Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:738/10.4BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/12/2022
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:PRO RATA
LOCAÇÃO FINANCEIRA
JUROS COMPENSATÓRIOS
ELEMENTO SUBJETIVO
IVA
Sumário:I - Estando em causa liquidações de juros compensatórios, relativas a liquidações adicionais de IVA, às quais estava subjacente o cálculo do IVA dedutível por sujeitos passivos mistos, cujas operações sujeitas consistiam na locação financeira de veículos, por referência a 2006 e 2007, a concreta atuação do sujeito passivo, que seguiu uma forma de cálculo distinta da que veio a ser defendida pela AT, entra dentro dos padrões exigíveis de diligência, dado ter adotado uma posição interpretativa possível numa matéria de caráter não pacífico, num momento em que não existia qualquer instrução administrativa da AT que expressasse a posição desta e em que os Tribunais, designadamente o TJUE, ainda não tinham proferido qualquer decisão a esse respeito.
II - Tendo as liquidações de juros compensatórios sido emitidas pela AT, num contexto em que, nem a título de negligência, se podia imputar ao contribuinte o retardamento da liquidação, não estando preenchido o pressuposto subjetivo da liquidação dos referidos juros, pressuposto que cabe à AT aferir, estamos perante uma situação de erro sobre os pressupostos, imputável aos serviços e sustentador do direito a juros indemnizatórios.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 23.04.2021, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação apresentada por F…, SA (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto as liquidações adicionais de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e as dos respetivos juros compensatórios, atinentes ao meses de dezembro de 2006 e de 2007.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença que decidiu julgar parcialmente procedente a impugnação judicial à margem identificada, e, em consequência determinou a anulação das liquidações de juros compensatórios n.ºs 09231207 e 09231209, no montante de € 2.557,96, que vinham impugnadas, e condenou a AT no pagamento à Recorrida de juros indemnizatórios, sobre o montante pago a título de juros compensatórios, “… desde 28 de fevereiro de 2010 até à data de processamento da nota de crédito. (…)”

B) A douta sentença recorrida sustenta a procedência da impugnação judicial, na parte referente às liquidações de juros compensatórios, por entender que não se encontra verificado, in casu, o pressuposto subjetivo que habilita a AT à liquidação destes juros, pois, não está verificada a culpa da Recorrida no retardamento da liquidação em crise nos autos.

C) É verdade que a exigência de juros compensatórios depende da existência de um nexo de causalidade entre a atuação do contribuinte e as consequências lesivas para o Estado, porém, quanto a este requisito de imputabilidade, a jurisprudência dominante do STA orienta-se no sentido de que a imputabilidade exigida para a responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios existe quando determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, não porque a culpa seja meramente presumida, mas por ser “algo que em regra ou prima-facie se liga ao carácter ilícito-típico do facto respetivo”. (cfr. Recurso n.º 22612, de 23/09/98, do Supremo Tribunal de Justiça).

D) No caso dos juros compensatórios, a factualidade em que há de radicar o juízo de culpa, não pode ser outra que não aquela que subjaz ao apuramento do imposto entendido em falta, na exata medida em que se integram neste, nos termos do n.º 8, do art.º 35° da LGT.

E) In casu, os juros compensatórios que vêm impugnados foram liquidados ao abrigo do disposto nos art.ºs 96º do CIVA e 35º da LGT, por ter sido retardada a liquidação do IVA relativo aos exercícios de 2006 e 2007.

F) E, foram emitidas como consequência de uma conduta do próprio sujeito passivo.

G) No Relatório da Inspeção Tributária, que contém os fundamentos das liquidações, é imputada à Recorrida, no ponto «VII - INFRAÇÕES VERIFICADAS», a falta de entrega de IVA que, constitui «infração prevista e punida pelo art.º 114º do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05 de Junho». (RGIT)», o que tem ínsito a imputação de culpa, já que se trata de infração punível a título de dolo ou negligência.

H) Por outro lado, a imputação de infração está conexionada com a imputação de juros compensatórios, referida no mesmo ponto do RIT, imediatamente a seguir: «Atentas as correções anteriormente expostas e tendo sido, conforme demonstrado, retardada a liquidação do imposto por razões imputáveis ao contribuinte, verifica-se que, ao abrigo do disposto no art. 35º da Lei Geral Tributária e no art. 89º (actual 96º) do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado, conjugados com o preceituado nos artigos 559º e 562º a 564º todos do Código Civil, se mostra devida, a título de juros compensatórios, a quantia correspondente à aplicação da taxa consignada na Portaria nº 291/2003, de 08 de Abril, ao montante de imposto em falta.»

I) Temos, pois, que, as liquidações de juros compensatórios controvertidas, são o resultado de uma conduta por parte do sujeito passivo, que teve como consequência o apuramento nos termos da lei e para os exercícios de 2006 e 2007, de prestação tributária, de montante inferior ao devido, que não foi liquidada e entregue nos cofres do Estado, nos prazos legalmente estatuídos.

J) Nestes termos, verificando-se o retardamento da liquidação do imposto devido por facto imputável à Recorrida, impõe-se concluir que, in casu, se verifica a imputabilidade exigida para a responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios, conforme estipulado no art.º 35º da LGT.

K) A sentença recorrida ao decidir em sentido contrário, incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação aos factos do comando normativo ínsito no art.º 35º da LGT, impondo-se a sua revogação e substituição por Acórdão que mantenha válidas, na ordem jurídica, por legais, as liquidações de juros compensatórios impugnadas.

L) Não se verificando a ilegalidade das liquidações de juros compensatórios impugnadas, e devendo as mesmas subsistir na ordem jurídica, inexiste fundamento para reembolso, à Recorrida, da quantia paga a título de juros compensatórios e para a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios a computar, sobre o montante pago daqueles juros.

M) Com efeito, os juros indemnizatórios dependem da existência de pagamento indevido (artigo 43.º, n.º 1, da LGT) e, neste caso, não se demonstrou que o pagamento fosse indevido.

N) Pelo que, contrariamente ao decido pela sentença recorrida, deverão improceder estes pedidos de reembolso e juros indemnizatórios.

O) Sem conceder, na hipótese de este Tribunal vir a entender, como decidiu a sentença recorrida, que as liquidações de Juros compensatórios em crise nos autos, se mostram ilegais, por não se mostrar verificado o requisito subjetivo que habilita à sua liquidação, ainda assim, dir-se-á como se entende que não se mostram verificados todos os pressupostos, previstos no art.º 43º da LGT, que habilitam à perceção de juros indemnizatórios pela Recorrida, no que respeita à liquidação de juros compensatórios.

P) De acordo com o nº 1, do art.º 43º da LGT, para que a Administração Fiscal incorra no dever de pagamento dos juros indemnizatórios é necessário que estejam preenchidos os seguintes requisitos:

a) que haja um erro num ato de liquidação de um tributo;

b) que ele seja imputável aos serviços;

c) que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;

d) que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

e) O mesmo será dizer que o direito a juros indemnizatórios depende da existência de um erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços, de que tenha resultado o pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, ou seja, a lei quis relevar, para efeito de pagamento de juros indemnizatórios, o erro que tenha levado a Administração Tributária a uma ilegal definição da relação jurídica tributária do contribuinte.

Q) Exige-se, portanto, para que a AT incorra no dever de pagamento de juros indemnizatórios, que se verifique uma qualquer ilegalidade que denote o carácter indevido da prestação tributária à luz das normas substantivas, ilegalidade essa que terá de ser, necessariamente, imputável a erro dos serviços.

R) Ora, in casu, a AT limitou-se a aplicar as consequências jurídicas, que, do ponto de vista fiscal, se impunham face à ocorrência dos pressupostos de facto subjacentes às normas convocadas face às situações concretas, pelo que também neste ponto da matéria controvertida deverá ser declarado improcedente o pedido por ausência de base legal.

S) Se no caso sub judicie, o retardamento da liquidação de Imposto não é, subjetivamente, imputável à Recorrida, como decidiu a sentença recorrida, daí não se segue, necessariamente, que à intervenção da Administração Fiscal na liquidação dos juros compensatórios em foco tenha de ser imputado algum erro, seja de facto, seja de direito.

T) Pelo que inexiste o requisito legal de «erro imputável aos serviços» para que sobre a Administração Fiscal impenda a obrigação legal de indemnizar o contribuinte.

U) Julgando procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios no que respeita ao montante pago pela Recorrida, a título de juros compensatórios, a douta sentença sob recurso enferma de erro de julgamento por errónea interpretação e aplicação aos factos dados como provados, dos comandos normativos ínsitos no art.º 43º da LGT, impondo-se a sua revogação e substituição por acórdão que julgue improcedente tal pedido de juros indemnizatórios.

V) Julgada totalmente improcedente, a impugnação judicial, impor-se-á, também, a reforma da sentença recorrida quanto a custas.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., e em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por Acórdão que julgue totalmente improcedente a impugnação judicial, com as legais consequências.

Todavia,

Decidindo, Vossas Excelências farão, como sempre, a costumada Justiça!”.

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Verifica-se erro de julgamento, porquanto se verificam todos os pressupostos inerentes à liquidação dos juros compensatórios?

b) Há erro de julgamento quanto aos juros indemnizatórios, em virtude de não se estar perante uma situação de erro imputável aos serviços?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) Em 25 de novembro de 2009, foi elaborado o Relatório de inspeção tributária, na sequência de ação inspetiva de âmbito parcial (IVA), com incidência no exercício de 2006, do qual consta o seguinte:

“(…) Relativamente ao IVA suportado nas aquisições de outros bens e serviços que constituem custos comuns, afectos simultaneamente às operações tributadas e isentas, o imposto é deduzido apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que deem lugar a dedução (prorata), tendo no exercício em análise apurado um prorata definitivo de 82%.

(…)

III.1.1.1. – Procedimento adoptado pelo Sujeito Passivo

A actividade exercida pela F… compreende simultaneamente operações isentas de IVA, nos termos do n.º 30 (n.º 29 na actual redacção) do art. 9.º do CIVA, e operações tributadas (sujeitas e não isentas de IVA), nas quais se incluem as de locação financeira mobiliária e imobiliária quando, nestas últimas, tenha existido renúncia à isenção.

Para efeitos de dedução do IVA suportado nas aquisições dos bens e serviços utilizados na sua actividade, a F… adoptou o seguinte regime de dedução:

· Aplicação do método de afectação real relativamente às operações de Leasing (ou locação financeira) mobiliário e imobiliário, efectuando a dedução integral (100%) do IVA suportado com os inputs directamente relacionados com a actividade tributada, e não deduzindo a parcela do IVA respeitante a bens e serviços adquiridos no âmbito das operações de Leasing imobiliário em que não tenha havido renúncia à isenção;

· Aplicação do método da percentagem de dedução (prorata) no que respeita ao IVA suportado na aquisição de bens e serviços indistintamente utilizados a jusante em todas as actividades da instituição (comuns a operações com e sem direito a dedução).

No decurso do exercício em análise, e para dedução do IVA incidente sobre os custos comuns, a F… utilizou provisoriamente a percentagem de dedução de 70%. No final do exercício, efectuou o apuramento do prorata definitivo para o ano de 2006, o qual se fixou em 82% (…), pelo que, em cumprimento do disposto no n.º 6 do art. 23.º do CIVA, efectuou uma regularização do imposto a favor da empresa no montante de Euros 6.631,01, reflectida na declaração periódica de IVA do mês de Dezembro (…).

Para o apuramento da percentagem de dedução definitiva, o sujeito passivo considerou no numerador da fração o montante de Euros 3.250.162,40, correspondente ao valor tributável das rendas sujeitas e não isentas no exercício de 2006, e no denominador a importância de Euros 4.002.251,75, respeitante ao valor total das rendas geradas pelos contratos de locação financeira (ou Leasing) durante o mesmo período (…).

Ao considerar o valor das rendas, a F… está a incluir no cálculo prorata a amortização financeira relativa aos contratos de Leasing, uma vez que:

· de acordo com a alínea h) do n.º 2 do art. 6.º do CIVA, o valor tributável para as operações resultantes de um contrato de locação financeira será o valor da renda recebida ou a receber do locatário;

· a renda se decompõe em amortização financeira e em juros e outros encargos, correspondendo a amortização financeira ao reembolso do capital em dívida no início do contrato.

III.1.1.2. – Apuramento do prorata definitivo para o exercício de 2006

(…)

Refira-se também que, de acordo com as normas de contabilização das operações de locação financeira, o registo da amortização financeira tem por objectivo a redução de um crédito concedido pelo locador, enquanto que a parcela dos juros influencia o resultado do exercício.

(…)

Assim, a componente que corresponde à amortização do financiamento subjacente à aquisição do bem locado, não tem a natureza de proveito e não pode, por isso, integrar o volume de negócios, o que equivale a dizer que não poderá influenciar o prorata ou a percentagem de dedução.

(…)

Com efeito, apenas o valor correspondente aos juros recebidos ou a receber estão em conexão com os custos comuns utilizados indistintamente nas operações sujeitas com e sem direito a dedução, na medida em que, constituindo a remuneração do serviço prestado, têm por objectivo a cobertura dos custos suportados a montante, cujo nível de dedução do IVA o prorata pretende apurar.

A não ser assim, permitia-se um aumento artificial da percentagem de repartição dos custos comuns, que conduziria a um direito à dedução ilegítimo, ficando prejudicada a neutralidade que se pretende na mecânica do IVA.

Pelo que antecede, e no tocante à actividade de Leasing, apenas poderá ser considerado para o cálculo da percentagem de dedução o montante correspondente aos juros e outros proveitos pois, como ficou demonstrado, o conceito de volume de negócios apenas abarca proveitos, não listando outras rubricas, sendo, por conseguinte, subtraídos aos membros da fracção os montantes correspondentes à componente de amortização de capital incluída nas rendas.

Por outro lado, a F… excluiu do cálculo os restantes proveitos obtidos no exercício, nomeadamente outros juros e comissões recebidas. É o que se verifica da análise aos elementos de suporte ao cálculo do prorata, em que o sujeito passivo considerou operações tributadas no total de Euros 3.250.162,40, o qual inclui a importância de Euros 2.866.378,84, referente à componente de amortização financeira incluída nos contratos de locação não isentos (…). Ora, para efeitos do cálculo da percentagem de dedução (prorata), nos termos do n.º 4 do art. 23.º do CIVA, e tal como atrás já foi referido, apenas se poderá considerar no numerador o montante correspondente aos juros relativos à actividade de locação financeira tributada, Euros 402.452,37 (=383.783,56+18.668,81), bem como outros proveitos que caiam na esfera do imposto e hajam sido tributados, como é o caso das comissões recebidas e registadas na conta #81, no valor de Euros 9.049,19, o que totaliza Euros 411.501,56 (…).

Quanto ao denominador da fracção, deverá igualmente excluir as importâncias que respeitem às amortizações financeiras incluídas nas rendas dos contratos de locação financeira e compreender os valores de todas as operações, ainda que isentas, como é o caso dos juros de disponibilidades recebidos e registados na conta #7901, no valor de Euros 40.631,55, o que totaliza Euros 697.523,24 (…).

Deste modo, o cálculo da percentagem de dedução prevista no n.º 1 do art. 23.º do CIVA foi corrigido de 82% para 59% (…), de acordo com o n.º 4 do mesmo artigo.

III.1.1.3. – Correcção do imposto deduzido via prorata

Pelos factos descritos, e na sequência da alteração do cálculo da percentagem de dedução (prorata) do IVA suportado na aquisição de bens e serviços afectos à sua actividade global, procedemos à regularização a favor do Estado do imposto indevidamente deduzido pela F…, nos termos do n.º 6 do art. 23.º do CIVA. Esta correcção resulta da diferença entre o valor do imposto dedutível apurado pelo sujeito passivo, por aplicação da percentagem de dedução definitiva (82%) calculada com referência ao exercício de 2006, Euros 59.999,42, e o valor do imposto dedutível permitido por aplicação da percentagem de dedução agora corrigida (59%), Euros 43.170,32 (…), o que corresponde a uma correcção ao cálculo do imposto no montante de Euros 16.829,11.

(…).” (cfr. fls. 39 ss., no SITAF);

B) Em 25 de novembro de 2009, foi elaborado o Relatório de inspeção tributária, na sequência de ação inspetiva de âmbito parcial (IVA), com incidência no exercício de 2007, do qual consta o seguinte:

“(…)

Relativamente ao IVA suportado nas aquisições de outros bens e serviços que constituem custos comuns, afectos simultaneamente às operações tributadas e isentas, o imposto é deduzido apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que deem lugar a dedução (prorata), tendo no exercício em análise apurado um prorata definitivo de 82%.

(…)

III.1.1.1. – Procedimento adoptado pelo Sujeito Passivo

A actividade exercida pela F… compreende simultaneamente operações isentas de IVA, nos termos do n.º 30 (n.º 29 na actual redacção) do art. 9.º do CIVA, e operações tributadas (sujeitas e não isentas de IVA), nas quais se incluem as de locação financeira mobiliária e imobiliária quando, nestas últimas, tenha existido renúncia à isenção.

Para efeitos de dedução do IVA suportado nas aquisições dos bens e serviços utilizados na sua actividade, a F… adoptou o seguinte regime de dedução:

· Aplicação do método de afectação real relativamente às operações de Leasing (ou locação financeira) mobiliário e imobiliário, efectuando a dedução integral (100%) do IVA suportado com os inputs directamente relacionados com a actividade tributada, e não deduzindo a parcela do IVA respeitante a bens e serviços adquiridos no âmbito das operações de Leasing imobiliário em que não tenha havido renúncia à isenção;

· Aplicação do método da percentagem de dedução (prorata) no que respeita ao IVA suportado na aquisição de bens e serviços indistintamente utilizados a jusante em todas as actividades da instituição (comuns a operações com e sem direito a dedução).

No decurso do exercício em análise, e para dedução do IVA incidente sobre os custos comuns, a F… utilizou provisoriamente a percentagem de dedução de 82%, correspondente ao prorata definitivo com referência ao ano de 2006. No final do exercício, efectuou o apuramento do prorata definitivo para o ano de 2007, o qual se fixou igualmente em 82% (…), pelo que não houve lugar a qualquer regularização com base no disposto no n.º 6 do art. 23.º do CIVA (…).

Para o apuramento da percentagem de dedução definitiva, o sujeito passivo considerou no numerador da fração o montante de Euros 15.534.329,17, correspondente ao valor tributável das rendas sujeitas e não isentas no exercício de 2007, e no denominador a importância de Euros 18.956.306,28, respeitante ao valor total das rendas geradas pelos contratos de locação financeira (ou Leasing) durante o mesmo período (…).

Ao considerar o valor das rendas, a F… está a incluir no cálculo do prorata a amortização financeira relativa aos contratos de Leasing, uma vez que:

· de acordo com a alínea h) do n.º 2 do art. 6.º do CIVA, o valor tributável para as operações resultantes de um contrato de locação financeira será o valor da renda recebida ou a receber do locatário;

· a renda se decompõe em amortização financeira e em juros e outros encargos, correspondendo a amortização financeira ao reembolso do capital em dívida no início do contrato.

III.1.1.2. – Apuramento do prorata definitivo para o exercício de 2007

(…)

Refira-se também que, de acordo com as normas de contabilização das operações de locação financeira, o registo da amortização financeira tem por objectivo a redução de um crédito concedido pelo locador, enquanto que a parcela dos juros influencia o resultado do exercício.

(…)

Assim, a componente que corresponde à amortização do financiamento subjacente à aquisição do bem locado, não tem a natureza de proveito e não pode, por isso, integrar o volume de negócios, o que equivale a dizer que não poderá influenciar o prorata ou a percentagem de dedução.

(…)

Com efeito, apenas o valor correspondente aos juros recebidos ou a receber estão em conexão com os custos comuns utilizados indistintamente nas operações sujeitas com e sem direito a dedução, na medida em que, constituindo a remuneração do serviço prestado, têm por objectivo a cobertura dos custos suportados a montante, cujo nível de dedução do IVA o prorata pretende apurar.

A não ser assim, permitia-se um aumento artificial da percentagem de repartição dos custos comuns, que conduziria a um direito à dedução ilegítimo, ficando prejudicada a neutralidade que se pretende na mecânica do IVA.

Pelo que antecede, e no tocante à actividade de Leasing, apenas poderá ser considerado para o cálculo da percentagem de dedução o montante correspondente aos juros e outros proveitos pois, como ficou demonstrado, o conceito de volume de negócios apenas abarca proveitos, não listando outras rubricas, sendo, por conseguinte, subtraídos aos membros da fracção os montantes correspondentes à componente de amortização de capital incluída nas rendas.

Por outro lado, a F… excluiu do cálculo os restantes proveitos obtidos no exercício, nomeadamente outros juros e comissões recebidas. É o que se verifica da análise aos elementos de suporte ao cálculo do prorata, em que o sujeito passivo considerou operações tributadas no total de Euros 15.534.329,17, o qual inclui a importância de Euros 13.416.414,22, referente à componente de amortização financeira incluída nos contratos de locação não isentos (…). Ora, para efeitos do cálculo da percentagem de dedução (prorata), nos termos do n.º 4 do art. 23.º do CIVA, e tal como atrás já foi referido, apenas se poderá considerar no numerador o montante correspondente aos juros relativos à actividade de locação financeira tributada, Euros 2.190.704,41 (=2.117.914,95+72.789,46), bem como outros proveitos que caiam na esfera do imposto e hajam sido tributados, como é o caso das comissões recebidas e registadas na conta #81, no valor de Euros 59.409,05, o que totaliza Euros 2.250.113,46 (…).

Quanto ao denominador da fracção, deverá igualmente excluir as importâncias que respeitem às amortizações financeiras incluídas nas rendas dos contratos de locação financeira e compreender os valores de todas as operações, ainda que isentas, como é o caso dos juros de disponibilidades recebidos e registados na conta #7901, no valor de Euros 73.471,60, o que totaliza Euros 3.173.930,62 (…).

Deste modo, o cálculo da percentagem de dedução prevista no n.º 1 do art. 23.º do CIVA foi corrigido de 82% para 71% (…), de acordo com o n.º 4 do mesmo artigo.

III.1.1.3. – Correcção do imposto deduzido via prorata

Pelos factos descritos, e na sequência da alteração do cálculo da percentagem de dedução (prorata) do IVA suportado na aquisição de bens e serviços afectos à sua actividade global, procedemos à regularização a favor do Estado do imposto indevidamente deduzido pela F…, nos termos do n.º 6 do art. 23.º do CIVA. Esta correcção resulta da diferença entre o valor do imposto dedutível apurado pelo sujeito passivo, por aplicação da percentagem de dedução definitiva (82%) calculada com referência ao exercício de 2007, Euros 70.477,20, e o valor do imposto dedutível permitido por aplicação da percentagem de dedução agora corrigida (71%), Euros 61.022,95 (…), o que corresponde a uma correcção ao cálculo do imposto no montante de Euros 9.454,26.

(…)” (cfr. fls. 65 ss., no SITAF);

C) Em 30 de novembro de 2009, foi emitido despacho no Relatório a que se refere a alínea A), do qual consta:

“1. Concordo

2. Remeta-se cópia do Relatório de I.T. ao sp, notificando-o nos termos do art. 77.º da LGT e 62.º do RCPITA, das correcções efectuadas.

(…)” (cfr. fls. 39, no SITAF);

D) Em 30 de novembro de 2009, foi emitido despacho no Relatório a que se refere a alínea B), do qual consta:

“1. Concordo

2. Remeta-se cópia do Relatório de I.T. ao sp, notificando-o nos termos do art. 77.º da LGT e art. 62.º do RCPITA, das correcções efectuadas.

(…)” (cfr. fls. 65, no SITAF);

E) Em 23 de dezembro de 2009, foi emitido, em nome da Impugnante, o ato de liquidação n.º 0923…….., referente a IVA, no valor de 16.829,11 euros (cfr. documento 3, junto com a Petição Inicial, a fls. 87, no SITAF);

F) Em 23 de dezembro de 2009, foi emitido, em nome da Impugnante, o ato de liquidação n.º 092…….., referente a IVA, no valor de 9.454,26 euros (cfr. documento 4, junto com a Petição Inicial, a fls. 89, no SITAF);

G) Em 23 de dezembro de 2009, foi emitido, em nome da Impugnante, o ato de liquidação n.º 09………, referente a juros compensatórios, no montante de 1.879,33 euros, incidentes sobre o imposto em falta, no valor de 16.829,11 euros, no período de 12 de fevereiro de 2007 a 27 de novembro de 2009 (cfr. documento 5, junto com a Petição Inicial, a fls. 91, no SITAF);

H) Em 23 de dezembro de 2009, foi emitido, em nome da Impugnante, o ato de liquidação n.º 09231….., referente a juros compensatórios, no montante de 678,63 euros, incidentes sobre o imposto em falta, no valor de 9.454,26 euros, no período de 11 de fevereiro de 2008 a 27 de novembro de 2009 (cfr. documento 6, junto com a Petição Inicial, a fls. 93, no SITAF);

I) Em 28 de fevereiro de 2010, foram pagos os valores referidos nas alíneas E) a H) (cfr. documentos 7 a 10, a fls. 95 ss., no SITAF);

J) A presente impugnação deu entrada em juízo no dia 23 de março de 2010”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento, quanto aos juros compensatórios

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que se encontra verificado o pressuposto subjetivo inerente à liquidação de juros compensatórios.

Nos presentes autos, estavam em causa as liquidações de IVA e as dos respetivos juros compensatórios, relativas aos períodos de dezembro de 2006 e 2007, estando no cerne da discussão a forma de cálculo do pro rata relativo ao IVA suportado em bens e serviços que, indistintamente, serviam à realização de operações isentas e operações sujeitas a IVA.

Estava concretamente em causa saber se, no cálculo do coeficiente de dedução, deveria ser considerado o valor integral das rendas de locação financeira cobradas, incluindo amortização financeira e juros.

O Tribunal a quo considerou inexistir razão à Impugnante, no que respeita às liquidações de imposto, sustentando-se, designadamente, no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de 10.07.2014, Banco Mais, C-183/13, EU:C:2014:2056, e, bem assim, na jurisprudência subsequente do Supremo Tribunal Administrativo.

Considerou, no entanto, o Tribunal a quo que, quanto à liquidação de juros compensatórios, a mesma é ilegal, por não se verificar o elemento subjetivo, dado tratar-se de uma situação em que estava em causa uma mera divergência interpretativa.

Vejamos então.

Nos termos do art.º 35.º da Lei Geral Tributária (LGT):

“1 - São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.

2 - São também devidos juros compensatórios quando o sujeito passivo, por facto a si imputável, tenha recebido reembolso superior ao devido.

3 - Os juros compensatórios contam-se dia a dia desde o termo do prazo de apresentação da declaração, do termo do prazo de entrega do imposto a pagar antecipadamente ou retido ou a reter, até ao suprimento, correção ou deteção da falta que motivou o retardamento da liquidação.

4 - Para efeitos do número anterior, em caso de inspeção, a falta considera-se suprida ou corrigida a partir do auto de notícia.

5 - Se a causa dos juros compensatórios for o recebimento de reembolso indevido, estes contam-se a partir deste até à data do suprimento ou correção da falta que o motivou.

6 - Para efeitos do presente artigo, considera-se haver sempre retardamento da liquidação quando as declarações de imposto forem apresentadas fora dos prazos legais.

7 - Os juros compensatórios só são devidos pelo prazo máximo de 180 dias no caso de erro do sujeito passivo evidenciado na declaração ou, em caso de falta apurada em ação de fiscalização, até aos 90 dias posteriores à sua conclusão.

8 - Os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados.

9 - A liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respetivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas.

10 - A taxa dos juros compensatórios é equivalente à taxa dos juros legais fixados nos termos do n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil”.

Por seu turno, o n.º 1 do art.º 96.º do Código do IVA (CIVA) prescrevia que:

“Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação ou tenha sido recebido reembolso superior ao devido, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios nos termos do artigo 35.º da lei geral tributária”.

“Os juros compensatórios (…) [t]êm a natureza de uma reparação civil, indemnizando o credor pela perda de disponibilidade de quantia que não foi liquidada oportunamente ou que foi indevidamente reembolsada” (1).

Para efeitos de liquidação de juros compensatórios, têm de estar preenchidos elementos objetivos (ter havido atraso na liquidação de imposto, taxa, número de dias) e um elemento subjetivo (o facto ser imputável ao sujeito passivo, a título de dolo ou negligência (2)).

A única questão aqui em apreciação, quanto à liquidação de juros compensatórios, é a do preenchimento do elemento subjetivo referido.

Assim, quanto à culpa, como referido, a liquidação de juros compensatórios tem subjacente a existência de uma conduta censurável do sujeito passivo, a título de dolo ou negligência.

A conduta censurável pode, portanto, sê-lo a título de mera negligência, o que remete desde logo para o critério da pessoa média (“bom pai de família”, na expressão legalmente adotada), previsto no art.º 487.º, n.º 2, do Código Civil, que determina que a referência a este critério ocorra quando não haja na lei outro critério determinador.

Caem, no entanto, fora do âmbito do alcance deste conceito as situações de erro desculpável.

Assim, como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.10.2010 (Processo: 0587/10):

“[C]onstitui entendimento jurisprudencial pacífico (Neste sentido podem ver-se os seguintes acórdãos do STA: de 8-7-92, proferido no recurso n.º 12147; de 28-6-95, proferido no recurso n.º 19014; de 20-3-96, proferido no recurso n.º 20042; de 2-10-96, proferido no recurso n.º 20605; de 18-2-98, proferido no recurso n.º 22325; de 3-10-2001, proferido no recurso n.º 25034; de 16-02-2005, proferido no recurso n.º 1006/04; de 12-07-2005 proferido no recurso n.º 12649 e de 19-11-2008, proferido no recurso n.º 325/08.) que a responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e que, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte e da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência). Ou seja, depende, da existência de culpa, a qual consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto (face à diligência de um bom pai de família) e que, por isso, tem de ser apreciada segundo os deveres gerais de diligência e aptidão de um bónus pater famílias (…).

Deste modo, e apesar de a doutrina e a jurisprudência também sufragarem a tese de que quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito se deve fazer decorrer dessa conduta – por ilação lógica – a existência de culpa (não porque a culpa se presuma, mas por ser algo que, em regra, se liga ao carácter ilícito-típico do facto praticado) e que, por essa via, se deve partir do pressuposto de que existe culpa sempre que a actuação do contribuinte integra a hipótese de qualquer infracção tributária, o certo é que essa culpa pode e deve ser excluída quando se mostre, à luz das regras de experiência e das provas obtidas, que o contribuinte actuou com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais. E, por essa razão, a jurisprudência firmou-se no entendimento de que não são devidos juros compensatórios quando o retardamento da liquidação se ficou a dever, por exemplo, a compreensível divergência de critérios entre a AF e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária (…) ou a erro desculpável do contribuinte …” (sublinhados nossos).

In casu, cumpre sublinhar que os períodos a que respeitam as liquidações em causa são os períodos de 2006 e 2007, anteriores à publicação do entendimento da administração tributária (AT) em torno da questão em causa (Ofício Circulado n.º 30…., de 30.01.2009). Sendo certo que as orientações administrativas não vinculam os administrados, as mesmas permitem que estes conheçam a posição da AT sobre uma determinada matéria.

No caso, no momento legalmente definido para a apresentação das declarações periódicas de IVA relativas aos períodos em causa, este entendimento ainda não tinha sido objeto de publicação.

Por outro lado, atenta a significativa litigância em torno da questão em causa, evidenciada na jurisprudência existente em torno da mesma, é desde logo apreensível a compreensibilidade da existência de divergências interpretativas, entre administração e administrados.

Com efeito, veja-se que a questão foi submetida à apreciação do TJUE, desde logo pelas dúvidas interpretativas suscitadas junto do Supremo Tribunal Administrativo.

Assim, este Supremo Tribunal, no âmbito do processo n.º 01017/12, efetuou um reenvio prejudicial, para o TJUE, em resultado do qual foi proferido o já citado Acórdão de 10.07.2014, Banco Mais, C-183/13, EU:C:2014:2056.

É nessa sequência que têm sido proferidos inúmeros acórdãos em torno da questão, designadamente pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Se a partir do momento em que foi publicado o referido ofício circulado consideramos que está patente a interpretação da AT em torno da matéria, estando, desta forma, os sujeitos passivos que com ela discordem cientes de que a sua interpretação diverge da da administração, até lá não se pode considerar que tal tenha ocorrido.

Com efeito, considerando que a questão em causa não apresenta uma resposta evidente no texto da lei e considerando que, nos períodos de tributação em causa, nada fazia supor o entendimento da AT, entende-se que, à luz das regras da experiência, a Recorrida atuou dentro dos padrões exigíveis de diligência, adotando uma posição interpretativa possível, num momento em que ainda não era conhecida a posição da AT.

Acrescente-se que a jurisprudência relativa à matéria, que permitiu sedimentar a interpretação jurisdicional, foi muito ulterior, após a prolação do Acórdão Banco Mais.

Assim sendo, acompanha-se o entendimento do Tribunal a quo, no sentido de não se considerar verificado o elemento subjetivo inerente à liquidação de juros compensatórios.

Nesse sentido, v. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 06.05.2020 (Processo: 01745/10.2BELRS), relativo a questão similar e ao mesmo período temporal, onde se refere:

“[I]mporta ainda cuidar da questão dos juros compensatórios. Neste particular, tendo em conta o carácter não pacífico da questão, consideramos que assiste razão à Recorrente quanto à recondução da factualidade a um caso de negligência desculpável (erro desculpável), que afasta o pressuposto legal da liquidação de juros compensatórios.

Com efeito, como se deixou expresso no acórdão do Pleno desta Secção do Contencioso Tributário em 22 de Janeiro de 2014 (proc. 1490/13): “Nos termos do disposto no art. 35° da LGT e no actual art. 96º (correspondente ao anterior art. 89º) do CIVA, são requisitos essenciais para a liquidação de juros compensatórios a existência de uma dívida de IVA, de um atraso na efectivação de uma liquidação desse imposto e da imputabilidade do atraso à actuação culposa do contribuinte.

A responsabilidade por juros compensatórios depende, portanto, de nexo causal adequado entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência)”.

Face ao exposto, não assiste razão à Recorrente nesta parte.

III.B. Do erro de julgamento, quanto aos juros indemnizatórios

Considera, por outro lado, a Recorrente que, quanto aos juros indemnizatórios (naquilo em que não resulta prejudicado pela solução mencionada em III.A.), não se verifica uma situação de erro imputável aos serviços, porquanto a AT se limitou a aplicar as consequências jurídicas da sua atuação.

O direito a juros indemnizatórios surge enquanto um reflexo do desiderato constitucionalmente consagrado nos termos do qual “[o] Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem” (cfr. art.º 22.º da Constituição da República Portuguesa – CRP).

Com efeito, se o administrado se vê, durante um período de tempo mais ou menos longo, privado de uma quantia pecuniária na sequência de uma atuação ilegal da AT (que se reflita quer na emissão de liquidações de imposto quer no não pagamento oportuno de reembolsos requeridos), sempre o mesmo tem de ser de alguma forma ressarcido por essa privação. É neste seguimento que é de considerar o regime atinente aos juros indemnizatórios.

Assim, nos termos do art.º 43.º da LGT:

“1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

In casu, a Recorrente põe apenas em causa o pressuposto do erro imputável aos serviços.

Mas sem razão.

Atentando no conceito de erro imputável aos serviços, é necessário que se verifique a ocorrência de um erro-vício e que o mesmo seja imputável aos serviços, respeitando este último requisito à “falta do próprio serviço, globalmente considerado” (3).

Sobre este conceito, chama-se à colação o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.01.2020 (Processo: 02005/18.6BALSB), onde se refere:

“Sobre as razões pelas quais o artigo 43.º, n.º 1 da LGT não abrange a atribuição de juros indemnizatórios em caso de anulação do acto tributário com fundamento em vício de forma (falta de fundamentação) já se pronunciou inúmeras vezes a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, sempre de forma unânime e reiterada, (…) em sentido do qual não iremos divergir.

Com efeito, há muito que o STA sufraga o entendimento, formulado com base na letra do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, de que os juros indemnizatórios apenas podem ser atribuídos ao sujeito passivo que tenha satisfeito uma obrigação tributária que venha a ser anulada com fundamento em “erro imputável aos serviços”, designadamente, por erro na aplicação do direito. É só neste caso, segundo a interpretação firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, que se gera uma efectiva lesão na esfera jurídica do sujeito passivo, decorrente a imposição do cumprimento de uma obrigação tributária que se vem a apurar ser contrária ao direito e que, por isso, deve ser patrimonialmente reparada através do pagamento de juros indemnizatórios”.

Veja-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 08.03.2017 (Processo: 0942/16), onde se sumariou:

“Tendo as liquidações de juros compensatórios sido anuladas por inexistência de actuação culposa do sujeito passivo e sendo tais liquidações da responsabilidade da AT, deve ser-lhe imputado o erro nos pressupostos de direito (nº 1 do art. 35º da LGT) que está na base da anulação de tais liquidações”.

Ora, tendo as liquidações de juros compensatórios sido emitidas pela AT, num contexto em que, nem a título de negligência, se podia imputar ao contribuinte o retardamento da liquidação, não estando, pois, preenchido o pressuposto subjetivo da liquidação dos referidos juros, pressuposto que cabe à AT aferir, estamos perante uma situação de erro sobre os pressupostos, imputável aos serviços e sustentador do direito a juros indemnizatórios.

Como tal, não assiste razão à Recorrente nesta parte.

Nessa sequência, não há que alterar o segmento decisório quanto às custas.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 12 de maio de 2022

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)


_______________________________
(1) Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 283.
(2) V. Jorge Lopes de Sousa, «Juros nas relações tributárias», Problemas fundamentais do Direito tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pp. 147 e 148.
(3) Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. I, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, p. 539.