de necessidades da colectividade, superior ao beneficio (lucro) por si em regra percebido o que poderia constituir, à partida, fundamento para a redução da taxa eventualmente a aplicar ou, até, a dificuldade (devidamente concretizada e comprovada) de tais valores (taxas) serem insusceptíveis de ser diluídos ou imputados nos custos empresariais ou quaisquer outras razões que conduzissem à compreensão do desequilíbrio ou desproporcionalidade em causa.
O que, manifestamente, não fez.
Explicitemos, então, porque assim o entendemos, sem deixar, contudo, de, ainda que brevemente efectuar um breve enquadramento legal do princípio da proporcionalidade e do que, à luz desse conceito ou definição e neste especifico contexto, tem vindo a ser entendido como a relação e o equilíbrio na relação entre o beneficio e a taxa suportada.
Nesse sentido, comecemos por adiantar que o princípio da proporcionalidade, enquanto princípio fundamental e conformador da actividade administrativa encontra-se plasmado no artº.266, nº.2, da Constituição da Republica Portuguesa (CRP) e ordinariamente concretizado, para o que ora nos importa, de forma geral no artigo 5º, º.2, do Código de Procedimento Administrativo (CPA) e de forma especial, isto é, do procedimento tributário, no artigos artº.55, da Lei Geral Tributária (LGT) e 46º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, daí decorrendo a obrigação expressa da Administração Tributária de se abster de impor aos contribuintes obrigações procedimentais desnecessárias ou inadequadas à satisfação dos fins que aquela visa prosseguir ou que vão além do que seja necessário e adequado impor aos mesmos contribuintes. (8)
Em suma, da consagração constitucional do princípio da proporcionalidade e da concretização legal em que o mesmo se mostra densificado resulta, assim, que toda a actividade administrativa terá sempre de ter presente a necessidade de adequar os meios empregues aos fins que visa atingir.(9)
No que concerne à relação entre a prestação e a contraprestação, alguns autores salientam que, se o que deve ser exigido não é que «se verifique uma remunerabilidade idêntica à da relação homóloga dos contratos bilaterais», também não pode entender-se como suficiente «a existência de uma qualquer «prestação» pública individualmente imputável, para se encontrar preenchido o seu pressuposto de facto», pois, se «o primeiro entendimento reduz directamente o campo das taxas, pois atira a generalidade delas para o domínio dos impostos, o segundo alarga-o extremamente, já que, ancorando-se num critério meramente formal, considera taxas todos os tributos que o legislador assim qualifique, desde que em relação a eles se verifique a mencionada imputabilidade individual, o que significa, nomeadamente, que nelas se incluem as contribuições e tributos especiais que [...], constituem, por via de regra, verdadeiros impostos".(10)
Outros autores, colocando a tónica no valor exigido, salientam, por sua vez, que a fixação da taxa deve ser feita em valores que tenham uma qualquer relação com a contraprestação proporcionada, sem o que "seria meramente formal o seu fundamento, e a taxa facilmente poderia ser utilizada como um verdadeiro imposto, quebrando-se a própria coerência e a consistência do sistema jurídico", pelo que, o próprio fundamento da taxa como preço autoritariamente fixado por uma utilidade atribuída a um administrado, impõe que "o montante da taxa se situe dentro de valores que possam ser reconhecidos como a contrapartida do uso privativo comedido, ou seja, que não excedam o valor que pode ser reconhecido pela ordem jurídica a esse uso" .(11)
Na jurisprudência do Tribunal Constitucional expendeu-se já, a propósito desta questão, que «não basta uma qualquer desproporção entre a quantia a pagar e o valor do serviço prestado, para que ao tributo falte o carácter sinalagmático. Será necessário que essa desproporção seja manifesta e comprometa, de modo inequívoco, a correspectividade pressuposta na relação sinalagmática» e que, aquela desproporção terá se ser aferida simultaneamente em função do carácter fortemente excessivo da quantia a pagar e da utilidade do serviço para quem deve pagar o tributo. (12)
Ora, como deixamos ressalvado, o inconformismo da Recorrente, no que à apreciação feita no julgado concerne, reconduz-se, como claramente se colhe das conclusões apresentadas, a uma insistente declaração conclusiva de inexistência de contraprestação e à afirmação de uma exigência legal e constitucional de a mesma contraprestação se verificar e de necessariamente ter que haver proporcionalidade entre o valor fixado ou liquidado e o beneficio percebido, ensaiando, ainda, uma alegada excessividade do valor cobrado (com o consequente desequilíbrio da relação) por referência a uma alegada contraprestação de utilização do solo e do subsolo.
Tudo para concluir que, estando a ser taxada pelo simples facto de as condutas estarem no solo e enterradas no subsolo, não pode este Tribunal senão decidir que a taxa aplicada é excessiva e, consequentemente, pela anulação do acto tributário (cfr., designadamente, a parte final da conclusão t) – ponto I supra).

Ora, basta atentarmos no que por nós já ficou decidido quanto à existência da contraprestação e à densificação da concreta contraprestação em causa, que aqui nos escusamos a repetir, para facilmente concluirmos pela irrelevância da matéria vertida nos supra identificados artigos da petição inicial, quer na parte em que encerram meras conclusões, quer na parte em que constituem meros veículos de posições jurídicas defendidas pela Recorrente, quer, por último, na parte em que chama à colação factos absolutamente irrelevantes para que seja aferida a desproporcionalidade ou desequilíbrio entre o valor fixado e o beneficio que aufere, como o sejam uma alegada ocupação da via pública, transtornos ou a recondução infundada da contraprestação à instalação de infra-estruturas no subsolo, isolando estas do efectivo beneficio decorrente da actividade que através desta exerce e de que é beneficiária.

Donde, por todo o exposto se conclui, que também nesta parte a sentença não merece censura.

4.3. Mas a Recorrente insiste ainda na revogação da sentença alegando que a mesma padece de erro de julgamento na parte em que julgou que a taxa aplicada não viola o princípio da igualdade.
Mais uma vez, o seu inconformismo assenta, como ostensivamente resulta das conclusões vertidas, designadamente nas alíneas f) a m) e x) a z) a j), no facto de, tendo alegado matéria factual para corroborar a violação do princípio da igualdade, designadamente os factos descritos nos artigos 21° a 28° da Impugnação, a mesma ter sido em absoluto desvalorizada pelo Tribunal, como o demonstra a circunstância daquele não ter ordenado as diligências de prova (notificação para junção de documentos comprovativos do pagamento de taxas referentes à ocupação do subsolo do Município).
A este propósito expendeu-se na sentença o seguinte discurso fundamentador:
«Não tendo sido igualmente alegados factos concretos que permitam ao julgador determinar se outras empresas se encontram em circunstâncias idênticas ás da impugnante teriam beneficiado de outras condições quanto à concreta aplicação das taxas controvertidas e atento a que, a alegação, carecida de demonstração, da existência de desigualdade na aplicação da norma controvertida não é susceptível de constituir objecto de recurso de constitucionalidade por não afectar a validade da norma aplicada. – cfr. nesse sentido Ac. n°45/2010, de 03.02.10, do T.C. proferido no Processo n° 889/09. De resto, tais empresas que exercem actividades semelhantes como é o caso da Petrogal, Repsol e Lisboagás GDL, também se encontram sujeitas a idênticos tributos, tendo sindicado as mesmas neste Tribunal (cfr a titulo de exemplo entre muitos outros os Proc. n°1844/10.0 BESNT, Proc. n°1837/10.8 BESNT e autos n°230/11.0 BESNT), sendo que a C.P. , a EDP e a P.T. não se encontram sujeitas a idênticas condições e não exercem actividades comparáveis. Improcede assim e igualmente a alegada violação do princípio da igualdade.».

Sendo esta a decisão, importa agora aferir do seu acerto.

Antes, porém, salientemos que, embora apresentada como uma única questão (no caso, até como nulidade da sentença que, vimos já, no ponto IV, constitui errada qualificação jurídica do vício imputado àquela e por nós já objecto de reparo e correcção) são verdadeiramente duas as questões que nesta parte do recurso são colocadas. A primeira, relativa à desvalorização, desconsideração ou errada apreciação da matéria de facto alegada na petição inicial, passível, confirmada que seja, de conduzir à revogação da sentença. A segunda, relativa a eventual irregularidade processual cometida no processo que, mesmo devendo considerar-se sanada (como já afirmado no ponto 4.1. supra), poderá ainda ser determinante para se aferir do acerto do julgamento realizado e determinar até a sua anulação, se se concluir ter existido deficit instrutório com reflexos relevantes para a correcção da decisão tomada.
Vejamos, então, de per si, cada uma destas questões, adiantando, desde já, que a apreciação que das mesmas se irá realizar tem subjacente o mesmo enquadramento jurídico, isto é, o princípio da igualdade, consagrado de forma geral no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, entendido, desde há muito, de forma pacifica, como impondo que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante.(13)

Sabemos também que o princípio em referência constitui um dos pilares da nossa Lei Fundamental, transversal a todo o ordenamento jurídico, ali se estabelecendo uma referência expressa à vinculação das autoridades administrativas àquele princípio (artigo 266º, n.º 2 da CPR), concretizado, de forma expressa e implícita em múltiplos preceitos do especifico ordenamento jurídico-administrativo e tributário.

Ora, relativamente à invocada alegação de factos bastantes à apreciação da violação do princípio da igualdade, concretamente a vertida nos artigos 21º a 28º, a Recorrente não andou bem, nem na petição inicial, nem, de resto, neste recurso.

Desde logo, porque contrariamente ao afirmado, não é verdade que o Tribunal a quo não tenha apreciado a questão ou ignorado olimpicamente os factos aduzidos. O que revela a leitura da decisão recorrida é que os não considerou relevantes nem, mesmo que o fossem, comprovados.

E bem.

Relativamente à irrelevância de facto e direito, a mesma resulta de nos artigos 21º a 28º a Recorrente se ter limitado a produzir afirmações generalistas e conclusivas quanto à natureza, objecto e fins de diversas empresas e ao regime jurídico que as informa. E, mesmo que tais factos fossem de considerar relevantes, tendo em consideração a especificidade da matéria em causa, sempre a afirmação de que «é sabido que várias empresas concessionárias de serviços público, nomeadamente a CP, PORTUGAL TELECOM e EDP, utilizam bens dominais para implantação de infra-estruturas, sem pagarem por isso qualquer taxa ou renda», para além de não estar confirmada, provada, só por si era irrelevante para que a pretensão da Recorrente viesse a ser julgada procedente e, consequentemente anulado o acto tributário com fundamento em violação do princípio da igualdade.

Senão, vejamos.

Relativamente à prova, é evidente que a mesma lhe competia por força do preceituado no artigo 342º do Código Civil: quem invoca um facto constitutivo do seu direito, tem o ónus, isto é, o dever de o provar.

É certo que a Recorrente, requereu na petição inicial, nos termos e ao abrigo do artigo 531º do CPC (aplicável ao processo tributário ex vi artigo 2º do CPPT) que o Tribunal notificasse um conjunto de Entidades para que viessem ao processo juntar documentos comprovativos do pagamento de taxas de ocupação/utilização do solo e subsolo municipal (cf. factualidade aditada em 3. do probatório).
O que o Tribunal expressamente não fez. Sem que, também expressamente, para tanto adiantasse qualquer justificação. E sem que o Recorrente oportunamente tivesse arguido qualquer irregularidade ou nulidade processual que, neste especifico contexto ou perspectiva, e face ao preceituado no artigo 205ºdo CPC (à data vigente e aqui aplicável) se teria que reconhecer como sanada (sendo mesmo possível que nesta situação se devesse entender que a Recorrente tacitamente renunciou à sua arguição, nos termos do artigo 203º do CPC).
Todavia, como deixamos já indiciado, da eventual sanação dessa irregularidade não resulta afastado que a sentença recorrida não possa enfermar de erro de julgamento e, nessa medida e com esse fundamento, não possa ser revogada e ordenada a baixa dos autos para que tais diligências sejam realizadas.
Todavia, para tanto, importa que o Tribunal conclua por aquele erro de julgamento, isto é, que este Tribunal constate e reconheça que a sentença proferida, no sentido em que o foi, encontra a sua razão de ser numa errada apreciação da matéria de facto, designadamente por ter concluído, mal (e ainda que implicitamente), pela desnecessidade de realização das diligências oportunamente requeridas.
Ora, como também deixamos já indiciado, não foi isso que aconteceu. O que o Tribunal a quo entendeu, arrimando-se em arestos dos Tribunais Superiores que sobre esta matéria amiúde se tem pronunciado, e como se mostra explanado na sua fundamentação e que nesta parte supra transcrevemos, foi que o facto de outras empresas, designadamente as concessionárias de serviços públicos, não pagarem, por estarem isentas, taxa pela ocupação ou utilização do solo e subsolo do município em causa (assim dando, implicitamente, de barato, tal facto como passível de ser dado como assente) em nada contendia com a legalidade da liquidação impugnada.
E assim é.
Como se decidiu no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 20-3-2012, já por nós citado e cuja doutrina, nesta parte, acolhemos:
«Pretende o recorrente que várias empresas concessionárias de serviço público, nomeadamente a “CP”, “Portugal Telecom” e “EDP”, utilizam bens dominiais para implantação de infra-estruturas, sem pagarem por isso qualquer taxa, o que, segundo afirma, pode consubstanciar uma situação de vantagem concorrencial, implicando uma violação do princípio da igualdade. No entanto, como logo se entrevê, uma tal arguição teria que ser imputada a uma norma específica, o que, no caso concreto, não acontece. Por outro lado, a norma em que se fundamenta a liquidação das taxas objecto dos presentes autos, o artº.28, da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra, tal como se encontra formulada, na parte que aqui nos interessa, refere-se à ocupação do espaço público com instalações de depósitos de gás, consagrando o pagamento de € (…) , por cada metro quadrado/fracção de ocupação e por ano. Tal norma não estabelece qualquer diferenciação de regime entre os seus possíveis destinatários, pelo que não é possível concluir pela existência de um tratamento diverso para situações que sejam iguais. O que, quando muito, poderá resultar da alegação do recorrente - que, em qualquer caso, carece de demonstração - é que exista uma situação de desigualdade na aplicação da lei por parte da Administração, ou a aplicação de outras normas que prevejam isenções subjectivas, o que, em qualquer caso, não afecta a validade da própria norma aplicada, e muito menos leva à sua inconstitucionalidade, devido a violação do examinado princípio da igualdade (cfr. Acd.Tribunal Constitucional 45/2010, de 3/2/2010).».
Conclui-se, assim, de todo o exposto, que também este Tribunal entende que, in casu: não se verifica qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade das normas em que assentou a liquidação; que a actividade administrativa que está subjacente à sua aplicação não violou qualquer princípio, mormente o da igualdade, e, por último, que o Tribunal não cometeu o erro de julgamento que também lhe vem imputado, improcedendo, com este fundamento, in totum, o recurso interposto.

V - Decisão
Nos termos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, negando provimento ao recurso, em confirmar integralmente, com os fundamentos constantes do ponto IV deste acórdão, a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 26 de Junho de 2014


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[Anabela Russo]

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[Joaquim Condesso]

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[Cristina Flora]





1- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 8-11-2006, proferido no processo n.º 648/06, consultável, na íntegra, in www.dgsi.pt.

2- Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 18-1-2012, proferido no processo n.º 1374/06.5BEPRT, também pela signatária relatado, consultável in www.dgsi.pt.
3- Neste sentido, vide, José Casalta Nabais in “Por Um Estado Fiscal Suportável - Estudos de Direito Fiscal, 2005, pág. 441; Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, I, 1981, págs. 42 e seguintes; Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, II, 2008, págs. 58 e ss., Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 2002, págs. 9 e ss.).
4- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13-4-2005, proferido no processo n.º 1339/04, disponível em www.dgsi.pt.
5- Vide, neste sentido, Acórdãos do Tribunal Constitucional com os n°365/2003, de 14/07/2003, 366/2003, de 14/07/2003, e 396/2006, de 28/06/2006, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional-pt/tc/acordaos e do Supremo Tribunal Administrativo de 06/05/2009, processo n°963/08, de 17/12/2008, processo n°267/08, de 07/05/2008, processo n°1034/07, de 16/01/2008, processo n°603/07, de 27/04/2005, processo n°1338/04, de 13/04/2005, processo n°1339/04, de 17/11/2004, processo nº650/04, e de 17/11/2004,
processo n°654/04, disponíveis em www.dgsi.pt.
6-Acórdão proferido no processo n°267/08 e disponível em www.dgsi.pt .
No mesmo sentido, o Acórdão, também do Pleno do STA, de 6-5-2009, proferido no processo n°963/08.
7- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de
8- Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa in «LEI GERAL TRIBUTÁRIA Anotada e comentada», Encontros de Escrita Editora, 4ª edição, 2012, pag. 448-449; Jorge Lopes de Sousa, in «Código de procedimento e de Processo Tributário Anotado e comentado», I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.406 e seguintes. No mesmo sentido, o Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul de 20-3-2012.
9- José Manuel Santos Botelho, e Outros, in «Código do Procedimento Administrativo anotado e comentado», Almedina, 4ª. edição, 2000, pág.67.
10- Casalta Nabais in «O Dever Fundamental de Pagar Impostos», Coimbra, 1998, págs. 263-264.
11- Robin de Andrade in "Taxas Municipais — Limites à sua Fixação (Parecer Jurídico)", Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente», n°8, pág. 68.
12- Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 1150/02, consultável in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos
13- Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 232/2003 e 45/2010, integralmente consultáveis in www.tribunalconstitucional-pt/tc/acordaos.
No mesmo sentido, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in « Constituição da República Portuguesa anotada», 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007,