Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12356/15
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:07/31/2015
Relator:CATARINA JARMELA
Descritores:NULIDADE PROCESSUAL – ARTIGO 195º, DO CPC DE 2013
Sumário:
I - É entendimento jurisprudencial corrente dos tribunais integrados na jurisdição administrativa e fiscal que as nulidades processuais, conhecidas pelo interessado unicamente com a notificação da sentença, têm o mesmo regime das nulidades da sentença (cfr. n.ºs 2 e 4 do art. 615º, do CPC de 2013) e devem ser arguidas no recurso interposto desta, quando admissível.
II – A contestação apresentada ao abrigo do art. 110º, do CPTA, deve ser sempre notificada ao autor por força do prescrito no art. 575º n.º 1, conjugado com o art. 549º n.º 1, 2ª parte, ambos do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA.
III – A falta dessa notificação traduz-se numa irregularidade que, caso não tenha influenciado a decisão tomada, não produz nulidade processual (cfr. art. 195º n.º 1, a contrario, do CPC de 2013).
IV - Por força do estatuído nos arts. 220º n.º 2, 415º n.º 2, 2ª parte, e 427º, todos do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA, bem como nos arts. 84º n.º 6 e 86º n.ºs 1 a 3, ambos do CPTA, deve ser dado conhecimento ao autor da junção aos autos do processo administrativo, maxime para efeitos de impugnação da força probatória dos documentos que o constituem, arguição da incompletude desse processo ou alegação de factos supervenientes e, consequentemente, de novos vícios do acto impugnado.
V - A falta de notificação da junção aos autos do processo administrativo impediu a recorrente de se pronunciar sobre o teor dos documentos que o constituem e, desse modo, poder influenciar a sentença recorrida, pois nesta tiveram grande relevo vários dos documentos que constituem o processo administrativo, o que, face ao disposto no art. 195º n.º 1, do CPC de 2013, conduz à nulidade.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
*

I - RELATÓRIO

Lovia …………………… intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa acção de impugnação da decisão do Director Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de não admissibilidade de asilo e protecção subsidiária, proferida em 27.4.2015, solicitando a sua invalidação, bem como a concessão do asilo ou, assim não se entendendo, da protecção subsidiária, nos termos do art. 7º, da Lei 27/2008, de 30/6.

Por sentença de 20 de Maio de 2015, o referido tribunal julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a entidade demandada do pedido.

Inconformada, a autora interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:

1- A Mui Douta sentença que indeferiu o recurso da requerente, interpretou erradamente os factos: Art. 640°, n°l, a) do CPC.

2- O processo sofre de nulidade, dado que a contestação da R não foi notificada à A.- Art. 195°, n°l do CPC.

3- A teve credibilidade na versão dos seus factos, e não os comprovou melhor porque lhe não foi possível: Art.18°, n°4, a) e b) da Lei do Asilo.

4- Discorda-se a da Douta interpretação da Sentença quando diz que: "o motivo determinante da alegada perseguição pelo homem com quem foi obrigada a casar-se é a intenção deste em recuperar o dinheiro com quem terá pago os estudos á Autora." porque tal não resulta cabalmente das declarações prestadas pela A em audição prévia.

5- Discorda-se também que o pedido de Asilo seria infundado pela aplicação do Art. 19°, n°l, a) da Lei n°27/2008”.


O recorrido apresentou contra-alegações, onde pugnou pela improcedência do recurso, formulando as seguintes conclusões:


-1ª-
O ora recorrido subscreve o teor da sentença recorrida, que não padece de qualquer vício de facto ou de direito.
-2ª-
A douta sentença julgou bem quando decidiu que a situação fáctica da ora recorrente não preenchia os requisitos do art. 3º ou 7º da citada Lei 27/2008.
-3ª-
Efectivamente, os factos invocados não logram a cobertura da lei de asilo, são do foro interno, familiar, quiçá de natureza criminal e/ou económica.
-4.ª-

Ademais, a ora recorrente apresentou-se perante as autoridades nacionais com passaporte falso/falsificado, o que inviabiliza a concessão do estatuto de refugiado, ao abrigo da Lei n.º 27/2008, por determinação do supra citado art. 19º n.º 1 alínea a).

Nestes termos e nos demais de direito, devem o presente recurso e o pedido formulado serem julgados improcedentes por não provados, e confirmar-se a douta sentença recorrida com todas as legais consequências”.

Em 30 de Junho de 2015 foi proferido pelo TAC de Lisboa despacho de sustentação relativamente à nulidade arguida na alegação de recurso.

A DMMP junto deste TCA Sul emitiu parecer, no qual sustenta que o recurso não merece provimento, posicionamento esse que, objecto de contraditório, não mereceu qualquer resposta.


II - FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:

A) À Autora foi recusada a entrada no território português no dia 16 de Abril de 2015, por alegadamente não ser titular de documento de viagem válido para entrar (fls. 9 a 16 do PA);

B) Pois que usou um passaporte comum do Gana falsificado mediante a aposição de vinheta de residência alemã furtado em branco e por aposição de carimbo Schengen contrafeito (fls. 9 a 16 do PA);

C) Na sequência daquela decisão, a Autora apresentou pedido de protecção internacional no posto de fronteira do Aeroporto de Lisboa (fls. 32-33 do PA, cujo teor se dá por reproduzido);

D) Ouvida pelo SEF sobre os fundamentos do pedido de protecção internacional, a Autora prestou as declarações que constam do auto de declarações junto de fls. 34 a 37 do PA e cujos teores se dão por reproduzidos;

E) Nas quais declarou, em síntese, inter alia: (i) que "fui obrigada a casar com um homem mais velho que tem mais três esposas. Ele maltratava-me, batia-me e dava-me trabalhos duros em casa. Obrigava a que eu tivesse relações com ele. E da primeira vez que teve relações comigo, não usou protecção. Ele tinha este comportamento porque ajudou-me a pagar os meus estudos. Depois fugi, para encontrar trabalho no hospital. Consegui o emprego, mas durante 8 meses não me pagaram. Depois, por causa disso, fui falar com a directora do hospital, que me disse para eu ir para Accra para falar com o "Controller", pois é aí que processam os pagamentos. Mas mesmo assim, não pagavam. Então, eu pensei: "Tenho de fazer qualquer coisa". Foi aí que pensei para mim própria: "se calhar deveria sair do país". Isto, porque a vida no Gana é dura, nunca há dinheiro. E frequentemente cortam as luzes nas cidades. Dormimos no escuro"; (ii) que foi à polícia três vezes por causa dos maus tratos, "mas eles querem dinheiro"; (iii) que fugiu da casa de seu marido há cerca de um ano e foi viver para Asuoyeboah, que fica a cerca de três horas de viagem de carro do local onde vive, em casa de uma amiga, onde ficou nos últimos 8/10 meses e nunca mais voltou a vê-lo; (iv) que "não sei explicar" por que receia regressar ao Gana e que "não quero regressar porque tenho medo do homem. E por outro lado não tenho dinheiro. E a vida é dura no Gana. Estão sempre a cortar a luz. E detesto uma tradição no meu país: pratica a mutilação genital feminina, por isso não quero voltar para lá"; (v) que enquanto viveu no Gana nunca teve qualquer problema com as autoridades do país, nem nunca foi condenada, presa, detida, interrogada ou perseguida; (vi) que pertenceu ao New Patriotic Party (NPP), mas nunca foi alvo de qualquer represália ou agressão física por ser membro desse partido, "eles não batem, mas discriminam"; (vii) que nunca foi membro de qualquer organização religiosa, militar, étnica ou social;

F) Por decisão do Director Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de 27 de Abril de 2015 foram tanto o pedido de asilo como o pedido de protecção subsidiária apresentados pela Autora considerados infundados, com base na Informação n.º 253/GAR/15, de 27 de Abril, do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e nos termos dos art.ºs 19°, n.º 1, al. e), e 24°, n.º 4, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, na redacção da Lei n.º 26/2014, de 5 de Maio (doc. 1 junto com a petição inicial).

Nos termos do art. 662º n.º 1, do CPC de 2013, ex vi art. 140º, do CPTA, procede-se ao aditamento dos seguintes factos, necessários à apreciação da nulidade que se encontra suscitada:
G) Em 14 de Maio de 2015 foi junta à presente acção contestação pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras – enviada por correio registado -, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a qual era acompanhada do processo administrativo (cfr. fls. não numeradas dos autos).
H) Em 15 de Maio de 2015 foi lavrado termo de apensação, à presente acção, do processo administrativo (cfr. fls. não numeradas dos autos).
I) A contestação da entidade demandada e a apensação do processo administrativo não foram notificadas à autora, sendo aberta conclusão em 19.5.2015 e proferida sentença em 20.5.2015 (cfr. fls. não numeradas dos autos).

*

Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se:

- ocorre a nulidade processual prevista no art. 195º n.º 1, do CPC de 2013;

- a decisão recorrida incorreu em erro na fixação da matéria de facto dada como provada;

- a decisão recorrida enferma de erro ao ter julgado improcedente a presente acção (cfr. alegações de recurso e respectivas conclusões, supra transcritas).

Passando à apreciação da questão respeitante à nulidade processual

Invoca a recorrente que o presente processo sofre de nulidade, nos termos do art. 195º n.º 1, do CPC de 2013, dado que a contestação apresentada pelo ora recorrido não lhe foi notificada.

É entendimento jurisprudencial corrente dos tribunais integrados na jurisdição administrativa e fiscal que as nulidades processuais, conhecidas pelo interessado unicamente com a notificação da sentença, têm o mesmo regime das nulidades da sentença (cfr. n.ºs 2 e 4 do art. 615º, do CPC de 2013) e devem ser arguidas no recurso interposto desta, quando admissível – neste sentido, entre outros, Acs. do STA de 9.4.1997, proc. n.º 021070, 30.1.2002, proc. n.º 026653, 7.7.2004, proc. n.º 0701/04, 27.9.2005, proc. n.º 0402/05, e 6.7.2011 (Pleno), proc. n.º 0786/10, Ac. do TCA Sul de 7.5.2013, proc. n.º 06393/13, e Ac. do TCA Norte de 14.7.2014, proc. n.º 0875/10.5 BEBRG.

No caso em análise a ora recorrente só com a notificação da sentença proferida em 20.5.2015 teve conhecimento que não lhe foi notificada a contestação, pelo que o recurso jurisdicional interposto dessa sentença é o meio adequado para reagir contra essa alegada nulidade, razão pela qual importa proceder à sua apreciação.

Estatui o art. 195º n.º 1, do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA, o seguinte:
Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.

Da cláusula geral prevista neste normativo legal resulta que, fora dos casos previstos nos arts. 186º a 194º, do CPC de 2013 (nulidades principais), só ocorre uma nulidade processual (nulidades secundárias) quando:
1º - Seja praticado um acto que a lei não admita ou seja omitido um acto ou uma formalidade que a lei prescreva, e
2º - A lei expressamente preveja que essa irregularidade conduz à nulidade ou quando se constate que essa irregularidade é susceptível de influir no exame ou na decisão da causa.

Deste regime resulta que, praticando-se um acto que a lei não admite ou omitindo-se um acto ou uma formalidade que a lei prescreve, comete-se uma irregularidade, mas nem sempre esta irregularidade é relevante, já que nem sempre produz nulidade (pois a nulidade só aparece quando a lei expressamente o decreta ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa), ou seja, deste regime perpassa a preocupação de restringir os efeitos do vício que inquina o acto de modo que só nos casos em que possa haver prejuízo para a relação jurídica litigiosa resultam efeitos invalidantes.

Dito de outro modo, a orientação estabelecida no transcrito art. 195º concilia o princípio do formalismo com o princípio da economia processual, ao estabelecer que a nulidade só se produz quando há utilidade real em a declarar, o que acontece quando a inobservância da forma compromete o fim prático que com o acto se pretendia conseguir.

Efectivamente, e como explica Anselmo de Casto, Lições de Processo Civil, Vol. III, 1966, págs. 171 e 172, o caminho seguido foi o da “instrumentalidade da forma: o acto processual apenas será nulo quando, apreciado caso por caso, se constate que ele, tal como foi praticado, não atinge o fim que visava. A nulidade do acto não estará, pois, ligada à simples inobservância da forma, constatada mecânicamente, mas ser-nos-á antes dada pela relação entre o vício e o fim do acto”.

Assim, saber se a irregularidade cometida pode influir no exame (ou seja, na instrução e discussão) ou na decisão da causa é uma apreciação a realizar pelo jugador caso a caso.

Revertendo ao caso em presença, e antes de mais, torna-se necessário proceder à seguinte precisão: quando a recorrente alega falta de notificação da contestação, e uma vez que a mesma não distingue, tem de entender-se que se está a referir à contestação propriamente dita e a todos os documentos juntos com tal articulado, ou seja, in casu também ao processo administrativo.

Assim, cumpre aferir se deveria ter tido lugar a notificação da contestação e da junção aos autos do processo administrativo à recorrente e, subsequentemente, se tal omissão é cominada na lei com a sanção de nulidade ou se a mesma pode influir no exame ou na decisão da causa.

À presente acção, e por força do estatuído no art. 25º n.º 2, da Lei 27/2008, de 30/6, na redacção da Lei 26/2014, de 5/5, são aplicáveis a tramitação e os prazos previstos no art. 110º, do CPTA, com excepção do disposto no respectivo n.º 3.

Nesse art. 110º n.ºs 1 e 2 prevê-se a existência de dois articulados – petição inicial e contestação.

A contestação deve ser sempre notificada ao autor por força do prescrito no art. 575º n.º 1, conjugado com o art. 549º n.º 1, 2ª parte, ambos do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA.

In casu não ocorreu tal notificação.

Ora, a lei não determina que tal desvio no formalismo processual conduz à nulidade. Além disso, esta irregularidade não é susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, pelas razões a seguir indicadas.

No despacho de 27.4.2015, descrito em F), dos factos provados, o pedido de protecção internacional formulado pela recorrente foi considerado infundado, nos termos do art. 19º n.º 1, al. e), da Lei 27/2008, de 30/6, na redacção da Lei 26/2014, de 5/5, tendo a recorrente impugnado tal entendimento na petição inicial, defendendo que o seu pedido é fundado, não sendo subsumível nesse normativo legal.

Compulsado o teor da contestação verifica-se que na mesma o ora recorrido não se limita a impugnar o alegado na petição inicial, antes deduzindo defesa por excepção, pois alega facto que, não constando da petição inicial (uso pela recorrente de documentação falsa ou falsificada, concretamente uso de passaporte do Gana falsificado através da aposição de vinheta de residência alemã furtada em branco e de carimbo Schengen contrafeito), serve de causa impeditiva do direito invocado pela recorrente, ou seja, na contestação apresentada o recorrido alega que o pedido de protecção internacional é infundado nos termos do art. 19º n.º 1, als. a) - o que constitui defesa por excepção - e e) - o que consubstancia defesa por impugnação -, da Lei 27/2008, de 30/6, na redacção da Lei 26/2014, de 5/5 (cfr. art. 571º n.ºs 1 e 2, do CPC de 2013).

Assim sendo, e nos termos do art. art. 3º n.º 3, do CPC de 2013, a recorrente teria direito a apresentar resposta relativamente à matéria de excepção.

De todo modo, esta irregularidade (falta de notificação da contestação à recorrente e consequente falta de contraditório quanto à defesa por excepção) não teve influência na decisão proferida, já que, apesar de na sentença recorrida se referir que o facto de a autora ter usado documentos comprovadamente falsos ou falsificados é causa de inadmissibilidade do pedido, nos termos do art. 19º n.º 1, al. a), da Lei 27/2008, na redacção da Lei 26/2014, a verdade é que a decisão de improcedência que nela se contém também assentou no motivo alegado no despacho impugnado, descrito em F), dos factos provados, ou seja, na consideração de que o pedido de protecção internacional é (igualmente) infundado nos termos do art. 19º n.º 1, al. e), da Lei 27/2008, na redacção da Lei 26/2014.

Dito por outras palavras, mesmo que a contestação tivesse sido notificada à recorrente, esta tivesse exercido o contraditório quanto à matéria de excepção (alegação de que o pedido de protecção internacional é infundado nos termos do art. 19º n.º 1, al. a), da Lei 27/2008, na redacção da Lei 26/2014) e a sentença recorrida tivesse acolhido os argumentos invocados pela recorrente nessa resposta, sempre se manteria o alegado nessa sentença quanto ao facto de o pedido de protecção internacional ser infundado nos termos do art. 19º n.º 1, al. e), da Lei 27/2008, na redacção da Lei 26/2014, isto é, sempre seria julgada improcedente a acção (pois os fundamentos previstos nas várias alíneas do n.º 1 desse art. 19º não são de verificação cumulativa).

Conclui-se, assim, que esta irregularidade não influenciou a decisão tomada, pois se observada a formalidade omitida a decisão que viesse a ser tomada seria a mesma, ou seja, a observância dessa formalidade não seria apta a inverter o sentido da decisão judicial que foi proferida, pelo que tal irregularidade não produz nulidade processual (cfr. art. 195º n.º 1, a contrario, do CPC de 2013).

Quanto à junção aos autos do processo administrativo, verifica-se que, por força do estatuído nos arts. 220º n.º 2, 415º n.º 2, 2ª parte, e 427º, todos do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA, bem como nos arts. 84º n.º 6 e 86º n.ºs 1 a 3, ambos do CPTA, deveria ter sido dado conhecimento à recorrente de tal junção, maxime para efeitos de impugnação da força probatória dos documentos que constituem o processo administrativo, arguição da incompletude desse processo ou alegação de factos supervenientes – face ao conhecimento adquirido com os documentos que constituem o processo administrativo, já que neste deverão constar todos os documentos relativos ao procedimento, mesmo que para a entidade demandada seja inconveniente divulgá-los - e, consequentemente, de novos vícios do acto impugnado.

No caso sub judice não ocorreu qualquer notificação a dar a conhecer à recorrente que o processo administrativo tinha sido junto aos autos.

Não existe cominação legal expressa que determine a nulidade derivada da falta de tal notificação.

De todo o modo, esta falta de notificação é susceptível de influir no exame e na decisão da causa.

Efectivamente, perante a eventual pronúncia da recorrente, na sequência da notificação de que foi junto aos autos o processo administrativo (que pode incluir designadamente a alegação da falsidade de documento(s) que consta(m) do processo administrativo, da incompletude desse processo e de novos vícios), pode eventualmente ser proferida sentença com um teor distinto da proferida em 20.5.2015, pois cumpre salientar que vários dos documentos que constituem o processo administrativo tiveram grande relevo no sentido da decisão assumido na sentença recorrida, dado que a esmagadora maioria dos factos aí elencados – e nos quais assentou a apreciação jurídica - foram dados como provados com base nesses documentos.

Verifica-se, assim, que com a omissão de tal notificação a recorrente foi impedida de se pronunciar sobre o teor dos documentos que constituem o processo administrativo junto aos autos – conformando-se com o seu teor, impugnando a respectiva veracidade ou mesmo alegando novos vícios – e, desse modo, poder influenciar a decisão proferida em 20.5.2015.

Nestes termos, a referida irregularidade - na medida em que é susceptível de influir no exame e na decisão da causa, isto é, nos contornos factuais e jurídicos em que assentou a sentença recorrida -, e face ao disposto no art. 195º n.º 1, do CPC de 2013, conduz à nulidade.

Do exposto resulta que procede a nulidade processual invocada, pois falta a notificação a dar a conhecer à recorrente que o processo administrativo tinha sido junto a esta acção, pelo que deverá ser anulada a sentença recorrida (cfr. art. 195º n.º 2, do CPC de 2013), bem como ordenada a baixa dos autos ao TAC de Lisboa para aí se proceder a essa notificação e, decorrido que seja o prazo do contraditório (e após decisão de eventuais requerimentos que sejam apresentados na sequência de tal notificação), à prolação de nova sentença.

Face à procedência desta questão fica prejudicado o conhecimento das restantes questões também suscitadas pela recorrente.

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As custas ficam a cargo da parte vencida a final, já que a isenção prevista no art. 84º, da Lei 27/2008, de 30/6, foi revogada pelo art. 25º n.º 1, do DL 34/2008, de 26/2 (e sem prejuízo, no que à recorrente diz respeito, da decisão proferida pela Segurança Social relativamente ao pedido de apoio judiciário que formulou, na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo).
III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em:

I – Conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência:

a) Anular a sentença recorrida.

b) Ordenar a baixa dos autos ao TAC de Lisboa, a fim de aí proferida nova sentença, depois de realizada a notificação acima descrita.

II – Custas pela parte vencida a final.

III – Registe e notifique.

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Lisboa, 31 de Julho de 2015

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(Catarina Jarmela - relatora)

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(Nuno Coutinho)

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(Jorge Cortês)