Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:203/05.1BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:10/22/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:DEFICIT INSTRUTÓRIO
ERRO IDENTIDADE PESSOA INSPECIONADA
AUDIÇÃO PRÉVIA
Sumário:I- Padece de deficit instrutório a decisão recorrida que julga procedente o erro de identidade da pessoa inspecionada e bem assim a existência de preterição de formalidade essencial respeitante à notificação e exercício do direito de audição prévia, sem ter indagado, fixado e ponderado na decisão recorrida a factualidade atinente para o efeito, pese embora a sua relevância para a descoberta da verdade material.
II- Não constando dos autos quaisquer elementos que atestem, com rigor e como se impõe, a quem foram emitidas as Ordens de Serviço, com que âmbito e extensão, e bem assim, o teor integral do projeto de relatório, e correspondentes ofícios de expedição, consequente resultado, mormente, aviso para levantamento da correspondência, deparamo-nos, inequivocamente, com deficit de natureza instrutória, que se repercute na decisão da matéria de facto disponibilizada à nossa apreciação.
III- Tendo sido julgado procedente o pedido da Impugnante, ora Recorrida, com visível deficit instrutório, impõe-se a anulação oficiosa da decisão recorrida, de molde a permitir que, no Tribunal a quo, sejam efetivadas as diligências probatórias que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, dos factos apontados como deficitariamente instruídos, e demais diligências que se afigurem pertinentes para percecionar, de forma rigorosa e fidedigna a realidade dos factos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação apresentada por G….., LDA contra os atos de liquidação de IVA, respeitantes ao ano de 1999, no valor de €9.501,50, determinando a consequente anulação.


***

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

A. Vem o presente Recurso contra a douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” em 31/12/2019, o qual julgou procedente a Impugnação Judicial apresentada nos autos à margem referenciados, por considerar que no caso concreto foi preterida uma formalidade essencial, que inquina irremediavelmente o acto de liquidação por violar o disposto no art. 60.º da LGT e constitui fundamento de nulidade do ato, nos termos do art. 99.º, alínea c) do CPPT.

B. Salvo o devido respeito que a douta Sentença nos merece, e que é muito, a Fazenda Pública entende que a douta Sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto, na medida em que foram incorrectamente julgados os seguintes pontos de facto, que, encontrando-se demonstrados através da prova documental produzida nos autos de primeira instância, deveriam ter sido julgados provados e que se enunciam de seguida:

j. A Impugnante, pessoa colectiva com o NIPC ….., alterou sua designação social em 1998, deixando de ter a firma “F….. Lda.” para adoptar a firma “G….., Lda.” (facto demonstrado com base na certidão permanente da sociedade que se encontra junta aos autos de primeira instância);

k. A Impugnante recebia, na sua sede, sita na Rua …..., em Lisboa, declarações periódicas de IVA designadas modelo A, remetidas pela Administração Tributária e Aduaneira que se encontravam pré preenchidas com a designação “F….., Lda.”, facto que era conhecido pelo Revisor Oficial de Contas da Impugnante (cfr. se encontra demonstrado através do teor da comunicação efectuada em 18 de Agosto de 2003, recepcionada na Direcção de Finanças de Lisboa no dia 19 de Agosto de 2003, dirigida ao inspector Manuel Luís Valente Alvado, o Revisor Oficial de Contas da Impugnante, Sr. R…..);

l. Era do conhecimento do gerente da Impugnante, Sr. J….., que a Autoridade Tributária, não obstante ter sido entregue, em 24/07/1998, declaração de alterações junto da Repartição de Finanças do 3.º Bairro de Lisboa, através da qual a Impugnante comunicou à Autoridade Tributária a alteração da sua designação social e do seu objecto social, continuava a remeter a notificações à Impugnante para a sua sede social com a anterior firma “F….., Lda.” (cfr. se encontra demonstrado pelo teor do termo de declarações, prestadas no decurso do procedimento de inspecção, pelo Sr. J….., perante o Inspector Tributário Manuel Luís Valente Salvado, e que consta do Processo Administrativo Tributário);

m. A notificação enviada à Impugnante pelos Serviços de Inspecção Tributária, através da qual foi designado o dia 18/07/2003 para a apresentação da contabilidade e entrega das declarações modelo 22 de IRC que se encontravam em falta foram enviadas para os sócios da Impugnante, tendo sido recebidas (cfr. teor do relatório de inspecção – parágrafos 3 e 4 da página 2 do mesmo - sendo que, não se poderá olvidar que as informações oficiais prestadas pela inspecção tributária, fundamentadas e baseadas em critérios objectivos e que, portanto, “fazem fé”, possuem força probatória plena – vide n.º 1 do art. 76.º da LGT, n.º 1 do art. 115º do CPPT e art. 371.º do Código Civil e n.º 5 do art. 607.º do CPC).

n. No projecto de relatório consta expressamente identificado como sujeito passivo o sujeito passivo designado “G….., Lda.”, com o NIPC ….. (cfr. se encontra demonstrado pela prova documental constante do Processo Administrativo Tributário – teor do projecto de relatório);

o. A notificação do projecto de relatório final foi efectuada através de ofício ….., por carta registada (registo …..), dirigida à “G….., Lda.” e remetida para a sua sede, tendo a mesma sido devolvida com a indicação “não reclamado” (cfr. se encontra demonstrado pela prova documental constante do Processo Administrativo Tributário);

p. Do teor do relatório final de inspecção e do Despacho proferido pela Directora de Finanças Adjunta da Direcção de Finanças de Lisboa, que determinou a fixação da matéria colectável referente ao período de 1999, resulta expressamente identificado como sujeito passivo a sociedade denominada “G….. Lda.”, com o NIPC ….. (cfr. se encontra demonstrado pela prova documental constante do Processo Administrativo Tributário - teor do relatório de inspecção);

q. A notificação do relatório final de inspecção e das conclusões resultantes da acção de inspecção e da fixação do lucro tributável em sede de IRC e de apuramento de IVA por métodos indirectos foi efetuada através de notificação pessoal ao Sr. M….., gerente da sociedade, realizada no seu domicílio fiscal, tendo sido a notificação concretizada na pessoa da Sra. M….., cônjuge daquele, por impossibilidade de encontrar o gerente no seu domicílio fiscal (cfr. se encontra demonstrado pela prova documental constante do Processo Administrativo Tributário - certidão de notificação do relatório final);

r. A Sra. M….. foi gerente da sociedade Impugnante (cfr. se encontra demonstrado pela prova documental constante do Processo Administrativo Tributário – certidão de notificação do relatório final).

C. Também no que concerne à matéria de Direito, considera a Fazenda Pública que a douta Sentença padece de erro de julgamento por, antes de mais, considerar que todos os actos praticados no procedimento de inspecção que culminou nas liquidações impugnadas padecem de nulidade, existindo erro sobre a identidade do sujeito passivo inspecionado, vício previsto no n.º 1 do art. 133.º do CPA, por aplicação do disposto na alínea b) do n.º 1 e n.º 2, ambos do art. 123.º do Código de Procedimento Administrativo - CPA.

D. Da conjugação das normas do art. 120.º do CPA, 11.º do Regime Complementar de Procedimento da Inspecção Tributária (RCPIT), alíneas a) e f) do n.º 1 do art. 44.º e art. 54.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário – CPPT - e n.º 1 do art. 86.º da Lei Geral Tributária - LGT - resulta que os actos praticados no decurso do procedimento de inspecção têm um carácter meramente preparatório ou acessório dos actos tributários ou em matéria tributária, sendo que, sem prejuízo da impugnabilidade de actos lesivos dos direitos e interesses legítimos dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários, apenas a decisão de avaliação directa constitui acto destacável para efeitos de impugnação contenciosa, a apresentar após a notificação do acto de liquidação, na medida em que condiciona irremediavelmente a decisão final, sendo que a sua inimpugnabilidade consolida a decisão e o que nela ficou decido ficará assente no procedimento tributário.

E. No caso concreto, atentos os factos supra mencionados, que em nosso entendimento se encontram demonstrados nos autos de primeira instância através de prova documental, a identificação do destinatário constante do acto administrativo /tributário de fixação da matéria tributável é não só a correcta, sendo que do mesmo resulta de forma clara e expressa quem é a pessoa jurídica que se encontra abrangida, no âmbito da relação jurídica tributária, pelo referido acto, como também é suficiente e adequada, na medida em que contém os elementos bastantes para se atingir o objectivo que se pretende atingir com a identificação, sendo que, em nosso entendimento e salvo melhor opinião, tal exactidão, suficiência e adequabilidade não são postas em causa pelo facto de existir uma referência à anterior firma/ designação social do sujeito passivo.

F. Com efeito, a entidade com personalidade e capacidade tributária (artigo 15.º e art. 18.º, ambos da LGT) é a titular do NIPC ….., sendo que a pessoa colectiva não se altera pelo facto de se alterar a sua firma comercial ou pelo facto de se alterar o objecto social.

G. Por outro lado, e com a devida vénia, entendemos que o Ilustre Tribunal “a quo” confunde os conceitos de validade do acto administrativo /tributário e de eficácia do mesmo, olvidando que a notificação, ela própria, constitui um outro acto, totalmente autónomo (neste âmbito) do acto tributário, ou seja, é exterior ao acto, não constituindo a sua falta ou os vícios de que enferme, vício susceptível de implicar a anulação do acto administrativo, tornando apenas inexigível o que houver sido liquidado (vide art. 36.º, n.º 1 do CPPT).

H. O acto de notificação apenas será nulo nos casos previstos no n.º 8 do art. 39.º do CPPT, na versão em vigor à data dos factos, situações que não se aplicam ao caso concreto, sendo que a sua validade está dependente de, na prática do mesmo, serem observadas as formalidades legais, que se prendem com a forma através da qual a mesma é realizada (podendo assumir a forma de notificação pessoal ou de notificação postal), bem como com a morada para onde é remetido, assim como o destinatário do mesmo, só assim se acautelando a tutela dos direitos e garantias do destinatário.

I. No RCPIT encontram-se consagradas normas especiais (face ao regime geral das notificações constante dos artigos 38.º e seguintes do CPPT) referentes às notificações efectuadas no âmbito do procedimento de inspecção, que, sendo especiais, prevalecem sobre aquele regime geral.

J. Vem sendo entendimento unânime da Jurisprudência que as notificações efectuadas no âmbito do procedimento de inspecção seguem as regras previstas nos artigos 37.º e seguintes do RCPIT, não sendo aplicável às mesmas as regras previstas no artigo 38.º e seguintes do CPPT, sendo que, em caso de notificação efectuada através de carta registada, que tenha vindo devolvida com a indicação de não ter sido levantada, se presume a notificação efectuada, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 43.º do RCPIT, na versão em vigor à data dos factos.

K. Nem se diga que o CPPT, porque é ulterior ao RCPIT, terá derrogado o regime neste previsto. Desde logo, porque art. 7.º do CC dispõe, no seu n.º 3, que «[a] lei geral não derroga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador». Depois, porque o RCPIT, após a entrada em vigor do CPPT, conheceu alterações e o art. 43.º, n.º 1, do RCPIT, manteve-se inalterado.

L. Meramente a título de exemplo, trazemos aqui à colação os Arestos, cujo entendimento se subscreve e se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais, proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo em 23/01/2019, no âmbito do processo n.º 02208/13.0BEPRT, em 17/10/2018, no âmbito do processo n.º 0347/10.8BEPRT, em 13/03/2013, no âmbito do processo n.º 01394/12 e pelo TCAN em 06/07/2018, no âmbito do processo n.º 00346/10.0BEPRT e em 07/06/2018, no âmbito do processo n.º 00346/10.0BEPRT, disponíveis em www.dgsi.pt.

M. Com base nos fundamentos supra mencionados, não poderemos estar mais em desacordo com o Ilustre Tribunal “a quo” quando conclui a decisão de mérito alcançada nos autos de primeira instância no sentido de que “foi preterida uma formalidade essencial, que inquina irremediavelmente o acto de liquidação, por violar o disposto no art. 60.º da LGT”.

N. Nos termos do disposto no n.º 4 do art. 60.º da LGT, na versão em vigor à data dos factos, “O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte”.

O. Voltando ao caso concreto, e conforme resulta do recurso da matéria de facto, encontra-se demonstrado por prova documental nos autos de primeira instância que a notificação da carta aviso, bem como as notificações através das quais a Autoridade Tributária solicitou a apresentação de contabilidade, bem como a notificação do projecto de relatório para efeitos do exercício do direito de audição prévia, efectuadas no âmbito do procedimento de inspecção, foram todas efectuadas através de carta registada, remetida para a sede e domicílio fiscal da Impugnante, nos termos do disposto no n.º n.º 1 do art. 38.º do RCPIT e alínea b) do n.º 1 do art. 19.º da LGT, na versão em vigor à data dos factos.

P. Mais se encontra demonstrado que todas as notificações supra mencionadas vieram devolvidas com a indicação “não reclamado”, assim se provando que, apesar de ter sido deixado aviso no domicílio fiscal da Impugnante, ora recorrida, para reclamar as notificações na estação dos correios competente, a mesma não o fez.

Q. Assim sendo, a valoração dos factos supra enunciados deveria ter sido efectuada contra a Impugnante, ora recorrida, fazendo funcionar a presunção de notificação ínsita no n.º 1 do art. 43.º do RCPIT, presunção essa que não foi ilidida nos autos de primeira instância (vide n.º 1 e 2 do art. 350.º do Código Civil).

R. Ainda que se desconsidere a aplicação da referida presunção ao caso concreto, o que apenas por mera hipótese académica se concede, sempre se dirá que a validade de um acto de notificação apenas poderá ser afectada se se demonstrar que efectivamente o destinatário não tomou conhecimento do acto notificado, assim se impedindo a produção de efeitos do mesmo em relação ao seu destinatário.

S. Ora, e conforme consta dos factos supra mencionados, que em nosso entendimento deverão ser considerados provados, não se poderá ignorar que o gerente da Impugnante, ora recorrida, bem como o seu Revisor Oficial de Contas conheciam o facto de a Autoridade Tributária continuar a enviar notificações em nome da antiga firma da sociedade, para a sua sede (como é exemplo das declarações periódicas de IVA denominadas modelo A), não obstante ter sido entregue declaração de alterações da designação social daquela, bem conhecendo que, não obstante as notificações se encontrarem dirigidas à anterior firma da Sociedade, tinha como destinatária a Impugnante, ora recorrida.

T. Por outro lado, não obstante a disposição legal ínsita no n.º 2 do art. 61.º do RCPIT consagrar preferência pela notificação do relatório final de inspecção através de carta registada com aviso de recepção, dever-se-á entender que a notificação pessoal do mesmo é permitida pelo legislador, atentas as necessidades práticas e de celeridade que se impõem ao procedimento de inspecção (vide n.º 1 do art. 38.º do RCPIT).

U. Com base nos argumentos supra aduzimos, consideramos que mal andou, a nosso ver, o Ilustre Tribunal “a quo” ao entender que ao caso concreto se aplica a disposição do art. 41.º do CPPT, quando existe disposição legal no RCPIT que regula especificamente as notificações a pessoas colectivas em sede de procedimento inspectivo.

V. Não se encontrando regulada no RCIPT a forma como é efectuada a notificação pessoal, nos termos do disposto no n.º 6 do art. 38.º do CPPT, na versão em vigor à data dos factos, aplicam-se as disposições do CPC referentes à citação pessoal.

W. Voltando ao caso concreto, tendo os Serviços de Inspecção Tributária constatado que todas as notificações que foram efectuadas através de carta registada, no decurso do procedimento inspectivo, não foram reclamadas pela Impugnante, ora recorrida, procederam à notificação pessoal, prevista no n.º 1 do art. 38.º do RCPIT.

X. Assim sendo, e ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 40.º do RCPIT, a notificação do relatório final foi efectuada ao gerente da sociedade, Sr. M….., no seu domicílio fiscal, através dos formalismos legais previstos para a citação com hora certa, sendo que, na impossibilidade de o encontrar o notificando no seu domicílio fiscal, a notificação foi efectuada na pessoa capaz que estava em melhores condições de transmitir ao gerente da Impugnante o acto notificado, a Sra. M….., assim se cumprindo as disposições legais supra enunciadas no n.º 1 do art. 239.º e nos n.ºs 1 e 2 do art. 240.º, ambos do CPC.

Y. Por outro lado, e ainda que assim não se entenda, deveria o Ilustre Tribunal “a quo” ter ponderado, para a sua decisão, os factos supra enunciados, que em nosso entendimento deverão ser considerados provados, que demonstram que a Sra. M….. não era um terceiro estranho à sociedade ora recorrida, mas sim uma pessoa indubitavelmente ligada à mesma, que, não obstante não ter sido gerente de direito, admitiu, no acto de notificação do relatório final, perante os Serviços de Inspecção Tributária, que havia sido gerente de facto da sociedade, ora recorrida.

Z. Pelo exposto, em nosso entendimento e salvo melhor opinião, andou mal o Ilustre Tribunal “a quo” na decisão de mérito que proferiu, pois que, com base na fundamentação de facto e de direito supra exposta, impunha-se a total improcedência da Impugnação Judicial deduzida, na medida em que, não só não se verifica qualquer invalidade dos acto administrativos /tributários praticados no procedimento que conduziu aos actos de liquidação sindicados, como também não ocorre qualquer irregularidade/ ilegalidade das notificação efectuadas no decurso daquele, que pudesse conduzir a qualquer eventual falta de eficácia dos actos notificados em relação à Impugnante, ora recorrida.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e a costumada JUSTIÇA!


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A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:

III. CONCLUSÕES:

a) Atenta a alegação da Recorrente, relativa à matéria de facto em que a sentença incorreu em erro de julgamento, verifica-se que a mesma mais não é do que uma impugnação da matéria de facto, a qual, nos termos do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, obedece a determinadas regras;

b) Da análise das Conclusões formuladas pela Recorrente, verifica-se que a mesma não identifica nem “[o]s concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” pelo Tribunal a quo - isto é, não identifica os pontos da matéria de facto dada como provada com os quais não concorda, não fazendo, aliás, qualquer referência aos pontos em causa, nem “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, porquanto, embora indique os alegados documentos que poderiam provar a matéria de facto que pretende ver provada, não transcreve os mesmos, nem indica a que folhas do processo os mesmos se encontram;

c) Verifica-se, portanto, que a Recorrente não cumpriu, no presente recurso, os ónus de impugnação impostos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC (aplicável ao caso sub judice por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT);

d) E, dado que tem vindo a ser entendido pela doutrina e jurisprudência civilística que estes vícios relativos à impugnação da decisão relativa à matéria de facto (constantes do artigo 640.º do CPC), não são suscetíveis de serem objeto de um despacho convite no sentido da concretização do recurso por parte do recorrente, já que este tipo de despacho está reservado apenas e só para os recursos sobre matéria de direito (cfr. n.º 3 do artigo 639.º CPC), conclui-se que a presente alegação, no que concerne à impugnação da matéria de facto, deverá ser rejeitada por este Venerando Tribunal;

No que respeita aos pontos j), k) e l) cuja alteração / aditamento é reclamado pela Recorrente, verifica-se que os mesmos em nada alteram as conclusões vertidas na sentença recorrida, na medida em que a inclusão da referida matéria de facto em nada contraria o percurso cognoscitivo da referida decisão;

f) No que concerne ao ponto m) cuja alteração / aditamento é reclamado pela Recorrente, verifica-se que o mesmo não tem qualquer relevância, uma vez mais, para o caso em análise, porquanto o imposto em discussão no caso em apreço não é o IRC, mas sim o IVA, sendo que independentemente da fixação da matéria coletável para efeitos de IRC, a realidade é que, sendo a Recorrida uma entidade cujo objeto social, no ano de 1999, era o “arrendamento de bens imóveis” (cfr. ponto 1) da matéria de facto dada como provada), as rendas por si auferidas estariam isentas, nos termos do (então) n.º 30 do artigo 9.º do Código do IVA;

g) Nessa medida, a reapreciação da matéria de facto dada (e a dar) como provada nos pontos j), k), l) e m), nos termos requeridos pela Recorrente, não é suscetível de ter relevância jurídica na decisão a produzir a final, não deverá este Venerando Tribunal proceder à sua reapreciação, sob pena de praticar um ato que se afigura inútil, em estrita violação dos princípios da celeridades e da economias processuais, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, 130.º e 131.º do CPC, aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT;

h) No que concerne ao ponto n) cuja alteração / aditamento é sufragada pela Recorrente, a realidade é que, independentemente da identificação do sujeito passivo no relatório de inspeção tributária, da análise do mesmo verifica-se que há uma clara confusão entre a atividade que se pretende fiscalizar, sendo que, ainda que tal alteração seja aceite por Vossas Excelências, a mesma não terá a virtualidade de alterar as conclusões sufragadas na decisão recorrida, as quais se afiguram corretas perante a documentação junta aos autos;

i) No que respeita ao ponto r) da matéria de facto que a Recorrente pretende alterar/aditar – no sentido de que “A Sra. M….. foi gerente da sociedade Impugnante” - jamais poderá dar-se como provado, desde logo porque é falso, uma vez que não obstante a Sra. M….. seja cônjuge do gerente M….., a mesma jamais foi sócia ou gerente da Recorrida, pelo que, independentemente das afirmações constantes da “certidão de notificação do relatório final”, tal factualidade não pode ser dada como provada;

j) Não obstante o relatório de inspeção tributária seja um documento autêntico e, portanto, prove a verdade dos factos que nele são atestados com base nas próprias perceções do documentador (cfr. 2.ª parte do número 1 do artigo 371.º do Código Civil), a realidade é que não garante - nem podia jamais garantir - que tais factos correspondem à realidade, uma vez que o documentador (in casu, os funcionários da inspeção tributária) não estiveram envolvidos na reestruturação da Recorrida, tendo-se limitado a aceitar como válidas as (alegadas) declarações da dita M…..;

k) Atento o teor da certidão comercial da Recorrida é por demais evidente que a Sra. M….. jamais foi sócia ou gerente da Recorrida, sendo, apenas e tão só a cônjuge do sócio e gerente M…..;

l) A notificação do relatório final de inspeção na pessoa de M….. não preenche os requisitos do artigo 41.º do CPPT, pelo que não obstante o ponto q) da matéria de facto que a Recorrente pretende alterar/aditar possa corresponder à realidade factual, o mesmo não tem o efeito jurídico que a mesma lhe pretende dar - a notificação do relatório final de inspeção à Recorrida - porquanto o ponto r) da matéria de facto que a Recorrente pretende alterar/aditar não pode ser aceite, por não corresponder à realidade;

m) O mesmo raciocínio deverá vingar por referência ao ponto p) da matéria de facto que a Recorrente pretende alterar/aditar, porquanto, independentemente de a identificação do sujeito passivo estar correta ou incorreta, a realidade é que o relatório final de inspeção tributária não lhe foi validamente notificado, nos termos do artigo 41.º do CPPT;

n) No que respeita ao ponto o) da matéria de facto que a Recorrente pretende alterar/aditar, deverá atender-se ao facto de que da conjugação dos artigos 60.º do RCPIT e 38.º, n.º 1 e 39.º, n.ºs 3 a 6 do CPPT, se verifica que, sendo o projeto de relatório de inspeção um ato suscetível de modificar a situação tributária da Recorrida, para além de convocar o sujeito passivo a participar num ato e, tendo a primeira (e única) notificação do mesmo sido remetida ao remetente por não reclamada, os serviços de Inspeção deveriam ter promovido uma nova notificação do projeto de relatório, nos termos do artigo 39.º, n.º 5 do CPPT – o que não ocorreu no caso sub judice;

o) A notificação do projeto de relatório e, acima disso, o exercício do direito de participação no procedimento, assume um primordial papel na formação do ato tributário - não sendo um ato indiferente ou secundário, na medida em que é a primeira vez que o destinatário tem conhecimento da intenção da Autoridade Tributária e dos factos que suportam essa intenção -, na medida em que as informações/argumentos trazidos ao procedimento pelo sujeito passivo visado condicionarão a posição da Autoridade Tributária, podendo até levar à não emanação de qualquer ato de liquidação, pelo que não se aceita ser esta fase procedimental um momento “menor” do procedimento, em que as comunicações podem ser simplificadas ou imbuídas de menores formalismos, como defende a Autoridade Tributária;

p) Não pode aceitar-se que a notificação do relatório de inspeção tributária (à Sra. M…..) sanou a ilegalidade no âmbito da notificação para o direito de audição do projeto de relatório de inspeção, na medida que a Recorrida se viu impedida de participar numa decisão suscetível de modificar a sua situação tributária;

q) A falta da 2.ª notificação do projeto de relatório de inspeção impediu que a Recorrida participasse numa decisão suscetível de modificar a sua situação tributária, o que, não só é inadmissível face às regras que norteiam as garantias dos contribuintes, no seio do ordenamento jurídico tributário vigente, como também seria essencial, porquanto a Recorrida teria tido a oportunidade de apresentar argumentos válidos - como que em 1999 era um sujeito passivo cujo objeto social era o arrendamento imobiliário e que, por isso, as rendas por si auferidas estavam isentas de IVA, nos termos do (então) n.º 30 do artigo 9.º do Código do IVA -, os quais, em seu entender, iriam alterar o projeto de relatório de inspeção;

r) O efetivo exercício do direito de audição pela Recorrida era um passo essencial no procedimento que conduziu à prática do ato final, pelo que a sua preterição inquina o Relatório de Inspeção e a liquidação impugnada, concluindo-se que os mesmos padecem de vício de preterição de formalidade essencial e de violação de lei, por violação do artigo 267.º da CRP e do artigo 60.º da LGT;

s) Na eventualidade de não ser encontrado qualquer membro dos órgãos de gerência ou administração do sujeito passivo no local da sede, impõe-se à Autoridade Tributária tentar a notificação do ente coletivo para a residência de algum dos gerentes, ou para o local onde estes se encontrem, v.g. outras instalações da sociedade, devendo ser os mesmos (e não outra pessoa qualquer, terceira à sociedade) ser notificados, nos termos do artigo 41.º do CPPT;

t) A norma do artigo 39.º do CPPT constitui a regra geral quanto à forma e perfeição dos atos de notificação, sendo, contudo, afastada no caso de pessoas coletivas, uma vez que para estas é estabelecido um regime especial, previsto no artigo 41.º do CPPT, consubstanciado na notificação pessoal de algum dos seus administradores;

u) Constata-se, portanto, que, tal como sufragado pelo Tribunal a quo na decisão recorrida, as pessoas coletivas serão notificadas na pessoa de um dos seus administradores, pelo que a notificação efetuada na pessoa da Sra. M….. não poderá ser admitida no caso sub judice, porquanto a mesma não era gerente da sociedade sendo, para todos os efeitos, um terceiro estranho à mesma, concluindo-se, assim, que a Recorrida não foi notificada validamente do relatório de inspeção tributária, sendo que a falta de notificação não lhe é imputável, na medida que tal omissão se deveu, única e exclusivamente, à incorreta notificação do mesmo por parte da Autoridade Tributária;

v) O facto de a Autoridade Tributária ter elaborado um relatório de inspeção não implicaria, por si só, que a mesma estivesse dispensada de notificar a Recorrida antes da emanação da liquidação, porquanto apenas é de dispensar a notificação para audição prévia em momento anterior à prática do ato, quando o contribuinte tenha sido efetivamente ouvido em qualquer das fases do procedimento, conforme prevê o n.º 3 do artigo 60.º da LGT;

w) Não tendo a Recorrida sido ouvida em nenhuma fase do procedimento anterior à emanação da liquidação, verifica-se que a Autoridade Tributária sempre estaria adstrita à notificação da Recorrida para o exercício do direito de audição antes da efetiva liquidação do imposto, na medida em que no caso sub judice não se está perante uma situação em que a Recorrida optou por não exercer o direito de audição (opção que, aliás, lhe assiste nos termos da Lei), mas sim perante uma situação em que a Recorrida não teve conhecimento da notificação para o exercício esse direito;

x) Em suma, as alegações da Recorrente não podem proceder, porquanto, (i) a Sra. M….. não era - nem nunca foi, mesmo antes da alteração da designação e do objeto social - gerente da Recorrida, pelo que a notificação efetuada à mesma não pode considerar-se validamente efetuada; (ii) à luz do artigo 41.º do CPPT, a notificação do relatório de inspeção tributária tem de ser efetuada na pessoa de um dos gerentes - sendo que a Recorrida, à data da inspeção, tinha três gerentes -, pelo que, tendo sido efetuada a notificação em pessoa estranha à sociedade (nem sequer era empregada), a notificação também não pode, por este motivo, considerar-se validamente efetuada; e (iii) perante a ineficácia da notificação do relatório de inspeção tributária, a Recorrida não se considera notificada do mesmo - e, portanto, não participou no procedimento de inspeção, nem teve acesso à fundamentação dos atos de liquidação impugnados -, pelo que a Autoridade Tributária teria, antes da emanação dos atos de liquidação, de notificar a Recorrida para exercer o direito de audição prévia, nos termos do artigo 60.º da LGT;

y) Verifica-se, assim, que a sentença recorrida não merece censura, devendo ser mantida na íntegra, devendo ser negado provimento, por esse motivo, ao Recurso da Fazenda Pública.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como improcedente, por não provado e, em consequência, manter-se válida na ordem jurídica a sentença proferida pelo Tribunal a quo, tudo com as legais consequências.”


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Factos provados com relevância para a apreciação das questões em apreço:

1)A sociedade inspecionada foi a sociedade G….., Lda., NIPC: ….., com sede na Rua …..- cf. teor de fls.110 do Processo Administrativo (PA), correspondente a fls.1 do Relatório de Inspeção Tributária (RIT), cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

2) A ora Impugnante tem como atividade: O arrendamento de bens imobiliários - cf. teor de fls.110 do PA, correspondente a fls.1 RIT, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

3) A inspeção incidiu sobre o exercício de 1999 - cf. teor de fls.110 do PA, correspondente a fls.1 RIT, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

4) A ordem para fiscalização do S.Passivo teve origem em ficha de fiscalização enviada aos Serviços de Inspeção Tributária pela DPIT I da Direção de Finanças de Aveiro - ofício ….., face à existência de rendimentos provenientes de rendas e à não entrega de declaração mod.22 - cf. teor de fls.111 do PA, correspondente a fls.1 RIT, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

5) O sujeito passivo inspecionado, está enquadrado no registo de Sujeitos Passivos de IRC, tendo entregue a declaração mod.22 do exercício em análise em 18.08.03 e, relativamente ao IVA está enquadrado no regime normal de periodicidade mensal (Anexos 1 e 2) - cf. teor de fls.111 do PA, correspondente a fls.1 RIT, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

6) Da análise aos elementos enviados pelos Serviços de Inspeção da D.F. Aveiro, consta um contrato promessa de arrendamento industrial, bem como o valor das rendas recebidas pelo S. Passivo, as quais totalizam neste exercício o valor de Esc.7.200.000$00 (35.913,45€) - cf. doc. de fls.111 do PA, correspondente a fls.1 RIT, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

7) Os SIT informam que, “Compulsados os elementos existentes na base de dados da D.G. Impostos - IRC e IVA, constatou-se que o S. Passivo NIPC ….., não tinha efetuado a entrega da declaração mod.22 de IRC, bem como não tinha efectuado a entrega da declaração anual, mas em sede de IVA constam “12 declarações periódicas de IVA”, com uma base tributável no total de 57.241,35€…Anexos 3 a 14 do PA

Constata-se ainda que no Cadastro o NIPC …..consta como sendo o S. Passivo – F….., Lda, e os elementos enviados pela D.F. Aveiro como sendo titular do arrendamento (com o mesmo n.º de contribuinte), o S.Passivo - G….., Lda.” - cf. teor de fls.111 e 112 do PA, correspondente a fls. 1 e 2 do RIT, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

8) Em 1998, o estabelecimento onde operava a fábrica de calçado onde era exercida a anterior atividade da ora Impugnante foi trespassado (como realidade universal, incluindo os passivos inerentes) a um terceiro interessado - a sociedade L….., Lda. - cf.doc. n.º3, junto pela Impugnante com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

9) A Impugnante manteve a sua sede na Rua ….., em Lisboa, no local onde também funcionavam escritórios da sociedade L….., Lda., uma vez, que, um dos sócios de ambas as sociedades era comum, a saber o Sr. M…...

10) A Impugnante era a proprietária do imóvel onde estava a operar o estabelecimento trespassado e a sociedade trespassária pretendia manter o estabelecimento no mesmo local, tendo-se celebrado entre a Impugnante e a trespassária um contrato promessa de arrendamento comercial com produção de efeitos imediatos, pelo prazo de 6 meses renováveis - cf.doc. n.º4, junto pela Impugnante com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

11) A ora Impugnante apresentou a declaração de alterações à AF aquando da alteração de denominação e atividade.

12) Os Serviços do IVA continuaram a emitir as declarações periódicas em nome da anterior denominação da sociedade - cf. docs. n.º5 a 21, juntos pela Impugnante com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

13) Foi enviada carta aviso ao sujeito passivo - F….., Lda, nos termos da alínea l) do n.º3 do art.59.º, da LGT e art.49.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT), tendo sido devolvida com a indicação de “não reclamada” – Anexos 15 a 16 do RIT a fls.130 a 131 do PA, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

14) Foi enviada a notificação à sociedade F….., Lda., com dia e hora marcado para apresentação da contabilidade e entrega das declarações modelo 22 de IRC em falta, tendo a mesma sido devolvida com indicação de “não reclamada” - cf. teor dos Anexos 17 e 18 do RIT, ínsito a fls. 132 e 133 do PA, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

15) Foi enviada, pela AF, uma segunda notificação à sociedade F….., Lda., para apresentação da contabilidade e entrega das declarações modelo 22 de IRC em falta, que foi devolvida com a indicação de “não reclamada” - cf. teor dos Anexos 19 e 20 do RIT a fls.134 a 135 do PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

16) Em 1 de agosto de 2003, os SIT contataram um dos gerentes do sujeito passivo n.º….., que foi ouvido em termos de declarações tendo referido o seguinte:

a) Não assinar a ordem de serviço em nome de F….., Lda, por a mesma não existir desde junho de 1998 e antes não ter sido seu sócio.

b) Que embora tenha mantido o mesmo número de identificação fiscal, o objecto social foi alterado para “arrendamento de bens imobiliários”;

c) Ser sócio da G….., Lda., a qual tem como único proveito o arrendamento de um imóvel, mas nunca foi sócio da F….., Lda;

d) Lamentar que tenha entregue em 24.07.98, uma declaração de alterações em sede de IVA e esta não tenha produzido os respectivos efeitos legais.

e) Que iria entregar a mod. 22 de IRC de 1999 com os rendimentos recebidos das rendas - cf. teor de fls.112 do PA, correspondente a fls.2 do RIT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

17) Os SIT consideraram que:“Face ao exposto e independentemente das razões jurídicas que possam existir, é nosso entendimento que face à existência de rendimentos em sede de IVA e em sede de IRC e não sendo os mesmos coincidentes, cabe aos Serviços de Inspecção procederem à “harmonização” desses rendimentos, a qual passa invariavelmente pela soma dos dois rendimentos. Isto é, os rendimentos em sede de IVA no total de 57.241,35€ (soma das bases tributáveis) são adicionados aos valores entretanto declarados em sede de IRC no total de 35.913,45€.

Os rendimentos declarados em sede de IVA no total de € 57.241,35, têm forçosamente um custo. E esse custo só pode ser quantificado pelo sistema de utilização dos métodos indirectos.” - cf. teor de fls.112 do PA, correspondente a fls.2 do RIT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

18) Em virtude da não entrega atempada do Modelo 22 de IRC, em 04.04.2003 foi ordenada através da Ordem de Serviço n.º …..a Inspeção à atividade da F….., Lda., com referência ao exercício de 1999.

19) Não se conformando com as liquidações de imposto objeto dos presentes autos, a Impugnante interpôs em 28.04.2000 Reclamação Graciosa (RG) contra as referidas liquidações - cf. doc. n.º25. junto pela Impugnante com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

20) A qual até ao momento da apresentação da presente impugnação judicial não foi alvo de decisão por parte da AF.

Não existem outros factos provados ou não provados com relevância para a apreciação das questões em análise.


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A decisão recorrida consignou como motivação da matéria de facto o seguinte:

“A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos e do Processo Administrativo e Processo de Reclamação Graciosa, conforme referido a propósito de cada item do probatório. cumpre, agora, decidir.”


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III.FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial respeitante aos atos de liquidação de IVA, referentes ao ano de 1999, no valor de €9.501,50.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, em face de, por um lado, ter valorado erroneamente a prova produzida nos autos, e por outro lado, ter omitido factualidade reputada fundamental para a presente lide. Estabilizada a matéria de facto, importa apreciar se a decisão incorreu em erro de julgamento de direito, ao ter concluído pela existência de erro sobre a identidade da pessoa inspecionada e bem assim pela preterição de formalidade essencial concatenada com a notificação para o exercício de audição prévia.

Comecemos, então, pelo erro de julgamento de facto.

Para o efeito importa, desde já, convocar o teor do artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de primeira Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Tem, por isso, de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida ou o aditamento de novos factos ao acervo probatório dos autos[1].

No caso vertente, compulsado o teor das alegações coadjuvado com o teor das conclusões, ajuizamos, em termos de exigência mínima, que se encontram reunidos os requisitos contemplados na lei, porquanto, ainda que inexista uma menção expressa de aditamento, infere-se que nos encontramos perante um aditamento por complementação, sendo evidenciados os respetivos meios probatórios.

Neste particular, importa, ab initio, ter presente que a seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento.

 “[q]uestão de facto é (..) tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais”.[2]

“As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado.”[3].

Vejamos, então.

A Recorrente defende que devem ser julgados como provados, donde, aditados à matéria de facto os factos que infra se enumeram:
j. A Impugnante, pessoa colectiva com o NIPC ….., alterou sua designação social em 1998, deixando de ter a firma “F….. Lda.” para adoptar a firma “G….., Lda.” (facto demonstrado com base na certidão permanente da sociedade que se encontra junta aos autos de primeira instância);
k. A Impugnante recebia, na sua sede, sita na Rua …..., em Lisboa, declarações periódicas de IVA designadas modelo A, remetidas pela Administração Tributária e Aduaneira que se encontravam pré preenchidas com a designação “F….., Lda.”, facto que era conhecido pelo Revisor Oficial de Contas da Impugnante (cfr. se encontra demonstrado através do teor da comunicação efectuada em 18 de Agosto de 2003, recepcionada na Direcção de Finanças de Lisboa no dia 19 de Agosto de 2003, dirigida ao inspector Manuel Luís Valente Alvado, o Revisor Oficial de Contas da Impugnante, Sr. R…..);
l. Era do conhecimento do gerente da Impugnante, Sr. J….., que a Autoridade Tributária, não obstante ter sido entregue, em 24/07/1998, declaração de alterações junto da Repartição de Finanças do 3.º Bairro de Lisboa, através da qual a Impugnante comunicou à Autoridade Tributária a alteração da sua designação social e do seu objecto social, continuava a remeter a notificações à Impugnante para a sua sede social com a anterior firma “F….., Lda.” (cfr. se encontra demonstrado pelo teor do termo de declarações, prestadas no decurso do procedimento de inspecção, pelo Sr. J….., perante o Inspector Tributário Manuel Luís Valente Salvado, e que consta do Processo Administrativo Tributário);
m. A notificação enviada à Impugnante pelos Serviços de Inspecção Tributária, através da qual foi designado o dia 18/07/2003 para a apresentação da contabilidade e entrega das declarações modelo 22 de IRC que se encontravam em falta foram enviadas para os sócios da Impugnante, tendo sido recebidas (cfr. teor do relatório de inspecção – parágrafos 3 e 4 da página 2 do mesmo - sendo que, não se poderá olvidar que as informações oficiais prestadas pela inspecção tributária, fundamentadas e baseadas em critérios objectivos e que, portanto, “fazem fé”, possuem força probatória plena – vide n.º 1 do art. 76.º da LGT, n.º 1 do art. 115º do CPPT e art. 371.º do Código Civil e n.º 5 do art. 607.º do CPC).
n. No projecto de relatório consta expressamente identificado como sujeito passivo o sujeito passivo designado “G….., Lda.”, com o NIPC ….. (cfr. se encontra demonstrado pela prova documental constante do Processo Administrativo Tributário – teor do projecto de relatório);
o. A notificação do projecto de relatório final foi efectuada através de ofício ….., por carta registada (registo …..), dirigida à “G….., Lda.” e remetida para a sua sede, tendo a mesma sido devolvida com a indicação “não reclamado” (cfr. se encontra demonstrado pela prova documental constante do Processo Administrativo Tributário);
p. Do teor do relatório final de inspecção e do Despacho proferido pela Directora de Finanças Adjunta da Direcção de Finanças de Lisboa, que determinou a fixação da matéria colectável referente ao período de 1999, resulta expressamente identificado como sujeito passivo a sociedade denominada “G…. Lda.”, com o NIPC ….. (cfr. se encontra demonstrado pela prova documental constante do Processo Administrativo Tributário - teor do relatório de inspecção);
q. A notificação do relatório final de inspecção e das conclusões resultantes da acção de inspecção e da fixação do lucro tributável em sede de IRC e de apuramento de IVA por métodos indirectos foi efetuada através de notificação pessoal ao Sr. M….., gerente da sociedade, realizada no seu domicílio fiscal, tendo sido a notificação concretizada na pessoa da Sra. M….., cônjuge daquele, por impossibilidade de encontrar o gerente no seu domicílio fiscal (cfr. se encontra demonstrado pela prova documental constante do Processo Administrativo Tributário - certidão de notificação do relatório final);
r. A Sra. M….. foi gerente da sociedade Impugnante (cfr. se encontra demonstrado pela prova documental constante do Processo Administrativo Tributário – certidão de notificação do relatório final).

Vejamos, então, cada um de per se.

O aditamento da alínea j), ao probatório, reporta-se às alterações comerciais respeitantes à sociedade Recorrida, as quais, atento o objeto da presente lide, se reputam de relevantes para a presente lide.

Admite-se, assim, o aditamento ao probatório mas com a redação que infra se descreve, por a adequada técnica jurídica se coadunar a descrição, textual, dos factos inscritos na Conservatória do Registo Comercial:

21) A 22 de julho de 1998, a sociedade com a denominação comercial “F….. Lda”, mediante a apresentação ….., inscreveu na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa o seguinte facto: “Mudou a Firma para-G….., Limitada” (cfr. certidão da conservatória do registo comercial a fls. 24 dos autos);

Relativamente à alínea k), contrariamente ao propugnado pela Recorrida nas suas contra-alegações a aludida realidade de facto reveste relevância para a presente lide, tanto assim é que consta no probatório, no ponto 12.

No que concerne ao conhecimento efetivo por parte do Revisor Oficial de Contas (ROC), não se encontra nos autos, nem, tão-pouco, no processo administrativo tributário, a comunicação a que a Recorrente alude, sendo certo que pese embora o mencionado ROC tenha sido arrolado como testemunha a aludida prova foi dispensada.

Razão pela qual, indefere-se o aludido aditamento.

Atentemos, ora, na alínea l) que a Recorrente requer o aditamento.

Importa, desde já, relevar que o aludido facto, da forma como se encontra redigido não reveste a roupagem de um facto, sendo inclusive opinativo e conclusivo.

Acresce que já consta no ponto 11 da factualidade provada, a expressa menção à apresentação da declaração de alterações, e bem assim, no ponto 16, a menção ao teor das declarações prestadas pelo sócio gerente, sendo, no demais, irrelevante para os presentes autos.

Improcede, assim, o aludido aditamento ao probatório.

Atentemos, ora, no facto elencado na alínea m).

Cumpre, desde já, relevar que a fixação de factualidade atinente às notificações a que se reporta o aditamento já se encontra contemplada no probatório, mormente, nos pontos 14) e 15).

No concernente à expressa alusão de que as notificações foram recebidas não só representa um juízo conclusivo, como do suporte documental constante do PA apenso, mormente, de fls. 132 a 135, o que resulta é que foram expedidos os ofícios e que os mesmos foram devolvidos com a menção expressa de “não reclamado”. De relevar, outrossim, que pese embora o relatório da ação inspetiva seja um documento autêntico, com força probatória plena, apenas ilidível nos termos da lei, no que concerne às circunstâncias objetivas, nele atestadas, com base na perceção direta do seu autor[4], a verdade é que os factos têm/devem ser sempre atestados pelos respetivos suportes documentais. Certificação, de resto, mais premente quando existe desconformidade, como existe, in casu.

Como doutrina José Maria Fernandes e outros, baseando-se no n.º 4 do artigo 76.º LGT: “Para além da prova em contrário quanto aos factos relatados, também a prova em contrário quanto aos elementos da sua fundamentação, ou quanto à objetividade dos critérios utilizados, será apta a abalar a presunção de fidelidade constante deste normativo”[5].

Assim, face ao supra aludido e por a factualidade contemplada nos pontos 14) e 15) se encontrar em conformidade com o suporte documental constante dos autos, e bem assim, e como já devidamente evidenciado anteriormente, o Relatório Inspetivo não permitir que se extrapole em sentido contrário, indefere-se o seu aditamento.

Vejamos, ora, a alínea n) supra evidenciada.

A aludida alínea coaduna-se com o teor do projeto de Relatório de Inspeção Tributária, revestindo, necessariamente, acuidade para a presente lide, porém a sua redação não traduz a realidade dos factos conforme consta no respetivo suporte documental. Com efeito, a Recorrente reporta-se ao teor do Projeto de Relatório, porém, atentando na documentação junta à petição inicial e constante no PA, o mesmo não se encontra junto aos autos, apenas o ofício emitido pela Direção de Finanças de Lisboa, visando a notificação nos termos do 60.º da LGT, se encontra junto ao PA.

Assim, face ao supra aludido, adita-se ao probatório a seguinte factualidade:

22) A 05 de setembro de 2003, foi emitido pela Direção de Finanças de Lisboa, ofício com o nº ….., dirigido à sociedade com a denominação comercial “G….., Lda”, endereçado para a Rua …..Lisboa, tendente ao exercício do direito de audição (cfr. ofício a fls. 137 do PA apenso);

23) A 08 de setembro de 2003, a Direção de Finanças de Lisboa expediu, via carta registada, correspondência mediante o registo alfanumérico ….., dirigida à sociedade com a denominação comercial “G….., Lda”, endereçada para a Rua …..Lisboa (cfr. talão de expedição a fls. 136 do PA apenso);

Vejamos, ora, a alínea o) cujo aditamento é requerido pela Recorrente, a qual se coaduna com a notificação do projeto de Relatório de Inspeção Tributária.

Relativamente à aludida notificação, a factualidade que a Recorrente pretende ver aditada ao probatório, não se encontra refletida nos presentes autos e contemplada no PA apenso, inexistindo, por um lado, qualquer documento que permita fazer a correspondência entre o ofício de notificação e a expedição, melhor evidenciados nos pontos 22) e 23), ora, aditados, e por outro lado, a evidência da sua devolução e, necessariamente, o motivo atinente à sua devolução. Acresce que todos os documentos juntos ao PA que atestam devoluções têm data anterior ao aludido ofício, logo, como é bom de ver, nunca poderiam respeitar à notificação para o exercício do direito de audição.

Razão pela qual improcede o aludido aditamento.

No respeitante à alínea p), e contrariamente ao evidenciado pela Recorrida nas suas contra-alegações entende-se que a factualidade atinente ao Relatório de Inspeção Tributária se mostra relevante para a presente lide, atenta, desde logo, a arguição do vício concatenado com o Relatório Inspetivo, pelo que refletindo a aludida alínea p) a realidade constante no aludido Relatório Inspetivo e Despacho, particularmente em termos de identificação da pessoa coletiva, defere-se o seu aditamento ao probatório, nos moldes peticionados pela Recorrente e que infra se descreve:

24) Do teor do relatório final de inspeção e do Despacho proferido pela Diretora de Finanças Adjunta da Direção de Finanças de Lisboa, que determinou a fixação da matéria coletável referente ao período de 1999, resulta expressamente identificado como sujeito passivo a sociedade denominada “G….. Lda.”, com o NIPC ….. (cfr. se encontra demonstrado pela prova documental constante do Processo Administrativo Tributário - teor do relatório de inspecção);

Quanto ao aditamento da alínea q) que se reporta à notificação do Relatório de Inspeção Tributária, como é bom de ver, a mesma reveste total relevância para a presente lide, porém coadunando-se essa questão com o thema decidendum e por forma a retratar a realidade de facto, de forma fidedigna, expurgando-se todos os juízos conclusivos e opinativos, admite-se o seu aditamento mas com o seguinte teor:

25) A 16 de outubro de 2003, foi emitido ofício com o nº….., pela Direção de Finanças de Lisboa, dirigido à sociedade com a denominação comercial “G….., Lda”, endereçado para a Rua ….. Lisboa, tendente à “notificação das conclusões resultantes da acção de Inspecção Tributária da fixação do lucro tributável em sede de IRC e/ou do apuramento do IVA por métodos indirectos bem como sua fundamentação” (cfr. ofício a fls. 134 do PA apenso);

26) A 21 de outubro de 2003, foi emitida certidão de notificação com o seguinte teor:

(cfr. fls. 143 do PA apenso);

Por último, no que respeita à alínea r), face ao que anteriormente se expendeu relativamente à força probatória do Relatório Inspetivo, tendo, outrossim, presente que a aludida asserção fática foi impugnada pela Recorrente e que se encontra em desconformidade com o teor da certidão do registo comercial, não se admite o seu aditamento ao probatório.

É certo que a Recorrente evidencia nas suas alegações de recurso que a certidão de notificação foi assinada na qualidade de gerente, pretendo relevar a qualificação enquanto gerente de facto, mas a verdade é que, sem quaisquer outros elementos adicionais, não se pode, de todo, assumir, como assente, essa factualidade.

Sem embargo do exposto, e por se entender relevante para a descoberta da verdade material a cabal identificação dos membros dos órgãos estatutários à data da prática dos factos tributários, aditam-se ao probatório os seguintes factos:

27) A 22 de julho de 1998, o capital social da sociedade com a denominação “G….., Lda”, era representado pelos seguintes sócios:
Ø M…..
Ø M…..
Ø M…..
Ø M…..
Ø M…..

(cfr. certidão da Conservatória do Registo Comercial a fls. 22 a 28 dos autos);

28) Na mesma data, mediante a apresentação ….., foi registado junto da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, a nomeação dos seguintes gerentes da sociedade “G….., Lda”:
Ø M…..
Ø M…..
Ø J…..

(cfr. certidão da Conservatória do Registo Comercial a fls. 22 a 28 dos autos);


***

Assim, face ao supra exposto, aditam-se ao probatório os factos que infra se enumeram:

21) A 22 de julho de 1998, a sociedade com a denominação comercial “F….. Lda”, mediante a apresentação ….., inscreveu na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa o seguinte facto: “Mudou a Firma para-G….., Limitada” (cfr. certidão da conservatória do registo comercial a fls. 24 dos autos);

22) A 05 de setembro de 2003, foi emitido pela Direção de Finanças de Lisboa, ofício com o nº ….., dirigido à sociedade com a denominação comercial “G….., Lda”, endereçado para a Rua ….. Lisboa, tendente ao exercício do direito de audição (cfr. ofício a fls. 137 do PA apenso);

23) A 08 de setembro de 2003, a Direção de Finanças de Lisboa expediu , via carta registada, correspondência mediante o registo alfanumérico ….., dirigida à sociedade com a denominação comercial “G….., Lda”, endereçada para a Rua …..Lisboa (cfr. talão de expedição a fls. 136 do PA apenso);

24) Do teor do relatório final de inspeção e do Despacho proferido pela Diretora de Finanças Adjunta da Direção de Finanças de Lisboa, que determinou a fixação da matéria coletável referente ao período de 1999, resulta expressamente identificado como sujeito passivo a sociedade denominada “g….. Lda.”, com o NIPC ….. (cfr. se encontra demonstrado pela prova documental constante do Processo Administrativo Tributário - teor do relatório de inspecção);

25) A 16 de outubro de 2003, foi emitido ofício com o ….., pela Direção de Finanças de Lisboa, dirigido à sociedade com a denominação comercial “g….., Lda”, endereçado para a Rua …..Lisboa, tendente à “notificação das conclusões resultantes da acção de Inspecção Tributária da fixação do lucro tributável em sede de IRC e/ou do apuramento do IVA por métodos indirectos bem como sua fundamentação” (cfr. ofício a fls. 134 do PA apenso);

26) A 21 de outubro de 2003, foi emitida certidão de notificação com o seguinte teor:

(cfr. fls. 143 do PA apenso);

27) A 22 de julho de 1998, o capital social da sociedade com a denominação “G….., Lda”, era representado pelos seguintes sócios:
Ø M…..
Ø M…..
Ø M…..
Ø M…..
Ø M…..

(cfr. certidão da Conservatória do Registo Comercial a fls. 22 a 28 dos autos);

28) Na mesma data, mediante a apresentação ….., foi registado junto da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, a nomeação dos seguintes gerentes da sociedade “G….., Lda”:
Ø M…..
Ø M…..
Ø J…..

(cfr. certidão da Conservatória do Registo Comercial a fls. 22 a 28 dos autos);


***

Aqui chegados, estabilizada a matéria de facto importa, então, aferir se a decisão recorrida padece dos arguidos erros de julgamento de direito.

Vejamos, então.

A Recorrente defende, desde logo, a propósito do erro sobre a identidade da pessoa inspecionada, que atento os factos demonstrados nos autos de primeira instância através de prova documental, se conclui que inexiste qualquer errada identificação da pessoa que foi objeto de inspeção, resultando de forma clara e expressa quem é a pessoa jurídica que se encontra abrangida.

No concernente à procedência do vício de forma, aduz que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir pela preterição de uma formalidade essencial, que inquina irremediavelmente o ato de liquidação, por violar o disposto no artigo 60.º da LGT.

Sustentando, desde logo, que no sentido da Jurisprudência unânime dos Tribunais Superiores a notificação para o exercício do direito de audição não carece de ser realizada pessoalmente, mas, tão-só, por carta registada como enuncia o artigo 60.º, nº4 da LGT.

Sendo que, no caso, resulta da matéria de facto, que se encontra demonstrado por prova documental nos autos de primeira instância que a notificação do projeto de relatório para efeitos do exercício do direito de audição prévia, efetuada no âmbito do procedimento de inspeção, foi efetuada através de carta registada, remetida para a sede e domicílio fiscal da Impugnante, tendo sido objeto de devolução com a indicação “não reclamado”.

Sufragando, outrossim, que resulta provado que, apesar de ter sido deixado aviso no domicílio fiscal da Recorrida, para reclamar as notificações na estação dos correios competente, a mesma não o fez.

Logo, a valoração dos factos supra enunciados deveria ter sido efetuada contra a Recorrida, fazendo funcionar a presunção de notificação ínsita no n.º 1 do artigo 43.º do RCPIT, presunção essa que não foi ilidida nos autos de primeira instância.

Dissente a Recorrida, alegando que o sentenciado pelo Tribunal a quo não merece qualquer censura seja no que respeita ao erro na identificação da pessoa inspecionada e respetivas cominações legais e bem assim no respeitante à preterição de formalidade essencial coadunada com a notificação do projeto de Relatório de Inspeção Tributária.

Apreciando.

Para o efeito importa, desde já, ter presente a fundamentação jurídica em que se esteou a procedência da impugnação judicial.

O Tribunal a quo a propósito do erro na identificação da pessoa inspecionada aduz o seguinte:
“Efetivamente, resulta do Relatório de Inspeção Tributária (RIT), “Foi efetuada a fiscalização geral ao S. Passivo F….. LDA, - (G….., LDA) – NIPC ….., com referência ao exercício de 1999”.
Todas as notificações e ordens de serviço remetidas em 2003, cinco anos após a alteração da denominação social, pela Administração Tributária (AT), mencionavam como destinatária a F….. e não a G….. Lda., ora Impugnante.
Deste modo, as cartas enviadas pelos SIT não foram dirigidas à Impugnante. Pese embora a existência da coincidência do espaço físico entre a Impugnante e a sociedade inspecionada, não podia a Impugnante adivinhar que a inspeção se dirigia a si, tanto mais, que ali se encontrava sedeada outra sociedade.
Como afirma a Impugnante, da leitura do RIT, levantam-se dúvidas sobre qual das duas atividades visava o Fisco inspecionar.
A inspeção iniciou-se dirigida à atividade de fabrico de calçado e, acabou por “harmonizar” (como se afirma na pág. 2 do Relatório – doc.24) os rendimentos dessa atividade com os proveitos declarados para efeitos de IRC pela ora Impugnante, cuja atividade é a imobiliária.
Apesar de um dos sócios gerentes da ora Impugnante ter sido inquirido durante o procedimento inspetivo, cf. resulta da matéria de facto considerada provada por este Tribunal, não significa que, o procedimento inspetivo tivesse seguido uma tramitação correta, nomeadamente, no que respeita às notificações à ora Impugnante.
Todo o procedimento tributário iniciado com a notificação do início da inspeção a qual nunca foi recebida pela Impugnante e, que culminou na emissão das liquidações ora impugnadas, é nulo, por antes de mais, se basear num erro sobre a identidade do sujeito passivo inspecionado.”

Fundamentando, por seu turno, a existência de preterição de formalidade essencial concatenada com o direito de audição, da seguinte forma:
“Como ficou provado, a notificação do PRI, remetido para que a inspecionada pudesse pronunciar-se sobre o mesmo ao abrigo do art.60.º da Lei Geral Tributária (LGT), nunca foi recebido pela Impugnante, encontrando-se no processo a carta devolvida, com menção de “não reclamada”.
Não sendo possível efetuar a notificação da sociedade na pessoa de um dos gerentes, impõe-se à AT tentar a notificação do ente coletivo através da notificação de um dos empregados que se encontre no local onde funcione a sociedade, o que não foi feito.
Ou seja, a notificação pessoal na residência dos gerentes, como foi efetuada no caso em apreço, não preenche o estipulado na previsão do art.41.º, do CPPT, o qual apenas permite que a notificação pessoal seja feita a terceiro que não seja o gerente se esse terceiro for um empregado da sociedade, capaz de transmitir os termos do ato.
Não se encontra prevista como válida a notificação da mulher/marido dos gerentes, não podendo considerar-se efetuada, nos termos legais.
Não foi notificado nenhum gerente da sociedade ou seu funcionário, mas a Sra. M….., a qual não exerce funções de administração da sociedade, o que viola a aplicação do disposto no art.41.º, n.º2, do CPPT.
Em suma, verifica-se que a carta remetida para efeitos de audiência prévia foi remetida em nome da Soc. F….., Lda., e veio a ser devolvida com a menção de “não reclamada”. (…)
Logo, diga-se que a notificação não ocorreu.
Acresce, que, a falta de audição prévia do contribuinte, nos casos consagrados nos arts.60.º, n.º1 da LGT, constitui um vício de procedimento suscetível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada, cf. art.163.º do CPA”.

Ora, atentando nas alegações das partes e no decidido pelo Tribunal a quo, e tendo presente o probatório dos presentes autos, ajuizamos que não nos encontramos munidos de todos os elementos que permitam decidir as questões sub judice, por padecerem as mesmas de deficit instrutório.

Expliquemos porque, assim, o entendemos.

O Tribunal a quo afirma, perentoriamente, que todas as notificações e ordens de serviço remetidas em 2003, mencionavam como destinatária a “F…..” e não a “G….. Lda”, mas a verdade é que do probatório não se retira a aludida realidade, sendo certo que existe um manifesto deficit instrutório atinente, desde logo, às Ordens de Serviço.

Com efeito, dos autos e do PA apenso não consta a existência de qualquer Ordem de Serviço, é certo que no probatório se faz alusão que a ação inspetiva foi ordenada mediante a emissão da Ordem de Serviço nº ….., mas a verdade é que, desconhece-se a identificação concreta e cabal que consta na aludida Ordem de Serviço, e bem assim se contemplava quaisquer outros elementos identificativos, mormente, sede, número de identificação de pessoa coletiva, o que, como é bom de ver, se afigura fundamental para dirimir o litígio.

Por outro lado, atento o teor das declarações prestadas pelo sócio gerente, contempladas no ponto 16) do probatório, importa aferir se a Ordem de Serviço foi assinada e em caso afirmativo por quem. Acresce, outrossim, que asseverando-se pela concreta recusa, reputa-se essencial apurar se foram emitidas novas Ordens de Serviço e a quem se encontravam endereçadas e com que elementos identificativos. Aliás, do teor da p.i., designadamente, dos artigos 30.º e 33.º aquilata-se que tal informação se reputa de essencial para dirimir o litígio.

Com efeito, não se pode assumir a prova de uma realidade -no caso erro na identidade- sem se ter o respetivo suporte documental que traduza a realidade integral dos factos. Ademais, atenta a configuração do vício e a concreta causa de pedir constante no articulado inicial afigura-se que tais factos são vitais para dirimir o aludido vício, o qual não pode ser decidido sem que se realize a competente instrução.

Mas, também relativamente à preterição de formalidade essencial existe não só uma desconformidade com o probatório, como um manifesto deficit instrutório.

Importa, desde já, relevar que contrariamente ao ajuizado pelo Tribunal a quo a notificação para efeitos de audição prévia não carece de ser realizada por notificação pessoal, bastando-se- como defende a Recorrente e em conformidade, desde logo, com o preceituado no artigo 60.º, nº4, da LGT e de harmonia com a Jurisprudência dos Tribunais Superiores, designadamente com os Acórdãos do STA que convoca- pelo envio de carta registada.

Mais importa ter presente que, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º1 do RCPIT presumem-se notificados os sujeitos passivos contactados por meio de carta registada em que tenha havido devolução da carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada.

Neste particular, importa chamar, designadamente, à colação o Aresto do STA, proferido no processo nº 0347/10, datado de 17 de outubro de 2018, cujo sumário se transcreve:
“I - A notificação para o exercício do direito de audição relativamente ao projecto de relatório final no procedimento de inspecção tributária deve ser efectuada por carta registada a enviar para o domicílio fiscal do sujeito passivo.
II - A forma de proceder a essa notificação encontra-se especialmente regulada no RCPIT e perante o disposto no seu art.º 43º é irrelevante a devolução da carta em ordem a demonstrar que a notificação não foi validamente efectuada sempre que a devolução haja ocorrido porque o destinatário, apesar de lhe ter sido deixado aviso no seu domicílio fiscal para reclamar a carta na estação dos correios, não o fez.”

Ora, face ao supra aludido dimana inequívoco que a notificação do projeto de Relatório e para efeitos de exercício de audição prévia bastava-se, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, pelo envio de carta registada. Mas, se é certo que o ajuizado não se pode manter, é certo, igualmente, que para se aquilatar se foram ou não cumpridas as formalidades legais o Tribunal ad quem não dispõe de elementos para decidir em conformidade, tendo, outrossim, de ser realizada a competente instrução.

Pese embora o Tribunal a quo quanto à notificação do projeto de Relatório de Inspeção Tributária e -ainda que sem evidenciar e fixar qualquer facto no probatório que atestasse tal realidade- aduza que foi remetido ofício para que a inspecionada se pudesse pronunciar o qual nunca foi recebido pela Impugnante, encontrando-se no processo a carta devolvida, com menção de “não reclamada”, a verdade é que tal documentação não integra os autos, nem o PA apenso.

Como já devidamente evidenciado anteriormente, face aos elementos carreados para os presentes autos, e atento o probatório, não se consegue asseverar, desde logo, que o ofício de audição evidenciado em 22), tenha sido expedido mediante o registo elencado em 23) e, mais ainda, que tenha sido devolvido e qual o motivo da devolução.

E isto porquanto, não consta dos autos qualquer elemento que ateste a sua devolução, o qual, como é consabido e em consonância com o alegado pela Recorrente e com a Jurisprudência por si convocada, reveste uma dupla relevância, ou seja, para efeitos de cognoscibilidade do motivo da devolução e, para se cotejar se foi deixado aviso para proceder ao levantamento da carta.

Sem embargo do exposto, mesmo que, in limite, se assuma que o ofício constante em 22) corresponde à expedição evidenciada em 23), a verdade que inexiste qualquer documento nos autos e no PA apenso, que ateste que o mesmo foi devolvido com a menção não reclamada e bem assim que foi deixado aviso.

Acresce que, o Tribunal a quo também conclui que a carta remetida para efeitos de audiência prévia foi expedida em nome da sociedade “F….., Lda” -aliás, em conformidade com o alegado pela Recorrida e em total dissonância com o expendido pela Recorrente- mas a verdade é que o único ofício concatenado com a audição prévia, e constante nos autos e no PA apenso, melhor elencado no ponto 22), encontra-se endereçado para a “G….., Lda”.

De relevar, outrossim, que não obstante o Tribunal a quo faça alusão à notificação pessoal na pessoa do cônjuge de um dos gerentes da sociedade “G….., Lda”, a verdade é que essa consideração em nada releva para efeitos da densificação da preterição do direito de audição prévia, porquanto a aludida notificação coadunou-se com o Relatório Definitivo e não com o Projeto de Relatório.

Ora, atentas as desconformidades e o deficit, resulta perentória a necessidade de realização de diligências instrutórias no sentido de se aquilatar a quem foi, efetivamente, endereçado o ofício elencado em 22), se a ele corresponde a expedição consignada em 23), e qual o resultado da expedição, sendo que, em caso de devolução, deve ser aquilatado- aliás em sentido consentâneo com o aduzido pela Recorrente-se foi deixado o correspondente aviso, porquanto só dessa forma se pode aferir, com idoneidade e de forma fidedigna, da existência ou não da preterição do direito de audição prévia.

Assim, face a todo o exposto, afigurando-se tais factos vitais para apreciar os invocados vícios e não contemplando os autos todos os elementos para decidir essas questões, não constando inclusive as Ordens de Serviço, o teor integral do projeto de relatório, e correspondentes ofícios de expedição, e consequente resultado, e bem assim todos os anexos que integravam o Relatório Inspetivo, deparamo-nos, inequivocamente, com deficit de natureza instrutória, que se repercute na decisão da matéria de facto disponibilizada à nossa apreciação.

Assim, a factualidade pertinente para a decisão do erro na identidade e preterição na audição prévia, não foi, devidamente, indagada, fixada e ponderada na decisão recorrida, pese embora a sua relevância nos termos acabados de enunciar. Consequentemente, padece de deficit instrutório a sentença que decide as evidenciadas questões sem que dos autos constem elementos que permitam decidir os aludidos vícios[6].

Destarte, o Tribunal a quo julgou procedente o pedido da Impugnante, ora Recorrida, com visível deficit instrutório, impondo-se, por isso, anular, oficiosamente, segundo o disposto no artigo 662.º do CPC, a decisão recorrida, de molde a permitir que, no Tribunal a quo, sejam efetivadas as diligências probatórias que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, dos factos apontados como deficitariamente instruídos, e demais diligências que se afigurem pertinentes para percecionar, de forma rigorosa e fidedigna a realidade dos factos.

Assim, impõe-se, então, a baixa dos autos ao Tribunal a quo para que, após instrução e ampliação do probatório fixado nos termos suprarreferidos, decida dos aludidos vícios.

Como tal, resulta prejudicada a apreciação dos demais fundamentos.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

CONCEDER PROVIMENTO ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a remessa do processo à 1ª instância para nova decisão, com preliminar ampliação da matéria de facto, após a aquisição de prova e diligências instrutórias, conforme acima se indica.

Registe. Notifique.

Sem custas.


Lisboa, 22 de outubro de 2020


[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

__________________
[1] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.
[2] Henrique Araújo: “A matéria de facto no processo civil”, publicado no site do Tribunal da Relação do Porto, acessível em www.trp.pt
[3] Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de julho de 2018, proferido no processo nº 1193/16.1T8PRT.P1
[4] Vide, designadamente, Acórdão deste TCA Sul, proferido no processo nº 07165/13, de 22.03.2018.
[5] Lei Geral Tributária, anotada, Almedina, 2015, p. 827.
[6] Vide, designadamente, Acórdão do TCA Norte, proferido no processo nº 00982/04, de 01.06.2017.