Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1502/17.5BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:05/10/2018
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:DIREITO À INFORMAÇÃO ADMINISTRATIVA
CONTRATAÇÃO IN HOUSE
SEGREDO COMERCIAL
Sumário:I - Resulta do artigo 3º/1-a)-ii) da LARDA (Lei nº 26/2016) que o conteúdo de um procedimento de contratação pública (incluindo os contratos celebrados) é um documento administrativo.
II - o segredo comercial, constante de documentos administrativos, não é protegido em si mesmo, mas tão-só e na medida em que o acesso ao mesmo possibilite, no caso singular, a prática de atos de concorrência desleal.
III - Todo o processo administrativo pré-contratual desde a sua preparação e um contrato “in house” consequentemente celebrado, onde natural e legalmente estão presentes as propostas, os preços e os custos que fizeram ou fazem parte da decisão de contratar, que fizeram ou fazem parte do procedimento pré-contratual e que fizeram ou fazem parte do contrato, constitui, em geral, documentação administrativa para efeitos do direito à informação Administrativa.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO
A… –G… A…, LDA, interpôs no TAC de Leiria a presente intimação prevista nos artigos 104º ss do CPTA contra
- C… H… DE L…, E.P.E., e
- S… – S… DE U… C… DOS H…, na qualidade de Contra-interessado.
A pretensão formulada foi a seguinte:
- Intimação do requerido C…. H…. DE L…. a prestar as informações e a fornecer as cópias dos documentos solicitados pela Demandante no requerimento de 3 de outubro, em prazo não superior a 10 dias, sob pena de aplicação de sanção pecuniária compulsória.
Após a discussão da causa, o TAC decidiu o seguinte:
- “Nestes termos, deverá, naturalmente, a presente intimação proceder, devendo o Requerido ser intimado nos termos peticionados, sob pena de aplicação de sanção pecuniária compulsória, nos termos do artigo 108.º, n.º 2 conjugado com o artigo 169.º do CPTA, em caso de incumprimento injustificado”.
*
RECURSO nº 1
Inconformado com tal decisão, o réu C… H… DE L…. interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
1ª - A requerente pretende a prestação de dados respeitantes:
À formação de contratos;
À celebração e execução dos mesmos.
2ª - A d. Sentença recorrida, referindo-se aos procedimentos que conduziram à formação do contrato/protocolo, e respetivas renovações, já juntos aos autos com a resposta, conclui que a pretensão da requerente não consubstancia acesso a informação procedimental por constar de procedimentos administrativos já findos, com tomada de decisão final.
3ª – Mas o que o requerente não disponibilizou foram os contratos/protocolos e os elementos a estes relativos constantes de propostas ou atos, indicadores dos preços unitários, da sua formação, e dos modelos de atuação do S…, dados que no seu entender aquando da avaliação do requerido, demonstram o know-how desta entidade na prestação de serviços no âmbito da gestão de resíduos hospitalares.
4ª - Os referidos protocolos mantêm-se em vigor, e assim em execução, com alterações pontuais feitas ano a ano.
5ª- Isto significa que relativamente ao período de três anos a que se reporta o pedido de informações e documentos, a prestação dos serviços foi contínua, os elementos que a caraterizam são estruturalmente uniformes, sendo uniforme a lesão dos interesses do S… neles contidos, que a lei protegerá.
6ª - Ora, a d. Decisão recorrida configura tal informação como informação extra procedimental, sujeita ao regime fixado pelo artigo 268º/2 da Constituição da República, 19º do Código do Procedimento Administrativo e pela Lei nº 26/2016, de 22 de agosto.
7ª - Mas afigura-se ao recorrente que a informação relativa a contratos em execução, se enquadra no plano da informação procedimental, não se tratando aquela de arquivos e registos administrativos relativos a atos administrativos ou elementos de procedimentos findos.
8ª - De facto, o regime do procedimento administrativo é subsidiariamente aplicável aos contratos administrativos, como decorre do disposto no artigo 280º/3 do Código dos Contratos Públicos.
9ª - Consubstanciando o contrato administrativo em execução uma relação jurídica administrativa sujeita aos poderes de fiscalização e de conformação da contratual conferidos ao contraente público, afigura-se ao recorrente que não estamos perante o registo de atividade administrativa decorrida, terminada, a todos acessível por princípio com as restrições consagradas na lei, mas antes perante atividade administrativa em conteúdo dinâmico, compreendendo um procedimento em curso.
10ª - E sendo assim, como se afigurou ao recorrente, o interesse concorrencial do requerente não se lhe afigurou preencher os requisitos para aceder a tal informação por aplicação do disposto no artigo 85º/1 do CPA em extensão da legitimidade que de todo não lhe é reconhecida pelo artigo 82º/1 do mesmo Código, uma vez que aquela não é parte no contrato.
11ª - De todo o modo certo é também, que reconhecida a aplicação deste regime, a d. Sentença recorrida não pode reconhecer o direito alegado pelo requerente, por não haver formulado um juízo sobre a legitimidade do interesse deste à obtenção de informações naquele quadro, devendo também por isso, ser revogada. Por outro lado,
12ª – Como decorre dos autos, o que o recorrente não disponibilizou foram os contratos e os elementos a estes relativos constantes de propostas ou atos, indicadores dos preços unitários, da sua formação, e dos modelos de atuação do S…, dados que no seu entender aquando da avaliação do requerimento demonstram o know-how desta entidade na prestação de serviços no âmbito da gestão de resíduos hospitalares.
13ª - Consubstanciando, por isso, segredo comercial e dados sobre a vida interna de uma empresa, no caso o S….
14ª - Face ao que o interesse concorrencial da requerente não se afigura legítimo.
15ª – Subsidiariamente se afirma, que ao não concluir pela negação do direito à informação quanto à não prestada, a d. Sentença recorrida violou o disposto no artigo 6º/6 da LADA.
16ª - Qualquer que seja o regime aplicável in casu, e com os fundamentos para cada um deles supra expostos, a pretensão formulada nas alíneas a), b), c), h) e k) do ponto 19 do seu requerimento de 03/10/2017 está satisfeita, face ao teor dos documentos juntos (fls. 43 a 60) – os procedimentos administrativos que visaram a formação dos contratos/protocolos - e ao teor dos esclarecimentos veiculados através da resposta à intimação, quanto à não sujeição a visto prévio pelo Tribunal de Contas, quanto à não sujeição das decisões de contratar à concorrência e quanto à atualidade da vigência da execução dos contratos.
17ª - Devendo, por isso, e também neste segmento de natureza subsidiaria, ser revogada a d. Sentença proferida e determinada a declaração da inutilidade superveniente da lide, quanto às pretensões formuladas pela requerente, nas alíneas a), b), c), h) e k) do ponto 19 do seu requerimento de 03/10/2017.
18ª – A d. Sentença recorrida violou, assim, o disposto nos artigos
82º/1,
85º/1 do CPA e
o artigo 6º/6 da LADA.
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RECURSO nº 2
Também a CONTRA-INTERESSADA recorreu, concluindo - longamente - a sua alegação assim:
1) Vem o presente Recurso interposto da decisão que julgou: “(…) a presente intimação totalmente procedente por provada e, em consequência, íntimo o Requerido “C… H… de L…, I.P.”, apresentar as informações e reproduzir cópias das informações e documentos nos termos solicitados pela Requerente em 03/10/2027, no prazo de dez dias, sendo que, caso não possua as informações/documentos requeridos, deverá elaborar informação de teor negativo.”
2) A principal questão a decidir nos presentes autos, como bem se refere na douta sentença, é “qual o conceito de segredo comercial, pois aqui reside o ponto nevrálgico e a pedra de toque da controvérsia entre as partes.”
3) A este propósito, invoca o Tribunal a quo o Parecer n.º 277/2009, de 7 de outubro de 2009, da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), cuja doutrina acompanha e cita.
4) O Tribunal a quo faz, ainda, referência ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 26 de outubro de 2006, no âmbito do Processo n.º 01877/06.
5) Sufragando aquelas posições, considera o Tribunal Recorrido que: “Não basta dizer que tais protocolos contêm preços unitários ou parcelares e o preço final, o que não configura de todo uma informação sigilosa. (…)”
6) Mais considera que os preços unitários ou custos parcelares dos bens e serviços e o preço final dos mesmos nada têm a ver com o segredo comercial, justificando, aliás, a racionalidade económica da escolha da contratação efetuada pela entidade pública e da despesa pública a pagar pelos bens e serviços.
7) Por fim, refere a douta sentença que sem o conhecimento dos protocolos não podem os administrados conhecer a legalidade da contratação in house, impedindo a sua eventual sindicância/controlo jurisdicional.
8) Seguindo esta fundamentação, conclui que a REQUERENTE tem direito à informação peticionada e bem assim à reprodução dos respetivos documentos, uma vez que não se verifica qualquer restrição legal ao direito de acesso aos documentos, designadamente quanto à existência de segredos comerciais.
9) É quanto a este entendimento que a RECORRENTE discorda da sentença proferida, pelos motivos que de seguida se explanarão.
10) O direito à informação não procedimental está consagrado no artigo 268.º, número 2., da Constituição da República Portuguesa, artigo 17.º, do Código do Procedimento Administrativo e artigo 5.º, da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto (LADA).
11) Trata-se de um direito fundamental, de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, previstos nos artigos 17.º, e 18.º da Constituição da República Portuguesa, cujo regime está estabelecido em termos amplos, consagrando o princípio do chamado arquivo aberto, que só pode ser restringido na estrita medida do necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses também constitucionalmente protegidos.
12) Não obstante, a Constituição da República Portuguesa impõe, ela própria, e expressamente, algumas restrições ao direito à informação não procedimental.
13) Para além das restrições contidas no próprio texto Constitucional, relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, tem sido entendimento do Tribunal Constitucional que podem ser impostas outras restrições.
14) Nesse sentido, será pertinente fazer-se aqui referência ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 117/2015, através da seguinte citação: “(…) Por conseguinte, há domínios não referidos no n.º 2 no artigo 268.º que podem conflituar com o direito de acesso, como é o caso dos documentos que contenham informação sobre a vida económica das empresas ou relacionada com direitos de propriedade intelectual ou industrial e respetivos segredos comerciais e industriais. (…)”
15) Como resulta do artigo 81.º, alínea f), da Constituição da República Portuguesa, incumbe prioritariamente ao Estado, no âmbito económico e social, “Assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolistas e a reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral”.
16) O artigo 6.º, número 6., da LADA, estatui que: “Um terceiro só tem direito de acesso a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização escrita desta ou demonstrar interesse direto, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade”.
17) O segredo comercial visa impedir que sejam aproveitadas informações confidenciais e falseadas as regras da concorrência, evitando que certas empresas se informem junto da Administração de segredos detidos por outras empresas, designadamente técnicas de fabrico, patentes e estratégias comerciais.
18) É precisamente sobre a definição e extensão da expressão “segredos comerciais” que deverá incidir a principal análise da matéria sob recurso.
19) Não encontrando na LADA qualquer definição do conceito de “segredos comerciais”, teremos que nos valer de outras fontes,
20) A Diretiva (UE) 2016/943 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2016, relativa à proteção de know-how e de informações comerciais confidenciais (segredos comerciais) contra a sua aquisição, utilização e divulgação ilegais entende-se por “segredo comercial”, as informações que cumprem cumulativamente os requisitos seguintes:
“Serem secretas, no sentido de, na sua globalidade ou na configuração e ligação exatas dos seus elementos constitutivos, não serem geralmente conhecidas pelas pessoas dos círculos que lidam normalmente com o tipo de informações em questão, ou não serem facilmente acessíveis a essas pessoas;
Terem valor comercial pelo facto de serem secretas;
Terem sido objeto de diligências razoáveis, atendendo às circunstâncias, para serem mantidas secretas pela pessoa que exerce legalmente o seu controlo”.
21) A Comunicação da Comissão CE (2003) 4582, de 1 de dezembro de 2003, relativa ao sigilo profissional nas decisões em matéria de auxílios estatais, refere que:
“Os segredos comerciais dizem apenas respeito a informações que se relacionam com uma atividade com um valor económico efetivo ou potencial, cuja divulgação ou utilização possa proporcionar vantagens financeiras para outras empresas. Podem citar-se como exemplos típicos, os métodos de avaliação dos custos de produção e distribuição,  os segredos de produção (ou seja,  um  segredo,  um  plano  valioso  em termos  comerciais, uma fórmula, um processo ou instrumento utilizados para a produção, preparação, montagem ou processamento de produtos comerciais e que se possam considerar como o produto final de atividades de inovação ou de esforços consideráveis) e processos, fontes de fornecimento, quantidades produzidas e vendidas, quotas de mercado, listas de clientes e distribuidores, planos de comercialização, estrutura de preços de custo, política de vendas e informações sobre a organização interna da empresa.”
22) A Comunicação da Comissão relativa às regras de acesso ao processo nos casos de aplicação dos artigos 81.º, e 82.º do Tratado CE, artigos 53.º, 54.º e 57.º, do Acordo EEE e do Regulamento (CE) n.º 139/2004 do Conselho (2005/C 325/07), que refere:
“Se a divulgação de informações acerca da atividade de uma empresa for suscetível de a lesar gravemente, tais informações constituem segredos comerciais. Como exemplos deste tipo de informações podem citar-se: informações técnicas e/ou financeiras relativas ao saber-fazer, métodos de cálculo dos custos, segredos e processos de produção, fontes de abastecimento, quantidades produzidas e vendidas, quotas de mercado, listagens de clientes e de distribuidores, estratégia comercial, estruturas de custos e de preços e política de vendas de uma empresa.”
23) No plano interno, a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos tem sido chamada por diversas vezes a pronunciar-se sobre esta matéria, considerando que: “(…) podemos afirmar que segredos comerciais ou industriais (“segredos de negócios”) são as informações secretas, que por esse facto tenham valor comercial (atual ou potencial) e sejam objeto de medidas no sentido de as manter secretas. As informações secretas são as detidas por uma entidade (pública ou privada) respeitantes, nomeadamente, a «métodos de avaliação dos custos de fabrico e de distribuição, de segredos e processos de fabrico, de fontes de aprovisionamento, de quantidades produzidas e vendidas e de quotas de mercado, de ficheiros de clientes e distribuidores, de estratégia comercial, da estrutura do preço de custo e de política de vendas”.
24) Feito o enquadramento da definição e extensão do conceito de “segredos comerciais”, importará agora apurar se os documentos e informações a que a REQUERENTE pretende aceder contêm, ou não, “segredos comerciais”.
25) É convicção da ora RECORRENTE, que tal apuramento não suscita quaisquer dúvidas, uma vez que é inequívoco e irrefutável que tais documentos e informações, a que a REQUERENTE pretende aceder, contém elementos que se enquadram, na íntegra, no conceito legal, jurisprudencial e doutrinário de “segredo comercial”.
26) Como supra já foi referido, a douta sentença ora recorrida considerou que as únicas informações contidas naqueles documentos são as referentes a preços unitários ou parcelares e o preço final, configurando-se tal análise profundamente redutora face aos elementos e fundamentação carreados para os autos pelo REQUERIDO e pela ora RECORRENTE.
27) Na verdade, a RECORRENTE referiu que: “(…) os documentos cujo acesso foi requerido contêm informações que revelam o preço associadas à informação das quantidades permitindo conhecer a estratégia de relacionamento da Contrainteressada com os seus associados, já que os preços praticados decorrem de fatores de produção e de procedimentos de organização, que apenas dizem respeito à vida interna da Contrainteressada.”. Acrescentando que: “O acesso a essa informação redundaria na revelação do modelo de formação de preços, pois que, em articulação com o Protocolo celebrado entre o Requerido e a aqui Contrainteressada, permitiria conhecer-se os custos parcelares inerentes à produção, os custos de fabrico e distribuição e o modo como a Contrainteressada os faz refletir no preço final.”
28) Veja-se que a REQUERENTE, ora RECORRIDA, não se limitou a pedir o acesso ao Protocolo celebrado entre o REQUERIDO e a ora RECORRENTE, acesso que, por si só, já determinaria a divulgação indevida de segredos comerciais da ora RECORRENTE.
29) A RECORRIDA solicitou, no âmbito dos autos de intimação, todos os
“(…) documentos administrativos referentes aos contratos celebrados por esta entidade com o S… nos últimos 3 anos tendo por objeto regular a forma como o S… executará ou contratará os serviços de gestão de resíduos a entidades terceiras (…)” e ainda todas as “(…) cópias dos convites, programas de procedimento, caderno(s) de encargos ou documentos da entidade adjudicante onde constam as condições e termos para a prestação de serviços (…)”, bem como a “(…) cópia das propostas, dos orçamentos e dos documentos contendo as condições de prestação de serviços.”, a “cópia dos contratos celebrados”, toda a “(…) informação sobre a existência de agrupamento, consórcio, agrupamento complementar de empresas ou outra modalidade de associação entre o S… e outra entidade para a execução dos serviços (…)” e ainda a “Informação sobre a existência de cessão da posição contratual ou subcontratação pelo S… a outra entidade, sobre os procedimentos de contratação pública seguidos para a cessão ou subcontratação e cópia das autorizações dadas para o efeito (…)”.
30) Ora, se o acesso a tais elementos e informações for concedido, o que sucederá, na prática, é que, a coberto de um direito à informação, legalmente consagrado, a REQUERENTE, ora RECORRIDA, terá acesso a elementos que lhe permitirão aceder a informações reservadas, sigilosas e secretas, não contidas no âmbito do direito à informação por ela invocado.
31) Através da articulação da informação e do acesso aos documentos dar-se-á a conhecer à REQUERENTE, ora RECORRIDA, informação absoluta e pacificamente considerada como reservada, colocando-a numa posição de clara e indevida vantagem competitiva sobre os outros operadores do mercado, seus concorrentes, designadamente a aqui RECORRENTE, dado que os documentos solicitados contêm informações que revelam o preço associado à informação das quantidades, o que permite conhecer toda a estratégia de relacionamento da RECORRENTE com os seus associados, já que os preços praticados decorrem de fatores de produção e de procedimentos de organização, que apenas dizem respeito à vida interna e à estratégia da RECORRENTE.
32) Na verdade, na posse de toda a informação e de todos os documentos em causa, a REQUERENTE, ora RECORRIDA, teria acesso ao modelo de formação de preços, pois que, em articulação com o Protocolo celebrado entre o REQUERIDO e a aqui RECORRENTE, permitir-se-ia que passasse a conhecer os custos parcelares inerentes à produção, os custos de fabrico e distribuição e o modo como a Recorrente os faz refletir no preço final, revelando questões de política de vendas e estratégia comercial da ora RECORRENTE que apenas a esta dizem respeito, estando enquadradas no conceito de “segredo comercial”, como supra já amplamente demonstrado.
33) Pelo que, dúvidas não restarão que o Tribunal a quo não fez uma adequada ponderação sobre o tipo de informação revelada e a devida tipificação como “segredo comercial”, pois que o que se revelará, com o deferimento da intimação, como, de resto, já alegado, será bem mais do que os preços unitários ou parcelares e o preço final.
34) Estamos, in casu, e inequivocamente, na presença de “segredos comerciais”, uma vez que constituem segredos de negócio e informações secretas todas aquelas que se reportem a quantidades produzidas e vendidas e de quotas de mercado, de ficheiros de distribuidores, de estratégia comercial, da estrutura do preço de custo e de política de vendas, e cuja divulgação ou utilização possa proporcionar vantagens financeiras para outras empresas, como se verificaria, com o deferimento da intimação, e sem qualquer margem para dúvidas, no caso sub judice.
35) Sendo certo que as relações entre a ora RECORRENTE e os seus associados, no âmbito das suas atribuições de serviço público, regem-se por protocolos ou contratos programa, celebrados ao abrigo da contratação excluída, não lhe sendo aplicável a Parte II do mesmo diploma legal, nos termos do disposto no artigo 5.º, do Código dos Contratos Públicos, não se deixará de referir que nem no âmbito da Contratação Pública o direito de acesso a documentos que contenham “segredos comerciais” é ilimitado.
36) De facto, mesmo neste âmbito, é admitido que o acesso a documentos e informações seja limitado, como decorre do disposto no artigo 66.º, número 1., do Código dos Contratos Públicos, que determina que: “Por motivos de segredo comercial, industrial, militar ou outro, os interessados podem requerer, até ao termo do primeiro terço do prazo fixado para a apresentação das propostas, a classificação, nos termos da lei, de documentos que constituem a proposta, para efeitos da restrição ou da limitação do acesso aos mesmos na medida do estritamente necessário.”
37) Do que decorre que, concordando-se com o argumento contido na sentença recorrida quando se refere que: “(…) o facto de a contratação entre o Requerido e o S… se enquadrar na contratação “in house”, excluída dos procedimentos pré-contratuais não os subtrai ao princípio da transparência (…)”, não se aceita aquele que parece ser o entendimento do Tribunal a quo, no sentido de acesso ilimitado à informação, tendo em conta que, mesmo no caso de não exclusão dos procedimentos pré-contratuais, se admite que, para proteger os “ segredos comerciais ”, aquele acesso seja limitado ou restringido.
38) Por todo o exposto, não poderá deixar de se concluir que as informações e documentos aos quais a REQUERENTE pretende acesso no âmbito dos presentes autos contêm, inequivocamente, “segredos comerciais”, pelo que, em cumprimento do disposto no artigo 6.º, número 6., da LADA, a REQUERENTE e ora RECORRIDA “(…) só tem direito de acesso a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização   escrita   desta ou demonstrar   interesse   direto,   pessoal   e   legítimo suficientemente  relevante  segundo  o  princípio  da  proporcionalidade”.   (negrito e sublinhado nossos), o que, manifestamente, não acontece no caso sub judice.
39) Realça-se que, sobre esta matéria, não se debruçou o Tribunal a quo, dado que, tendo desde logo considerado que as informações e documentos em causa não continham qualquer informação que pudesse integrar-se no conceito de “segredo comercial”, não ponderou se a REQUERENTE, ora RECORRIDA, demonstrou interesse direto pessoal e legítimo suficientemente relevante, deixando de efetuar o necessário juízo de proporcionalidade adequado ao caso concreto.
40) Por todo o exposto, terá que concluir-se que a sentença recorrida violou o disposto no artigo 6.º, número 6., da LADA, bem como o disposto no artigo 81.º, alínea f), da Constituição da República Portuguesa.
41) Sendo a proteção dos “segredos comerciais”, como já se referiu, uma obrigação do Estado que decorre do próprio texto Constitucional, como refere o artigo 81.º, alínea f), da Constituição da República Portuguesa, a norma contida no artigo 6.º, número 6., da LADA, se interpretada no sentido de permitir que o exercício do direito de acesso aos documentos administrativos constitui uma maneira de colher, junto da Administração, indicações estratégicas respeitantes a interesses fundamentais respeitantes a terceiros, distorcendo, dessa forma, as regras do mercado, estará irremediavelmente ferida de Inconstitucionalidade, por violação no disposto na alínea f) do artigo 81.º da Constituição da República Portuguesa, o que desde já se invoca.
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A recorrida AUTORA contra-alegou prolixamente, concluindo assim:
A. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria em 19.01.2018, que deu total provimento ao pedido de intimação formulado pela ora recorrida e intimou o Recorrente a, no prazo de 10 (dez) dias, prestar as informações e fornecer as cópias dos documentos solicitados pela Recorrida em 03.10.2017.
B. O objeto concreto do recurso é o de obter declaração de que a informação solicitada pela Recorrida deve ser subsumida ao conceito de informação procedimental à qual esta última não terá legitimidade para aceder, de que está em causa segredo comercial, o que configura uma restrição de acesso a documentos administrativos aplicável ao Contrainteressado S… – Serviço de Utilização Comum dos Hospitais, e, por fim, obter declaração da inutilidade superveniente da lide que redunde na revogação da sentença recorrida em face dos elementos já remetidos pelo Recorrente à Recorrida em primeira instância.
C. A legitimidade da Recorrida para aceder à informação peticionada é inegável, quer se trate de informação procedimental quer se trate de informação não procedimental.
D. Não está em causa na informação solicitada pela Recorrida ao C… H… de L…, EPE qualquer elemento que se subsuma ao conceito de segredo comercial, não se devendo considerar aceitável a justificação apresentada pelo Recorrente para pretender denegar o acesso às informações solicitadas pela Recorrida.
E. A parca documentação remetida pelo Recorrente não é de molde a que a Recorrida possa dar a sua pretensão por satisfeita.
F. O Recorrente, entidade integrada no Serviço Nacional de Saúde, é uma pessoa coletiva de direito público de natureza empresarial dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, nos termos do regime jurídico do setor público empresarial.
G. O Contrainteressado S… – Serviço de Utilização Comum dos Hospitais é uma pessoa coletiva de tipo associativo, sem fins lucrativos e de utilidade pública administrativa, que tem por atribuição a prestação de serviços partilhados às entidades do Ministério da Saúde nas áreas instrumentais à atividade da prestação de cuidados de saúde.
H. Ambos se encontram sujeitos à Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, conforme resulta do disposto no artigo 4.º deste diploma.
I. É automaticamente aplicável ao caso sub iudice a regra em relação aos documentos administrativos prevista no artigo 5.º, n.º 1 desta Lei.
J. O artigo 3.º, n.º 1, alínea a) da Lei 26/2016, de 22 de agosto, define «documento administrativo» como tratando-se de “qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detido em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo seguinte, seja o suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material, neles se incluindo, designadamente, aqueles relativos a: (...) ii) Procedimentos de contratação pública, incluindo os contratos celebrados.”.
K. Considerada a natureza jurídica do Recorrente – i.e., entidade adjudicante nos termos e para os efeitos previstos no Código dos Contratos Públicos –, os documentos e informações requeridos pela Recorrida dizem respeito a procedimentos de contratação pública.
L. São livremente acessíveis os documentos ou informações a que se refere o artigo 3.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, isto é, sem necessidade de invocação de qualquer fundamentação legitimante.
M. A Recorrida peticionou o acesso a informação contratual no âmbito de contratos de prestação de serviços com uma entidade pública (o C… H… de L…, EPE) e sobre a sua execução.
N. Trata-se de um documento administrativo na posse de uma entidade sujeita à Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, que se insere num procedimento de contratação pública, conforme a subalínea ii) da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º daquela Lei, por isso é de acesso livre e irrestrito.
O. A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos é de opinião que o princípio da transparência que impende sobre as entidades administrativas deve prevalecer sobre qualquer pretensa limitação ao direito à informação.
P. Não se pode afirmar no presente caso inexistir um interesse da Recorrida que sustente a sua legitimidade, que de todo modo seria desnecessário para a existência de um direito pleno ao acesso aos documentos administrativos nos termos da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto.
Q. A Recorrida é uma sociedade comercial que tem por objeto, designadamente, a atividade de gestão integrada de resíduos, incluindo operações de acondicionamento, recolha, transporte, armazenamento, tratamento e eliminação de resíduos hospitalares.
R. A Recorrida presta serviços a entidades públicas no âmbito de contratos administrativos adjudicados na sequência de procedimentos de contratação pública regulados no Código dos Contratos Públicos.
S. Parte significativa dos contratos administrativos que são adjudicados ao Contrainteressado pelas suas associadas não terão sido antecedidos de procedimentos de contratação pública previstos no Código dos Contratos Públicos na sua formação – sob a invocação de “contratação excluída” ou “contratação in house” – e/ou não se encontram publicitados no Portal dos Contratos Públicos.
T. Tal comportamento inviabiliza à Recorrida (e aos demais operadores do setor apresentar proposta e celebrar contratos para prestar serviços a essas entidades e verificar a legalidade na formação, celebração e execução dos contratos celebrados com o Contrainteressado – e, sendo o caso, exercer o correspondente direito de acesso aos tribunais e a outras entidades competentes para defesa dos seus direitos.
U. Quer estivesse em causa um procedimento pré-contratual regido pelo Código dos Contratos Públicos quer um procedimento administrativo regido pelo Código do Procedimento Administrativo estaria em causa a sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade de uma entidade pública.
V. Tal vontade encontra-se plenamente manifestada quando é assinado o protocolo entre Recorrente e Contrainteressado ou decidida a sua renovação.
W. Improcede, assim, a alegação do Recorrente de que a Recorrida apenas poderia ter acesso à informação solicitada se estivesse munida de autorização escrita do Recorrente – que não é necessária – ou se demonstrar interesse direto, pessoal e legítimo suficientemente relevante – que tem.
X. É certo que o regime de acesso aos documentos administrativos pode ser restringido por força do disposto no artigo 6.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, se se verificar no caso em concreto algum dos motivos ali indicados.
Y. Não se admite que o interesse público relacionado com a transparência da Administração ceda em prol da proteção de um pretenso segredo comercial detido por uma entidade criada sem fins lucrativos, com utilidade pública administrativa e que tem por atribuição a prestação de serviços partilhados às entidades do Ministério da Saúde nas áreas instrumentais à atividade da prestação de cuidados de saúde.
Z. Tal restrição não tem lugar não só pela natural prevalência do princípio da transparência como também pelo facto de não existir, no caso em apreço, qualquer segredo comercial a proteger.
AA. Em Acórdão de 21 de setembro de 2010 (proc. 0562/10, relator António Madureira) o Supremo Tribunal Administrativo conclui que a ratio legis do artigo 6.º, n.º 6 é a de obviar às distorções da concorrência.
BB. Perfilha então o Supremo Tribunal Administrativo, uniformemente (cfr. Acórdão de 6 de janeiro de 2010, proc. 0965/09, relator Costa Reis; e ainda Acórdão de 30 de setembro de 2009, proc. 0493/09, relator Costa Reis), da interpretação que a proteção do trade secret, imposta à luz das Diretivas Europeias que regulam a matéria, servem para proteger o interesse assumido pelo Estado quando criou uma entidade do Setor Empresarial do Estado.
CC. Considera-se profundamente equivocada a interpretação oferecida pelo Recorrente ao artigo 6.º, n.º 6 da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, porquanto ali pretende subsumir o Contrainteressado SUCH – Serviço de Utilização Comum dos Hospitais.
DD. A falta de fins lucrativos afasta qualquer ponderação da concorrência.
EE. Como entidade de utilidade pública administrativa sem fins lucrativos não se pode considerar o Contrainteressado subsumível ao conceito de "empresa" para os efeitos do artigo 6.º, n.º 6 da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto.
FF. Está em causa nos presentes autos o acesso por parte de uma empresa que tem por objeto, designadamente, a atividade de gestão integrada de resíduos, incluindo operações de acondicionamento, recolha, transporte, armazenamento, tratamento e eliminação de resíduos hospitalares – a ora Recorrida –, ao processo de contratação dos serviços de gestão de resíduos hospitalares de uma entidade pública empresarial (o Recorrente) a uma pessoa coletiva de tipo associativo, sem fins lucrativos e de utilidade pública administrativa – o Contrainteressado.
GG. Da análise dos documentos que foram peticionados pela Recorrida, conclui-se que nada do que o Recorrente refere nas suas alegações está em causa na informação neles contida.
HH. Os protocolos celebrados entre o Contrainteressado e os seus associados seguem um modelo comum em que se define o objeto como a prestação de serviços de recolha, transporte e tratamento de resíduos hospitalares perigosos, e em que apenas há lugar à indicação dos preços unitários e do preço global da prestação de serviços.
II. Os preços unitários são indicados por quilo e para cada tipologia de serviço a prestar, como por exemplo «Resíduos Sólidos Grupo III» ou «Resíduos Sólidos Grupo IV», não sendo indicados os quilos que o Contrainteressado se obriga a tratar (podendo ser 1 ou 1000), nem diferenciados dentro de cada preço unitário as componentes que concorrem para a sua formação.
JJ. A descrição dos serviços a prestar, mesmo quando lida em conjunto com um preço por quilo para cada tipologia de serviço, não permite descortinar como é que o Contrainteressado forma o preço unitário.
KK. Considerada a variedade e multiplicidade de tarefas associadas a cada tipologia de serviços indicada como linha de preço unitário, a mera indicação de um preço global que as inclua não é de molde a permitir à Recorrida saber qual o custo parcelar inerente à produção, quais os custos de fabrico e distribuição, muito menos a forma como cada uma destas informações se reflete no preço unitário final.
LL. A Recorrida não fica a saber se o Contrainteressado utiliza terceiros subcontratados para alguma – ou todas – as tarefas integrantes de cada tipologia de serviços, quais as condições acordadas com estes terceiros para as concretas prestações de serviços, se beneficia de descontos comerciais ou sequer se pelo facto de prestar tais serviços a tantas entidades do Serviço Nacional de Saúde beneficia de economias de escala.
MM. Não estão em causa quaisquer aspetos particulares de financiamento, previsões de viabilidade e de rendibilidade específicas de uma empresa (privada), as estratégias de captação de clientes ou de desenvolvimento futuro, a identificação de modelos ou de técnicas a seguir no desenvolvimento da atividade.
NN. O preço e as condições de pagamento não são passíveis de integrar o conceito de segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa nem são passíveis de ser configurados como reveladores da “intimidade” do Contrainteressado ou de aspetos passíveis de favorecer a concorrência.
OO. No caso em apreço não há que proteger quaisquer técnicas de fabrico, patentes ou estratégias comerciais, quer porque não existem quer porque, existindo, não se descortinam da informação contida nos documentos solicitados pela Recorrida.
PP. O Recorrente limita-se a produzir considerações vagas e genéricas sobre o que são segredo comercial e dados sobre a vida interna de uma empresa, utilizando conceitos indeterminados que em momento algum concretiza ao caso em apreço.
QQ. Era exigível que o Recorrente tivesse concretizado, de forma fundamentada, quais são os documentos que contêm, efetivamente, «segredo comercial, industrial ou sobre a vida interna de uma empresa», visto estar em causa a restrição de direito com assento constitucional.
RR. É contrário aos objetivos pretendidos pelo legislador com a consagração da exceção ao direito de acesso à informação que tal regime se aplique a uma entidade que não tem fins lucrativos, não se comportando como um operador económico com um interesse concorrencial.
SS. Os documentos juntos aos autos pelo Recorrente não são suficientes para que se considere cumprido o dever de informação que sobre o mesmo impende.
TT. Encontra ainda em falta informação e documentos essenciais para que a Recorrida logre verificar a legalidade na formação, celebração e execução dos contratos celebrados com o Contrainteressado e obter informações vitais sobre o mercado em que atua, como sejam o valor e a percentagem de contratos públicos adjudicados ao Contrainteressado pelos seus associados.
UU. Tal como já considerou este Tribunal Central Administrativo, em Acórdão proferido no processo 07433/14, “(...) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide se dá quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo ou, por outro lado, porque encontra satisfação fora do esquema da proveniência pretendida. Num e noutro caso, a causa deixa de interessar – além por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui por ele ter sido atingido por outros meios.”.
VV. Não há lugar a declarar inútil a lide, devendo manter-se também nesta matéria a sentença recorrida.
*
Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.
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DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:
Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso (cf. artigos 144º/2 e 146/4 do CPTA, 5º, 608º/2, 635º/4/5, e 639º do CPC/2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA), alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito[1] que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas. Sem prejuízo das especificidades do contencioso administrativo (cf. J. C. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa – Lições, 15ª ed., pp. 411 ss; artigos 73º/4, 141º/2/3, 143º e 146º/1/3 do CPTA).
Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou a anule (isto no sentido muito amplo utilizado no CPC), deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, desde que se mostrem reunidos nos autos os pressupostos e condições legalmente exigidos para o efeito.
Assim, as questões a resolver neste recurso - contra a decisão recorrida – são as identificadas no ponto II.2, onde as apreciaremos.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – FACTOS PROVADOS
Ao abrigo do artigo 663º/6 do CPC, remete-se para a sentença recorrida.
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II.2 – APRECIAÇÃO DOS RECURSOS
São as seguintes as questões a resolver contra a decisão recorrida:
- Erro de direito quanto à não inutilidade superveniente parcial da lide;
- Erro de direito quanto à presença de um pedido de informação em sede de procedimento administrativo já findo [artigos 268º/1 da CRP, 93º, 82º/1 e 85º/1 do CPA];
- Erro de direito quanto à não existência dos pressupostos de aplicação do artigo 6º/6 da LARDA (Lei nº 26/2016) [artigos 81º/f) e 268º/2 da CRP, 17º do CPA, 1º, 2º, 3º, 4º/1, 5º, 6º/6, 7º e 13º da LARDA].
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1 - Erro de direito quanto à não inutilidade superveniente parcial da lide
Como bem referiu o TAC, invoca o Requerido que satisfez a pretensão da Requerente na parte em que, no seu entender, a mesma tinha direito a aceder à informação, porquanto já deu a conhecer na pendência da presente ação os documentos que juntou aos autos (constantes da al. H) do probatório).
Por sua vez, a Requerente afirma que não está satisfeita a sua pretensão, uma vez que os documentos juntos na pendência intimação judicial não são suficientes para que se considere cumprido o dever de informação, tanto mais que, na sua perspetiva, tais documentos são ofícios internos que mencionam a existência  de  deliberações  do Conselho de Administração cuja cópia não foi disponibilizada, para além de  que  tais ofícios dizem respeito à renovação de protocolos celebrados com o S…., os quais também não foram disponibilizados.
Ora, resulta da alínea H) do probatório que, após citação no âmbito da presente intimação judicial, o Requerido juntou vários documentos (elaborados no âmbito da contratação excluída, invocando expressamente o artigo 5.º do Código dos Contratos Públicos), cujo teor cumpre analisar nos termos seguintes:
1) informação do Serviço de Aprovisionamento, datada de 06/05/2016, relativa à prestação de serviços de gestão de resíduos hospitalares e à celebração de novo protocolo, com as seguintes propostas:
a) a celebração de novo protocolo para a prestação desses serviços, com início em 01/01/2016 e termo a 31/12/2016, renovável por períodos de um ano até ao máximo de duas renovações;
b) a aprovação da minuta do protocolo anexo e respetiva assinatura.
Nesta informação foi exarado despacho de Concordo. Ao Sr. PCA para assinar, datado de 11/05/2016. Consta desta informação que o protocolo então em vigor nessa data, iniciou a sua vigência em 01/06/2012, vigorando a partir daí por renovações sucessivas.  Esta informação não foi junta com qualquer anexo;
2) informação do Serviço de Aprovisionamento, datada de 10/05/2017, relativa à prestação de serviços de exploração e manutenção da central térmica, referente à renovação do protocolo n.º VC0500168 para o ano de 20017, no âmbito da contratação excluída à luz do artigo 5.º do Código dos Contratos Públicos, com as seguintes propostas:
a) a adjudicação e a autorização de despesa referente à renovação desse protocolo durante o ano de 2017;
b) pedido ao S… de um protocolo atualizado. Esta informação tem exarada no próprio documento o despacho. Adjudica-se como proposto datado de 18/05/2017.
Com esta informação foram anexados 3 documentos (“anexo 1”: informação datada de 20/12/2016, referente à renovação para 2017 dos protocolos existentes para a Rede de Fluídos, e Sistemas Adstritos, Electromedicina, Resíduos Hospitalares e Manutenção Central Elétrica; “anexo 2”: informação datada  de 20/12/2016, referente à renovação para o ano de 2017 do protocolo para a prestação de serviços de tratamento de roupa; “anexo 4”: ofício do S… datado de 10/02/2017, referente à atualização  dos preços para 2017, tendo apenas sido junta a página 1).
Ora, compulsado o teor destes documentos, constata-se que os mesmos apenas constituem as informações dos serviços que propõem a adjudicação e a celebração de protocolos para 2016 e a sua renovação para 2017, constando dos mesmos também os despachos superiores que decidem nesse sentido, isto é, as decisões de adjudicação. Mais acresce que, no primeiro dos documentos acima mencionados, é referida a existência de protocolos celebrados pelo S…..
Não foram, porém, juntos em anexo os protocolos, nem outra informação ou documentos.
Assim, conclui-se, como o TAC, que as informações e  documentos  juntos não satisfazem cabalmente a pretensão da Requerente, considerando  que  a mesma pedia a informação e os documentos relativos à celebração de protocolos entre o Requerido e o S… relativamente aos últimos 3 anos (2015, 2016 e 2017), sendo que tais informações/documentos apenas respondem de forma incompleta quanto ao procedimento de celebração de protocolo para 2016 e a sua renovação para o ano de 2017 (por exemplo, a informação datada de 06/05/2016 está incompleta, sendo proposta e deliberação a aprovação do protocolo, sem que o mesmo conste como anexo; a informação datada de 10/05/2017, não contém todos os anexos, faltando o anexo 3 e a página 2 do anexo 4), o que corresponde de modo insuficiente e incompleto ao peticionado nas al. a) e b) do seu pedido de prestação de informações e reprodução de documentos, isto é:
a) Informação sobre se os contratos celebrados foram ou não antecedidos de um procedimento de contratação pública nos termos do CCP e, em caso afirmativo, qual;
b) Cópia das informações internas e das deliberações ou decisões que fundamentam a necessidade de contratar os serviços e a não adoção de um procedimento de contratação pública previsto no CCP ou a sua adoção (cfr. pedidos efetuados no requerimento identificado na al. E) do probatório).
Assim sendo, e atenta a incompletude das informações e da documentação junta, não se pode concluir pela inutilidade superveniente da lide por satisfação da pretensão da Requerente, nem sequer parcial (como a própria Requerente o refere), mas tão só pela satisfação insuficiente e incompleta de parte do peticionado, o que não permite que estejamos perante uma inutilidade superveniente da lide, nem parcial.
Pelo que improcede esta questão do recurso da e.r.

2 - Erro de direito quanto à presença de um pedido de informação em sede de procedimento administrativo já findo [artigos 268º/1 da CRP, 93º, 82º/1 e 85º/1 do CPA]
A entidade requerida e recorrente considera que o requerimento feito pela aqui recorrida se integra no direito à informação administrativa procedimental, prevista nos artigos 268º/1 da CRP e 82º a 85º do CPA.
Mas não tem razão.
Com efeito, o que a requerente pretende da E.R. reporta-se a procedimentos já findos de contratação pública “in house”. É que cada um dos procedimentos (2015, 2016 e 2017) teve a sua decisão final adjudicatória, assim se extinguindo (cf. assim o artigo 93º do CPA).
Não colhe, pois, o argumento de que a informação pedida se refere a elementos da “execução de um contrato”, que, aliás, está confundida com um “contrato em execução”. Não releva, ainda, haver uma “prestação contínua” (expressão pouco rigorosa) pelo facto de haver 3 contratações “in house” seguidas entre as mesmas entidades. São procedimentos pré-contratuais e protocolos/contratos individuais, independentes.
O que a requerente pretende saber respeita à formação daqueles contratos públicos (já ocorrida) e ao teor dos mesmos (já existentes).
E, como resulta do artigo 3º/1-a)-ii) da LARDA (Lei nº 26/2016), o conteúdo de um procedimento de contratação pública (incluindo os contratos celebrados) é um documento administrativo. Aqui com procedimentos já findos.
Pelo que o requerimento da requerente é regulado pelo disposto no artigo 268º/2 da CRP [Os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas], no artigo 17º do CPA e na LARDA cit. (Lei nº 26/2016).
Assim sendo, improcede esta questão do recurso da e.r.

3 - Erro de direito quanto à não existência dos pressupostos de aplicação do artigo 6º/6 da LARDA (Lei nº 26/2016) [artigos 81º/f) e 268º/2 da CRP, 17º do CPA, 1º, 2º, 3º, 4º/1, 5º, 6º/6, 7º e 13º da LARDA]
3.1.
Para clarificar o “thema decidendum”, notemos que o TAC decidiu deferir o pedido da requerente quanto ao seguinte:
i- o teor dos protocolos ou contratos “in house”,
ii- os preços parcelares e unitários propostos e contratados,
iii- os custos nesse âmbito.
Para tal considerou a plena aplicação do artigo 5º da LARDA [1 - Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo. 2 - O direito de acesso realiza-se independentemente da integração dos documentos administrativos em arquivo corrente, intermédio ou definitivo.] e a não aplicação ao caso do limite previsto no artigo 6º/6 [Um terceiro só tem direito de acesso a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização escrita desta ou demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.], afirmando (i) não existir segredo comercial quanto a tais aspetos e (ii) que a fundamentação da recusa em cumprir os artigos 17º do CPA [1 - Todas as pessoas têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo quando nenhum procedimento que lhes diga diretamente respeito esteja em curso, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal, ao sigilo fiscal e à privacidade das pessoas. 2 - O acesso aos arquivos e registos administrativos é regulado por lei.] e 5º da LARDA é vaga ou genérica.
3.2.
Os recorrentes contrapõem que está em causa:
-o segredo comercial,
-o know-how (resultado  global  de  um  conjunto  de  técnicas  e métodos  levados  a  cabo  por  um  comerciante  de  forma  a  implementar  determinado modelo  de  negócio, enquanto aplicação  de alguma  técnica  patenteada  ou mesmo enquanto  desenvolvimento  de uma  qualquer  atividade  comercial,  seja  ela  protegida  ou não por  um direito de  matriz intelectual; um conhecimento técnico transmissível, mas não imediatamente acessível ao público e não patenteado) e a vida interna da S…, contra-interessada;
-os fatores de formação dos preços;
-a publicidade da estratégia de relacionamento da S… com as suas associadas, dos fatores de produção, da organização interna da S…, dos custos de fabrico e distribuição, da política de vendas e da estratégia comercial da S….;
-o acesso aos contratos/protocolos celebrados já seria violador do artigo 6º/6 cit.
Por isso, tal publicitação dará vantagem indevida e competitiva à requerente.
3.3.
Já vimos que o presente caso está sujeito à LARDA.
Assim, vale o princípio consagrado no artigo 268º/2 da CRP, no artigo 17º do CPA e no artigo 2º da LARDA.
Por isso, as aqui demandadas estão vinculadas à LARDA (cf. o artigo 4º/1-d)-g)/2-a)-b)).
Neste contexto, a requerente tem, por regra, livre direito de acesso aos documentos administrativos, ao abrigo dos artigos 5º a 7º da LARDA.
O obstáculo que se discute nos recursos refere-se ao cit. artigo 6º/6 [Um terceiro só tem direito de acesso a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização escrita desta ou demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.].
Não se olvide ainda uma expressão da teleologia da lei: nos termos do n.º 7 do artigo 6.º da LARDA, “Os documentos administrativos sujeitos a restrições de acesso são objeto de comunicação parcial sempre que seja possível expurgar a informação relativa à matéria reservada”.
Também  o CCP dispõe  de  algumas  normas  que  visam  tutelar  o  segredo  comercial, mas em termos excecionais; assim, nos termos do artigo 66.º, n.º 1, do CCP: “Por motivos de segredo comercial, industrial, militar ou outro, os interessados podem requerer, até ao termo do primeiro terço do prazo fixado para a apresentação das propostas, a classificação, nos termos da lei, de documentos que constituem a proposta, para efeitos da restrição ou da limitação do acesso aos mesmos na medida do estritamente necessário.”. Está em causa a apropriação, por parte de um ou mais competidores, das ideias e soluções pertencentes a outro(s) concorrente(s), num claro aproveitamento do produto do trabalho alheio (o designado   "cherry-picking") – cf. LUIS VERDE DE SOUSA, A Negociação nos Procedimentos de Adjudicação:  uma análise do Código dos Contratos Públicos, Coimbra, Almedina, 2010, p. 208.
Mas o   segredo   comercial   - constante   de   documentos   administrativos   - não   é protegido em si mesmo, mas tão-só e na medida em que o acesso ao mesmo possibilite, no caso singular, a prática de atos de concorrência desleal - cf. assim DÁRIO MOURA VICENTE, Segredo Comercial e Acesso à Informação Administrativa, in Estudos em homenagem ao Prof. Sérvulo Correia, Coimbra, 2010, Vol. 3, p. 297.
Afinal, a proibição da concorrência desleal tem por objetivo a proteção do interesse dos concorrentes, bem como um interesse   geral   no   regular   funcionamento   do   mercado, impondo   aos   agentes económicos um dever de agir leal e honestamente, quando competem entre si.
É sempre necessário ir ao caso concreto, sem prejuízo de haver elementos que, por critério de normalidade social e jurídica, não constituem segredo. É este último o caso a que nos referimos supra em 3.1. E que circunscreveu o âmbito da sentença recorrida.
3.4.
Para ir ao concreto, aqui apenas como teste ao já implícito no que acabámos de referir, temos presente o seguinte:
i- O  direito  de  acesso  aos  arquivos  e  registos  administrativos  -  de  que  a  LADA  é um  desenvolvimento  normativo  -  está  consagrado  no  artigo  268º,  n.º  2,  da Constituição da República Portuguesa; é um direito de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias; portanto, apenas nas situações em que esse segredo se encontra já acolhido pela CRP, sob a  forma  de  direitos  ou  interesses  por  esta  reconhecidos,  pode  ter  como consequência uma tal limitação (cfr. artigo 18º, n.º 2, da CRP);
ii- A   afetação de um direito fundamental prevista   no   artigo   6º, n.º   6, da   LADA   tem   como pressuposto que os documentos administrativos sujeitos à mesma contenham informação secreta. Isto porque nem toda a informação comercial, industrial ou sobre a vida interna das empresas é secreta;
iii- A norma que protege o segredo tem como finalidade impedir que o exercício do direito de acesso aos documentos administrativos constitua uma maneira de colher, junto da Administração, indicações estratégicas respeitantes a interesses fundamentais respeitantes a terceiros, distorcendo dessa forma as regras do mercado;
iv- A  delimitação  do  que  seja  um  segredo  comercial  e industrial  juridicamente relevante   deve   ter   como   ponto   de   partida   o   Código   de Propriedade  Industrial (isto é, informações no   sentido   de   não   serem   geralmente   conhecidas   ou facilmente  acessíveis,  na  sua  globalidade  ou  na  configuração  e  ligação exatas  dos  seus  elementos  constitutivos,  para  pessoas  dos  círculos  que lidam normalmente com o tipo de informações em questão; com valor comercial pelo facto de serem secretas; tenham    sido    objeto    de    diligências    consideráveis,    atendendo    às circunstâncias,  por  parte  da  pessoa  que  detém  legalmente  o  controlo  das informações, no sentido de as manter secretas).
3.5.
Ora, segredo comercial e segredo sobre a vida interna de uma empresa, na LARDA, refere-se a
(i) informação secreta com valor comercial e
(ii) objeto de medidas internas para a manter secreta - cf. Ac. deste TCA Sul de 16-06-2016, p. nº 13191/16; Ac. deste TCA Sul de 30-04-2015, p. nº 12046/15; Ac. deste TCA Sul de 12-04-2012, p. nº 08676/12; Ac. do STA de 09-04-2015, p. nº 0263/12.
E secretos são os métodos de gestão, comercialização e de trabalho utilizados pelas empresas (a “alma do negócio”).
As  informações  secretas  são  as  detidas  por  uma  entidade  pública  ou  privada respeitantes,  nomeadamente,  a  (i) métodos de  avaliação  dos  custos  de  fabrico  e de    distribuição,    (ii)    segredos    e    processos    de    fabrico,   (iii)    fontes    de aprovisionamento,  (iv)  quantidades  produzidas  e  vendidas, (v)  quotas  de mercado,  (vi)  ficheiros  de  clientes  e  distribuidores,  (vii)  estratégia  comercial, (viii) estrutura do preço de custo, (ix) política de vendas, (x) informações  de  estratégia empresarial de uma unidade produtiva, (xi) técnicas que podem não ter nível inventivo,  mas  que  sejam  apanágio  de  uma  empresa.
A vida interna da empresa reporta-se à forma como cada empresa, internamente, organiza, executa e planifica a sua atividade. Por exemplo, a situação contributiva face à segurança social e o fisco (a menos que, por lei, tenha que ser revelada), a escrituração comercial e a planificação de reestruturações internas (cf. os Pareceres da CADA nº 23/2013, nº 170/2013 e nº 226/2013).
3.6.
No sentido do acabado de expor, podemos ainda invocar:
- o artigo 2º da Diretriz ou Diretiva nº 2016/943 do P.E. e do C.E.: são segredo comercial as informações que cumpram cumulativamente os requisitos seguintes: a) serem secretas, no sentido de, na sua globalidade ou na configuração e ligação exatas dos seus elementos constitutivos, não  sejam geralmente  conhecidas pelas  pessoas dos  círculos que  lidam normalmente com  o  tipo  de informações em questão, ou não sejam facilmente acessíveis a essas pessoas; b)  terem valor comercial pelo facto de serem secretas; c)   terem sido objeto de diligências razoáveis, atendendo às circunstâncias, para serem mantidas secretas pela pessoa que exerce legalmente o seu controlo;
- existe, por natureza, um dever acrescido de transparência na chamada contratação pública “in house”.
E, por isso, aquilo que é referido na conclusão nº 23 do recurso da C-I (No plano interno, a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos tem sido chamada por diversas vezes a pronunciar-se sobre esta matéria, considerando que: “(…) podemos afirmar que segredos comerciais ou industriais (“segredos de negócios”) são as informações secretas, que por esse facto tenham valor comercial (atual ou potencial) e sejam objeto de medidas no sentido de as manter secretas. As informações secretas são as detidas por uma entidade (pública ou privada) respeitantes, nomeadamente, a «métodos de avaliação dos custos de fabrico e de distribuição, de segredos e processos de fabrico, de fontes de aprovisionamento, de quantidades produzidas e vendidas e de quotas de mercado, de ficheiros de clientes e distribuidores, de estratégia comercial, da estrutura do preço de custo e de política de vendas”) deve ser entendido em abstrato, referido a um todo, que só se torna atuante ou bloqueante em certas circunstâncias.
3.7.
Enfim, (i) os preços unitários ou parcelares constantes dos procedimentos pré-contratuais e (ii) o teor dos contratos públicos (como referido em 3.1) não são segredo protegido, em geral, pela nossa ordem jurídica. Não são segredo comercial, nem vida interna da empresa, ou know-how, ou estratégia comercial, nem modo de relacionamento com outros operadores económicos.
Pelo que os aqui demandados não estão isentos do dever de transparência e de sindicância pública (cf. o artigo 48º/2 da CRP) ou jurisdicional, no que à despesa pública e à contratação administrativa diz respeito, assim circunscrita no caso presente: (1º) todo o processo administrativo pré-contratual desde a sua preparação e (2º) o contrato “in house” consequentemente celebrado, onde natural e legalmente estão presentes (i) as propostas, (ii) os preços e (iii) os custos que fizeram ou fazem parte da decisão de contratar, que fizeram ou fazem parte do procedimento pré-contratual e que fizeram ou fazem parte do contrato.
Afinal, “toda a atividade das empresas públicas - paritária ou autoritária, de gestão privada ou de gestão pública – encontra-se sujeita ao princípio da transparência administrativa” (Ac. deste TCA Sul de 24-02-2016, p. nº 12672/15).
Em consequência, nem as disposições legais cits., nem a decisão recorrida, desrespeitam minimamente o artigo 81º/f) da CRP. Antes pelo contrário.
Aliás, como sublinhado pelo TAC, não tem sentido afirmar, ou melhor, supor que, por princípio ou em regra, o procedimento pré-contratual contém segredos comerciais. Tal situação será e é a exceção.
Na verdade, tudo o invocado pelas recorrentes é vago e puramente genérico.
*
III - DECISÃO
Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento aos recursos, mantendo a sentença recorrida com o sentido acima aqui explicitado no ponto nº 3.1 e no ponto nº 3.7.
Custas do seu recurso a cargo do recorrente CHL.
Sem custas no recurso da C-I.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 10-05-2018

(Paulo Pereira Gouveia - relator)


(Catarina Jarmela)


(Conceição Silvestre)


[1] Tendo sempre presente:
(i) que o Direito é uma ciência social especialmente condicionada pela linguagem,
(ii) que o Direito administrativo é Direito constitucional concretizado pelo legislador e Direito constitucional a concretizar pelo juiz administrativo, razão pela qual não basta ao tribunal administrativo [1] aplicar bem as máximas decorrentes dos artigos 9º, 10º e 335º do CC (onde avultam a letra dos preceitos jurídicos e a unidade do sistema jurídico), sendo ainda necessário [2] atender à metodologia interpretativa imposta pelos enunciados linguísticos das constituições, de onde resulta a atendibilidade
[3] do elemento interpretativo sistemático intraconstitucional,
[4] do elemento interpretativo da identidade da Constituição,
[5] do elemento interpretativo teleológico adequante e
[6] do elemento de interpretação da máxima efetividade possível do preceito constitucional (cf. MARCELO REBELO DE SOUSA/A.S.MATOS, D. Adm. Geral, Tomo I, 1ª ed., pp. 88-90, e 3ª ed., pp. 94-96; JORGE MIRANDA, no Manual…, ou no Curso de Direito Constitucional, 1, UCE, Lisboa, 2016, no § dedicado à “interpretação e integração das normas constitucionais”; GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional…, 7ª ed., 2003, reimpressão de 2017, pp. 1195-1242; JOSÉ LAMEGO, Elementos de Metodologia Jurídica, 2016, pp. 55 ss, 71 ss, 173 ss, 253 ss e § 12º;  e MIGUEL NOGUEIRA DE BRITO, Introdução ao Estudo do Direito, AAFDL Ed., Lisboa, 2017, pp. 159-340; bem como MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Introdução ao Direito, 2012, pp. 315-384 e 413-434).
Seja como for, algo é certo: o Direito, público ou privado, vive através:
[1] de princípios jurídicos (comandos construídos pela Ciência do Direito aplicado, por ela deduzidos da ordem jurídica e que permitem a sistematização desta) a concretizar pelo juiz e
[2] de normas-regras jurídicas, que se obtêm pela interpretação das fontes de Direito e depois se aplicam aos factos concretos. Note-se, nesta nossa sede juspublicistca, que esta distinção não se identifica necessariamente com a teoria dos direitos fundamentais como sendo meras normas-princípio ou normas a otimizar in concreto na melhor e maior medida possível (teoria esta hoje encimada por R. ALEXY – cf. “A construção dos direitos fundamentais”, in revista Direito & Política, nº 6, 2014 -, criticada por muitos juspositivistas e jusrealistas, sendo expressões dessa crítica figuras como, i.a., J. HABERMAS, KLAUS GUNTHER, H. HART, A. AARNIO, A. ROSS, J. RAZ, J-R SIECKMANN e H. ÁVILA).