Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:372/10.9BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:03/25/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
PROCURAÇÃO A TERCEIRO PARA O EXERCÍCIO DA GERÊNCIA
RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA VS RESPONSABILIDADE PENAL TRIBUTÁRIA
Sumário:I - A nulidade por omissão de pronúncia [prevista no artigo 615º, nº1, alínea d) do CPC], só se verifica perante uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que este deva apreciar. Ao juiz impõe-se a obrigação de conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
II - No processo judicial tributário vigora o princípio do inquisitório (artigos 99° da LGT e 13° do CPPT), o que significa que o juiz não só pode, como também deve, ordenar ou realizar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade.
III - Este princípio (e dever) que o Juiz deve observar não serve, porém, para colmatar a inércia ou falta de diligência das partes, sob pena de o juiz se substituir às partes no cumprimento daquilo que a lei lhes impõe.
IV - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente, não sofrendo dúvidas que não é possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente pode presumir-se a gerência de facto.
V – No caso concreto, a Recorrente, na qualidade de sócia-gerente da sociedade executada, constituiu dois procuradores conferindo-lhes amplos poderes para a prática de actos de gestão, em nome e representação da sociedade, exercendo, assim, a gerência de facto da devedora originária, ainda que indiretamente.
VI - A responsabilidade tributária e a responsabilidade penal tributária, podendo coexistir na esfera jurídica da mesma pessoa, são títulos autónomos de responsabilidade, gerados por factos diversos, sujeitos a diversos princípios, regimes e leis e determinantes de consequências igualmente diferenciadas.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

M..., contribuinte n.º 1..., residente na Rua J..., na Póvoa de Santa Iria, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra que julgou parcialmente procedente a oposição por si deduzida à execução fiscal nº 3... e apensos, instaurada pelo Serviço de Finanças de Cascais 2, relativamente à devedora originária “O... – I..., Lda”, para cobrança coerciva de dívida de IVA, IRC e coimas fiscais, dos anos de 2001 a 2008, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formulou, para tanto, as seguintes conclusões:

1.ª – Nos termos do disposto nos artigos 608º/2 do CPC, 123.º e 124.º do CPPT, o juiz deve – sob pena de nulidade (artigo 615º/1/d) do CPC e artigo 125.º/1 do CPPT) – pronunciar-se sobre todas as questões que lhe sejam postas pelas partes e que não estejam prejudicadas pela solução dada a outras, bem como sobre questões cujo conhecimento oficioso a lei impõe. - V. Supra n.ºs 1 a 2;

2.ª – A sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia sobre a questão da ónus da prova do órgão de execução fiscal sobre o exercício efectivo das funções de gerente de facto pela Recorrente, estabelecido no artigo 24.º, n.º 1 da LGT, suscitada, além do mais, nos artigos 49.º a 52.º da oposição à execução, sendo certo que foi frontalmente violado o disposto nos artigos 608º/2 do CPC, 123.º e 124.º do CPPT (arts. 615º/1/d) do CPC e 125.º/1 do CPPT). - V. Supra n.ºs 1 a 2;

3.ª – A douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto, por défice de natureza instrutória que se repercute na decisão da matéria de facto em violação dos artigos 13.° do CPPT e 99.° da LGT, pelo que se impõe a sua anulação de molde a permitir que, no tribunal recorrido, sejam efectivadas as diligências probatórias que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, dos aspectos apontados como deficitariamente instruídos referentes aos factos em causa associados ao despacho de arquivamento proferido no processo de inquérito n.º 192/06.5IDLSB pelo Ministério Público, nos termos do disposto do artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do CPC. - V. Supra n.ºs 3 a 7;

4.ª – Resulta claramente da matéria de facto considerada provada que a ora Recorrente não é devedora da quantia exequenda, seja a que título for, sendo certo que a Administração Tributária não cumpriu no despacho de reversão os requisitos previstos no artigo 24.º da LGT que ditam a responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores, o que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação ex vi artigo 204/1/b) do CPPT e artigo 163.º do CPA. - V. Supra n.ºs 8 a 14;

5.ª – douta sentença recorrida enferma de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação da lei e por violação de lei ao considerar que a Recorrente tem legitimidade enquanto responsável subsidiário, tendo violado o disposto nos artigos 24.º, n.º 1 e 74.º, n.º 1, ambos da LGT e do artigo 342.º, n.º 1, do CC, aplicável ex vi do artigo 2.º, al. d), da LGT. – V. Supra n.ºs 15 a 18.

NESTES TERMOS,

Deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.

SÓ ASSIM SE DECIDINDO SERÁ CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA!


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A Recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos, vêm os autos à conferência para decisão.

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II - FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

“Com interesse para a decisão da causa considera-se assente a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:

A) Em 21.07.1999, foi pela Oponente assinado um documento sob a epígrafe “Procuração”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde consta que intervém na qualidade de sócia gerente da sociedade “O... – I..., Lda.”, e que constitui procuradores da sociedade sua representada O... – cf. doc. 4 junto à p.i.

B) A 03.09.1999 foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Cascais, a constituição da sociedade designada como “O... – I..., Lda.”, tendo como sócios a ora oponente e J..., ambos nomeados gerentes, e vinculando-se a sociedade com a assinatura de ambos – cf. fls. 125 a 128 do processo de execução fiscal apenso (PEF).

C) A 03.09.1999 foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Cascais, a constituição de mandato pelos sócios a favor de O..., com produção de efeitos a 21.07.1999 – cf. fls. 125 a 128 do PEF.

D) A 04.06.2002, foi contra a sociedade “O... – I..., Lda.”, nipc 5..., instaurado o processo de execução fiscal (PEF) n.º 3..., no Serviço de Finanças de Cascais 2, para cobrança da quantia exequenda no montante total de € 14.558,51, referente a dívidas de IVA do 2.º e 3.º trimestres de 2000 – cf. fls. 1 a 3 do PEF.

E) Ao PEF identificado na alínea que antecede anterior foram apensos outros para cobrança dívidas de IVA, IRC e coimas fiscais, referentes a diversos períodos dos anos de 2001 a 2008, no montante total de € 312.275,58, sendo € 12.345,73 referente a coimas e despesas de processos de contraordenação, conforme listagem constante de fls. 216 a 218 do PEF que aqui se dá por integralmente reproduzida – cf. fls. 216 a 218 do PEF.

F) Por despacho de 26.10.2009, do Chefe do Serviço de Finanças de Cascais 2, foi determinada a reversão da dívida subjacente ao processo de execução fiscal n.º 3... e apensos contra a oponente, na qualidade de responsável subsidiária da sociedade “O... – I..., Lda.”, pela quantia exequenda de € 312.275,58 – cf. fls. 219 a 222 do PEF.

G) Através do ofício n.º 017497, de 26.10.2009, do Serviço de Finanças de Cascais 2, recebido a 16.11.2009, foi a oponente citada por reversão do processo de execução fiscal n.º 3... e apensos, pela quantia de € 312.275,58 – cf. fls. 214 a 218 e 223 do PEF e informação de fls. 69 a 71 dos autos (suporte físico).

H) Em 09.12.2009 a petição inicial que deu origem à presente oposição deu entrada nos serviços da administração tributária – cf. fls. 7 dos autos (suporte físico).

Não resultam dos autos quaisquer outros factos, com relevo para a decisão da causa, que importe dar por provados ou não provados.

Motivação da decisão de facto:
A decisão da matéria de facto assenta no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório”.


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- De direito

Como dissemos, a oposição foi julgada parcialmente procedente, tendo sido determinada a extinção da execução fiscal quanto a coimas.

Neste recurso jurisdicional está apenas em discussão a reversão no que toca à parte da dívida exequenda relativa a dívidas de impostos.

Ora, conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, lidas as conclusões da alegação recursória, temos que a primeira questão que nos vem dirigida, correspondente às conclusões 1ª e 2ª, prende-se com uma alegada omissão de pronúncia, com a consequente nulidade apontada à sentença.

Com efeito, defende a Recorrente que a sentença “omitiu pronúncia sobre a questão do ónus da prova do órgão de execução fiscal sobre o exercício efectivo das funções de gerente de facto pela Recorrente, estabelecido no artigo 24.º, n.º 1 da LGT, suscitada, além do mais, nos artigos 49.º a 52.º da oposição à execução, sendo certo que foi frontalmente violado o disposto nos artigos 608º/2 do CPC, 123.º e 124.º do CPPT (arts. 615º/1/d) do CPC e 125.º/1 do CPPT).”

Vejamos, desde já se antecipando que a Recorrente não tem razão quanto a esta questão, o que, aliás, a Mma. Juíza a quo teve oportunidade de concluir ao pronunciar-se sobre a nulidade, previamente à subida dos autos ao TCA.

Nos termos do disposto no artigo 125º, nº1 do CPPT, constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

Como é sabido, a nulidade por omissão de pronúncia [prevista no artigo 615º, nº1, alínea d) do CPC], só se verifica perante uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que este deva apreciar. Tal significa, no que concerne aos deveres de cognição do Tribunal, que ao juiz se impõe a obrigação de conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas, naturalmente, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Assume, assim, especial importância o conceito de questões, o qual, nas palavras de J. Lopes de Sousa (in CPPT, anotado e comentado, 6º edição, II Volume, Áreas Editora, págs. 363 e 364) “abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e à controvérsia que as partes sobre elas suscitem”.

O conhecimento de todas as questões não equivale à exigência imposta ao Tribunal de conhecer de todos os argumentos e razões invocadas pela parte, pois que, como ensinava Alberto dos Reis, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CPC, anotado, I Vol. págs. 284, 285 e V Vol. pág. 139).

Ora, no caso em apreciação – repete-se – a Recorrente nenhuma razão tem.

Como a Senhora Juíza considerou, “não cremos que a sentença ora escrutinada tenha incorrido em omissão de pronúncia, uma vez que resulta da alegação da oponente que não praticou atos de gerência uma vez que a gerência da sociedade devedora originária foi exercida por procurador. A propósito, resulta do teor da sentença objeto de recurso que «In casu, a Oponente procura afastar a responsabilidade subsidiária que lhe foi imputada pela Administração Fiscal invocando, e demonstrando, que em 21.07.1999, foi emitida procuração, pela qual ela própria, na qualidade de gerente da sociedade devedora originária, declarou constitui procuradores da sociedade sua representada O..., a quem conferiu amplos poderes para atuar em nome da sociedade.», abordando-se, de seguida a alegação da oponente do ponto de vista do direito aplicável. Esta era a questão essencial a apreciar – era com base na alegação de que ela própria, na qualidade de gerente da sociedade devedora originária, declarou constitui procuradores da sociedade sua representada O... e A..., a quem conferiu amplos poderes para atuar em nome da sociedade, que vem invocada a ilegitimidade com fundamento no não exercício da gerência de facto – e foi devidamente tratada.

Pelo exposto, e com o devido respeito por entendimento diverso que possa vir a ser feito, concluímos que improcede a invocada nulidade”.

A sentença, na sua elaboração, não tem que seguir um modelo desenhado a régua e esquadro, sendo imperioso, porém, que ali sejam apreciadas e decididas todas as questões que possam determinar a concludência, ou inconcludência, do(s) pedido(s), a menos que o seu conhecimento fique prejudicado.

No caso, como bem se retira dos autos e a sentença evidenciou, a questão que estava em causa era a da responsabilidade da revertida pelas dívidas da devedora originária, em concreto a sua (i)legitimidade pelo não exercício da gerência, considerando que a AT havia revertido a dívida com base no artigo 24º, nº1, alínea b) da LGT.

Ora, em face da emissão da procuração, através da qual a Oponente, ora Recorrente, na qualidade de gerente da sociedade devedora originária, declarou constituir procuradores da sociedade, sua representada, O... e A..., a quem conferiu amplos poderes para actuar em nome da sociedade, a questão que vinha equacionada foi apreciada e decidida.

Foi isto mesmo que o Tribunal apreciou, concluindo não ser de afastar o exercício da gerência, antes pelo contrário, atento o facto de ter sido emitida procuração a favor de O... e A..., a quem a Recorrente conferiu amplos poderes para actuar em nome da sociedade.

Com isto dito, e sem necessidade de mais desenvolvimentos, improcede esta primeira questão.


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Avançando agora para a segunda questão que nos vem dirigida, a que corresponde a conclusão 3ª, temos que, para a Recorrente, a “sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto, por défice de natureza instrutória que se repercute na decisão da matéria de facto em violação dos artigos 13.° do CPPT e 99.° da LGT, pelo que se impõe a sua anulação de molde a permitir que, no tribunal recorrido, sejam efectivadas as diligências probatórias que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, dos aspectos apontados como deficitariamente instruídos referentes aos factos em causa associados ao despacho de arquivamento proferido no processo de inquérito n.º 192/06.5IDLSB pelo Ministério Público, nos termos do disposto do artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do CPC”.

Vejamos o que se nos oferece dizer a este propósito, sabido que no processo judicial tributário vigora o princípio do inquisitório (cfr. artigos 99° da LGT e 13° do CPPT), o que significa que o juiz não só pode, como também deve, ordenar ou realizar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade.

Com efeito, dispõe o nº 1 do artigo 99º da LGT que o “tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer”. Por seu turno, o artigo 13º, nº1 do CPPT preceitua que aos “juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer”.

De modo claro, devemos afirmar que este princípio (e dever) que o Juiz deve observar não serve, porém, para colmatar a inércia ou falta de diligência das partes, sob pena de o juiz se substituir às partes no cumprimento daquilo que a lei lhes impõe, imprimindo ao processo um cariz absolutamente paternalista que entendemos que o mesmo não deve assumir.

No caso, não se vê – nem tal vem invocado – que se impusesse a realização de outras diligências de produção de prova com vista à decisão da causa, em concreto as “adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, dos aspectos apontados como deficitariamente instruídos referentes aos factos em causa associados ao despacho de arquivamento proferido no processo de inquérito n.º 192/06.5IDLSB”, até porque não se percebe o que são os “aspectos deficitariamente instruídos”.

Acrescente-se, além do mais, que apesar de na p.i ter sido requerida a produção de prova testemunhal, a verdade é que a Oponente, ora Recorrente, veio a prescindir da sua inquirição, conforme resulta de fls. 113 dos autos.

Portanto, não se aceita que a sentença recorrida encerre uma violação do princípio do inquisitório (cfr. artigos 99° da LGT e 13° do CPPT), a justificar a pretendida anulação da sentença.

Contudo, lendo a conclusão em apreciação, em consonância com o teor do corpo das alegações, na parte correspondente, temos que a Recorrente pretende que o este Tribunal dê acolhimento ao aditamento à matéria de facto, de modo a fazer incluir na mesma o despacho de arquivamento proferido no processo de inquérito nº 192/06.5 IDLSB, por o mesmo constituir um “elemento de prova que poderá ser valorado de acordo com o princípio da livre apreciação das provas …”. Pertencem a tal documento as asserções constantes da p.i (ver artigos 40º a 43º de tal articulado) e que a Recorrente reproduz neste recurso jurisdicional.

E tal pretensão é aqui de acolher, fazendo constar na matéria de facto a circunstância de ter sido proferido despacho de arquivamento no Inquérito nº 192/06.5 IDLSB.

Assim, adita-se à matéria de facto o seguinte:

I) Por despacho proferido, em 30/09/08, no âmbito do processo de Inquérito nº 192/06.5 IDLSB, o Ministério Público proferiu decisão de arquivamento do referido inquérito, relativamente à aí arguida M... (cfr. despacho de fls. 40 a 49 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

J) Lê-se em tal despacho, além do mais, o seguinte (despacho de fls. 40 a 49 dos autos):


«Imagem no original»

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Estabilizada a matéria de facto, avancemos para o erro de julgamento de direito, defendendo a Recorrente que, contrariamente ao decidido pelo TAF de Sintra, a ora Recorrente “não é devedora da quantia exequenda, seja a que título for, sendo certo que a Administração Tributária não cumpriu no despacho de reversão os requisitos previstos no artigo 24.º da LGT que ditam a responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores, o que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação ex vi artigo 204/1/b) do CPPT e artigo 163.º do CPA”. Para a Recorrente, a sentença errou na “interpretação e aplicação da lei e por violação de lei ao considerar que a Recorrente tem legitimidade enquanto responsável subsidiário, tendo violado o disposto nos artigos 24.º, n.º 1 e 74.º, n.º 1, ambos da LGT e do artigo 342.º, n.º 1, do CC, aplicável ex vi do artigo 2.º, al. d), da LGT”.

Vejamos, então, começando por dar nota daquele que foi o percurso argumentativo seguido pelo TAF de Sintra para concluir nos termos em que o fez. Assim, depois de deixar traçado o quadro legal aplicável, a sentença evidenciou o seguinte:

“(…)

In casu, a Oponente procura afastar a responsabilidade subsidiária que lhe foi imputada pela Administração Fiscal invocando, e demonstrando, que em 21.07.1999, foi emitida procuração, pela qual ela própria, na qualidade de gerente da sociedade devedora originária, declarou constitui procuradores da sociedade sua representada O..., a quem conferiu amplos poderes para atuar em nome da sociedade.

A doutrina e a jurisprudência não dão uma resposta uniforme a esta questão: deve entender-se que o gerente exerceu a gerência de facto, mesmo que não tenha tido qualquer intervenção pessoal na vida da empresa, para além da nomeação de um procurador para o substituir? Ou deve entender-se que só o exercício, digamos, direto da gerência permite sustentar uma proximidade real com a vida da sociedade e só nele pode assentar a presunção de culpa e a responsabilidade subsidiária do gerente? – vd. por todos, defendendo a segunda posição, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, 3.ª ed., 2002, pág. 996.

Importa ter em conta, em primeiro lugar, que nos atos de gerência cabem todos os atos necessários ou convenientes para a realização do objecto social, com respeito pelas deliberações dos sócios – artigo 259.º do CSC. Uma panóplia tão vasta de atos não pode deixar de incluir por definição atos de gestão que não supõem um contacto próximo com o giro da empresa. «É evidente que quando, por exemplo, os gerentes decidem sobre os planos gerais da futura atuação da sociedade, embora por enquanto não haja declaração de vontade para o exterior, estão a atuar como órgão da sociedade» – RAUL VENTURA, Sociedade Por Quotas, Vol. III, pág. 131. O mesmo autor defende que a representação orgânica se deve distinguir da representação exterior da sociedade.

Assim, em nosso entender, não é possível extrair do conteúdo de uma procuração que confere os poderes descritos no documento a que se refere a al. A) da fundamentação de facto (como: administrar, vender e comprar…bens…, direitos de crédito… admitir e despedir empregados, fixar… remunerações… abrir contas bancárias… celebrar contratos… comparecer e agir… representando a sociedade em juízo e perante entidades públicas) a conclusão de que o representante – no caso, a Oponente – deixou de ter qualquer intervenção pessoal na vida da empresa. O conteúdo objetivo da declaração não exclui, por si só a prática pelo representante de atos de gestão, desde logo outros atos de gestão não incluídos na procuração.

Em segundo lugar, o negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado e nos limites dos poderes que este lhe confere produz diretamente efeitos na esfera jurídica do representado – artigo 258.º. do Código Civil. E o mesmo acontece quando a procuração (que é um negócio unilateral) está associada ao mandato (que é um negócio bilateral) – artigo 1178.º, n.º 1, do mesmo Código. Ou seja, a representação não contrai a esfera jurídica do representado, pelo contrário, expande-a: «o representante empresta ao representado, exercitando-o por ele, o seu poder de volição» permitindo-lhe «concluir ao mesmo tempo negócios jurídicos vários; e até negócios jurídicos em diferentes lugares, conferindo-lhe assim, como tem sido notado, uma espécie de dom de ubiquidade» - MANUEL A. DOMINGOS DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, 1987, pág. 289/290.

Assim sendo, a representação não exclui a proximidade real entre o representado e a vida da sociedade: amplia-a, permitindo-lhe uma proximidade que as limitações físicas à partida lhe vedariam.

Em terceiro lugar, e com o devido respeito – que é muito – por quem defende a posição contrária, não se vê que exista paridade de situações entre quem deixa outrem praticar atos de gerência sem se preocupar a emitir uma procuração e quem tem o cuidado de declarar que confere a outrem o poder de praticar atos de gestão em seu nome. É que, neste último caso, é o representado que anuncia a terceiros que o ato é praticado em seu nome e que, por conseguinte, o representante está a exercer a gerência por expressa vontade do representado e nos limites dos poderes que teve o cuidado de lhe conferir. E tanto assim é que a própria revogação da procuração tem que ser levada ao conhecimento de terceiros para lhes ser oponível – artigo 266.º do Código Civil.

Mais: o mandato é um dos negócios jurídicos em que, excecionalmente, o silêncio tem valor declarativo: se o mandante nada disser durante um período considerado razoável, o seu silêncio vale como aprovação da execução do mandato – artigo 1163.º – o que acontece para protecção das legítimas expectativas do declaratário, porque gerou com o mandato a confiança dos outros em que era ainda uma extensão da sua pessoa a praticar o ato.

Decorre do exposto que a nomeação de um representante ou mandatário para praticar atos de gestão constitui mesmo um indicador adicional da proximidade real entre o gerente de direito e a vida da sociedade. De que, longe de se alhear da mesma, procura exercer a gerência mesmo quando não pode estar fisicamente presente.

Por último, importará ter presente que, entendimento contrário levaria a uma solução profundamente iníqua. O mandante não poderia ser responsabilizado subsidiariamente porque o mandato inviabilizava à partida uma certa forma de proximidade exigida com a vida da sociedade; e o mandatário não poderia ser responsabilizado porque, embora tivesse essa proximidade, exercia os poderes do mandante e em nome deste. Com um simples contrato ou uma simples procuração se frustravam assim os desígnios do legislador.

Caberia, por isso, à Oponente, nos termos gerais, vir aos autos com factos concretos que permitissem ao Tribunal concluir que, a despeito dos indícios de um exercício efetivo da gerência que a própria procuração contém, a procuração não foi emitida para o exercício da gerência, mas para a desvincular dela. Isto é, que subjacente à vontade declarada na procuração estava uma vontade real de renunciar à gerência. Que depois da sua emissão se desinteressou dos atos de gerência (daquele e de outros que porventura lhe estivessem confiados). Ou que emitiu a procuração porque lhe fora exigido por quem exercia a gerência de facto. Mas nada alegou neste sentido.

Acresce que, a alegação sobre o arquivamento do processo de Inquérito n.º 192/06.5IDLSB, no qual a Oponente era arguida por crime de fraude fiscal, por factos ocorridos em 2002, por não se ter concluído, nesse processo, que a aqui oponente e o sócio J... “de facto nunca exerceram a gerência da sociedade”, não pode ser valorado nestes autos como prova do não exercício da gerência por parte da Oponente, porquanto, nos processos de natureza criminal, o ónus da prova está do lado da acusação, ao passo que nos presentes autos era à Oponente que cabia provar o não exercício efetivo da gerência. De resto, é o que resulta do artigo 624.º do CPC.

(…)

Consequentemente, aderindo à fundamentação supra, e considerando que os atos dos mandatários produzem efeitos na esfera jurídica do mandante, improcede a argumentação invocada pela Oponente quanto à sua ilegitimidade enquanto responsável subsidiário, nos termos do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, relativamente às dívidas de IVA e IRC em cobrança no processo de execução fiscal n.º 3...”.

Vejamos, então, desde já se adiantando que a sentença não merece reparo e que a sua fundamentação exaustiva corresponde ao que reiteradamente a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem dito em casos como aquele que aqui nos ocupa, ou seja, quando o gerente de direito outorga procuração a terceiro para o exercício da gerência facto de uma sociedade, ou seja, para o substituir na prática de actos de administração ou representação da sociedade (devedora originária), como aqui manifestamente aconteceu.

Não sofre dúvidas que a responsabilidade dos administradores ou gerentes de sociedades de responsabilidade limitada pelas dívidas tributárias é aferida nos termos do disposto no artigo 24º da LGT.

Estabelece tal preceito que:

“1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.

A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente. Tal pressuposto extrai-se do teor do nº1 do artigo 24º LGT, no qual se menciona expressamente o exercício de funções – aí se lê, “Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam […] funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados…”. Por seu turno, a responsabilidade subsidiária prevista no transcrito 24º, nº1 não exige a gerência de direito, bastando-se com o mero exercício da mesma - “ Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão …”

Portanto, resulta dos citados preceitos que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente e reportada ao período do respectivo exercício. Ou seja, a gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito. É esta a jurisprudência uniforme dos Tribunais Superiores, sendo exemplo disso o acórdão do Pleno da SCT do STA, de 28/02/07, proferido no processo nº 01132/06, entre outros.

Como refere, em síntese, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, no acórdão citado de 26/03/15, processo nº 01044/11. 2 BEBRG, “Assim, n.º 1 do art.º 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efetiva ou de facto, ou seja, o efetivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.

A administração fiscal não beneficia de qualquer presunção.

É jurisprudência pacífica que “(…) há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC).

As presunções legais são as que estão previstas na própria lei.

As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).

De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.

No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.

E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).

Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.

Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.”(cfr. acórdão do STA n.º 0941/10 de 02.03.2011).

Nesta conformidade, não é possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente pode-se presumir a gerência de facto.

No entanto é possível efetuar tal presunção se o tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de nesse exercício a gerência de facto ter ocorrido.

Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, não há apenas a ter em conta o facto de o revertido ter a qualidade de direito, pois havendo outros elementos que, em concreto, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, as posições assumidas no processo e provas produzidas quer pelo revertido quer pela Fazenda Pública.

Daí que se possa concluir que as presunções influenciam o regime de prova, tal como foi afirmado pelo acórdão proferido no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, no recurso n.º 1132/06 de 28.02.2007.

“(…)Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342º nº 1, 350º nº 1 e 344º nº 1 do Código Civil.

Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.

3.3. Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.

Mas, no regime do artigo 13º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa. Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora. Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.

Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc. Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.

A regra do artigo 346º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido. Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova (…)”.

Como supra se referiu compete com efeito à AT fazer a prova da gerência efectiva da executada originária. No entanto, a lei não impõe que constem do despacho de reversão os factos concretos nos quais a Administração fundamenta o exercício efectivo das funções de gerente revertido, porém no caso de reação pelo revertido, opondo–se à execução terá nesse processo de afirmar os elementos no sentido de cumprir o ónus que a lei impõe da prova, ou seja, os pressupostos legais da responsabilidade subsidiária do gerente, nomeadamente a da gerência efectiva, sob pena de contra si ser valorada.

No caso, em sede de contestação a Fazenda Pública apoia-se nos dados do registo comercial, referindo que a Recorrente outorgou procuração, na qualidade sócia-gerente da sociedade, executada originária, a favor de O... e A....

Ora, como resulta não apenas da jurisprudência citada na sentença, concretamente o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12/10/04, proferido no processo n.º 00081/04, e do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 26/03/15, proferido em sede do processo n.º 01044/11.2BEBRG, mas também do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, no processo nº 87/04, de 15/07/04, “ Com efeito, e embora os mandatários, na sua qualidade de gerentes ou administradores de facto possam também responder pelas dívidas tributárias da executada, a verdade é que os actos por estes praticados se reflectem juridicamente na esfera dos oponentes. E nem se diga que eles não atribuíram poderes expressos para a prática de actos de gestão pois, ao constituírem mandatários, passaram a responder por todos os actos destes.

(…)

O entendimento dos oponentes conduziria ao afastamento deliberado e unilateral da responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores de empresas ou sociedades de responsabilidade limitada pois, continuando embora gerentes ou administradores de direito, afastariam a responsabilidade subsidiária outorgando procuração a terceiro para o exercício de tais funções.

Ora, salvo o devido respeito, não querendo gerir a sociedade executada, aos oponentes restava uma solução: renunciar à gerência. Não o tendo feito e continuando eles a gerir a empresa através de terceiros para o efeito mandatados, a sua responsabilidade subsidiária mantém-se, já que para todos os efeitos legais, o exercício da gerência de facto lhes é imputável por força do mandato”.

O teor da procuração outorgada, a que alude a alínea A) dos factos provados, não deixa margem para dúvidas sobre a extensão dos poderes conferidos. Aí se lê, além do mais:

“Administrar, vender e comprar, nos termos e condições que melhor entenderem, quaisquer bens móveis e imóveis, direitos de crédito, concessões e negócios da sociedade; ———————————————————

Admitir e despedir empregados, fixar tarefas e categorias profissionais, remunerações, aumentos e sanções disciplinares; ————————————

Comprar e vender mercadorias e matérias primas, assinar facturas e recibos,

guias, declarações juramentadas e abrir contas bancárias; —————————

Celebrar contratos de arrendamento empreitadas e seguros de todas as classes, pagar exigir e receber as respectivas indemnizações, participar em assembleias de condóminos, com a faculdade de deliberar e votar, pagar contribuições autárquicas e impostos, promover a sua rectificação e reclamar contra o não exigível; ————————————————————————————

Negociar, nos termos e condições que entender, trespasses de quaisquer instalações das quais a mandante seja arrendatária, assinando contratos promessa e as respectivas escrituras públicas; ————————————

Vender e comprar nos termos que melhor entender, pelos preços, cláusulas e condições que entender, veículos automóveis pertencentes à mandante, assinado para o efeito as respectivas declarações de compra e venda. ————————————————————

b) Abrir, responder e assinai; a correspondência e manter os livros comerciais de acordo com a lei. ——————————————————————————

Levantar nos serviços postais cartas, certificados, modificações, pacotes, encomendas, vales postais e telegráficos e valores declarados. ————————

c) Comparecer e agir com plena responsabilidade, representando a sociedade como: ——————————————————————————————

Requerente, requerida, autora, ré, reclamante, reclamada, queixosa assistente, outorgante, disponente ou em qualquer outra situaçao em que esta seja interessada, em actos de conciliação, juízos, causas, reclamações e actuações de toda a ordem perante qualquer órgão ou serviço de administração pública, central ou local, directa ou indirecta ou autónoma, nomeadamente, Ministérios Secretarias de Estado, Direcções Gerais, Gabinetes, Municípios, e outros, e perante outras autoridades, Sindicatos, Associações e Institutos, Tribunais de qualquer espécie, em qualquer contencioso de qualquer natureza, ordem ou grau, em todas as Jurisdições e Instâncias até ao seu total término, e em cumprimento de decisões e sentenças, com toda a sorte de faculdades e possibilidades, incluindo as de reclamar-, interpor recursos ordinários e extraordinários, arguir nulidades, invocar excepções, deduzir oposição, recolher testemunhas, copias e certidões, requerer, efectuar toda a sorte de diligências, mesmo as de carácter pessoal, podendo rectificar e ratificar documentos escritos, conceder a aceitar quitação, promover actos notarias e registrais; ————

Desistir de acções e recursos, apresentar denúncias e queixas, assim como acompanhar toda a espécie de diligencias efectuadas; ———————————Tirar consignações;——————————————————————————

Representar a sociedade em processos de recuperação de empresas, concursos de credores e falências de devedores, assistindo às assembleias e nomeando administrador;————————————————————————————

Aceitar e recusar propostas de devedores, acompanhando todo os trâmites até ao término do procedimento; ———————————————————————

Transigir direitos e acções;———————————————————————

Submeter-se à arbitragem, de equidade ou de direito;————————————Assinar e sacar cheques sobre qualquer Instituição Bancária, aceitar letras em nome da sociedade, proceder ao sen desconto bancário, reformar e amortizar.

d) Reconhecer e pagar dívidas, aceitar e cobrar créditos, aprovar e impugnar contas, efectuar pagamentos e cobrar somas devidas a qualquer título e para qualquer pessoa, singular ou colectiva, de carácter público ou privado, incluindo o Estado. ——————————————————————

e) Acordai-, cumprir, reclamar, rescindir, denunciar, resolver, consignar, compensar, remir, modificar, transmitir, extinguir e em geral, dispor de toda a classe de direitos, actos, negócios jurídicos e contrato comerciais. ————

f) Na medida em que se afigure necessário conferir poderes a advogados, bem como revogá-los. ——————————————————————————

g) Subscrever e outorgar em quaisquer documentos, públicos ou privados que a qualquer título afectem ou interessem à sociedade e tenham como pressuposto ou sejam o efeito dos poderes atrás conferidos e especificados. —————————

Nesta conformidade ter-se-á que concluir que a Recorrente, na qualidade de sócia-gerente da sociedade executada, constituiu dois procuradores conferindo-lhes amplos poderes para a prática de actos de gestão, em nome e representação da sociedade, exercendo, assim, a gerência de facto da devedora originária, ainda que indiretamente.

É verdade, e não se desconhece, como a Recorrente enfatiza, que, no âmbito do processo de inquérito criminal nº 192/06.5, foi proferido despacho de arquivamento (cfr. factos por nós aditadados), nos termos do qual com relação à Recorrente, Modesta, não se reuniram quaisquer indícios de que a arguida tivesse conhecimento dos factos indiciados nos autos relativamente ao crime de fraude fiscal, relativamente à O..., Lda.

Vimos já a resposta que o TAF de Sintra deu a tal questão e, na verdade, tal despacho de arquivamento não tem, para efeitos tributários, o alcance que a Recorrente lhe pretende atribuir em termos de não responsabilidade pela dívida revertida.

Veja-se a este propósito, em termos elucidativos, o que o STA, no acórdão de 20/03/19, proferido no processo nº 01053/18.0BELRA, considerou. Aí se lê que:

“(…)

Ora, como é bem sabido, a responsabilidade tributária e a responsabilidade penal tributária, podendo coexistir na esfera jurídica da mesma pessoa, são títulos autónomos de responsabilidade, gerados por factos diversos, sujeitos a diversos princípios, regimes e leis e determinantes de consequências igualmente diferenciadas.

Desde logo, na responsabilidade penal tributária não há culpas presumidas, presumindo-se, ao invés, inocente o arguido até ao trânsito em julgado da decisão que o condene. A responsabilidade tributária, porém, admite uma presunção – ilidível - de culpa no não pagamento, nos casos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da Lei Geral Tributária, cabendo ao responsável tributário ilidir, através do meio processual próprio (audiência prévia antes da reversão e oposição), essa presunção legal de culpa para afastar a sua responsabilidade pela dívida.

Muita estranheza suscita a alegação de que, designadamente no caso dos autos, a não extinção dos processos executivos e seus efeitos viola o “princípio da presunção de inocência”, designadamente porque no processo tributário não há inocentes ou culpados, antes devedores ou não devedores do imposto, sendo os pressupostos da responsabilidade tributária diversos dos da responsabilidade penal tributária, como não podia deixar de ser, aliás, dado o diferente calibre dos valores em presença num e noutro caso.

No caso dos autos, há na origem do processo executivo dirigido contra o ora recorrente uma presunção de culpa que fundamentou a reversão, presunção esta que era ilidível, mas que o recorrente nunca procurou ilidir, consolidando-se a sua responsabilidade, daí que o processo executivo tenha prosseguido, com a realização de diligências executivas tendentes a acautelar o crédito exequendo por parte da segurança Social, diligências essas a que nenhuma ilegalidade foi concretamente imputada, como bem afirmou a sentença recorrida.

O efeito mimético no processo executivo decorrente do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público no processo penal, pretendido pelo recorrente, não se nos revela sequer razoável, já que nem sequer se trata de decisão penal absolutória transitada em julgado, pois, como bem diz o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto deste STA no seu parecer, as decisões do Ministério Público em sede de inquérito penal não formam caso julgado, o que só ocorre nos casos de decisões judiciais, (…) aquela decisão encerra um juízo sobre a suficiência de elementos suscetíveis de integrar a prática de um crime, no caso o crime de abuso de confiança fiscal, e a apreciação que o magistrado do M.º P.º faz sobre a comprovação de determinados factos não tem a força probatória dos factos fixados numa sentença, que são fixados na sequência de uma fase instrutória e julgamento sujeitos a contraditório das partes envolvidas, daí que embora a decisão de arquivamento do inquérito o magistrado do M.º P.º tenha concluído que o aqui Recorrente não tenha tido “intervenção na tomada de decisões referentes à vida da sociedade “B……………., Lda., a força probatória de tal juízo de facto não se pode impor como se tivesse sido fixada em decisão judicial transitada em julgado.

(…)

Como bem diz mais uma vez o Magistrado do Ministério Público junto deste STA no seu parecer junto aos autos, afigura-se-nos que os efeitos do arquivamento do inquérito penal não se repercutem na validade da acção executiva, ainda que esta tenha como pressuposto a responsabilidade subsidiária fundada no exercício das funções de gerente de facto, exercício esse que foi dado como não verificado na ação penal na decisão do Ministério Público ao afastar a responsabilidade do Recorrente na prática do crime de abuso de confiança fiscal”. – fim de citação.

Repita-se, como já deixámos assinalado, que nestes autos, apesar a outorga da procuração e da enorme amplitude dos poderes conferidos pelo mandante (a Recorrente), a verdade é que a Oponente, por sua livre iniciativa, veio prescindir da inquirição das testemunhas por si arroladas, comprometendo, porventura, demonstração de um circunstancialismo de facto que pusesse em causa a sua responsabilidade.

Tendo a reversão da dívida sido efetuada com base na alínea b) do artigo 24.º da LGT, e uma vez, que o Recorrente exerceu a gerência de facto da devedora originária, no período a que se reportam os créditos em execução incumbia-lhe a alegação e prova que a falta de pagamento das quantias ora em execução não lhe podia ser imputada, designadamente que a não satisfação dos créditos fiscais decorrente da diminuição ou insuficiência do património da sociedade comercial não lhe podia ser assacada, o que não se mostra feito.

Face ao exposto, não se nos afigura, pois, que a sentença recorrida, que julgou improcedente a oposição, mereça censura, antes sendo de confirmar o julgado recorrido, o que aqui se determina.


*

Finalizando, importa apreciar a possibilidade de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP.

No caso concreto, ponderado o comportamento processual das partes litigantes, a reduzida complexidade do processo, e atendendo a que as questões decidendas não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, consideramos ser de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 7, do RCP.

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III - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso interposto.

Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 7, do RCP

Lisboa, 25/03/21

[A Relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Desembargadoras Hélia Gameiro e Ana Cristina Carvalho]


(Catarina Almeida e Sousa)