Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:421/20.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/09/2020
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES.
NOTIFICAÇÃO POR CARTA REGISTADA.
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO.
Sumário:1. Os actos em matéria tributária que afetem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados (art. 36º/1 CPPT).

2. O indeferimento do pedido de pagamento em prestações pode ser notificado nos termos do art. 38º/3 CPPT, ou seja, por carta registada.

3. Tal notificação presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte, quando esse dia não seja útil (art.º 39º/1 CPPT).

4. Ainda que se demonstre o recebimento antes do terceiro dia posterior ao do registo, o notificado beneficia sempre da dilação presumida, o que torna irrelevante o conhecimento da receção em data anterior.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


RECORRENTE: I……………….., UNIPESSOAL, LDA.
RECORRIDO: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA.
OBJECTO DO RECURSO:
Despacho proferido pelo MMº juiz do TT de Lisboa que rejeitou liminarmente, por extemporânea, a reclamação deduzida por I…………, Unipessoal, Lda., contra o despacho do Órgão de Execução Fiscal que lhe indeferiu o pedido, formulado a 27 de agosto de 2019, para pagamento da dívida exequenda e demais acréscimos legais em 48 prestações mensais e sucessivas.

CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
1. Inconformada com o teor da sentença de 12-03-2020, emanada pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que rejeitou liminarmente a pretensão da Recorrente com base na extemporaneidade da reclamação apresentada, vem a Recorrente invocar a nulidade da sentença, nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 615. do CPC, com os fundamentos que passará a expor.
2. Nos termos do artigo 615.° do CPC aplicável ao caso concreto por via da alínea e) do CPPT, a sentença é nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que tome a decisão ininteligível”
3. A nulidade prevista naquela alínea é arguível em sede de recurso, nos termos do n.° 4 do referido artigo 615.° do CPC.
4. Salvo o devido respeito, a Recorrente entende que a prova documental que consta dos autos impendem outra factualidade e, por conseguinte, outra decisão.
5. Em concreto, a Recorrente não se conforma com a resposta dada pelo Tribunal a quo ao ponto 3) dos factos dados como provados “3. Seria, porém, a 26 de novembro de 2019 que a Reclamante foi notificada desse depacho, veiculado através do ofício com o n°C-2771, de 18 desse mês. [cfr. registo postal RM 74824607 2PT de fls.33 SITAF]”
6. Conforme resulta de prova documental junta aos autos, o registo postal referente à notificação do Ofício n.° ………, de 18 de Novembro de 2019, o qual consta de fls.33 dos autos, assume a referência de RM……….PT.
7. De uma simples pesquisa junto dos serviços postais, através do endereço https:/ /www.ctt.pt/feapl 2/app/open/objectSearch/objectSearch.jspx?lang=def. ,é possível obter a seguinte informação: 

(segue imagem no original)

8. Ora, de uma primeira análise da informação que consta dos serviços postais, não é possível reconduzir aquele objecto ao Ofício n.° ………, de 18 de Novembro de 2019.
9. A bem da verdade, do Ofício n.° ……., de 18 de Novembro de 2019 não consta qualquer referência postal associada.
10. Por outro lado, não é possível inferir que a referida notificação tenha sido entregue à Recorrente de todo, pois a referida encomenda foi entregue no local referenciado pelos serviços postais como sendo o “Centro de Entrega 1800 - Lisboa”.
11.       A Recorrente tem a sede social no Largo…………, n°…, ……… Lisboa.
12. E não na Avenida ……………., …… dto., em …….  Lisboa, conforme resulta da do teor da douta sentença, o qual se traduz num lapso que desde já se requer.
13. Desde logo se conclui que o objecto não foi entregue na sede social da Recorrente.
14. Por outro lado, o objecto foi recebido por indivíduo não identificado, que os serviços postais identificaram como “RPD”.
15. A Recorrente desconhece quem possa ter recebido aquela notificação.
16. Aliás, diga-se de passagem que a referida sigla “RPD” nem aparenta identificar uma pessoa física, e sim a um processo de entrega próprio daqueles serviços postais. 
17. Por outro lado, é oportuno trazer à colação as regras das notificações aplicáveis ao referido Ofício n.° C- ……, de 18 de Novembro de 2019.
18. Sem conceder, mas admitindo por mero exercício de raciocínio que a notificação da Recorrente ocorreu a 26 de Novembro de 2019, conforme refere o tribunal a quo, sempre se diga que o mesmo não respeitou as normas das notificações previstas no Código de Procedimento e de Processo Tributário.
19. Dispõe o n.° 1 do artigo 36.° do CPPT que “[o]s actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validam ente notificados”.
20. Nos termos do n.° 3 do artigo 35.° do CPPT, as notificações “podem efetuar-se pessoalmente no local em que o notificando for encontrado, por via postal simples, por carta repintada ou por carta remis ta da com aviso de receção, ou por transmissão eletrónica de dados, através do serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital, da caixa postal eletrónica ou na área reservada do Portal das Finanças”
21. Já o n.° 1 do artigo 38.° do CPPT que “[a] s notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências”.
22. Por fim, o n.° 2 do referido artigo 38.° do CPPT refere expressamente a obrigatoriedade de a comunicação dos serviços postais para levantamento de carta registada remetida pela administração fiscal conter sempre e de forma clara a identificação do remetente.
23. Contrariamente às normas supracitadas, o referido Ofício n.° C-……, de 18 de Novembro de 2019 foi notificado à Recorrente por correio registado.
24. Neste sentido, deve a notificação ser considerada ilegal.
25. A cominação da ilegalidade do acto é a anulabilidade nos termos do n.° 1 do artigo 163.° do Código de Procedimento Administrativo, doravante designado por “CPA”, com a destruição retroactiva dos seus efeitos.
26. Mas ainda que assim não se entenda, no que refere às notificações de pessoas colectivas, dispõe o n.° 1 do artigo 41.°do CPPT que as notificações são efectuadas “na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem”.
27. Ainda que a notificação não possa ser efectuada na pessoa do representante, “a notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva ou sociedade”, conforme estatui o n.° 2 do referido artigo 41.°do CPPT.
28. Ora, conforme resulta do referido Ofício n.° C-……., de 18 de Novembro de 2019, a presente notificação foi feita por correio registado.
29. Não resultando, desde já, que a notificação tenha ocorrido na sede da Recorrente, também não existem indícios de que a notificação tenha sido efectuada na pessoa do gerente ou ainda de um funcionário da Recorrente.
30. Com efeito, não resulta da prova produzida que a notificação tenha sequer ocorrido!
31. Novamente, a notificação deve ser declarada ilegal, sendo anulável nos termos do n.° 1 do artigo 163.° do CPA.
32. No mesmo sentido, vejam-se as conclusões do Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, no Proc. 00028/03 — PORTO, de 10-01-2008 (Relatora: Fernanda Brandão), disponível em www.dgsi.pt “I-A notificação das pessoas colectivas e sociedades apenas pode realizar-se na pessoa de qualquer empregado quando, de acordo com o n° 2 do art° 41° do CPPT, não possa efectuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado.
II- Não é válida e eficaz a notificação da liquidação de uma sociedade na pessoa de um terceiro, que não faça parte do quadro da empresa: tratando-se de um profissional liberal e trabalhador independente, que não um empregado daquela, não cabe na previsão do art. 41° do CPPT.
III- Este preceito determina as pessoas em quem pode serfeita a notificação, (tanto no caso da notificação postal como no caso da citação pessoal) . (…)”
33. A cominação da ilegalidade do acto é a anulabilidade nos termos do n.° 1 do artigo 163.° do CPA, com a destruição retroactiva dos seus efeitos.
34. Caso assim não se entenda, e uma vez que a Recorrente recebeu a notificação em momento posterior, então sempre se diga que a notificação ocorreu a 11-12-2020, por aplicação da alínea b) do n.° 5 do artigo 163.° do CPA.
35. Por outro lado, dispõe o n.° 1 do artigo 3.° do CPPT que as notificações efectuadas por correio registado presumem-se feitas no 3.° dia posterior ao do registo ou no l.° dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil. 
36. Sucede que a Recorrente foi notificada a 11-12-2019.
37. Caso assim não se entenda, devem os presentes autos baixar ao tribunal a quo para que se faça prova, nomeadamente através da inquirição do gerente B……………., de que a notificação da Recorrente apenas foi efectuada a 11-12-2020.
38. Ou seja, a Recorrente foi notificada em momento posterior ao dia que consta do registo que alegadamente corresponde à notificação do teor do Ofício n.° C-……, de 18 de Novembro de 2019.
39. A Recorrente em qualquer circunstância pode ser imputável pelo atraso da notificação.
40. Na verdade, a Recorrente configura, para todos os efeitos, um estabelecimento aberto ao público, e como tal, tem um horário de funcionamento que afasta qualquer ideia de que poderia ter ocorrido uma recusa da recepção da notificação.
41. Aliás, ainda que o gerente não se encontrasse nas instalações, qualquer funcionário da Recorrente estaria na disponibilidade de receber a notificação.
42. E prossegue o n.° 2 daquele artigo 39.° do CPPT que “[a] presunção do número anterior só pode ser ilidida pelo notificado quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida, devendo para o efeito a administração tributária ou o tribunal, com base em requerimento do interessado, requerer aos correios informação sobre a data efectiva da recepção”.
43. Ora, não compreende a Recorrente como é que, compulsada a prova documental produzida, o Tribunal a quo tenha inferido que a notificação ocorreu nos moldes descritos na douta sentença, muito menos que a mesma tenha ocorrido nas pessoas que a lei qualifica como condição necessária da perfeição das notificações.
44. A Recorrente apresentou, de boa-fé, a reclamação judicial segura de que a mesma se encontrava dentro do prazo legal para apresentação da mesma,
45. Aliás, a circunstância de que a referida reclamação judicial pode ser extemporânea apenas chega ao conhecimento da Recorrente com a notificação da douta sentença.
46. Dito de outro modo, a Recorrente nunca foi notificada para se pronunciar sobre a possível extemporaneidade da reclamação judicial, o que aliás se encontrava na plena faculdade do Tribunal a quo, nos termos do artigo 13.° do CPPT, no âmbito das faculdades que lhe são conferidas por lei que este repute de úteis para a descoberta da verdade.
47. Termos em que a Recorrente pretende ilidir a presunção do n.° 1 do artigo 39.° do CPPT.
48. Deste modo, deve ser dado como provado que a Reclamante foi notificada do teor do Ofício n.° C-……., de 18 de Novembro de 2019, a 11 de Dezembro de 2019.
49. Por tudo o que antecede, os fundamentos invocados pelo tribunal a quo encontram-se em oposição com a decisão, pelo que deve a presente sentença ser declarada nula, nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC.

Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas se dignarem suprir, deve ser concedido provimento ao presente recurso, declarando-se nula a sentença recorrida, nos termos da al. c) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC, aplicável por via da alínea e) do CPPT, substituindo-a por outra que considere que a notificação do acto tributário consubstanciado no Ofício n.° C-……, de 18 de Novembro de 2019, e em consequência, que a reclamação judicial apresentada pela Recorrente foi apresentada dentro do prazo legal para o efeito.

Requer-se a V. Exas. que façam baixar os autos ao Tribunal Tributário de Lisboa para que seja averiguado junto dos serviços postais, e bem assim junto da Recorrente, em que termos foi realizada a notificação do Ofício n.° C-……., de 18 de Novembro de 2019, e nestes termos, se revogue/declare nula a douta sentença, sendo a mesma substituída por outra considerando que a notificação do acto tributário consubstanciado no Ofício n.° C-……, de 18 de Novembro de 2019 e, em consequência, que a reclamação judicial apresentada pela Recorrente foi apresentada dentro do prazo legal para o efeito.
Fazendo-se assim JUSTIÇA !!

CONTRA ALEGAÇÕES.

Não foram apresentadas.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.

O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste e saber se o despacho recorrido é nulo por oposição entre os fundamentos e se errou, de facto e de direito, ao rejeitar liminarmente a reclamação por extemporaneidade.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

O Despacho fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:

1. A 27 de agosto de 2019 a Reclamante, I………….. Unipessoal, Lda., dirigiu requerimento ao Serviço de Finanças de Lisboa 1, solicitou ao Órgão de Execução Fiscal o pagamento da dívida exequenda e demais acréscimos legais em 48 prestações mensais e sucessivas.

2. Tal pretensão foi indeferida por despacho daquele, de 18 de novembro de 2019.

3. Seria, porém, a 26 de novembro de 2019 que a Reclamante foi notificada desse despacho, veiculado através do ofício com o n°C-……., de 18 desse mês. [cfr. registo postal RM………PT de fls.55 SITAF]

4. No dia 20 de dezembro de 2019, via eletrónica, a Reclamante - por intermédio do seu Ilustre Mandatário que do mesmo passo constituiu - por e-mail apresentou ao Órgão de Execução Fiscal a petição reclamatória na origem destes autos. [cfr. fls. 3 SITAF]

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Alegando ter sido notificada do teor do ofício n.º C-…… que lhe indeferiu o pedido de pagamento em prestações, reclamou para o Tribunal Tributário de Lisboa alegando, entre o mais, ter a correr contra si catorze processos de execução fiscal e que mercê das dificuldades financeiras sentidas requereu aplicação do plano PERES. Embora o plano tenha sido aprovado, por dificuldades financeiras diversas viu-se  impossibilitada de cumprir o plano e requereu pagamento da dívida exequenda em prestações, o que foi indeferido com fundamento em incumprimento do PERES.

Todavia, alega, este regime constitui um regime excecional de face ao regime das execuções fiscais previsto no CPPT e não impede que a Reclamante requeira plano de pagamentos ao abrigo do art. 196º do CPPT, razão por que entende que o indeferimento é ilegal, pugnando, a final pelo deferimento do pedido.

O MMº juiz rejeitou a reclamação por extemporaneidade com os seguintes fundamentos:

“...Se é certo que as decisões do Órgão de Execução Fiscal que afetem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são suscetíveis de uma Reclamação como a presente, para o Juiz da Execução, art.276° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, se o Órgão de Execução Fiscal não tiver revogado ou alterado a sua decisão anterior, ou o ato que em causa estiver, a contento do interessado, verdade é também que para tanto estabelece a lei um prazo - o que dará origem a um processo de matriz urgente com o presente - que é de 10 dias, art.277°n°1, I parte, do citado Código. E, uma vez que se trata de atuação no processo, em reação a atos processuais - a execução fiscal, como qualquer outra, é obviamente um processo judicial, cfr. ainda assim o art.103° da Lei Geral Tributária - a sua contagem é feita segundo normas processuais, in casu as estabelecidas no Código de Processo Civil, ex vi art.20°n°2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, cfr. inter alia Ac.STA de 12VII2017, tirado no processo n°0795/17, in www.dgsi.pt. Quer isto dizer, em síntese, que a contagem do prazo é feita de modo contínuo, suspendendo-se apenas em férias judiciais - salvo se for o processo [existe] já urgente - e, quando termine em dia em que os tribunais se encontrem encerrados, postecipa-se o seu termo para o primeiro dia útil subsequente ao termo que o calendário indique, art.138° do Código de Processo Civil.

Ora, como se exibe nos factos processuais supra-elencados, a Reclamante (ainda sem ter constituído mandatário forense) foi notificada da decisão de indeferimento do próprio Órgão de Execução Fiscal (e não de uma qualquer outra entidade atuando nessas vestes, cfr. citado art.277°n°3) a 26 de novembro de 2019, pelo que o termo inicial do assinalado prazo de 10 dias teve lugar no dia seguinte e o seu termo final recaiu, portanto, a 6 de dezembro seguinte [uma sexta feira]. Mas se assim foi, a Reclamante apenas apresentou a petição reclamatória a 20 desse mês de dezembro, muito para além dos três dias úteis em que, sob penalidade processual embora, poderia ainda assim tê-lo praticado validamente, art.139° do Código de Processo Civil. Resulta, pois, manifesta a extemporaneidade da sua atuação processual.

A caducidade o direito de ação ou de faculdade processual que se configure como tal é um obstáculo ao prosseguimento do processo e é de conhecimento oficioso, pelo que não tendo sido alegado nem demonstrado qualquer facto justificativo da apresentação da petição além do prazo processual referido, rejeitamo-la liminarmente, por manifesta improcedência, nos termos do disposto no art.590°n°1 do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do disposto no art.2° corpo e alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

A Recorrente defende que a sentença é nula por violação do disposto no art. 625º/1-c) CPC, no essencial porque se não conforma com o teor dos factos provados constantes do ponto 3 dos Factos Provados.

E que a uma simples pesquisa junto dos serviços postais não é possível reconduzir que o objeto em causa se refere ao Ofício C- ……, de 18 de novembro, nem é possível aferir que a referida notificação tenha sido entregue de todo, pois a encomenda foi entregue no local referenciado pelos serviços postais como sendo “Centro de Entrega ……. -Lisboa”. O objeto foi recebido por indivíduo não identificado, que os serviços postais identificaram como “RPD”, que a Recorrente desconhece quem possa ter sido.

Mas ainda que se entenda que a notificação da Recorrente ocorreu em 26 de novembro de 2019, o mesmo não respeitou as normas das notificações previstas no CPPT (notificação por carta registada com aviso de receção), pelo que deve ser considerada ilegal tal notificação.

Acrescenta que a notificação não cumpriu o disposto no art. 41º do CPPT e que nunca foi notificada para se pronunciar sobre a possível extemporaneidade da reclamação.

Entende, por fim, que os fundamentos invocados pelo tribunal "a quo" encontram-se em oposição com a decisão, pelo que deve a sentença ser declarada nula nos termos do art. 615º/1-c) CPC.

E é precisamente pela invocada nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão,  que iniciamos apreciação do recurso.

A nulidade da sentença  por oposição entre os fundamentos e a decisão (art. 125º/1 CPPT), aplicável aos despachos (art. 613º/3 CPC) não ocorre quando existe oposição entre os fundamentos e a decisão que a Recorrente entende deveriam constar do despacho, mas sim quando os fundamentos invocados na decisão deviam conduzir, num processo lógico, à solução oposta que foi adotada na decisão. Ou seja, tal vício manifesta-se quando  há um vício na lógica-jurídica que presidiu à respetiva construção, de tal modo que os fundamentos invocados apontam, logicamente, num certo sentido, e a decisão tomada vai noutro sentido, oposto, ou pelo menos diverso[1].

Ora é manifesto que tal oposição se não verifica. Nenhum fundamento invocado no despacho se opõe à decisão tomada, razão por que a invocada nulidade não pode deixar de improceder. Diferente é a possibilidade de haver erro de julgamento, mas a existir, esse vício não se confunde, de modo algum, com o vício gerador de nulidade da sentença.

Noutra perspetiva, agora não como nulidade do despacho, mas como possível arguição de nulidade processual (art.º 195º CPC), a rejeição liminar não tinha que ser precedida de audição prévia da Reclamante sobre o motivo da rejeição. Não só porque o princípio do contraditório não o impõe (art. 3º CPC) mas também porque tal despacho seria contrário à teleologia do indeferimento liminar. Além de que  o contraditório é assegurado, ainda que diferidamente, pela admissibilidade legal de recurso, independentemente do valor (cfr. art. 629.º/3-c), do CPC)[2].

Posto isto, avancemos para apreciação da questão central que nos é submetida e que consiste em  esclarecer em que data foi a Reclamante notificada do despacho que indeferiu o pedido de pagamento em prestações, enviado pela AT a coberto do Registo RM……….PT.

O MMº juiz baseando-se na informação obtida na pesquisa de objetos, verificou que o objeto em causa consta como entregue em 26/11/2019. E como a reclamação só foi apresentada em 20 de dezembro de 2019 concluiu que a mesma era extemporânea, considerando o prazo previsto no art. 277º/1 CPPT, e por isso a rejeitou liminarmente.

A Recorrente defende que não é possível reconduzir o registo RM………..PT ao ofício n.º C-……., de 18 de novembro de 2019, uma vez que não consta do mesmo qualquer referência postal associada, nem é possível inferir que a referida notificação tenha sido entregue à Requerente. 

É verdade que os actos em matéria tributária que afetem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados (art. 36º/1 CPPT).

Mas a notificação por carta registada com aviso de receção, que no entender da Recorrente deveria ter sido utilizada, corresponde à forma de notificação mais exigente. Deve ser usada sempre que tenha por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências (art.º 38º/1 CPPT).

O indeferimento do pedido de pagamento em prestações não altera a situação tributária  do contribuinte nem o convoca para assistir ou participar em atos ou diligências. Daí que a respetiva notificação deva ser efetuada nos termos do n.º 3 do mesmo preceito, ou seja por carta registada.

Mas ainda que se defendesse a notificação por carta registada com aviso de receção para esta situação, sempre deveríamos ter presente que a inobservância dos requisitos formais é irrelevante quando se comprova a realização  efetiva da notificação, considerando-se, então, sanada a deficiência formal desta.

E tal notificação foi efetivamente realizada, como a Recorrente admite na petição inicial e neste recurso.

A discórdia concentra-se na data da sua realização. Como vimos, o despacho fixou a data da notificação em 26/11/2019 e a Recorrente defende que a mesma não ocorreu antes de 11/12/2019.

As notificações efetuadas por carta registada presumem-se feitas no terceiro dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte, quando esse dia não seja útil (art.º 39º/1 CPPT).

Esta presunção poderá ser ilidida pelo notificado quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida, devendo para o efeito, a administração tributária ou o tribunal, com base em requerimento do interessado, requerer aos correios informação sobre a data efetiva da receção (Art. 39º/2 CPPT).

Na verdade, não está  a ser usada a presunção de notificação no terceiro dia posterior ao do registo, mas sim a data  que os CTTs referem ter sido a entrega do registo e que, aparentemente, é posterior à data da receção presumida, sendo pertinente lembrar que, mesmo havendo prova no processo de que a carta foi recebida pelo destinatário antes do terceiro dia posterior ao do registo, o notificado beneficia sempre da dilação presumida, o que torna irrelevante a prova de receção em data anterior[3].

Ora bem, sem adiantar afirmações probatórias, haverá elementos factuais nos autos para sustentar  a possibilidade de o ofício  n°C-……, de 18/11  ter sido expedido sob registo RM………PT para o Largo……., n.º …… , …….. Lisboa[4],  onde terá sido entregue em 18/11/2019.

Contudo, um carimbo aposto no “talão” de registo parece (os números não são claramente visíveis) ter a data de 27/11/2019, o que permite criar algumas dúvidas sobre as datas de envio e receção do registo RM……….PT.

Embora se admita como bastante provável que tal data  possa ser a 22/11/2019, o que seria compatível com a data da aceitação, referida no documento CTT anexo ao “talão” de registo, antes de tomar posição definitiva sobre a questão, e sem olvidar que é à AT que cabe o ónus de provar a realização da notificação, não deverão ser imediata e automaticamente descartadas outras diligências probatórias, designadamente a possibilidade de ordenar a junção aos autos do recibo comprovativo do recebimento do registo e/ou original do talão de registo, caso se confirme a data constante do carimbo acima referida.  

Com efeito, embora a Reclamante não tenha feito tal pedido expressamente, o facto de alegar a receção do ofício em data posterior à constante da informação fornecida pelos CTT, para além da referida data no “talão de registo”,  impõe-se o dever de averiguar  a data efetiva da entrega e receção, o que poderá passar pela obtenção do recibo comprovativo da respetiva entrega, sem prejuízo de outras diligências que o tribunal "a quo" julgue apropriadas, ao abrigo do princípio do inquisitório (art. 13º do CPPT).

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da segunda sub-secção de contencioso Tributário deste TCAS em conceder provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido e ordenar a remessa dos autos ao tribunal "a quo" para melhor instrução e nova decisão que ao caso couber, se nada mais obstar.

Sem custas.

Lisboa, 9 de Julho de 2020.

(Mário Rebelo)

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

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[1] Ac. do STA n.º 0149/18.3BALSB    08-11-2018 - Relator:          JOSÉ VELOSO
Sumário: I - A nulidade do acórdão, por contradição entre os fundamentos e a decisão, que é prevista na alínea c), do nº1, do artigo 615º do CPC, verifica-se quando há um vício na lógica-jurídica que presidiu à respectiva construção, de tal modo que os fundamentos invocados apontam, logicamente, num certo sentido, e a decisão tomada vai noutro sentido, oposto, ou pelo menos diverso;
[2] 0997/19.7BEBRG de 14-08-2019 - Relator:   FRANCISCO ROTHES
Sumário: II – No caso de indeferimento liminar da petição inicial, o princípio do contraditório não impõe a audição prévia do autor sobre o motivo do indeferimento (mediante a prolação de um despacho preliminar), quer porque tal despacho seria contrário à teleologia do indeferimento liminar, quer porque o contraditório é assegurado, ainda que diferidamente, pela admissibilidade legal de recurso, independentemente do valor [cfr. art. 629.º, n.º 3, alínea c), do CPC].
[3] Cfr. Jorge Lopes de Sousa  in "Código de Procedimento e de Processo Tributário", vol. I pp 383. 
[4] A referência que na decisão se faz  à entrega na Avenida Coronel Eduardo Galhardo, 26B dto, 1170-105 Lisboa  foi explicada pelo MMª juiz no despacho de sustentação. Foi esta morada  que a Recorrente indicou quando, com data de 27/8/2019  requereu o pagamento em prestações e também é a morada que consta da procuração.  Todavia, não obstante ter indicado morada que não é a da sua sede, a verdade é que o Serviço de Finanças remeteu a notificação do despacho de indeferimento para o Largo da Graça, 38 A 39, o que significa ser inócua para a decisão a referência à entrega na Avenida Coronel Eduardo Galhardo.