Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:729/19.0BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2020
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:ARRESTO;
PRESUNÇÃO;
PERICULUM IN MORA.
Sumário:I – Nos termos do preceituado no artigo 136.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o Representante da Fazenda Pública pode requerer o arresto de bens do devedor, quando ocorram, simultaneamente, os requisitos seguintes: a) haver fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis; b) o tributo estar liquidado ou em fase de liquidação [n.º 1 do referido artigo].
II. No caso de dívidas por impostos que o devedor esteja obrigado a reter ou a repercutir a terceiros e não haja entregue nos prazos legais, a Fazenda Pública goza de presunção legal em relação à prova da circunstância do fundado receio da diminuição de garantia de cobrança (periculum in mora) – de acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 136.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
III.
Relativamente à prova do direito de crédito do Estado, subjacente ao pedido de arresto, o n.º 4 do artigo 136.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário exige tão-somente um juízo de provável existência do tributo (summaria cognitio, e fumus boni juris).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, requerente nos autos, veio recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, que julgou improcedente a providência cautelar de arresto de bens requerida contra V....... – C......, LDA. e A....... na qualidade de responsável subsidiário, ambos melhor identificados nos autos, para garantir o pagamento de tributos em fase de liquidação decorrentes de correcções à matéria tributável/colectável a efectuar em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) dos anos 2015, 2016 e 2017, no valor de 568.759,83€ e 269.868,85€.
O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, por decisão de 26 de Setembro de 2019, julgou improcedente a providência.
Não concordando com a decisão, a FAZENDA PUBLICA veio interpor recurso da mesma.
O recurso foi dirigido ao STA que, por decisão de 19 de Novembro de 2019, se declarou incompetente em razão da hierarquia e indicou, como tribunal competente, este TCAS
A Recorrente, nas suas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1.ª
DA PROVIDÊNCIA CAUTELAR
Está em causa, nos presentes autos, a Providência Cautelar, consubstanciada no pedido de Arresto sobre os bens nomeados pela Fazenda Pública - nos termos do disposto nos artigos 51.º e 101.º, alínea e), ambos da Lei Geral Tributária (LGT), 136.º, n.º 1, 214.º, nº 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 31.º, n.º 1, do Regime Complementar de Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) e artigos 391.º a 396.º do Código Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT - propriedade de “V....... – C...... Lda.”, com o número de identificação fiscal (NIF) 5……, e de A....... , portador do NIF 1……, na qualidade de responsável subsidiário da sociedade supra indicada, ambos melhor identificados nos autos, com vista a garantir o pagamento de tributos em fase de liquidação decorrentes de correcções à matéria tributável/colectável a efectuar em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) dos anos 2015, 2016 e 2017, no valor de 568.759,83€ e 269.868,85€ respetivamente, à sociedade “V....... – C...... Lda.”.

2.ª
Sempre com a ressalva do devido respeito que nos merece o Tribunal “a quo”, que muito é, e ressalvado o sempre devido respeito por diverso entendimento, não podemos concordar com a decisão vertida na aliás douta Sentença, proferida nos autos, pelas razões que se passam a expor.
3.ª
DO PEDIDO
Perante a fundada insuficiência de património, na V...... – C......., Lda., NIF 5……, que garanta a realização dos créditos tributários, e a verificação dos pressupostos legais para a concretização da reversão contra o seu responsável subsidiário, bem como, o justo receio de frustração de cobrança dos créditos fiscais, o representante da Fazenda Pública requereu, junto do TAF de Almada, que, nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 31.º, do RCPITA, conjugado com os artigos 136.º e seguintes do CPPT, e como forma de garantir do pagamento de impostos que se encontram em fase de liquidação, e da salvaguarda do Erário Público e dos interesses da Fazenda Publica, como parece ser legal e de plena justiça, uma Providência Cautelar consubstanciada no pedido de Arresto dos seguintes bens:
1. Em nome do devedor originário – V….. – C……, Lda.:
a) Rés-do-chão, loja esquerda, com uma divisão, 2 instalações sanitárias, conforme fotocópia do teor da descrição, da Conservatória do Registo Predial de Sesimbra e Caderneta predial que integra a Informação, como anexo 9, de 12-08-2019, da Divisão de Inspecção Tributária I, da Direcção de Finanças de Setúbal, parte integrante do prédio urbano sito em A……., Rua J….., nº9, 9.A, 9.B, Freguesia Sesimbra (Castelo), Concelho do Sesimbra, Distrito de Setúbal, correspondente ao artigo matricial n.º 1…… e ao valor patrimonial tributário, de € 74.960,00;
b) Conta nº 5….., Banco P…….;
c) NIB. 0……..- C……, CRL;
d) Conta nº 0……..- C……..
2. Em nome do responsável subsidiário, sócio-gerente, A....... :
a) Rés-do-chão e 1° andar para habitação, conforme fotocópia do teor da descrição, da Conservatória do Registo Predial de Sesimbra e Caderneta Predial que integra a Informação, como anexo 9, de 12-08-2019, da Divisão de Inspecção Tributária I, da Direcção de Finanças de Setúbal, sito em A......., lote 9, Freguesia de Sesimbra (Castelo), Concelho de Sesimbra, correspondente ao artigo 1….. e ao valor patrimonial tributário de € 124.380,00;
b) MERCEDES-BENZ, ligeiro de passageiros, modelo 204K, matricula 0……., ano de matrícula, 2016 – Matrícula anterior alemã: Laufe930 (1.ª matrícula) de 19-11-2012.
Valor: € 628.839, 84 - seiscentos e vinte e oito mil e oitocentos e trinta e nove euros e oitenta e quatro cêntimos.
4.ª
DA SENTENÇA DO TRIBUNAL “A QUO”
A douta Sentença, julga verificado o “fumus boni iuris”, em face do disposto nos artigos 136.º, n.º 1, alínea b), do CPPT e 31.º, n.º 2, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção tributária – CPITA, mas não julga verificado o “periculum in mora”, ou do fundado receio de diminuição da garantia patrimonial do credor tributário.
5.ª
Entende a Fazenda Pública, sem quebra do merecido respeito, que é muito, que no capítulo do “periculum in mora”, não se decidiu da forma mais acertada, desde logo porque o requisito do fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis (periculum in mora) presume-se, no caso de dívidas por impostos que o devedor ou o responsável esteja obrigado a reter ou a repercutir a terceiros e não haja entregue nos prazos legais, como é o caso do presente procedimento e decorre, aliás, do n.º 5, do artigo 136.º, do CPPT.
6.ª
Como advém do procedimento inspectivo, foram apuradas correcções, quer em sede de IRC (imposto e derrama), quer em sede de IVA, no valor de € 60 080,01 e de € 568 759,83, respectivamente, conforme folhas 7 a 9 da informação de 12.08.2019.
7.ª
Não obstante, entende o Tribunal “a quo” que “Ao invés do que se verifica quanto ao «fumus boni iuris», no que respeita ao “fundado receio” de perda de garantia patrimonial, exige-se um juízo que se não de certeza e segurança absoluta ao menos de probabilidade séria de perda de garantia patrimonial, que preencha o conceito de “fundado” ou justificado, não sendo suficiente a existência de um qualquer receio, eventualmente apenas subjectivo.
Assim, a verificação deste requisito não se satisfaz com simples conjeturas tendo sim de se basear em factos que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma tutela cautelar imediata, que possibilite a cobrança posterior do crédito.”
8.ª
Com o devido respeito, que é muito, a decisão, ora sob recurso, padece de erro na interpretação e aplicação do direito aos factos, tendo violado o disposto no artigo 136.º, n.º 5, do CPPT.
9.ª
Com efeito, não obstante, da análise da matéria de facto apurada, se verifique estarem em causa dívidas de IRC e de IVA que não foram entregues nos cofres do Estado nos prazos legais, ainda assim entende o Tribunal “a quo”, não poder ser aplicada, “in casu” a presunção prevista no n.º 5, do artigo 136.º, do CPPT.
10.ª
Acontece que, nos termos do disposto no artigo 136.º, do CPPT, o representante da Fazenda Pública pode requerer o arresto de bens do devedor de tributos (i) quando haja justo receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis, e (ii) como já reconhecido pela douta Sentença, quando o tributo esteja liquidado ou em fase de liquidação – Segundo requisito.
11.ª
Na verdade, quanto aos tributos [como é o caso do IVA aqui (também) em causa] o imposto considera-se em fase de liquidação a partir do momento da ocorrência do facto tributário.

12.ª
Vejamos agora se ocorre o primeiro requisito para que o arresto possa ser decretado: - o de que exista fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis.
13.ª
Com efeito, como é o caso do IVA, por força de estatuído no artigo 136º, nº 5 do CPPT, presume-se (presunção legal) haver fundado receio da diminuição de garantia de cobrança desses créditos.
14.ª
Quanto ao mais, sempre com o salvo devido respeito, não tendo havido contraditório, e atento o disposto no artigo 342.º, do Código Civil, entendemos que, nesta fase, não cabe, ao douto Tribunal, ilidir a aludida presunção legal.
15.ª
Assim sendo, atento o aludido enquadramento legal, entende a Requerente, que, na Providência Cautelar consubstanciada no pedido de Arresto, ora posto em crise, o perigo de ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação ficou cristalinamente demonstrado nos autos e que, ao invés do determinado na douta Sentença, não se está perante um mero temor.
16.ª
Consequentemente, por se entender, por um lado, que o pedido é apto para evitar consumação dos previsíveis danos e, por outro, provado que está o enquadramento legal do mesmo, imperioso se torna, pois, dar célere provimento ao pedido de arresto sobre os bens nomeados pela Fazenda Pública, atentos os prejuízos que, da sua falta de provimento, daí possam decorrer.
17.ª
É que, efectivamente, como se retira:
a) Do douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 23073, de 13 de Janeiro de 1999, o arresto é uma providência cautelar cuja finalidade é garantir a satisfação dos créditos nas situações em que o comportamento do devedor a faz perigar. Assenta, por isso, no pressuposto da existência do justo receio da perda da garantia patrimonial, o qual está intimamente ligado a um comportamento doloso ou negligente do devedor;
b) Do douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo, processo n.º 04668/11, de 7 de Abril, pode ser decretado arresto sobre os bens desde que exista receio fundado da diminuição da garantia de cobrança dos créditos e o imposto esteja liquidado, cf. Art.º 136º do CPPT.
O processo cautelar (é um processo que tem uma finalidade própria) visa assegurar a utilidade da lide; isto é, de um processo que normalmente é mais longo, porque implica uma cognição plena.
E que é em virtude dessa função própria de prevenção contra a demora, que as providências cautelares têm características típicas: a instrumentalidade – isto é, a dependência, na função e não apenas na estrutura de uma acção principal cuja utilidade visa assegurar; a provisoriedade - pois que não está em causa a resolução definitiva de um litígio; e a sumariedade – que se manifesta numa cognição sumária de facto e de direito própria de um processo urgente.
c) Do douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo, processo n.º 09034/15, de 27 de Outubro, o facto de estarmos perante IVA (…), estamos perante imposto relativamente ao qual o devedor está obrigado a repercutir a terceiros e não entregou nos prazos legais, subsumível à previsão legal do n.º 5 do art. 136.º do CPPT, e portanto, que se possa presumir o fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de crédito tributáveis.
18.ª
No mesmo sentido, Jorge Lopes de Sousa, “(…) este requisito do arresto presume-se, nos termos do n.º 5, deste artigo, se se tratar de dívida por impostos que o devedor ou responsável esteja obrigado a reter ou a repercutir a terceiros e não tenha entregado nos prazos legais.” – Conforme CPPT, anotado e comentado, vol. II, 6.ª edição, Lisboa: Áreas Editora, 2011, págs. 447, na anotação 6, ao artigo 136.º.
19.ª
Assim sendo, atento o supracitado quadro-legal, e o ora referido, a douta Sentença, na parte em que não julga verificado o “periculum in mora”, ou o fundado receio de diminuição da garantia patrimonial do credor tributário, não pode manter-se na ordem jurídica, antes devendo ser revogada nessa parte e substituída por nova decisão, que dando provimento à globalidade da pretensão da Requerente, julgue a presente Providencia Cautelar, consubstanciada no pedido de Arresto sobre os supra indicados bens, nomeados pela Fazenda Pública, procedente, por totalmente provada.
20.ª
Não o tendo feito, violou, a douta Sentença, designadamente o disposto no artigo 136.º, n.º 5, do CPPT.

Nestes termos e nos mais de Direito, aplicável, requer-se a Vossas Excelências, Venerandos Senhores Juízes Conselheiros, se dignem julgar a presente Providência Cautelar, consubstanciada no pedido de Arresto sobre os supra indicados bens, nomeados pela Fazenda Pública, por totalmente provada e, em consequência, ser a douta Sentença, ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que a julgue globalmente PROCEDENTE, tudo com as devidas e legais consequências.”
*

A Exmª. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da procedência parcial do recurso.

Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.
*

II. FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

“A) Através da inscrição 1 – Ap. 02/20140402 foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Sesimbra a sociedade comercial “V…… – C….. Lda.”, sendo designado como gerente único o sócio A....... , obrigando-se a empresa pela assinatura de um gerente (cf. Certidão da Conservatória de Registo comercial, a fls. 14 dos autos).
B) A A....... cumpre as suas obrigações declarativas em sede de IVA e em sede de IRC (facto que se extrai da informação da Direção de Finanças de Setúbal, a fls. 9 dos autos).
C) A 31.10.2018, foram assinadas por A....... as ordens de serviço n.ºs OI2….., OI2….. e OI2……., relativas à análise do IVA e referentes aos períodos de tributação de 2015, 2016 e 2017 da A....... (cf. ordens de serviço anexas à informação da Direção de Finanças de Setúbal, a fls. 15/16 dos autos).
D) Ainda a 31.10.2018, A....... assinou “Declaração – Autorização acesso documentos bancários”, com o seguinte teor: “(…) na qualidade de sócio- gerente da sociedade V....... – C...... Lda. (…) autorizo a Administração Tributária (…) a consultar ou solicitar junto de qualquer instituição de crédito ou sociedade financeira todos os documentos bancários relativos a movimentos, incluindo os de intermediação financeira para a concessão de crédito, ocorridos nos exercícios de 2015/2016 e 2017, nas contas tituladas pela referida sociedade” (cf. declaração anexa à informação da Direção de Finanças de Setúbal, a fls. 17 dos autos).
E) A 22.02.2019, o âmbito das ordens de serviços descritas em C) do presente probatório foi alargado, passando a abranger igualmente o IRC (cf. ordens de serviço anexas à informação da Direção de Finanças de Setúbal, a fls. 18/19 dos autos).
F) Pelo oficio n.º 00……, datado de 18.04.2019, e enviado por carta registada para a sede da V......., foi comunicada a prorrogação dos procedimentos de inspeção melhor identificados em C) do presente probatório (cf. informação da Direção de Finanças de Setúbal, a fls. 8 dos autos).
G) A 28.05.2019, V....... assinou o documento designado de “notificação”, “(…) na qualidade de sócio gerente do sujeito passivo V....... Lda.” para apresentar “cópias de documentos (faturas/Notas de crédito) referente às viaturas em que V......., Ldª adquiriu como retoma de clientes, quer as adquirias em território nacional quer comunitário (…) 2 – Cópia das faturas de vendas, emitidas pela V......., Lda.” (cf. informação da Direção de Finanças de Setúbal, a fls. 18 dos autos).
H) Por oficio n.º 0……, datado de 12.07.2019, enviado por carta registada para a sede da V......., foi comunicada nova prorrogação dos procedimentos de inspeção melhor identificados em C) do presente probatório (cf. informação da Direção de Finanças de Setúbal, a fls. 8 dos autos).
I) A 14.08.2019 foi elaborada informação pela Divisão de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças de Setúbal, onde consta sob a epígrafe “III. Factos Apurados no Procedimento de Inspeção” o seguinte:
“(…) verifica-se que o sujeito passivo adquiriu veículos automóveis usados em território dos Estados Membros da Comunidade Europeia, tendo aplicado incorretamente o Regime Especial de Tributação dos bens em segunda mão nas faturas subsequentes de venda, visto que os respetivos fornecedores comunitários declararam ter efetuado transmissões intracomunitárias de bens ao sujeito passivo, concluindo-se pelas diligências e análise dos factos no procedimento inspetivo, que as transmissões dos veículos automóveis são operações sujeitas ao regime normal de IVA, nos termos do artigo n.1 do CIVA, sendo o seu valor tributável apurado conforme disposto do artigo 16,° do CIVA, que nos termos do n.º 1 corresponde ao valor da contraprestação obtida, ou seja o valor da venda constante da fatura, deduzido do valor do IVA já liquidado pela aplicação do regime da margem, nos termos da alínea a) do n.°5 do artigo 16.° do CIVA. (…) A V......., Ida, aplicou, em determinadas transmissões, corretamente o regime especial de tributação dos bens em segunda mão, no entanto os cálculos foram mal elaborados, pelo que se verificam situações sujeitas as correções.
É ainda de referir que, entre 2015 e 2017, detetaram-se várias situações onde o sujeito passivo recebeu veículos de retoma dos seus clientes a título de contraprestação nas vendas efetuadas. No entanto não foi emitido qualquer documento pela retoma da viatura, ou seja não se encontra refletida na contabilidade tal operação (…) o valor tributável a considerar nestas operações corresponde ao montante recebido em dinheiro, acrescido do valor normal dos bens dados em troca. (…) Todavia, constata-se a existência de divergências não só, entre os valores demonstrados pela contabilidade, os quais deram origem ao preenchimento das declarações periódicas do sujeito passivo e o valor do imposto a liquidar apurado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) por cada veículo automóvel, como ainda a existência de diferenças entre o valor de venda e o valor efetivamente recebido, de acordo com a informação prestada pelas instituições financiadoras de crédito.
Também, no que respeita à transmissão de viaturas em que o sujeito passivo utilizou o regime normal, e tendo por base a informação prestada pelas instituições financiadoras de crédito, foram detetadas omissões, nos anos de 2015 e 2016, ou seja, diferenças entre o valor de venda e o valor efetivamente recebido”. (cf. informação da Direção de Finanças de Setúbal, a fls. 9 e 10 dos autos).
J) A Divisão de Inspeção Tributária I, da Direção de Finanças de Setúbal, estima apurar IVA em falta, quanto à matéria tributável declarada pela V......., nos anos de 2015, 2016 e 2017, no montante de 568.759,83€, assim discriminado:




(cf. informação da Direção de Finanças de Setúbal, a fls. 11 dos autos).

K) A Fazenda Pública estima apurar correções à matéria coletável de IRC declarada pela V......., nos anos de 2015, 2016 e 2017, no montante de 269.868,85€, assim discriminadas:

(cf. informação da Direção de Finanças de Setúbal, a fls. 11 dos autos).

L) A 13.08.2019, a V....... tinha 18 veículos automóveis averbados em seu nome, para efeitos de IUC (cf. informação da Direção de Finanças de Setúbal, a fls. 12 dos autos).

M) Resultam do balancete analítico da V......., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, referente ao mês de dezembro de 2017, os seguintes registos contabilísticos:
Conta 11- Caixa - Saldo devedor: 19.847,65€;
Conta 12 – Depósitos à ordem – Saldo devedor: 18.354,81€;
Conta 21 – Clientes – Saldo devedor: 26.742,17€;
Conta 32 – Mercadorias – Saldo devedor: 189.117,99€;
Conta 43 – Ativos fixos tangíveis – Saldo devedor 167.840,64 €e saldo credor de 29.364,72€;
Conta 55 – Reservas – Saldo credor: 103.880,96€;
Conta 55.1. – Reservas legais – Saldo credor: 1.000,00€;
Conta 55.2.3 – Reservas livres – Saldo credor: 102.880,96€;
Conta 81 – Resultado Líquido do Período (RLP) – Saldo credor: 21.091,11€;

(cf. balancete, referente a dezembro de 2017 da sociedade V......., a fls.24/25 e 28 a 32 dos autos).

N) A sociedade V....... apresentou em 2015 activos fixos tangíveis cujo valor de aquisição no seu conjunto ascendeu a 74.194,86€, em 2016 apresentou valores de 96.741,02€ e por fim em 2017 apresentou valores de 167.840,65€ (cf. facto que se extrai do “Mapa de Depreciações e Amortizações” dos anos de 2015 a 2017 a fls. 20/21 verso dos autos).

O) Do balancete analítico da sociedade V....... reportado a dezembro de 2017, extrai-se designadamente o seguinte:
“(texto integral no original; imagem)”

P) Encontra-se averbado em nome de A....... , o prédio urbano descrito na Conservatória de Registo Predial de Sesimbra sob o artigo n.º 1……, da freguesia de Sesimbra (Castelo), correspondente lote 9, sito em A......., com o valor patrimonial tributário de 126.245,70€, incidindo sobre o referido prédio uma hipoteca voluntária a favor do Banco S….., S.A., no valor de € 23.290,00 – AP. 3413 de 09.02.2012 (cf. caderneta predial urbana a fls. 33 e 34 dos autos e registo da Conservatória do Registo Predial de Sesimbra a fls. 39 e 40 dos autos).

Q) Encontra-se registado em nome de A....... , o veículo automóvel, de marca “mercedes-benz”, com a matrícula 0……, de 2016.05.16 (cf. fls. 36 e 37 dos autos).

R) Encontra-se averbado em nome de Caixa L….– S……, S.A., o prédio urbano descrito na Conservatória de Registo Predial de Sesimbra sob o artigo n.º 1……., da freguesia de Sesimbra (Castelo), correspondente ao n,º 9, 9ª e 9B, da Rua J……, A......., com o valor patrimonial tributário de 76.646,60€, estando registada locação financeira do referido prédio – AP. 1619 de 20.03.2015 – pelo prazo de 180 meses, com início em 20.03.2015, em favor da sociedade V....... (cf. caderneta predial urbana a fls. 32 e 33 dos autos e registo da Conservatória do Registo Predial de Sesimbra a fls. 37 e 38 dos autos).

S) A V....... foi titular entre o período de 1 de janeiro de 2015 a 31 de dezembro de 2017, de contas bancárias nas seguintes entidades:
0010 – Banco B….., SA – Conta bancária n.º 5…….
0035 – Caixa G….., SA – NIB 0…….
0965 – Caixa L…..– S….., SA;
6320 – Caixa de C….., CRL
(cf. Ofícios do Banco de Portugal, Banco B….. e Caixa de C….., e documento contabilístico a fls. 64 a 67, conforme numeração do SITAF).

T) A 14.08.2019, a V....... apresentava dívidas fiscais no valor de 1.479,25€ (cf. informação da Direção de Finanças de Setúbal, a fls. 9 dos autos).

U) A 06.09.2019, deu entrada a presente providência cautelar de arresto no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada (cf. fls. 2 autos).
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Inexistem factos alegados não provados com interesse para a presente decisão.
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A decisão da matéria de facto fundou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, concretamente dos documentos juntos aos autos pela Requerente, Fazenda Pública, conforme remissão feita a propósito de cada alínea do probatório, em consideração que a cognição do mérito da causa no âmbito da tutela cautelar se funda numa mera apreciação perfunctória e sumária da lide e em juízos de verosimilhança e probabilidade. ”
*
- De Direito
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se a sentença recorrida errou no seu julgamento por erro de interpretação e aplicação do direito aos factos, por ter considerado não ser de fazer operar a presunção ínsita no nº5 do artigo 136º do CPPT, relativa à verificação do pressuposto do “periculum in mora”, ou seja, o fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributários.

Afirma a Recorrente que, no caso do IVA, por força do estatuído no nº5 do artigo 136º do CPPT presume-se (presunção legal) a existência de fundado receio da diminuição da garantia de cobrança desses créditos.
E que, não tendo havido contraditório, e atento o disposto no artigo 342º do Código Civil, entende que não cabia ao Tribunal ilidir a referida presunção legal.
Conclui que, atento o enquadramento legal, na providência cautelar consubstanciada no pedido de Arresto, ora posto em crise, o perigo de ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação ficou cristalinamente demonstrado nos autos e que, ao invés do determinado na sentença recorrida, não se está perante um mero temor.
Vejamos.
A sentença recorrida, para concluir pela inoperabilidade da presunção estabelecida no nº5 do artigo 136º do CPPT, apoiou-se na seguinte fundamentação:

“(…) Aqui chegados e a título prévio, face à alegação do ERFP e da DMMP, incumbe analisar neste âmbito da eventual aplicabilidade da presunção legal prevista no n.º 5, do artigo 136.º, do CPPT.
Ora, estabelece-se naquela disposição uma presunção legal de existência do “fundado receio” no caso de “dívidas por impostos que o devedor ou responsável esteja obrigado a reter ou a repercutir a terceiros e não haja entregue nos prazos legais”.

Um dos impostos a “repercutir a terceiros” é, como é sabido, o IVA em que o sujeito passivo, ao transmitir bens ou a prestar serviços, recebe do adquirente a quantia correspondente ao imposto que deve entregar nos cofres do Estado (cf. Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., Vol. II, pp. 447).

Esta presunção legal, a favor da Fazenda Pública, escusa-a de provar o facto a que ela conduz – cf. artigo 350.º, n.º 1 do Código Civil - ou seja o fundado receio de diminuição das garantias de cobrança de tal IVA, quer quanto ao devedor principal, quer quanto ao responsável subsidiário, sendo o ónus de demonstração da inexistência de tal receio, nomeadamente por possuir bens suficientes para o pagamento de tais dívidas, dos requeridos.
Ou seja, regressando ao caso dos autos, significaria que o eventual crédito a liquidar em IVA (mas não o de IRC), no montante de 568.759,83€, beneficiaria da presunção da existência de um fundado receio de diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis.
No entanto, diga-se já que, assim não o entendemos.
Senão vejamos.
Como se referiu, considerando a existência da presunção legal em favor da Fazenda Pública, a esta competiria apenas alegar os factos presuntivos, ou base da presunção, isto é, decompondo o disposto no artigo 136.º, n.º 5, do CPPT, de estarmos perante:
- Uma dívida de imposto;
- Que a dívida decorra de um imposto em que o devedor ou responsável esteja obrigado a repercutir a terceiros; e

- Que o devedor ou responsável não haja entregue nos prazos legais.
No que diz respeito ao segundo requisito, isto é, que a dívida decorra de um imposto em que o devedor ou responsável está obrigado a repercutir a terceiros, considera-se o mesmo verificado em face, por um lado, do imposto em questão (IVA) e, por outro, da natureza das correções a efetuar à matéria tributável (ao IVA Liquidado) da V........., que se traduzem numa alegada errónea utilização do regime especial de tributação da margem, previsto no Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 199/96, e de diferenças entre o valores de venda e valores efetivamente recebidos e, portanto, o que está em falta é IVA liquidado, ou que devia ter sido liquidado (cf. neste sentido, pugnando por uma interpretação lata, o Acórdão do TCAS, de 22.10.2015, proferido no processo n.º 0934/15, em que se declara que (até) o IVA indevidamente deduzido se encontra ainda abrangido pelo disposto no n.º 5, do artigo 136.º, do CPPT, e em sentido mais restritivo, o Acórdão do TCAN, de 14.09.2017, prolatado no processo n.º 00213/17.6BEPNF, em que se decidiu que o disposto no mencionado artigo apenas se aplica às dívidas por impostos que o executado tenha obrigação de reter ou repercutir a terceiros e não haja entregue nos prazos legais, o que não é o caso do IVA indevidamente deduzido suportado em faturas falsas).
Mas se dúvidas não se levantam quanto a estarmos perante um crédito (eventual) que tem por base quantias que deveriam ter sido legalmente repercutidas a terceiros o mesmo não se pode concluir quanto aos demais requisitos.
Com efeito, não se desconhecendo jurisprudência em sentido inverso (v.g. Acórdão do TCAS, de 26.10.2010, prolatado no processo n.º 04290/10), em nosso entendimento, a presunção constante do n.º 5, do artigo 136.º, do CPPT só pode funcionar se estivermos perante uma “dívida” que não haja sido entregue nos prazos legais.
Estabelece o artigo 30.º, n.º 1, alínea a), da LGT, que um dos elementos essenciais da relação jurídica tributária é a “dívida tributária”, traduzindo-se esta no quantum da obrigação de imposto e que, como tal, pressupõe necessariamente a liquidação do tributo.
Como ensinava Saldanha Sanches (cf. in Manual de Direito Fiscal, 3.ª Ed, pp. 255 e 256): “Cabe, todavia, distinguir aqui entre a existência de uma obrigação na forma de uma mera pretensão fiscal e uma obrigação que atingiu a fase da exigibilidade. Tal só acontece depois de se ter verificado o momento do vencimento dessa mesma obrigação. Enquanto a obrigação não se encontra vencida, aquilo que existe o sujeito activo da obrigação tributária é uma mera pretensão fiscal – na altura ainda destituída de exigibilidade. O facto legalmente previsto para o nascimento desta pretensão já se verificou, mas não decorreu ainda o prazo legalmente previsto ou o facto exigido por lei para que se dê o vencimento desta obrigação”.
Continuando, no mesmo sentido, “(…) para o vencimento da obrigação de cumprir – a realização de uma prestação pecuniária se houver dívida de imposto – deverá o sujeito aguardar a liquidação do imposto e a respectiva notificação, feitas pela administração fiscal com base nas suas declarações. Só depois disso temos o vencimento da obrigação e surge o dever de prestar”.
Ou seja, face ao ideário argumentativo que se desenvolve, nesta fase do procedimento inspetivo, sem qualquer ato de liquidação, o que a Fazenda Pública tem é uma pretensão tributária, não estando constituída qualquer dívida tributária.
De igual modo, Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 5.ª Ed., p.260: “Por sua vez, o devedor do imposto é o sujeito passivo (stricto sensu) que deve satisfazer perante o credor fiscal a obrigação de imposto, isto é, a prestação ou prestações em que o imposto se concretiza”. (destaque nosso)
Nesta esteira, a presunção constante do n.º 5, do artigo 136.º, do CPPT, só pode funcionar após o ato de liquidação – i.e. a após a constituição da dívida tributária – e, passados os prazos legais para proceder ao pagamento dessa obrigação tributária, isto é, a partir do momento em que haja uma “dívida de imposto” e um “devedor”.
E bem se entende que assim seja, pois o funcionamento da presunção legal nesta fase inspetiva e, portanto, ainda de apuramento de factos, sem mais, implicaria o arresto de bens de qualquer sujeito passivo que esteja a ser inspecionado e para o qual se estime existirem correções ao IVA liquidado – como é o caso dos autos - por mais diminuta que fosse a pretensão tributária da Fazenda Pública face ao património do sujeito passivo inspecionado, pois estaria legalmente presumido o fundado receio de diminuição de garantia de cobrança do crédito tributário. (…)”

Cumpre, antes de mais, fazer referência ao enquadramento legal do arresto.
Preceitua o artigo 31.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira, aprovado pelo Decreto-Lei nº 413/98, de 31 de Dezembro (RCPITA):
Em caso de justo receio de frustração dos créditos fiscais, de extravio ou deterioração de documentos conexos com obrigações tributárias, a administração tributária deve propor as providências cautelares de arresto ou arrolamento previstas no Código de Procedimento e de Processo Tributário
Dispõe, por seu turno, o artigo 51.º da LGT, sobre o alcance e a ratio das providências cautelares, consignando, de forma expressa, o seu nº 3 que as providências cautelares “consistem na apreensão de bens, direitos ou documentos ou na retenção, até à satisfação dos créditos tributários, de prestações tributárias a que o contribuinte tenha direito.
Por sua vez, os pressupostos do decretamento do procedimento cautelar de arresto encontram-se regulados no artigo 136.º do CPPT e, no que diz respeito a dívidas em cobrança coerciva, no artigo 214.º, n.º 1, do CPPT, aplicando-se subsidiariamente o regime do arresto constante no CPC nos seus artigos 391.º a 396.º (ex vi artigo 139.º, do CPPT) e, no que nestas não estiver previsto, as normas do procedimento cautelar comum constantes nos artigos 362.º a 375.º do CPC (ex vi artigo 376.º, n.º 1 do CPC).
O arresto é um acto preventivo e conservatório, com uma função puramente cautelar, tendo em vista a apreensão judicial de bens, com o objectivo de salvaguarda do receio de perda de garantia patrimonial do credor, em virtude de o devedor tornar ou poder tornar difícil a realização coactiva do seu crédito.
Conforme ensinava o Prof. J. Alberto dos Reiso arresto não é mais nem menos do que uma penhora antecipada ou uma penhora preventiva, efectuada antes de o credor estar munido de título executivo, mas na expectativa ou na pressuposição de que virá a obter esse título”.

Atentemos no teor do artigo 136º do CPPT, que estabelece os requisitos do arresto:
“1 - O representante da Fazenda Pública pode requerer arresto de bens do devedor de tributos ou do responsável solidário ou subsidiário quando ocorram, simultaneamente, as circunstâncias seguintes:
a) Haver fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis;
b) O tributo estar liquidado ou em fase de liquidação.
2 - Nos tributos periódicos considera-se que o tributo está em fase de liquidação a partir do final do ano civil ou de outro período de tributação a que os respectivos rendimentos se reportem.
3 - Nos impostos de obrigação única, o imposto considera-se em fase de liquidação a partir do momento da ocorrência do facto tributário.
4 - O representante da Fazenda Pública alegará os factos que demonstrem o tributo ou a sua provável existência e os fundamentos do receio de diminuição de garantias de cobrança de créditos tributários, relacionando, também, os bens que devem ser arrestados, com as menções necessárias ao arresto.
5 - As circunstâncias referidas na alínea a) do n.º 1 presumem-se no caso de dívidas por impostos que o devedor ou responsável esteja obrigado a reter ou a repercutir a terceiros e não haja entregue nos prazos legais.
(Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho)”
A questão que nos cumpre apreciar prende-se com a interpretação do nº5 do supra transcrito artigo 136º do CPPT, concretamente, o alcance da expressão “dívidas”, a saber, se é possível fazer operar a presunção ali estabelecida no caso de as dívidas (de IVA) se encontrarem em fase de liquidação, como é o caso dos autos.
Recorde-se que os montantes em falta (quer no que respeita ao IRC, como ao IVA) apurados pela AT em sede de inspecção tributária foram considerados pela sentença recorrida como tributos “em fase de liquidação”, não sendo controvertida essa qualificação.
A presunção legal estabelecida no nº5 do artigo 136º do CPPT, a favor da Fazenda Pública, dispensa-a de provar o facto a que ela conduz, ou seja, o fundado receio de diminuição das garantias de cobrança do IVA, quer quanto ao devedor principal, quer quanto ao responsável subsidiário, transpondo-se o ónus de demonstrar a inexistência de tal receio, para os Requeridos.
Neste sentido, veja-se, entre outros, o Acórdão deste TCAS de 06/07/2011, proferido no âmbito do processo nº 4809/11.
A sentença recorrida entendeu não ser aplicável a presunção prevista no nº5 do artigo 136º do CPPT, nos seguintes termos:
“(…) nesta fase do procedimento inspetivo, sem qualquer ato de liquidação, o que a Fazenda Pública tem é uma pretensão tributária, não estando constituída qualquer dívida tributária.(…)
Ante o exposto, entende-se que a presunção legal constante do artigo 136º, nº5, do CPPT, não pode funcionar nos presentes autos por ausência de qualquer dívida tributária constituída, cujo pagamento não tenha sido realizado pela Requerida.”
A sentença recorrida optou, pois, por uma interpretação restritiva do conceito de dívida de imposto referido no nº5 do artigo 136º do CPPT.
Dissente a Recorrente Fazenda Pública da interpretação acolhida pela sentença recorrida, por entender que o fundado receio da diminuição da garantia patrimonial (requisito do arresto) presume-se no caso do IVA, por subsumível à previsão do nº5 do artigo 136º do CPPT.
De referir que a Recorrente, do que se retira das alegações de recurso e respectivas conclusões, parece pretender a verificação daquele requisito para ambos os impostos em causa (IVA e IRC). Porém, como se retira, cristalinamente, do referido nº5 do artigo 136º do CPPT, a presunção aí prevista tem apenas aplicação no caso dos impostos que o devedor ou responsável esteja obrigado a reter ou a repercutir a terceiros e não haja entregue nos prazos legais, como é o caso do IVA, e já não do IRC.
Isto significa que a análise a fazer relativamente à presunção, quanto à verificação do requisito do fundado receio da diminuição da garantia patrimonial respeita, somente, ao IVA apurado.
E o que é certo é que, de acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 136.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a Fazenda Pública tem a seu favor a presunção legal de existência de periculum in mora, plasmado na circunstância (legal) de “fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis”.
A Administração Tributária, para gozar de tal presunção, precisa de fazer a demonstração do facto indiciário pertinente, que está base dessa mesma presunção legal, e que é o facto-base de haver “dívidas por impostos que o devedor ou o responsável esteja obrigado a reter ou a repercutir a terceiros e não haja entregue nos prazos legais”.

In casu, a Administração Tributária alega, nomeadamente no artigo 5.º do seu requerimento inicial, que “no decurso deste procedimento inspectivo foram apuradas correcções, quer em sede de IRC (imposto e derrama), quer em sede de IVA, no valor de € 60.080,01 e de € 568.759,83, respectivamente, conforme fls. 7 a 9, daquela Informação.”
Por aqui se vê que a Administração Tributária justifica o arresto na existência de uma liquidação oficiosa de IVA (e também de IRC) – pelo que, em tal caso, não custa a admitir a “provável existência do tributo”. E, uma vez que o IVA é, como é sabido, um imposto legalmente repercutível, nos termos do artigo 36.º do Código do IVA, deve ter-se por assente que estamos em presença de dívida de imposto que o devedor está obrigado a repercutir.
Sendo certo que o mesmo imposto não foi entregue nos prazos legais, como se retira dos factos constantes nas alíneas i), j) e k) do probatório fixado na sentença recorrida, já que no decurso da acção inspectiva, foram detectadas incorrecções no regime normal de IVA (concretamente, nos cálculos por diferenças entre o valor da venda dos veículos e o valor efectivamente recebido) e no regime de IVA de Margem (indevidamente aplicado em virtude de as transmissões de veículos mencionadas serem operações sujeitas ao regime normal de IVA) e efectuadas correcções em sede de IVA e de IRC.
Assim sendo, não podemos concordar com a sentença recorrida ao equiparar a expressão “dívidas” ínsita no nº5 do artigo 136º do CPPT a situações verificadas após a efectivação do acto de liquidação e o decurso dos respectivos prazos legais de pagamento.
Não podemos deixar de levar em consideração que o arresto, em matéria tributária é permitido nas situações em que o imposto está em fase de liquidação (como os dos autos), bem como a circunstância de o legislador referir, em outros normativos, de que é exemplo o nº1 do artigo 136º do CPPT, o devedor, lato sensu – “O representante da Fazenda Pública pode requerer arresto de bens do devedor de tributos”.
A ser como entendeu a sentença recorrida, também aqui “o devedor” deveria ser tido como aquele a quem foi liquidado um imposto e não efectuou o respectivo pagamento no prazo legal, o que vai contra a lógica com que foi criado o regime legal do arresto previsto no CPPT, já que o mesmo é permitido mesmo nos casos em que o imposto esteja em fase de liquidação.
Como se escreveu no Acórdão do STA de 29/11/2011, proferido no âmbito do processo nº 701/10:
“(…) além do elemento literal, o intérprete tem de se socorrer algumas vezes dos elementos lógicos com os quais se tenta determinar o espírito da lei, a sua racionalidade ou a sua lógica.
Estes elementos lógicos agrupam-se em três categorias: a) elemento histórico que atende à história da lei (trabalhos preparatórios, elementos do preâmbulo ou relatório da lei e occasio legis [circunstâncias sociais ou políticas e económicas em que a lei foi elaborada]; b) o elemento sistemático que indica que as leis se interpretam umas pelas outras porque a ordem jurídica forma um sistema e a norma deve ser tomada como parte de um todo, parte do sistema; c) elemento racional ou teleológico que leva a atender-se ao fim ou objectivo que a norma visa realizar, qual foi a sua razão de ser (ratio legis).”
Conclui-se, face ao supra exposto, que a sentença incorreu em erro de julgamento, por erro na interpretação do direito, no que se refere à interpretação do nº5 do artigo 136º do CPPT, sendo, ao contrário do decidido, de considerar verificado o requisito do fundado receio da diminuição da garantia de cobrança dos créditos no que respeita ao IVA, por força da presunção legal de que goza a Fazenda Pública.

*
Vejamos, agora, se verifica o requisito do fundado receio da diminuição da garantia de cobrança dos créditos no que respeita ao IRC.
A sentença recorrida entendeu não se verificar o fundado receio de diminuição da garantia de cobrança em relação à sociedade, bem como relativamente ao responsável subsidiário, nos seguintes termos:
“(…) Ora, assim sendo, não se pode formular dos factos alegados e provados um juízo de probabilidade séria de diminuição das garantias de cobrança do crédito tributário seja porque não se conhece a capacidade patrimonial atual da requerida, mas apenas a de dezembro de 2017, sendo que já medeiam quase dois anos desde essa “fotografia patrimonial”, seja porque da capacidade patrimonial conhecida não é evidente o risco de insolvência da requerida, seja ainda porque da conduta da requerida e do seu gerente não decorre qualquer ato suscetível de colocar em causa a garantia de cobrança dos créditos tributários.

Ora, tendo em consideração que o receio de perda da garantia patrimonial não pode assentar numa mera suspeita do credor, de ordem subjetiva, não bastando, para o efeito, o receio subjetivo, do credor, de ver satisfeita a prestação a que tem direito, e tendo presente, outrossim, que a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem considerado que a “verificação de justo receio, para efeitos de decretamento do arresto, em situações em que exista a tentativa do devedor em alienar os seus bens, o risco de o devedor ficar em situação de insolvência por dissipação ou oneração do seu património, a prova de que o devedor se furta aos contactos e diligência, a venda ou ocultação do seu património conhecido, o acentuado deficit entre o crédito exigível e o valor do património conhecido do devedor, juntamente com a circunstância de ser facilmente ocultável, a descapitalização de empresas ou a prática de actos de alienação gratuita a favor de terceiros ou actos simulados de alienação ou de oneração do património”. (vg. Acórdão da Relação de Coimbra de 30.06.2009 proferido no processo n.º 972/08.7TBLSA-A.C1 e demais jurisprudência nele citada), dimana inequívoco que, falta um dos pressupostos objetivos para o decretamento do arresto, in casu, o fundado receio na diminuição da garantia patrimonial.

Assim, não se verifica o fundado receio de diminuição da garantia de cobrança do crédito tributário em relação à sociedade, ora requerida, pelo que, não é possível o

decretamento da providência de cautelar de arresto, por falta de um dos seus pressupostos.

Tal conclusão leva igualmente à falta dos pressupostos da responsabilidade subsidiária para efeitos de arresto dos bens do ora requerido. De facto, ao arresto contra os bens do responsável subsidiário pelo pagamento do imposto, aplicam-se os mesmos pressupostos para o arresto dos bens do devedor originário. (…)”

A Recorrente discorda do assim decidido por entender que o perigo de ocorrência de dano irreparável ficou demonstrado nos autos, não se tratando de um mero temor.
Ora, relativamente a este segmento da sentença recorrida, constatamos que a alegação da Recorrente não ataca, verdadeiramente a sentença, já que se limita a concluir que ficou demonstrado o perigo de ocorrência de dano irreparável, sem cuidar de rebater a fundamentação acolhida pela sentença. Ou seja, neste aspecto, a pretensão da Recorrente não tem a virtualidade de abalar o decidido, pelo que o recurso improcederá, nesta parte.

III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida no segmento relativo ao IVA, e julgar procedente a providência cautelar de arresto, no que respeita ao IVA, em relação aos bens identificados no pedido, mantendo a sentença quanto ao demais.

Sem custas.

Registe e Notifique.

Lisboa, 24 de Janeiro de 2020


(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Lurdes Toscano)