Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08230/14
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/08/2015
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:VENDA
ANULAÇÃO
ERRO DE ESCRITA
Sumário:I – A nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão apenas se verifica quando os fundamentos da decisão conduzam, num processo lógico, a solução oposta àquela que foi adoptada, e não quando a sentença interpreta os factos, documentos e normas em sentido diverso do propugnado pela Recorrente.
II – São de julgar verificados os pressupostos legais do artigo 249.º do Código Civil, se as circunstâncias apuradas nos autos permitem concluir que o lance que a Reclamante pretendia oferecer no leilão electrónico em curso era de € 14.000,00 (catorze mil euros), e não de € 140.000,00 (cento e quarenta mil euros) como efectivamente aconteceu por lapso de escrita que se verificou no momento em que escrevia os correspondentes números no teclado do computador.
III – Requerida a rectificação do erro de escrita pela Reclamante, não pode o órgão de execução fiscal indeferi-la com fundamento em “não ser comum esse tipo de erro por parte das pessoas colectivas por estas normalmente recorrerem a pessoal especializado para este tipo de procedimentos” ou com fundamento em que a licitação efectuada teria invalidado a venda do bem ao impedir a licitação de valores inferiores àquela e superiores à proposta anterior.
IV – Compete ao órgão de execução fiscal, findo o leilão, proceder à aceitação da proposta de maior valor e determinar o pagamento por parte do proponente, sob pena das cominações previstas no artigo 825.º do CPC (artigos 6.º e 8.º da Portaria n.º 219/11 de 1 de Junho e 256.º n.º 1 alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
IV – Estando a aplicação da sanção prevista no artigo 256.º, n.º 4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário necessariamente dependente da verificação de uma situação de exigência de depósito do preço e de omissão desta obrigação, não é essa sanção aplicável se esse pagamento não é exigível por ter sido reconhecido existir na proposta o erro previsto no artigo 249.º do Código Civil.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l - RELATÓRIO
A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que deferiu a reclamação deduzida por A................. – .................................., Lda. ao despacho do Chefe do Serviço de Finanças da Lourinhã pelo qual lhe foi indeferido o pedido de desistência da proposta efectuada em sede do leilão electrónico nº .......................... e ordenou o pagamento da totalidade do preço oferecido, interpôs o presente recurso.

A culminar as suas alegações de recurso apresentou as seguintes conclusões:
«1- In casu, com o devido respeito, que é muito, bastaria que fosse dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos documentos de fls. 56, 63, 77, 78 dos autos de execução fiscal; conjugadamente com a mais recente jurisprudência dos nossos Tribunais superiores para que, perfunctoriamente, se pudesse aquilatar pela indeferimento da Reclamação aduzida pela Recorrida/Reclamante,
2. Maxime, para que melhor se pudesse aferir pela improcedência da pretensão da Recorrida no que tange ao erro de digitação na proposta de licitação da Recorrida e consequentemente ser susceptível de anulação por aplicação do disposto no art.247° do Código Civil.
3. Pelo que, a Recorrente, com o devido respeito, conclui não ter razão o Tribunal a quo, que julgou num determinado sentido que perante a matéria de facto dada como assente, com os demais elementos comprovantes constantes dos autos, não tem a devida correspondência com o modo como as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão a quo deveriam ter sido interpretadas e aplicadas.
4. A predita vicissitude, preconizada pelo respeitoso Tribunal a quo, foi mutatis mutandis, causa adequada, para que fosse alvitrada pelo respeitoso areópago recorrido, uma errada valoração do acervo probatório documental constante dos autos, e consequentemente, a errada interpretação e aplicação do direito aos factos do caso vertente, mormente do preceituado no art. 5° e 8° da Portaria 219/211, de 01/06, no art. 248° e 256° do CPPT, assim como do artº 247° do CCivil.
5. A MATÉRIA DADA COMO ASSENTE, consta dos itens A) ao K) da fundamentação de facto do douto aresto recorrido, mormente de fls. 3 a 9 do mesmo, e para os quais se remete e se dão aqui por integralmente vertidos por razão de economia processual, sendo que, no que em concreto diz respeito à temática recorrida e a sindicar pelo respeitoso Tribunal ad quem, tem particular relevância a seguinte factualidade dada como provada:
6. F) Em 12/03/2014, pelas 11,42 horas, a ora Reclamante enviou mail dirigido à Exma. Chefe do Serviço de Finanças da Lourinhã com o assunto: "Erro em adjudicação na venda n°..................." com o seguinte teor:
"Venho por este meio expor um erro ocorrido na adjudicação no vosso serviço de leilões on-line, pois o lance por mim indicado nos últimos segundos da adjudicação deveria ter sido € 14.000 (catorze mil euros) e, não € 140.000 (cento e quarenta mil euros) como está registado. Este lapso só pode ter acontecido devido a um erro informático, nomeadamente do teclado.
Solicitamos que considere a proposta de €140.000 (cento e quarenta mil euros) anulada, sendo por sua vez considerada a proposta de € 14.000 (catorze mil euros) com a minha última licitação. Como é fácil perceber pelo acompanhamento do leilão, este valor resulta de um erro, uma vez que o último valor estava aproximadamente nos €10.000 a 10 segundos do fecho do leilão...” (Negrito e sublinhado nosso)
7- “G) Em resposta, mediante o mail de 12/03/2014, pelas 12.10 horas, a Chefe de Finanças Adjunta do Serviço de Finanças de Lourinhã, informa que "as três últimas propostas do leilão abaixo identificado a seguir indicadas, nada tem que ver com o valor de €10 000,00:
10:59:41 - €15 680,00
10:59:49 - €15 780,00
10:59:58 - € 25 000,00"
8. Na FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO que é vazada na sentença a quo, mormente no que concerne à temática em apreço, resulta que:
-“ Aplicando o direito ao caso dos autos, no dia designado para o termo do leilão, dia 12/03/2014, pelas 11H00M, o órgão de execução fiscal decide sobre a adjudicação do bem, escolhendo a proposta de valor superior a qualquer das propostas anteriormente apresentadas. No caso dos autos, a proposta mais elevada considerada foi a do ora Reclamante, no montante de € 140 000,00. (Negrito e sublinhado nossos)
9. " Não tendo a Reclamante procedido ao pagamento do preço, no prazo de quinze dias previsto no artigo 256°, n°1, alínea e) do CPPT, o Chefe do Serviço de Finanças pode determinar que a venda fique sem efeito e aceitar a proposta de valor imediatamente inferior, ou efectuar nova venda ou, ainda liquidar a responsabilidade do proponente, tudo nos termos do citado artigo 825° do CPC."
10. No caso dos autos, a Reclamante invoca erro de digitação de mais um zero, na proposta efectuada. E, o artigo 247° do Código Civil dispõe que "quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro".
11. " Ora no caso concreto, resulta provado que após quarenta e dois minutos do encerramento do leilão electrónico (cfr. facto F), a Reclamante alegou junto do Chefe do Serviço de Finanças da Lourinhã, erro de digitação”.
12. " Também resulta provado que as últimas licitações efectuadas foram às 10H59:41, 10H59:49 e 10H59:58 pelos montantes de € 15 680,00, € 15 780,00 e de € 25 000,00, respectivamente (cfr. facto G).”
13." Ora o valor de € 140 000,00, considerado como proposta da Reclamante é manifestamente desfasado e elevado face às restantes propostas apresentadas, a segundos do encerramento do leilão electrónico."
14. " Pelo que, é de aceitar ter ocorrido erro de digitação na proposta da Reclamante, e consequentemente, ser susceptível de anulação por aplicação do disposto no artigo 247° do Código Civil."
15. Da douta sentença a quo, atenta a factualidade dada como provada, emerge uma contradição latente entre as premissas que serviram de base para a decisão alcançada. E assim vai dito, porquanto, resulta a todas as luzes clarividente que a 10 segundos do fecho do leilão,
16. e legitimamente interpretando "à contrario" o que consta do item F) dos factos assentes, conjugado com o vertido no item G) dos factos assentes, mais ainda com a fundamentação supra aduzida - ("Também resulta provado que as últimas licitações efectuadas foram às 10H59:41, 10H59:49 e 10H59:58 pelos montantes de € 15 680,00, € 15 780,00 e de € 25 000,00, respectivamente (cfr. facto G).") - em momento algum nos 10 segundos antes do fecho do leilão, o último valor licitado foi de valor aproximadamente de €10.000,00 euros!
17. Pelo contrário, resulta da matéria dada como assente e do mencionado na fundamentação do aresto a quo, que das últimas licitações efectuadas, maxime dentro do hiato temporal dos 10 segundo antes do fecho do leilão, nenhuma era inferior a 15.000,00 euros! Aliás, a última das licitações efectuada, mormente às 10:59:58. foi no valor de 25.000.00 euros!
18. Nesta senda, bem sabia o Recorrido que o valor a propor na sua licitação, próximo do fecho do leilão em apreço, teria que forçosamente ser superior ao último que lá constasse (in casu, superior a 25.000,00 euros), aliás de tal facto é dado conhecimento na própria plataforma electrónica onde se processa o Leilão (cfr. doc. 1 que segue em anexo),
19. na qual depois de o proponente ler a condições de licitação, tem que confirmar por exigência da própria plataforma que "Li e concordo com as condições de licitação".
20. E como abyssus abyssum invocat, o mesmo que dizer e como uma desgraça nunca vem só, atento o 2° quadrado da figura constante do Doc. 1 que segue em anexo, é patente que o Recorrido, talqualmente acontece com outro qualquer licitador/proponente no leilão electrónico, tem que passar por um duplo filtro de segurança no acto de licitar e de perceber as condições de licitação.
21. Desde logo, o 1° passo corresponde ao que acima já foi explanado, e de seguida, num 2° passo depois de concretizada a licitação, depois de ser aposto o valor de licitação, o sistema electrónico pede uma nova confirmação do valor que foi licitado!
22. Pelo que, nunca poderá colher tese simplista e até leviana, preconizada pelo Recorrido, de que o valor de 140.000,00 por si licitado se ficou a dever a mero erro de digitação!
23. Efectivamente, depois de efectuados e ultrapassados voluntariamente, os passos de segurança supra mencionados, e não tendo sido feita prova de qualquer incapacidade, ou prova do decretamento por sentença de uma qualquer interdição ou inabilitação do Licitador, já se entra no domínio da auto responsabilidade do mesmo, arcando com as consequência dos actos que por si foram voluntária e conscientemente efectivados.
24. Pela sua pertinência, é necessário devidamente sopesar que in casu, tal como resulta da factualidade dada como assente, mormente do item l), a licitação efectuada pela recorrida invalidou a venda do bem, pois impediu a licitação de valores inferiores ao que foi licitado pela Recorrida e superiores à proposta anterior.
25. Nesta senda, bem andou a Recorrente quando diligenciou no sentido de ser a Recorrida notificada para efectuar o pagamento da totalidade do preço oferecido, nos termos do consignado no art.256° do CPPTriburtário.
26. In casu, com o devido respeito, nesta parte, humildosamente não se considera que o areópago a quo tenha procedido a um exame crítico e concretizado dos elementos constantes do probatório e que se relacionam com o tema em apreço.
27. Qual o itinerário cognoscitivo e valoritivo que se consubstanciou o Tribunal a quo, para ter desconsiderado, e consequentemente não ter devidamente valorado o facto de, in casu, devidamente cotejado o vertido no n°2 do art.5° da Portaria n°219/2011, de 1 de Junho, é de meridiana constatação que, de entre as propostas de valor igual ou superior ao valor base da venda, é considerada apenas a proposta de valor superior a qualquer das propostas anteriormente apresentadas para essa venda.
28. Por sua vez, o vertido no n°3 do mesmo normativo legal, determina que, para cumprimento do disposto no supracitado n°2, em cada venda consta o valor da proposta mais elevada imediata e anteriormente à apresentada.
29. Ora, assim sendo, "o valor da licitação tem que ser superior ao da última licitação" -traduzindo ipsis verbis, como não poderia deixar de ser de outra forma, o determinado pelos preceitos legais acima elencados, constituindo o modus operandi e a essência de um leilão (electrónico) talqualmente está plasmado na lei.
30. Ora, como é sabido o próprio sistema electrónico, atento o modus operandi da forma como é feita a licitação, em sintonia com o estatuído na Portaria 219/2011 e dos avisos constantes do site oficial da Autoridade Tributária e Aduaneira (através do qual se tem acesso ao leilão electrónico e se fazem as licitações) constam as condições de Licitação deste tipo de Leilão electrónico (vide doc. 1 que aqui se junta para os devidos efeitos legais, mormente para o cabal esclarecimento e contributo para a boa decisão do caso vertente).
31. Desde logo, como facilmente se poderá aferir, das condições da licitação, conforme resulta da ilustração do doc.1 que segue em anexo, expressamente consta que:
-“ serão aceites propostas de valor igual ou superior ao valor base de venda. Se já existirem propostas entregues para esta venda, só serão aceites propostas de valor superior ao da última licitação:
As propostas, uma vez apresentadas, só podem ser retiradas se a decisão de adjudicação for adiada por mais de 90 dias do primeiro designado;
32. O exame crítico das provas tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo.
33. Assim a exigência normativa do exame crítico das provas torna insuficiente a referência àquilo em que o tribunal se baseou, tornando-se necessário saber o porquê, a razão de ser da formação da convicção do tribunal.
34. Posto que, aquelas vicissitudes supra elencadas, estão comprovadas e referenciadas, não tendo sido devidamente relevadas pelo Tribunal a quo, pois que, a tê-lo sido, o itinerário decisório a implementar pelo respetivo areópago de certo que teria sido outro. Outrossim, decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou corretamente a prova produzida nos autos, fazendo, por isso, errada aplicação das normas legais supra vazadas, desconsiderando-as!
35. Mormente, não tendo o Tribunal a quo feito uma adequada e correcta interpretação do consignada na Portaria supra mencionada, mais ainda uma vez que aquela trata em concreto da forma como se efectua e se processa a licitação e todo o leilão electrónico em apreço, também não foi atendido o princípio de que a "Lex specialis derrogat generalis".
36. Por conseguinte, salvo o devido respeito, que é muito, reitera-se (pois que por vezes é necessário ser-se excessivo para se almejar poder ser-se ouvido) que o Tribunal a quo lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados,
37. assim como não considerou nem valorizou como se impunha a prova documental que faz parte dos autos em apreço, emergindo contradição entre a matéria dada como assente e a fundamentação asseverada pelo Tribunal a quo.
38. Ressalta que o factor determinante para a decisão do tribunal a quo ter sido a que aqui se recorre, terá sido, salvo o devido respeito, o facto genérico, ambíguo e pouco consistente de considerar o valor licitado pela Reclamante manifestamente desfasado e elevado face às restantes propostas...
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais.
Concomitantemente,
Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro ato da administração pública, fazer justiça é um ato místico de transcendente significado, o qual poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. M Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena e objectiva JUSTIÇA!».

Admitido o recurso (a processar como apelação em matéria cível com subida imediata e efeito suspensivo) e notificada a Recorrida, por esta foram apresentadas as contra-alegações integradas nos autos e nas quais conclui nos seguintes termos:
«1ª - A douta decisão recorrida faz uma correta interpretação dos factos e uma adequada aplicação do direito à matéria de facto provada.
2ª - A recorrida, por erro ao digitar o lance acresceu um zero, tendo em consequência, em vez do lance de 14.000 euros que pretendia efetuar, efetuado um lance de 140.000 euros.
3ª- O movimento dos lances efetuados no dia 12/03/2014 neste leilão eletrónico, conforme documento nº1 que se junta, são os seguintes:
- Pelas 10:17:46 o lance de 9.500,00€
- Pelas 10:25:54 o lance de 9.550,00€
- Pelas 10:51:34 o lance de 9.550,01€
- Pelas 10:51:45 o lance de 9.553,13€
- Pelas 10:54:51 o lance de 9.600,00€
- Pelas 10:55:41 o lance de 10.000,00€
- Pelas 10:56:49 o lance de 10.200,00€
- Pelas 10:58:38 o lance de 10.300,00€
- Pelas 10:58:56 o lance de 10.401,00€
- Pelas 10:59:12 o lance de 10.501,00€
- Pelas 10:59:33 o lance de 10.601,00€
- Pelas 10:59:41 o lance de 15.680,00€
- Pelas 10:59:49 o lance de 15.780,00€
- Pelas 10:59:58 o lance de 25.000,00€
4ª - O lance da recorrida vem registado como efetuado pelas 11:00:00.
5ª - O leilão, de acordo com o anúncio encerrava às 11:00h, pelo que é possível admitir que o lance da recorrida foi efetuado após o fecho do leilão. Aliás, se o registo de receção do lance ocorreu às 11:00:00, a sua confirmação tinha necessariamente de ser, nem que o fosse um milésimo de segundo, posterior e só esta confirmação validaria o lance.
6ª - Mas se assim mais doutamente não se entender, verifica-se que 19 segundos antes do fecho do leilão o lance maior oferecido era de pouco mais de 10.000 euros como a recorrida vinha afirmando. Assim, a recorrida ao efetuar um lance de 14.000 euros fê-lo convencida que nos 19 segundos seguintes nenhum lance atingiria esse montante, além de que era esse o montante máximo que a recorrida fixara para aquisição desse bem.
7ª - Quando a recorrida efetuou o seu lance, tendo que, para que fosse válido o confirmado de imediato ou simultaneamente, não se apercebeu que o último lance registado era de 25.000 euros.
8ª - Trata-se de um erro possível de ser cometido por qualquer pessoa de boa fé, dado as características do leilão eletrónico que, sem afastar a possibilidade de erro resultante da simultaneidade absoluta de lances, leva a que os licitantes aguardem o último segundo para oferecer o seu lance de forma a que este não suba mais do que o necessário para a compra.
9ª - Esta circunstância e a necessidade de, quando o lance é feito no último segundo, a confirmação ter de ocorrer quase simultaneamente, digitando OK para que o lance seja válido dentro do período fixado para o leilão, não concede espaço temporal para que o licitante se possa aperceber de qualquer erro ou, sequer, para atentar no mesmo ecrã o que dele consta sobre o último lance. Daí que a confirmação não sane o erro, pelo contrário, a confirmação do licitante vem de forma mais evidente confirmar o erro.
10ª - Ninguém de boa fé, isento e tendo como base de juízo o que de acordo com a experiência e o senso comum é aceite como procedimento normal de um cidadão normal, colocará em dúvida que alguém que pudesse adquirir um bem por pouco mais de 25.000 euros oferecesse por esse bem 140.000 euros, donde o erro da recorrida ser evidente.
11ª - E pela mesma razão a Fazenda Pública que, como o Estado de que é parte integrante, deve ser tida por pessoa de bem e é constituída por pessoas honestas, sensatas e detentoras de raciocínio lógico comum à generalidade dos cidadãos, conheceu o erro da licitante ora recorrida, erro que não lhe podia passar despercebido e que é confirmado pela recorrida antes de lhe ser adjudicado o bem leiloado, designadamente, apenas 42 minutos após a recorrida se ter apercebido do erro.
12ª - O artigo 247° do Código Civil dispõe que, quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negociai é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro, pelo que a sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa faz uma correta aplicação do direito vigente à matéria de facto.
13ª - Acresce que a Portaria n°209/2011, de 1 de Junho, que regula o leilão eletrónico, estabelece no artigo 8° que a falta de pagamento do preço é decidida de acordo com o antigo artigo 898° do Código de Processo Civil, que concede, quer na anterior redação, quer na vigente que corresponde ao artigo 825°, o poder discricionário ao agente de execução (que no caso seria a Senhora Chefe do Serviço de Finanças de Lourinhã) de optar por uma de três soluções, sendo que a primeira delas, que consta da al. a) do nº1 desse citado artigo, seria a mais adequada às circunstâncias e tendo presente que seria a Fazenda Pública a interessada na venda.
14ª - Assim, se não bastasse a nulidade que resulta do citado artigo 247° do Código Civil, situação descrita neste processo assemelha-se e deveria merecer igual tratamento à prevista para a falta de pagamento do preço.
15ª- Acresce que das doutas alegações e conclusões da recorrente Fazenda Pública não se vislumbra nem resulta alegado qualquer vício da sentença recorrida, ou qualquer fundamento admissível à procedência do recurso interposto, mormente qualquer interpretação da prova, sua inexistência, ou erro de direito.
16ª- Dir-se-á, ainda, que contra o afirmado pela recorrente, o erro da recorrida não prejudicou qualquer lance que pudesse ser oferecido acima dos 25.000 euros que foram oferecidos às 10:59:58, pois que, sendo o lance errado da recorrida registado às 11:00:00, não era possível ter existido qualquer lance entre eles.
Face ao exposto e por aquilo que Vossas Excelências Meritíssimos Senhores Juízes por certo irão suprir, negando provimento ao recurso interposto, será feita a mais sã Justiça».

O Ministério Público junto deste Tribunal Central emitiu parecer em que, após aderir ao parecer emitido pelo Ministério Público em 1ª instância, conclui no sentido da procedência do recurso.

Com dispensa dos vistos legais (artigos 657 nº.4, do C.P.C. e artigo 278, nº5, do C.P.P.T), cumpre agora apreciar e decidir.

II - OBJECTO DO RECURSO

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639°, n°1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao Recorrente (art. 635°, n°2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n°3 do mesmo art. 635°), razão pela qual todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos por seguro que, in casu, o objecto do mesmo está circunscrito às seguintes questões:

- Saber se a sentença recorrida é nula por nela existir contradição entre os fundamentos de facto e a decisão;
- Saber se na sentença sob recurso se mostram indevidamente valorados os factos apurados e os documentos em que o probatório se louvou, o que foi determinante para o erro de direito de que a sentença igualmente padecerá.

Ill – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância foram considerados como relevantes e provados para a apreciação e decisão da causa os seguintes factos:
A) Em 28/04/2014, foi apresentada a petição de reclamação de actos do órgão de execução fiscal, na qual é pedida a anulação "da decisão da Senhora Chefe do Serviço de Finanças de Lourinhã, proferida no âmbito do processo de execução fiscal n°.................................., que ordena o pagamento de 140 000 euros, substituindo-se por decisão que rectifique a proposta apresentada pela reclamante, que deverá ser fixada no valor de 14.000 euros, e dando esta por não aceite em consequência de ser inferior a outras propostas apresentadas, devendo o bem ser adjudicado à de maior valor" - cfr. fls. 4 a 9.
B) Foi autuado no Serviço de Finanças de Lourinhã, o processo de execução fiscal n°.........................., em nome de M............. - ............................ Lda - cfr. fls. 1 do processo de execução fiscal;
C) No âmbito do processo de execução fiscal referido em B, em 10/01/2013 foi penhorado o prédio da M.................. - ..........................., Lda correspondente a um pavilhão com o n°9, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lourinhã sob o n°..................., Ap. .............. de 2013/02/06, a fls. 10 e 11 do processo de execução fiscal;
D) Em 07/02/2014, a Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Lourinhã, em regime de substituição (2.° Série DR n°58 de 2012/03/21) proferiu despacho com o seguinte teor: "Determino, nos termos do art.248° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e da Portaria n°219/2011, de 01 de Junho, a venda do prédio urbano da união de freguesias de ............... e ........., inscrito sob o artigo ........, fracção...., por meio de leilão electrónico.
Designo o dia 12 de Março de 2014, pelas 11H00M, para o encerramento do leilão electrónico.
Em face da informação supra, e uma vez que não houve propostas, o Leilão Electrónico decorre durante 15 (quinze) dias, e o imóvel será adjudicado à proposta de valor mais elevado, de acordo com o n°4 do artigo 248° do CPPT.
Proceda-se a todas as diligências necessárias, com especial relevância para a que deve ser efectuada via «INTERNET», nos termos do art.249° do citado CPPT e da Portaria n°352/2002, de 3 de Abril e instruções complementares.
Notifique-se a executada e fiel depositário, nos termos e para os efeitos do disposto no n°6 do artigo 249° do CPPT." - cfr. fls. 55 do processo de execução fiscal;
E) No Edital de Venda destaco o seguinte teor:
"Nº da Venda:............. - Fracção autónoma designada pela letra..., da União das Freguesias de ............ e .............., inscrita sob o artigo......., localizada no ................., 2530-..... Lourinhã; destina-se a comércio e serviços em construção tipo industrial corresponde a 1 pavilhão com o n°9, com 1 piso e 1 divisão; Área bruta privativa - 800 m2 e permilagem - 86; com o valor patrimonial de € 265.960,00;
Descrito na Conservatória do Registo Predial da Lourinhã sob o nº.................... da União das Freguesias de ............ e ............ Teor do Edital:
Isabel......................................, Chefe de Finanças do Serviço de Finanças Lourínhã-1538, faz saber que irá proceder à venda por meio de leilão electrónico, nos termos dos artigos 248° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e da Portaria n°219/2011 de 1 de Junho, do bem acima melhor identificado, penhorado ao executado infra indicado, para pagamento da dívida constante em processo de execução fiscal.
É fiel depositário o Sr. «M.................. - ........................., Lda», residente em Lourinhã, o qual deverá mostrar o bem acima identificado a qualquer potencial interessado (249.°/6 CPPT), entre as 10.00 horas do dia 2014-02-17 e as 17.00 horas do dia 2014-03-11.
O valor base da venda (250° CPPT) é de € 1,00.
As propostas deverão ser apresentadas via Internet, mediante acesso ao «Portal das Finanças» e autenticação enquanto utilizador registado em www.portaldasfinancas.gov.pt na opção «Venda de bens penhorados» ou seguindo consecutivamente as opções «Cidadãos», «Outros Serviços», «Venda Electrónica de Bens» e «Leilão Electrónico». A licitação a apresentar deve ser de valor igual ou superior ao valor base da venda e superior a qualquer das licitações anteriormente apresentadas para essa venda.
O prazo para licitação tem início no dia 2014-02-25 pelas 11.00 horas, e termina no dia 2014-03-12 às 11.00. As propostas, uma vez submetidas, não podem ser retiradas, salvo disposição legal em contrário.
No dia e hora designados para o termo do leilão, o Chefe do Serviço de Finanças decide sobre a adjudicação do bem (artigo 6° da Portaria n°219/2011).
A totalidade do preço deverá ser depositada, à ordem do órgão de execução fiscal, no prazo de 15 dias, contados do termo do prazo de entrega das propostas, mediante guia a solicitar junto do órgão de execução fiscal, sob pena das sanções previstas (256.°/1/e) CPPT)." - cfr. fls. 56 do processo de execução fiscal;
F) Em 12/03/2014, pelas 11,42 horas, a ora Reclamante enviou mail dirigido à Exma. Chefe do Serviço de Finanças da Lourinhã com o assunto: "Erro em adjudicação na venda n°................." com o seguinte teor: "Venho por este meio expor um erro ocorrido na adjudicação no vosso serviço de leilões on-line, pois o lance por mim indicado nos últimos segundos da adjudicação deveria ter sido € 14.000 (catorze mil euros) e, não € 140.000 (cento e quarenta mil euros) como está registado. Este lapso só pode ter acontecido devido a um erro informático, nomeadamente do teclado.
Solicitamos que considere a proposta de €140.000 (cento e quarenta mil euros) anulada, sendo por sua vez considerada a proposta de € 14.000 (catorze mil euros) com a minha última licitação. Como é fácil perceber pelo acompanhamento do leilão, este valor resulta de um erro, uma vez que o último valor estava aproximadamente nos €10.000 a 10 segundos do fecho do leilão.
Sem outro assunto de momento, pedindo desculpa pelo erro, peço a retificação do valor em causa" - cfr. fls. 63 do processo de execução fiscal;
G) Em resposta, mediante o mail de 12/03/2014, pelas 12.10 horas, a Chefe de Finanças Adjunta do Serviço de Finanças de Lourinhã, informa que "as três últimas propostas do leilão abaixo identificado a seguir indicadas, nada tem que ver com o valor de €10 000,00:
10:59:41 - €15 680,00
10:59:49 - €15 780,00
10:59:58 - € 25 000,00" - cfr. fls. 63 do processo de execução fiscal;
H) Em 13/03/2014, a Reclamante requereu ao Director de Finanças de Lisboa a anulação da proposta efectuada na venda por leilão electrónico n°...................., alegando erro de digitação de € 140 000,00 em vez de € 14 000,00 - cfr. petição de fls. 73 e 74 do processo de execução fiscal, cujo teor integral dou aqui por reproduzido;
I) Em 10/04/2014, a Chefe do Serviço de Finanças de Lourinhã proferiu despacho de Concordo, com o seguinte teor da informação: "Assunto: Anulação proposta venda n°......................
Vem o sujeito passivo, A.............. - .................................. LDA, NIF......................., solicitar a anulação da proposta efectuada, alegando que por erro material, digitou €140 000,00 (cento e quarenta mil euros), ao invés de €14 000,00 (catorze mil euros), que seria a sua pretensão. Porém:
a) Trata-se de uma pessoa colectiva, com responsabilidades acrescidas, pelo que é uma falha pouco comum, tanto mais que uma pessoa colectiva têm acompanhamento por profissionais qualificados e conhecedores dos sistemas informáticos da AT através dos quais cumprem todas as suas obrigações declarativas;
b) A licitação efectuada invalidou a venda do bem, pois impediu a licitação de valores inferiores a este e superiores à proposta anterior.
Pelo que proponho a notificação do proponente para efectuar o pagamento da totalidade do preço oferecido, nos termos do artigo 256° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) mediante guias a solicitar neste Serviço de Finanças, sob pena se o não fizer, da aplicação da sanção prevista no n°4 do mencionado art.256° do CPPT." - cfr. despacho e informação a fls. 75 do processo de execução fiscal;
J) Em 17/04/2014, a ora Reclamante foi notificada do despacho proferido pela Chefe do Serviço de Finanças de Lourinhã, de 10/04/2014, referido em I e, "Fica também notificado que tem 15 dias a contar da presente notificação, para efectuar o depósito do preço da venda no valor de € 140.000,00 (Cento e quarenta mil euros), nos termos do artigo 256° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), sob pena da aplicação da sanção prevista no n°4 do referido artigo.
Poderá, querendo, apresentar reclamação para o Tribunal Tributário de 1ª Instância, nos termos do artigo 276° Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), no prazo de 10 dias a contar da presente notificação." - cfr. fls. 77 e 78 do processo de execução fiscal apenso;
K) A área bruta privativa da fracção autónoma designada pela letra...., da União das Freguesias de ............ e ..............., inscrita sob o artigo........., localizada no ............., 2530-....... Lourinhã e identificada em C) é de 431 m2 - cfr. avaliação imobiliária com data de 26/ 06/ 2014, a fls. 62 a 71.

Nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do Código de Processo Civil acorda-se em aditar ao probatório, por relevante e documentalmente comprovado, os seguintes factos:
L) Os lances realizados no dia 12/03/2014 no leilão eletrónico referido em D), imediatamente anteriores aos constantes da alínea G) são os seguintes:
- Pelas 10:17:46 o lance de 9.500,00€
- Pelas 10:25:54 o lance de 9.550,00€
- Pelas 10:51:34 o lance de 9.550,01€
- Pelas 10:51:45 o lance de 9.553,13€
- Pelas 10:54:51 o lance de 9.600,00€
- Pelas 10:55:41 o lance de 10.000,00€
- Pelas 10:56:49 o lance de 10.200,00€
- Pelas 10:58:38 o lance de 10.300,00€
- Pelas 10:58:56 o lance de 10.401,00€
- Pelas 10:59:12 o lance de 10.501,00€
- Pelas 10:59:33 o lance de 10.601,00€
- Pelas 10:59:41 o lance de 15.680,00€
- Pelas 10:59:49 o lance de 15.780,00€
- Pelas 10:59:58 o lance de 25.000,00€ (cfr. certidão de fls. 142 e 143, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida).
M) O lance da Recorrida vem registado como tendo sido efetuado pelas 11:00:00 (cfr. a mesma certidão referida na alínea antecedente).

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como resulta claramente evidenciado nas conclusões de recurso apresentadas pela Fazenda Pública, o inconformismo por esta sentido relativamente à sentença assenta em três ordens de razão: (i) existência de uma contradição entre os pressupostos de facto e de direito (“premissas”) e a decisão final alcançada pelo Tribunal (ii) erro de julgamento de facto consubstanciado numa errada valoração da prova documental constante dos autos e, por último (iii) erro de direito que a decisão de aplicação do direito aos factos realizada na sentença traduz.

Vejamos, cada um destes fundamentos, começando, naturalmente, por aquele cuja apreciação se impõe que seja apreciada desde já e de cuja procedência resultará, inevitavelmente, a nulidade da sentença: a contradição entre os fundamentos de facto e de direito da decisão, os seus pressupostos ou, nas palavras da Recorrente, as “premissas” de que partiu e a decisão final alcançada.
E, fazendo-o, dir-se-á que, como é sabido, o reconhecimento da nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão (prevista no artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário) está dependente de uma conclusão, qual seja, a de que as premissas que foram atendidas e substanciam o raciocínio apontam num sentido e a decisão proferida tenha sido noutro. Ou seja, a contradição entre os factos e os fundamentos e, consequentemente, a referida nulidade, só poderá ter-se por verificada se for possível concluir que o juiz,analisando a questão que lhe foi colocada e equacionando os seus argumentos em determinado sentido tiver, a final, decidido em sentido (lógico) contrário àquele que fundamentou.(1)
É esta densificação e interpretação do preceito em análise a única que deve ser tida como correcta, como há muito vem chamando a nossa atenção a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores e a doutrina, permitindo-nos, a este propósito, transcrever as palavras escritas por Alberto dos Reis: “no caso considerado no n.º 3 do art. 668º a contradição não é apenas aparente, é real; o juiz escreveu o que queria escrever; o que sucede é que a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”.(2)
Em suma, como se sumariou em recentíssimo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (3), «A nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão apenas se verifica quando os fundamentos invocados na decisão conduzam, num processo lógico, a solução oposta àquela que foi adoptada, e não quando a sentença interpreta os factos, documentos e normas em sentido diverso do propugnado pelo recorrente.».
No caso concreto, como se vê das conclusões de recurso, a contradição vem alegada de forma muito pouco compreensível e, mesmo numa forte tentativa de atribuir um sentido lógico ao ali vertido, jamais este Tribunal a pode considerar como minimamente fundada.
Efectivamente, repita-se, se bem entendemos as conclusões de recurso nesta parte, para a Recorrente o Tribunal decidiu anular a proposta de compra (licitação) da Recorrida por o valor por aquela apresentado ser “manifestamente desfasado e elevado face às restantes propostas apresentadas, a segundos do encerramento do leilão electrónicosendo com base nesse manifesto desfasamento que julgou ser «de aceitar ter ocorrido erro de digitação na proposta da Reclamante, e consequentemente, ser susceptível de anulação por aplicação do disposto no artigo 247° do Código Civil.».
Raciocínio que, defende, está totalmente em oposição (contradição) com os fundamentos de facto, isto é, com o próprio probatório que convoca para suportar aquela conclusão, como se vê da leitura da sentença e da análise do probatório, em especial das alíneas F) e G), ambas bem demonstrativas de que a 10 segundos do fecho do leilão o último valor licitado era bem distinto dos €10.000,00 euros.
Ora, considerando que na decisão recorrida, previamente à conclusão transcrita pela Recorrente, o Tribunal a quo escreveu que «no caso concreto, resulta provado que após quarenta e dois minutos do encerramento do leilão electrónico (cfr. facto F), a Reclamante alegou junto do Chefe do Serviço de Finanças da Lourinhã, erro de digitação. Também resulta provado que as últimas licitações efectuadas foram às 10H59:41, 10H59:49 e 10H59:58 pelos montantes de € 15 680,00, € 15 780,00 e de € 25 000,00, respectivamente (cfr. facto G). Ora o valor de € 140 000,00, considerado como proposta da Reclamante é manifestamente desfasado e elevado face às restantes propostas apresentadas, a segundos do encerramento do leilão electrónico» e que as alíneas G) e F) ali convocadas traduzem exactamente os dados de facto de que o Tribunal a quo invocou para julgar verificado «erro de digitação na proposta da Reclamante, e consequentemente, ser susceptível de anulação por aplicação do disposto no artigo 247° do Código Civil.», não vemos onde possa louvar-se a alegada contradição.
Aliás, contrariamente ao que parece deduzir-se do raciocínio explanado pela Recorrente, o Tribunal nunca afirmou que a 10 segundos do encerramento do leilão o valor da proposta mais elevada apresentada era de 10 mil euros (alegação que apenas logramos encontrar no requerimento inicial desta Reclamação). O que o Tribunal afirmou, insiste-se, foi que a segundos do encerramento do leilão as últimas propostas apresentadas eram as que identificou e que são, de resto, as que se mostram apuradas nas alíneas do probatório que cita e que julgou bastantes (acrescidas de outros fundamentos como infra apreciaremos) para sustentar o julgamento de erro na declaração.
Não há, pois, qualquer contradição entre os pressupostos de facto de que a sentença partiu e as conclusões de facto e de direito a que chegou sendo, por isso, forçoso concluir-se pela manifesta improcedência da nulidade suscitada.

4.2. Posto isto, avancemos agora para a apreciação da errada valoração dos factos apurados que a sentença recorrida no entender da Recorrente evidenciará e que terá constituído o factor determinante do erro de direito da decisão alcançada.
Antes porém de analisarmos este fundamento do recurso, importa que salientemos, mais uma vez, que as conclusões de recurso são, definitivamente, pouco claras, apresentando-se, tal como as alegações que as precedem, confusas e, em especial do ponto de vista jurídico, pouco rigorosas.
Esta chamada de atenção mostra-se necessária e prévia à apreciação do recurso nesta parte por ser manifesto que a Recorrente, pese embora repetidas vezes fale em indevida valoração da prova documental e que se esta tivesse sido devidamente valorada se teria chegado a decisão jurídica distinta, nunca enuncia qualquer facto concreto que tenha indevidamente sido dado como provado ou qualquer facto que tenha sido omitido no probatório e que do mesmo devesse constar, designadamente com base em qualquer documento.
O que nos leva a concluir, sobretudo na conjugação das conclusões de recurso com as alegações e com os argumentos jurídicos e preceitos citados, que o que a Recorrente pretende é questionar a aplicação do direito aos factos apurados e vertidos no probatório, em especial a valoração que destes foi realizada pelo Tribunal e a subsunção jurídica que veio a ser eleita na decisão (aliás, a não ser assim, isto é, se efectivamente se fosse sua pretensão impugnar o julgamento de facto, o recurso nesta parte teria que ser rejeitado por não se mostrar minimamente observado o preceituado no artigo 640.º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Neste contexto, a questão que então se coloca é a seguinte: esteve bem ou mal o Tribunal a quo quando, considerando os factos apurados, entendeu que os mesmos revelam claramente erro na declaração capaz de fundar a anulação da proposta apresentada?
Adiantamos, desde já, que não obstante entendermos que a decisão reclamada não pode deixar de ser anulada, esteve mal quando subsumiu, na esteira da Recorrida, a situação de facto exposta ao preceituado no artigo 247.º do Código Civil.
Passemos, então, à demonstração desta afirmação, começando por pôr em evidência a situação de facto em apreciação, tal como a mesma resulta do probatório, salientando, antes de mais, que ao bem objecto de venda (Fracção autónoma designada pela letra...., da União das Freguesias de .............. e ............., inscrita sob o artigo........., localizada no ....................., 2530-..... Lourinhã; destina-se a comércio e serviços em construção tipo industrial corresponde a 1 pavilhão com o n°9, com 1 piso e 1 divisão; Área bruta privativa - 800 m2 e permilagem - 86; com o valor patrimonial de € 265.960,00, descrito na Conservatória do Registo Predial da Lourinhã sob o nº...................... da União das Freguesias de ............... e ...............) foi fixado (nos termos do artigo 250.º do CPPT), como valor base de venda (nos termos do artigo 250.º do CPPT) € 1,00 (cfr. alínea E do ponto III supra).
Mais se mostra provado que entre as 10.17:46 e as 11:00:00 (hora limite de apresentação das licitações do dia de realização do leilão), foram os seguintes os lances apresentados: pelas 10:17:46 o lance de 9.500,00€; pelas 10:25:54 o lance de 9.550,00€; pelas 10:51:34 o lance de 9.550,01€; pelas 10:51:45 o lance de 9.553,13€; pelas 10:54:51 o lance de 9.600,00€; pelas 10:55:41 o lance de 10.000,00€; pelas 10:56:49 o lance de 10.200,00€; pelas 10:58:38 o lance de 10.300,00€; pelas 10:58:56 o lance de 10.401,00€; pelas 10:59:12 o lance de 10.501,00€; pelas 10:59:33 o lance de 10.601,00€; pelas 10:59:41 o lance de 15.680,00€; pelas 10:59:49 o lance de 15.780,00€; pelas 10:59:58 o lance de 25.000,00€. E que o lance da Recorrida no valor de € 140.000,00 vem registado como realizado às 11:00:00 [cfr. factualidade vertida no probatório em G) e M)].
Igualmente se deu como provado que no mesmo dia de realização do leilão e pouco tempo após o encerramento deste (pelas 11:42:00), a então Reclamante enviou um mail à ora Recorrente dando conta do “erro” cometido, que “tal se ficara a dever a lapso informático”, assumindo que poderia ter sido por falha no (seu) teclado” designadamente, “erro de digitação de € 140 000,00 em vez de € 14 000,00”, requerendo que fosse atendido este segundo valor e não o primeiro como o correspondendo à sua proposta.
Por último, importa ainda salientar que este pedido veio a ser indeferido com dois fundamentos de facto: o primeiro, de que sendo a licitante uma pessoa colectiva sobre si recaiam responsabilidades acrescidas, sendo a falha invocada pouco comum por normalmente as pessoas colectivas se fazerem assessorar de profissionais qualificados e conhecedores dos sistemas informáticos da Administração Tributária através dos quais cumprem todas as suas obrigações declarativas; o segundo, de que a licitação efectuada teria invalidado a venda do bem ao impedir a licitação de valores inferiores a este e superiores à proposta anterior.
Exposta a factualidade por nós julgada relevante e que é, de resto, em tudo idêntica à que na sentença foi tida como mais pertinente e convocada para a decisão, vejamos agora o enquadramento jurídico que da mesma foi realizado pela sentença recorrida em ordem a aquilatar do rigor dessa mesma decisão:
«(…)Aplicando o direito ao caso dos autos, no dia designado para o termo do leilão, dia 12/03/2014, pelas 11H00M, o órgão de execução fiscal decide sobre a adjudicação do bem, escolhendo a proposta de valor superior a qualquer das propostas anteriormente apresentadas. No caso dos autos, a proposta mais elevada considerada foi a do ora Reclamante, no montante de € 140 000,00.
Não tendo a Reclamante procedido ao pagamento do preço, no prazo de quinze dias previsto no artigo 256°, n°1, alínea e) do CPPT, o Chefe do Serviço de Finanças pode determinar que a venda fique sem efeito e aceitar a proposta de valor imediatamente inferior, ou efectuar nova venda ou, ainda liquidar a responsabilidade do proponente, tudo nos termos do citado artigo 825° do CPC.
No caso dos autos, a Reclamante invoca erro de digitação de mais um zero, na proposta efectuada. E, o artigo 247° do Código Civil dispõe que "quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro".
Ora no caso concreto, resulta provado que após quarenta e dois minutos do encerramento do leilão electrónico (cfr. facto F), a Reclamante alegou junto do Chefe do Serviço de Finanças da Lourinhã, erro de digitação. Também resulta provado que as últimas licitações efectuadas foram às 10H59:41, 10H59:49 e 10H59:58 pelos montantes de € 15 680,00, € 15 780,00 e de € 25 000,00, respectivamente (cfr. facto G).
Ora o valor de € 140 000,00, considerado como proposta da Reclamante é manifestamente desfasado e elevado face às restantes propostas apresentadas, a segundos do encerramento do leilão electrónico. Pelo que, é de aceitar ter ocorrido erro de digitação na proposta da Reclamante, e consequentemente, ser susceptível de anulação por aplicação do disposto no artigo 247° do Código Civil.
Pelo que, perante a falta de depósito da totalidade do preço licitado e em face do erro de digitação, deve considerar-se sem efeito a proposta de € 140 000,00 devendo o bem ser adjudicado à proposta de valor imediatamente inferior, nos termos do artigo 825° do Código de Processo Civil (anterior artigo 898.°do CPC) por remissão do artigo 8° da Portaria n°219/2011, de 01/06 e aplicar a sanção prevista no artigo 256°, n°6 do CPPT, ou seja, a Reclamante fica impedida de apresentar qualquer proposta em qualquer venda em execução fiscal, durante um período de dois anos.».
Como já adiantámos, no que concerne à subsunção da situação de facto exposta à qualificação de “erro na declaração”, nos termos e para os efeitos do preceituado no artigo 247.º do Código Civil não acolhemos a decisão recorrida.
Efectivamente, dispõe o mencionado preceito sobre a epígrafe de «Erro na declaração» que «Quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.».
Ora, considerando a factualidade que julgamos relevante e os normativos que regem o leilão electrónico, não vemos como possa duvidar-se ou, no mínimo, não julgar-se como muitíssimo provável que o lance de € 140.000,00 realizado tenha efectivamente constituído um erro da Recorrida e que o que esta pretendia era licitar a compra pelo valor de €14.000,00.
Senão, vejamos.
O leilão electrónico é uma modalidade de venda judicial de bens penhorados em processo de execução fiscal prevista no artigo 248° do Código de Procedimento e de Processo Tributário cuja definição dos procedimentos e especificações técnicas estão regulamentados na Portaria n°219/2011 de 1 de Junho, a qual se encontra acessível a todos os interessados que poderão, mediante validação da sua identidade com a senha que usam para apresentar declarações electrónicas no “portal das finanças” apresentar propostas para aquisição de quaisquer bens

Após a entrada em vigor da referida Portaria, os procedimentos de venda passaram a seguir, em regra, esta modalidade, sendo que, repita-se, em regra, só na situação de não terem sido aceites quaisquer propostas é que a venda se passa a realizar através de proposta em carta fechada.
As propostas de aquisição dos bens são apresentadas até ao dia e hora designados, só podendo ser aceites as propostas de valor igual ou superior ao valor base de venda, sendo escolhida, no dia e hora designados para o termo do leilão, entre todas as propostas apresentadas, a de valor superior (artigos 5.º e 6.º da Portaria n°219/2011 de 1 de Junho).

Acontece porém que, contrariamente ao que sucedia com a venda por proposta em “carta fechada”, em que cada interessado teria que apresentar a sua melhor proposta desconhecendo a existência ou não de outras propostas ou o seu montante, o leilão electrónico é, podemos dizê-lo, quase absolutamente público, uma vez que, para além de qualquer interessado poder apresentar propostas (desde que de valor superior à última anteriormente apresentada), vai tendo sempre e imediatamente conhecimento ao longo do desenvolvimento do leilão do valor que outro ou outros interessados atribuem ao bem, o que lhe permite ir apresentando, querendo, nova ou novas proposta, ainda que para que esta ou estas sejam aceites tenham que ser necessariamente em valor superior à ou às que imediatamente a antecederam.

No mais, isto é, com excepção de as propostas serem previamente conhecidas, o processo de venda nesta modalidade processa-se em moldes muito similares aos da anterior venda por proposta em carta fechada: é fixado um mínimo de licitação e um prazo para o leilão e os interessados terão que apresentar, durante aquele período, as suas propostas.
Encerrado o leilão compete ao Chefe do Serviço de Finanças proceder à aceitação da proposta de maior valor e determinar o pagamento por parte do proponente sob pena das cominações previstas no art.º 825.º do CPC, conforme estabelecido no artigo 256.º n.º 1 alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário O funcionário competente passa guia para o adquirente depositar a totalidade do preço à ordem do órgão da execução fiscal, no prazo de 15 dias a contar da decisão de adjudicação, sob pena das sanções previstas legalmente".).
Ora, se bem atentarmos no que vimos expondo e recordarmos a factualidade apurada e supra relevada, facilmente concluímos que, sabendo o Recorrido que para que a sua proposta fosse aceite apenas teria que ser superior à que imediatamente a antecedeu, mesmo partindo exclusivamente do valor das propostas convocadas pela Recorrente, se mostra inverosímil que o Recorrido às 11:00 apresentasse uma proposta no valor de €140.000,000 quando a proposta que imediatamente o antecedia, e último lance possível, porque realizado às 11:59:58 era de € 25.000,00.
Tudo, num contexto fáctico que reforça esta constatação, designadamente, o valor patrimonial do imóvel objecto da venda, o valor base de venda fixado nos termos do artigo 258.º do CPPT em 1 euro, o valor de todas as propostas apresentadas e a sua sequência e, ainda e não menos relevante, o facto de a diferença entre o valor digitado e o valor pretendido digitar se limitar à aposição de mais um zero (0) e a imediata comunicação realizada ao Chefe de Finanças dando conta do erro cometido.
Entende-se, pois, tal como entendeu o Tribunal a quo, que o lance de € 140.000,00 realizado pela Recorrida constitui um erro e, como tal, aquela proposta não deve ser validada.
Todavia, distintamente do que se julgou em 1ª instância, esse erro não constitui um erro na declaração nos termos e para os efeitos do preceituado no artigo 247.º do Código Civil já que a operatividade deste exigiria, ainda, que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu o erro. Pressuposto ou requisito este que, salvo o devido respeito, no caso não se mostra verificado, sendo mesmo manifesto que as próprias condições e meios técnicos porque se processa este tipo de venda impossibilitam aquela consciência. Porém, a factualidade apurada preenche claramente o erro de escrita nos termos em que o mesmos e mostra definido no artigo 249.º do Código Civil que, de resto, embora não tenha assim sido qualificado juridicamente pela Recorrida, corresponde verdadeiramente aos factos e pretensão trazida à Administração Fiscal e, posteriormente, ao Tribunal Tributário de Lisboa.
Efectivamente, como a própria Recorrida admitiu desde o início, foi sempre sua intenção intervir no leilão em curso e apresentar uma proposta de aquisição do bem pelo valor de € 14.000,00 afirmando que, apenas por lapso na digitação do teclado acabou por aí apor mais um zero do que o pretendido, o que determinou a aceitação da proposta.
Foi também em conformidade com esse reconhecimento que a Recorrida, como já o dissemos, de imediato pediu a “rectificação do valor em causa”, ainda que posteriormente a mesma tivesse que ser dada como não aceite por ser inferior a proposta realizada anteriormente e a este licitante (de proposta de valor superior) viesse a ser adjudicado o bem (cfr. alínea F do probatório).
E foi, por último, essa rectificação de erro de escrita que o próprio Chefe de Finanças entendeu como sendo o que lhe estava a ser pedido, como o revela o seu despacho de indeferimento no qual, delimitando a situação de facto levada ao seu conhecimento escreveu: «(…) alegando que por erro material, digitou €140.000,00 (cento e quarenta mil euros), ao invés de €14.000,00 (catorze mil euros), que seria sua pretensão.».
É precisamente esse erro de escrita, manifestamente revelado pelas circunstâncias em que a declaração (licitação) foi feita (como supra deixamos demonstrado), que o legislador civil, no mencionado normativo legal, admite que, confirmado, seja passível de rectificação, como sempre pedido pelo Recorrido e que a Administração Fiscal, mal, não aceitou.
Na verdade, para indeferir essa pretensão rectificativa a Administração Fiscal limitou-se, de forma abstracta, no despacho de indeferimento a invocar que não é comum este tipo de erro por parte das pessoas colectivas por estas normalmente recorrerem a pessoal especializado para este tipo de procedimentos (presume-se, participação em leilões electrónicos) e que a licitação efectuada teria invalidado a venda do bem ao impedir a licitação de valores inferiores àquela e superiores à proposta anterior.
Ora, esses fundamentos não constituem justificação bastante para indeferir o pedido de rectificação formulado.
Desde logo, porque o que importava não era saber se esse erro de escrita é ou não comum, mas se no caso concreto se verificava.
Depois, porque não é correcto afirmar-se, sem mais, que qualquer empresa recorre “neste tipo de situações” a pessoal altamente especializado, sendo antes seguro afirmar-se, como a Recorrente certamente não ignorará, que esse tipo de apoio técnico “altamente especializado” ocorre normalmente em empresas que de forma corrente investem neste tipo de negócios ou aquisições nesta modalidade de venda ou em empresas com um volume de negócios razoável, circunstâncias de facto que a Recorrente invocou no seu caso não se verificarem nem possuir e que a Administração Fiscal não sequer logrou contrariar.
E, por último, diga-se, ainda, que também não é correcto afirmar-se que a proposta apresentada de € 140.000,00 impediu lances inferiores a este e superiores ao da proposta antecedente, já que, como vimos e se mostra provado, o lance de € 25.000,00 foi realizado às 11:59:58 e o supra mencionado da Recorrente foi registado às 11:00 (hora limite de apresentação de propostas) sendo altamente improvável que entre estes lances outros pudessem ter sido feitos em valor superior e registados, para além de que, mesmo que esse impedimento se tivesse verificado, a consequência não seria a desconsideração do erro (verificado que esteja), mas sim que sobre o licitante eventualmente recaíssem as consequências que a lei prevê para essas situações, designadamente uma eventual responsabilidade pelas custas decorrentes da necessidade de realizar novo leilão ou outras que directamente lhe possam ou devam ser imputadas pelo erro de escrita que cometeu e que só a si é imputável.
Aqui chegados - isto é, concluído que no caso se verificou um erro de escrita e que a rectificação do mesmo devia ter sido atendida pela Administração Fiscal e, consequentemente, se impor a anulação do despacho reclamado que a não deferiu -, a questão que se coloca é a de saber se assiste razão à Recorrente quando exige ainda que o bem leiloado seja adjudicado ao licitante da proposta de maior valor e se podia o Tribunal a quo tê-lo determinado e ainda ordenado que à Recorrida fosse aplicada a sanção prevista no artigo 256.º n.º 4 do CPPT.
A resposta a estas duas questões é, para nós, negativa.
Na verdade, como se deixou já expressamente afirmado, encerrado o leilão compete, nos termos do artigo 6.º da Portaria n.º 219711 de 1-6, ao órgão de execução fiscal proceder à aceitação da proposta de maior valor e determinar o pagamento por parte do proponente sob pena das cominações previstas no art.º 825.º do CPC, conforme estabelecido nos artigos 8.º da Portaria citada e 256.º n.º 1 alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Ou seja, é à entidade que preside à venda em leilão, in casu, o Serviço de Finanças, que compete eleger, nos termos que entenda legalmente definidos, a proposta e o proponente a quem deve adjudicar o bem e não ao Recorrido nem, face ao objecto dos autos e aos limites definidos nesta forma processual, ao Tribunal ordená-lo.
Por outro lado, a ordem dada pelo Tribunal para que o Chefe de Finanças aplique a sanção prevista no artigo 256°, n°4 do CPPT, ou seja, que a Reclamante fique impedida de apresentar qualquer proposta em qualquer venda em execução fiscal, durante um período de dois anos também não tem qualquer fundamento de facto e de direito.
Não o tem de facto, porque no caso concreto não houve ainda qualquer falta de pagamento do preço (recorde-se que à presente Reclamação foi atribuído efeito suspensivo, o que significa que ainda não terminou o prazo que à Recorrida havia sido concedido para proceder a esse pagamento).
Não o tem de direito, por esse pagamento não ser devido face ao erro de escrita que se julgou verificado e susceptível de rectificação (sendo esta asserção igualmente válida para o julgamento de “erro na declaração” realizado pelo Tribunal a quo) sendo para nós manifesto que aquela sanção ou cominação legalmente estabelecida não o foi, nem podia ser, para as situações de inexigência de pagamento mas para as situações em que esse pagamento, mostrando-se exigível, não foi realizado.
Concluímos, assim, ser de improceder o presente recurso interposto pela Administração Fiscal, mantendo-se a decisão recorrida na parte em que anulou o despacho reclamado ainda que com a fundamentação por nós aduzida.

V- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso do Tribunal Central Administrativo Sul, julgando improcedente o recurso, em manter a sentença recorrida na parte em que anulou o despacho reclamado.
Custas pela Recorrente.
Notifique e registe.

Lisboa, 8-1-2015

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[Anabela Russo]

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[Lurdes Toscano]

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[Ana Pinhol]

(1) Acórdão da Relação de Lisboa de 8-1-2013, processo n.º 6901/11.3TBSXL.L1-7, disponível na íntegra, em www.dgsi.pt.
(2) Alberto dos Reis in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 141.
(3) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 5-11-2014, proferido no processo n.º 1380/13, disponível na integra em www.dgsi.pt.