Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1041/16.1BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:02/27/2020
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:ARTIGO 6.º, § 1.º, DA C.E.D.H.;
SENTENÇA EM PRAZO RAZOÁVEL;
INDEMNIZAÇÃO.
Sumário:I – Para aferir da ilicitude decorrente de um atraso na decisão judicial, há que considerar, primeiramente, de forma analítica o (in)cumprimento dos vários prazos legais para a prática dos vários atos e dos correspondentes prazos para a ocorrência das várias fases processuais, atendendo, ainda, às circunstâncias do caso concreto e designadamente: (i) à complexidade do caso; (ii) ao comportamento processual das partes; (iii) à atuação das autoridades competentes no processo; (iv) e à importância do litígio para o interessado;

II - Posteriormente, há que encetar um segundo raciocínio, já não analítico, mas global, em que a aferição do pressuposto da ilicitude decorrente da excessiva demora do processo ou do atraso na decisão judicial se afere pela totalidade do período de tempo em que tal processo se desenvolveu;

III - Incumbe ao Estado criar mecanismos processuais para obstaculizar ou para evitar o prolongamento da tramitação processual decorrente das próprias vicissitudes processuais e dos comportamentos de alguma das partes. O facto de a lei processual permitir que uma das partes não adote as diligências mais corretas e que tornam a lide mais célere não afasta a ilicitude do Estado decorrente da não organização de um sistema judiciário que viabilize lides rápidas e efetivas;

IV - Para efeitos de fixação do montante da indemnização por danos causados pela violação do artigo 6.º § 1.º da CEDH e do artigo 20.º n.º 4 da Constituição, devemos considerar, entre outras, as indicações dadas pela jurisprudência do TEDH e, uma vez que estes conhecem bem a realidade nacional, as dos tribunais nacionais.

V - Deve-se atender, por isso e de acordo com o artigo 496.º n.ºs 1 e 4 do Código Civil, às seguintes circunstâncias de cada caso concreto: (i) o tipo de processo; (ii) a duração desse processo concreto que vá além do normal e razoável (atendendo ao número de anos em que a ação esteve pendente no seu conjunto e não isoladamente por cada ano de demora/atraso); (iii) a importância do concreto litígio para as partes e o seu impacto na esfera jurídica e ou patrimonial das partes (sendo de considerar haver especial relevância para as ações: laborais, sobre o estado e capacidade das pessoas, sobre pensões, relativas à saúde ou à vida das pessoas; e devendo a indemnização ser reduzida caso o litígio e a sua decisão assumam pouca importância na esfera jurídica e patrimonial da parte, relevando para o efeito o facto de a parte já ter obtido/recebido quantia em dinheiro destinada a indemnizar a lesão do direito a uma decisão judicial em prazo razoável); (iv) o comportamento das partes durante o processo (havendo lugar à redução do montante a arbitrar caso sejam apuradas condutas que hajam importado ou contribuído para o retardamento do processo, ou se a participação no procedimento foi curta ou breve); (v) a realidade económico-financeira de cada Estado; e (vi) o nível de vida do país.

VI - Tem-se entendido, sobretudo no TEDH, que um processo deve ter uma duração “normal”, aceitável ou razoável até 3 anos na 1ª instância e até 4 anos se houver recurso, isto como meros princípios orientadores. Após tais 3 anos ou 4 anos haverá duração ilícita, em princípio.

VII - Constatada uma violação do artigo 6.º § 1.º da CEDH e do artigo 20.º n.º 4 da Constituição, relativamente ao direito fundamental à emissão de uma decisão jurisdicional em prazo razoável, ou seja, verificado que um processo tem ou teve uma duração irrazoável em concreto, existe e opera em favor da vítima daquela violação da Convenção, segundo o TEDH, uma forte presunção natural (ou “judicial”) da verificação de um relevante dano psicológico e moral comum, de natureza não patrimonial, sofrido por todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não veem as suas pretensões resolvidas em tempo razoável.

VIII - Tais danos não patrimoniais, comuns ou judicialmente presumíveis, resultantes do atraso na obtenção de uma decisão jurisdicional em prazo razoável, merecem, em princípio, a tutela do Direito; sem prejuízo de prova em contrário ou de diferente causalidade. Quanto aos danos não patrimoniais que excedam aquele dano comum ou judicialmente presumido, que se mostrem relativos à específica situação concreta, cabe ao demandante lesado o ónus de alegação dos factos relativos a esses danos (cf. o artigo 5.º do Código de Processo Civil), pois que aqui não há factualidade notória ou presumida.

Votação:MAIORIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

A.............., com os demais sinais nos autos, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de LISBOA ação administrativa contra

ESTADO PORTUGUÊS.

A pretensão formulada perante o tribunal a quo foi a seguinte:

- A condenação do Estado Português a pagar ao autor:

a) Uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais nunca inferior a dezasseis mil euros, pela duração do processo n.º 759/06.1BELRA;

b) Uma indemnização de dois mil euros por cada ano de duração do ressente processo sobre a morosidade, agora instaurado, após o decurso de dois anos, até ao seu termo, também a título de danos morais;

c) Juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento sobre as verbas mencionadas em a) e b);

- Despesas de abertura de dossier, despesas administrativas e de expediente, taxas de justiça pagas pelos autores, despesas de certidões, todas as despesas de tradução de documentos;

- Os honorários a advogado neste processo nos Tribunais Administrativos em quantia a fixar equitativamente ou a liquidar, oportunamente, fixados de acordo com o Estatuto da Ordem dos Advogados;

- Todas as quantias que eventualmente sejam devidas a título de imposto que incida sobre as quantias recebidas do Estado;

- Uma sanção pecuniária compulsória de quinhentos euros por dia, por cada despacho, decisão do Tribunal ou ato dos funcionários que ultrapasse os prazos legais, ou caso o processo dure mais de dois anos, incluindo liquidação de honorários;

- Custas e demais encargos legais, como o reembolso de taxas de justiça inicial e outras e quaisquer quantias pagas pelo autor.

Por sentença de 02-07-2019, o tribunal a quo decidiu

- Condenar o réu no pagamento ao autor da quantia de € 4.000,00, a título de indemnização por danos causados pela morosidade na administração da justiça, relativamente ao processo que correu termos neste tribunal, sob o n.º 759/06.1BELRA, acrescida dos respetivos juros, contados à taxa legal, desde citação e até integral pagamento, e bem assim das quantias que sejam devidas a título de imposto;

- Absolver o réu do demais peticionado pelo Autor.

*

Inconformada, a ré interpôs o presente recurso de apelação contra aquela decisão, formulando na sua alegação o seguinte quadro conclusivo:

1 – Ficou provado nos presentes autos que é imputável ao Estado Português, enquanto juiz, toda a duração da tramitação do processo nº 759/06.1BELRA desde a instauração do processo até ser proferida decisão, ou seja, desde 02/06/2006 até 29/08/2013.

2 – Dos factos assentes resultou também que o Recorrente acreditava que o processo em causa se resolveria mais rapidamente e a demora causou-lhe desgaste, preocupação, nervosismo e desgosto, até à sua resolução;

3 – De acordo com entendimento jurisprudencial aceite sem reservas, as normas de Direito interno respeitantes à responsabilidade civil do Estado Juiz, devem ser objeto de interpretação conforme à Convenção Europeia dos Direitos do Homem e devem ser aplicados tomando em consideração a jurisprudência do TEDH;

4 – Segundo a Jurisprudência do TEDH, existe um núcleo de processos em que a indemnização por cada ano de demora do processo pode subir do patamar de € 1.000,00 a € 1.500,00 para € 2.000,00;

5 –Aliás, o Acórdão Apicella C. Italie de 10/11/2004, considerando nº --, “O montante global será aumentado até 2.000 se o que estiver em causa for importante, nomeadamente em matéria de direito do trabalho, estado e capacidade das pessoas, pensões, processos particularmente importantes relativamente à saúde ou à vida das pessoas.”;

6 – No caso concreto, o Recorrente intentou ação de impugnação de decisão sobre a atribuição de um subsidio de desemprego, e como tal a resolução de uma situação referente a um meio de proteção social fundamental, sendo a indemnização por danos morais pela morosidade da mesma fixada no valor de 4000,00€, cuja fixação não encontra eco na Jurisprudência do TEDH ou Nacional, sendo o montante inaceitável e desfasado dos parâmetros daquelas duas Jurisprudências;

7 – No processo 759/06.1BELRA inexistiu recurso, não foram deduzidos incidentes complexos, não se tendo verificado comportamento da parte, nem dificuldade da causa ou da tramitação justificação para tamanha demora, desde a data de entrada da Petição Inicial até à prolação da decisão de final, a não ser a falha do sistema judicial;

8 – O Tribunal a quo também se distanciou dos critérios de determinação da razoabilidade da duração processual, porquanto não se pode considerar aceitável a duração de um processo por três anos, quando em causa estava a simples apreciação de ação declarativa, sem instância de recurso.

9 – A apreciação e integração do conceito obtenção de decisão em “prazo razoável” constitui um processo de avaliação a ter de ser aferido “in concreto.

10 – Pelo que, analisando o caso concreto, o processo 759/06.1BELRA nunca devia ter ultrapassado a duração de dois anos.

13 – De modo que, face à duração global imputável ao Tribunal onde correu o processo moroso, foi excedido o prazo razoável em 5 anos, e 2 meses

14 – Ora, o Tribunal a quo afastou-se, de forma escandalosa, dos critérios indemnizatórios da jurisprudência do TEDH e Nacional, dado que o caso sub judice possui todos os requisitos para que lhe seja fixado. por cada ano de duração do processo, uma indemnização não inferior a € 2000,00, num total de € 10000,00 euros;

15 – A ser de outro modo, o Recorrido teria um imerecido prémio, dado que este tipo de decisões tem e deve assumir um carácter penalizador no sentido de se evitar a repetição de práticas que levem a que, um processo desta natureza, demore a mais de cinco anos a ser resolvido.

16 – Nos processos contra o Estado em que esteja em causa a violação de direitos fundamentais, deve o mesmo ser condenado, além do mais, pelas despesas processuais e honorários em que o Autor incorra.

17 – Tal demonstração e aferição apenas pode ser realizada após a finalização da ação judicial, porquanto a respetiva nota de liquidação só é emitida nessa fase.

18 – A existência de despesas e honorários com a constituição de mandatário judicial não carece de prova, a não ser para efeitos da sua contabilização em sede de liquidação de sentença, uma vez que a atividade advocaticia tem escopo lucrativo, sendo obrigatória a constituição de mandatário judicial, pelo que consiste num facto notório.

19 – Além de que, a liquidação das custas de parte nos termos da legislação específica não permite a cobertura de todos os prejuízos com despesas de honorários, mas apenas um valor calculado em virtude da taxa de justiça devida pelo processo e outros montantes.

20 – Quando os honorários do mandatário devem ser fixados segundo o Estatuto da Ordem dos Advogados, Lei 145/2015, de 09/09, artigo 105º.

21 – De modo que é em sede de liquidação de sentença que deve ser fixado o montante indemnizatório a pagar a esse título, constituindo um obstáculo excessivamente oneroso a demonstração da existência dessas despesas aquando da propositura da ação, quando as mesmas apenas são determináveis após a conclusão do processo, e constituem um facto notório a partir do momento em que existe uma procuração forense!

22 – Nesta parte, a sentença traduziu-se numa decisão surpresa, em violação do artº 3 nº 3 do CPC;

23– As exigências do artigo 6º do TEDH, do artigo 20º, nº 2 da CRP e 2º do CPC, foram completamente demovidas do caso concreto, em benefício do infrator, atendendo a que a indemnização fixada consiste numa indemnização miserabilista, violadora do direito à justiça em prazo razoável e que tem que ser acolhida pelos nossos Tribunais, sob pena do Estado acabar por ser condenado no TEDH, esgotadas que sejam todas as etapas recursivas possíveis nos Tribunais Nacionais;

24 – Mostram-se violados os artigos 20º CRP, 6º CEDH, 496º do Código Civil e 3 nº 3 e 615º, 1, c) do Código de Processo Civil.

*

A recorrida contra-alegou, concluindo assim:

1. Contrariamente ao defendido pelo Recorrente, não resultou provado, face à prova apresentada em juízo “que o recorrente acreditava que o processo em causa se resolveria mais rapidamente e a demora causou-lhe desgaste, preocupação, nervosismo e desgosto, até à sua resolução”.

2. De facto, o que resultou dos autos e não nos merece qualquer reparo, foi que “O autor se sentiu angustiado, ansioso, preocupado, vivendo numa situação de incerteza, em resultado da demora na prolação da decisão final dos autos identificados em “1” (cfr. fls. 8 da sentença).

3. Tendo em consideração a factualidade constante dos autos e respeitada a doutrina e a jurisprudência atualmente maioritárias quer no TEDH, quer nos Tribunais Nacionais, foi decidido, pela Mma. Juiz subscritora da sentença recorrida, condenar o demandado no pagamento da quantia de 4.000 Euros (quatro mil euros), “a título de indemnização por danos causados pela morosidade na administração da justiça, relativamente ao Processo que correu termos neste tribunal, sob o nº 759/06.1 BELRA”.

4. Assim, no que respeita à primeira questão suscitada, pelo Recorrente, entendemos que a mesma é completamente desprovida de fundamento uma vez que o Tribunal apurou devidamente a matéria factual dos autos e respeitou os critérios indemnizatórios da jurisprudência do TEDH e Nacional, como facilmente se pode constatar da leitura dos diversos Acórdãos citados a fls. 18 a 46, cujo teor aqui damos como integralmente reproduzido.

5. Por todo o exposto e tendo em consideração as especificidades do presente caso concreto, bem como a deficitária situação económico-financeira do país, resulta óbvia, em nosso entender, a conclusão de que nunca poderia ser legitimamente aplicável, in casu, o quantum indemnizatório pretendido pelo Autor, o qual afigura-se-nos carecer de qualquer fundamento plausível ou razoável, sendo certo que o Tribunal pode reduzir equitativamente o quantum debeatur se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa – que, pelas vicissitudes registadas no âmbito do Processo sub judice, sumariamente descritas na douta sentença recorrida, sempre seria mínima – e o dano alegadamente sofrido.

6. No que respeita, por seu lado, à segunda e à terceira questões suscitadas pelo Autor, entende-se que as mesmas são igualmente desprovidas de fundamento, tendo em consideração que “de acordo com a jurisprudência do TEDH, a duração média – que corresponde à duração razoável – de um processo em primeira instância é de cerca de 3 anos e a duração média de todo o processo deve corresponder, em princípio, a um período que vai de 4 a 6 anos, salvo casos especiais” (cfr. Isabel Celeste Fonseca, in CJA, nº 72, p. 45 e 46), sendo que o que resultou provado na sentença recorrida e, como tal foi considerado, foi um atraso de quatro anos, dois meses e vinte e sete dias, por se ter considerado que o processo esteve pendente na primeira instância durante sete anos, dois meses e vinte e sete dias.

7. Do exposto, bem como do teor da fundamentação da decisão recorrida, facilmente se pode depreender que o Tribunal não se distanciou “dos critérios de determinação da razoabilidade da duração processual” e que as exigências do art. 6º do TEDH, do art. 20º nº 2 e 2º do CPC não foram “completamente demovidas do caso concreto, em benefício do infrator”, tanto mais que não se pode considerar a atribuição de um montante de 4.000 Euros de indemnização, ao Autor, por um atraso de quatro anos, dois meses e vinte e sete dias, “uma indemnização miserabilista, violadora do direito à justiça em prazo razoável”, como pretendido pelo recorrente, não se justificando, de todo, a atribuição de um montante de indemnização superior ao estipulado.

8. No que respeita, por último, à quarta questão suscitada pelo recorrente, subscrevemos na íntegra, a fundamentação exposta a fls. 39 a 42 da sentença recorrida, apoiada pelo acórdão do TCA Sul, de 4.04.2019, que concluiu que “Como se escreveu no acórdão citado: “ no caso dos autos a A., aqui recorrida, nada provou, quanto ao valor dos honorários que pagou ao seu mandatário judicial nos processos de expropriação, também não resultando provados nos autos quaisquer factos que permitam concluir que foram por si suportados honorários de advogado superiores aos que suportaria se os processos de expropriação aqui em causa não tivessem sofrido os atrasos em causa nos autos”. E, por fim, como supra afirmado, também não se mostra indemnizável o dano derivado do pagamento – ainda não efetuado, ou pelo menos disso não há notícia nos autos - dos honorários devidos nesta mesma. Estes “só podendo ser considerados no âmbito das custas de parte, nos termos dos arts. 25º, nº 2, al. d) e 26º, nº 3, al. c) do Regulamento das Custas Processuais (RCP), a elas tendo direito a parte vencedora, na medida do seu vencimento (cfr. arts. 527, nºs 1 e 2 e 533º do CPC)”, e, não havendo vencimento, “sendo a A. parte totalmente vencida não tem direito a receber qualquer montante a título de honorários de advogado”.

9. Não se nos afigura, por todo o exposto, merecer qualquer reparo a sentença recorrida, nos concretos pontos invocados pelo Recorrente, tanto mais que, ao proferi-la, a Mma. Juiz, apurou de forma detalhada todos os factos pertinentes in casu e fundamentou devidamente a sua convicção, quer de facto, quer de direito, respeitando integralmente as normas legais aplicáveis ao presente caso concreto.

Termos em que, em nosso entender, deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se, na íntegra, a decisão proferida, nos seus precisos termos.

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Cumpridos que estão neste tribunal superior os demais trâmites processuais, vem o recurso à conferência para o seu julgamento.

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Delimitação do objeto da apelação - questões a decidir

Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal a quo, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso. Esta alegação apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de Direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas.

Assim, tudo visto, cumpre a este tribunal apreciar e resolver aqui o seguinte:

-Erros de julgamento de direito quanto à existência de despesas com o mandatário forense e quanto à fixação do montante indemnizatório.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – FACTOS PROVADOS

O tribunal a quo fixou o seguinte quadro factual:

1. Em 02.06.2006 deu entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria o processo que correu termos sob o n.º 759/06.1BELRA, em que figurava como o autor o autor nestes autos, A.............., e como réu o Instituto de Segurança Social, I.P. – cf. registo constante de fls. 1 do processo com o n.º 759/06.1BELRA, junto aos presentes autos como prova documental [anexo].

2. No âmbito do processo identificado em “1.” peticionava-se, a final,

(i) a declaração de nulidade do ato administrativo pelo qual se indeferiu o requerimento de prestação de desemprego efetuado pelo autor junto do réu;

ou, subsidiariamente, (ii) a declaração de “ocorrência de justo impedimento e de caso de força maior do lado do A.”, a justificar a entrega do pedido de concessão daquela prestação social na data de 10.10.2015; (iii) a condenação do réu na prática do ato administrativo devido, de deferimento da pretensão do autor; (iv) a condenação do réu em custas e procuradoria - cf. PI constante de fls. 2 e ss. do processo com o n.º 759/06.1BELRA, junto aos presentes autos como prova documental [anexo].

3. Por ofício de 06.06.2006, efetuou-se a citação da entidade pública demandada – cf. ofício de fls. 41-42 do processo com o n.º 759/06.1BELRA, junto aos presentes autos como prova documental [anexo].

4. Em 23.06.2006 a entidade pública demandada apresentou a respetiva contestação e juntou o processo administrativo – cf. fls. 49 e ss. do processo com o n.º 759/06.1BELRA, junto aos presentes autos como prova documental [anexo].

5. Por ofício de 27.06.2006 o autor foi notificado da apresentação da contestação e respetivos documentos, bem como da junção aos autos do processo administrativo – cf. fls. 89 do processo com o n.º 759/06.1BELRA, junto aos presentes autos como prova documental [anexo].

6. Em 21.06.2011 foi proferido despacho saneador com o seguinte teor:

“O Tribunal é o competente.

O processo é o próprio.

As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se devidamente representadas.

Não se verificam quaisquer exceções dilatórias, nem perentórias.

Na ausência de matéria de facto controvertida relevante para a decisão a tomar nos presentes autos, inexistindo questões que obstem ao conhecimento do processo e não tendo sido requerido pelo Autor, sem oposição da Entidade demandada, a dispensa de alegações finais (artigo 87.º e 89.º CPTA), notifique o Autor para, no prazo de 20 dias e, depois, o Réu, em igual prazo, querendo, apresentarem as respetivas alegações (n.º 4 do artigo 91.º CPTA).

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Leiria, 21/06/2011 (Posse em 6/10/08, recebendo uma “herança processual “elevada e complexa, nomeadamente dos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007, acrescendo os processos urgentes Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que nos vão sendo distribuídos, bem como o serviço normal diário. Juntando-se a situação pessoal motivada com a doença cardíaca grave e súbita de filho que obrigou a intervenção cirúrgica urgente e levou a período de baixa médica).

A Juiz de Direito” – cf. fls. 94 do processo com o n.º 759/06.1BELRA, junto aos presentes autos como prova documental [anexo].

7. Em 01.09.2011 o autor apresentou em juízo as respetivas alegações escritas – cf. fls. 98 e ss. do processo com o n.º 759/06.1BELRA, junto aos presentes autos como prova documental [anexo].

8. Em 27.09.2012 o autor apresentou em juízo requerimento por si subscrito, com o seguinte teor:

“Eu, A.............., (...) [agradeço] com a maior brevidade quanto possível seja dada a sentença com justiça e rigor, sendo que a minha vida económica, profissional e pessoal se encontra muito degradada (pouca saúde). (...)” – cf. fls. 108 do processo com o n.º 759/06.1BELRA, junto aos presentes autos como prova documental [anexo].

9. Em 09.10.2012 foi proferido despacho com o seguinte teor:

“Informe o Autor que os autos se encontram em estudo para prolação de sentença, sendo que a signatária tomou posse neste Tribunal em 04.09.2012, tendo-lhe sido distribuídos eletronicamente 423 processos em 11.09.2012, encontrando-se ativos 311, incluindo os presentes, pelo que a decisão final será proferida logo que possível, tendo em conta a data da sua instauração em Tribunal e a preferência dada aos processos urgentes. Após, conclua os presentes autos.” - fls. 109 do processo com o n.º 759/06.1BELRA, junto aos presentes autos como prova documental [anexo].

10. O autor foi notificado do despacho que antecede por ofício de 10.10.2012 - fls. 111 do processo com o n.º 759/06.1BELRA, junto aos presentes autos como prova documental [anexo].

11. Os autos foram conclusos em 11.10.2012 – cf. fls. 113 do processo com o n.º 759/06.1BELRA, junto aos presentes autos como prova documental [anexo].

12. Em 29.08.2013 foi proferida sentença, pela qual se julgou a ação procedente, condenando-se a entidade demandada a proferir decisão sobre o pedido de atribuição de prestações de desemprego formulado pelo autor – cf. fls. 115 e ss. do processo com o n.º 759/06.1BELRA, junto aos presentes autos como prova documental [anexo].

13. Em 04.11.2013 a entidade demandada apresentou requerimento nos autos, informando ter procedido à “reanálise do processo”, verificando “que se encontravam reunidas as condições de atribuição da prestação de desemprego”, concluindo que “o requerimento [fora] objeto de decisão de deferimento” – cf. fls. 151 e ss. do processo com o n.º 759/06.1BELRA, junto aos presentes autos como prova documental [anexo].

14. O autor apresentou junto do Instituto da Segurança Social, I.P. requerimento de prestações de desemprego na data de 10.10.2005 – cf. doc. 1 junto com a contestação dos autos 759/06.1BELRA, junto aos presentes autos como prova documental [anexo].

15. Por ofício datado de 01.03.2006, o Instituto de Segurança Social, IP informou o autor do seguinte:

“Informa-se V. Exª de que o requerimento acima indicado será indeferido se, no prazo de 10 dias úteis a contar da data de receção deste ofício, não der entrada nestes serviços, resposta por escrito, da qual constem elementos que possam obstar ao indeferimento, juntando meios de prova se for caso disso.

Os fundamentos para o indeferimento são os a seguir assinalados:

- Não ter sido apresentado requerimento no prazo de 90 dias consecutivos a contar da data do desemprego (...)

- Não ter sido apresentado o comprovativo de inscrição no Centro de Emprego da área de residência no prazo estipulado (...).” – cf. doc. 1 junto com a PI dos autos 759/06.1BELRA, junto aos presentes autos como prova documental [anexo].

16. Desde que o autor apresentou requerimento de prestações de desemprego, na data referida em 14, o mesmo exerceu funções por conta de outrem no período que mediou entre 29.06.2007 e 31.01.2008 e desde 18.02.2008 em diante, até, pelo menos, agosto de 2013 – cf. docs. juntos com os requerimentos de 26.02.2018.

17. O autor sentiu-se angustiado, ansioso, preocupado, vivendo numa situação de incerteza, em resultado da demora na prolação da decisão final dos autos identificados em “1.”.

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II.2 – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Tendo presente o exposto, passemos agora à análise dos fundamentos do presente recurso.

1.

A sentença recorrida, invocando a pertinente legislação e a pertinente jurisprudência portuguesa e do TEDH, fixou (cf. artigo 566º/3 do Código Civil) em 4000 euros o montante da indemnização devida pelo Estado, por violação do direito funda, uma vez que o prazo razoável para ser emitida a sentença na 1ª instância foi ultrapassado em 4 anos. O Tribunal Administrativo de Círculo considerou não haver alegação e prova do dano autónomo relativo a despesas e honorários com advogado.

O recorrente discorda da sentença recorrida, (i) porque esta não tutelou as despesas processuais e com honorários de advogado e (ii) porque, quanto ao dano comum pelo atraso na administração judiciária, fixou um valor incorreto porque muito baixo e porque a duração razoável no caso concreto presente deveria ser de 2 anos e não 3 anos.

São estes os 2 pontos centrais do recurso.

O recorrido, por seu lado, concorda com a sentença, respondendo ao recurso, dizendo que não há factualidade para o suposto dano extraordinário quanto a despesas e honorários além do que resulta já do regime legal de custas de parte (cf. artigos 25º e 26º do RCP e artigos 527º e 533º do Código de Processo Civil).

Apreciemos, pois.

2.

No plano do ordenamento jurídico português vigente, o direito de acesso ao sistema judiciário constitui uma garantia inerente do direito ao acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional com processo equitativo e em prazo razoável (artigos 20.º, n.ºs 4 e 5, e 268.º, n.ºs 4 e 5, da Constituição).

A infração a tal direito, que é extensível a qualquer tipo de processo, constitui o Estado em responsabilidade civil extracontratual (cf. artigo 22.º da Constituição e artigo 6º do CEDH em conjugação com a legislação nacional).

O direito à jurisdição (aplicação do Direito, vulgo justiça) em prazo razoável assegura às partes envolvidas numa ação judicial o direito de obter do órgão jurisdicional competente uma decisão dentro dos prazos legais pré-estabelecidos, ou, no caso de esses prazos não estarem fixados na lei, de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade do processo. É um direito face ao Estado, coo é típico dos direitos fundamentais.

A apreciação e integração do conceito de justiça-jurisdição em prazo razoável ou de obtenção de decisão em prazo razoável constitui um processo de avaliação “in concreto” e nunca em abstrato, pelo que, nessa tarefa, nunca nos poderemos socorrer única e exclusivamente do que deriva das regras legais que definem o prazo ou os sucessivos prazos para a prática e prolação dos atos processuais pelos vários intervenientes. A apreciação da razoabilidade de duração de um processo terá de ser feita analisando cada caso em concreto e numa perspetiva global, tendo como ponto de partida a data de entrada do processo no órgão judiciário competente e como ponto final a data em que é tomada a decisão definitiva, contabilizando eventuais instâncias de recurso e ainda a eventual fase executiva.

Para haver obrigação de indemnizar é condição essencial que o facto ilícito culposo tenha gerado um prejuízo a alguém, sendo que a indemnização deve, sempre que possível, reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto danoso (situação hipotética) - cfr. artigos 562.º, 563.º e 566.º do Código Civil.

Deriva do artigo 13.º da CEDH que qualquer pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção tiverem sido violados tem direito a recurso perante uma instância nacional, mesmo quando a violação tiver sido cometida por pessoas que atuaram no exercício das suas funções oficiais.

O dever de indemnizar compreende não só os danos patrimoniais, mas também os danos não patrimoniais, importando quanto a estes atender, no plano interno, também ao regime legal que decorre dos artigos 496.º e 494.º do Código Civil.

Decorre deste preceito que, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo o montante fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º, isto é, tomando em consideração o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, à luz do que se mostre habitualmente entendido pelo TEDH e, bem assim, de outras circunstâncias que emergem da factualidade provada. Tudo com o objetivo de, após a adequada e expressa ponderação, poder concluir a respeito do valor pecuniário que considere adequado para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais que sofridos com a lesão do seu direito a uma decisão judicial em prazo razoável.

A lei não enuncia ou enumera quais os danos não patrimoniais indemnizáveis, antes confia ao juiz o encargo ou tal tarefa à luz do que se disciplina nos artigos 496.º/4, 494º e 566º/3 do Código Civil.

A indemnização-compensação pelos danos não patrimoniais mostra-se ligada à pessoa humana, à sua dignidade e liberdade, não constituindo o juízo que a fixa uma atividade arbitrária já que na sua fundamentação terá de levar em consideração a ponderação da gravidade dos danos medida por um padrão objetivo e não à luz de fatores subjetivos, de uma sensibilidade particularmente embotada, aguçada ou especialmente requintada do lesado, mas, também, os fins gerais e especiais prosseguidos pela indemnização neste âmbito.

3.

No quadro da matéria aqui ora em discussão, o Supremo Tribunal Administrativo e este Tribunal Central Administrativo Sul, aliás seguindo o TEDH(1), têm jurisprudência firme e consolidada no sentido de que os danos não patrimoniais que, segundo o conhecimento comum, sempre atingem os demandantes, isto é, ocorrem em praticamente todos os casos de atraso significativo na atuação da justiça, merecem, em princípio, a tutela do Direito, não sendo de minimizar na respetiva relevância, sem prejuízo de prova em contrário ou de diferente causalidade em cada caso, na certeza de que, se a parte que invoca a lesão, alegar e procurar provar mais danos do que os comuns, mas não se conseguir provar que os sofreu, nem por isso fica prejudicada no direito à indemnização que resulta da presunção natural ou judicial de um dano moral relevante. Salvo quando se provar que, em concreto, mesmo este, não ocorreu - cfr. a jurisprudência iniciada pelo Ac. do Supremo de 28-11-2007 - Proc. n.º 0308/07, seguida e aprofundada pelo seu Ac. de 09-10-2008 - Proc. n.º 0319/08, e sucessivamente reiterada, nomeadamente, nos Acs. de 09-07-2009 - Proc. n.º 0365/09, de 01-03-2011 - Proc. n.º 0336/10, de 15-05-2013 - Proc. n.º 01229/12, e de 14-04-2016 - Proc. n.º 01635/15.

Extrai-se da fundamentação expendida no referido Acórdão de 09-10-2008, no âmbito daquilo que aqui ora releva, que, para que haja obrigação de indemnizar será necessário que se demonstre a existência da generalidade dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual, inclusivamente o nexo de causalidade entre o atraso na tramitação do processo e os danos patrimoniais ou não patrimoniais invocados.

A possibilidade de a mera ofensa de um direito fundamental ser geradora da obrigação de indemnizar por danos não patrimoniais é imposta pelo próprio artigo 22.º da Constituição, que admite a possibilidade de indemnização por tais violações independentemente de prejuízos ou danos materiais, parecendo que não se trata de um dano automático, decorrente da constatação de uma violação de um direito fundamental, já que, para haver obrigação de indemnizar por atraso indevido na administração da justiça-jurisdição, é necessário demonstrar que existe ilicitude no atraso, dano reparável e nexo de causalidade adequada.

Podem encontrar-se na mais recente jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem casos em que, apesar de afirmar que ocorreu violação do art. 6.º, §1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, por ser excedido o prazo razoável, se entendeu que não haver lugar a indemnização por danos morais decorrentes dessa violação, por o prejuízo moral invocado ter outra causa, o que significa, assim, que a indemnização por danos morais decorrentes não é automática, dependendo da existência de nexo de causalidade entre o atraso e os danos morais que se consideram provados. A título de exemplo, podem ver-se os acórdãos de 9-1-007, proferido no caso Kriz contra República Checa, processo n.º 26634/03, e de 9-1-2007, proferido no caso Mezl contra República Checa, processo n.º 27726/03.

A fixação do quantum debeatur relativo à indemnização a arbitrar pelos danos não patrimoniais mostra-se uma tarefa árdua e difícil, que envolve sempre margem de controvérsia, posto que o seu montante, como supra já aludimos, deve ser “fixado equitativamente” (cfr. o n.º 3 do citado art. 566.º e o artigo 494.º do Código Civil). Não se trata de uma atividade arbitrária, já que convoca e impõe a emissão dum juízo que terá de levar em consideração na sua fundamentação a ponderação da gravidade dos danos, os fins gerais e especiais prosseguidos pela indemnização neste âmbito e a prática jurisprudencial em situações similares.

Assim, e desde já, quanto a este ponto socorrendo-nos nesta sede daquilo que tem sido a jurisprudência do TEDH firmada quanto aos fatores que importa atender e considerar no juízo jurídico de equidade definidor do valor a arbitrar pelos danos não patrimoniais, bem como da legislação nacional portuguesa, extrai-se:

i) consideração da duração do processo, que deve ser feita levando em conta os anos que o mesmo esteve pendente, apurando-se no seu conjunto e não isoladamente por cada ano de demora/atraso;

ii) a importância do litígio e seu impacto na esfera jurídica da parte (especial relevância para as ações laborais, sobre o estado e capacidade das pessoas, sobre pensões, relativas à saúde ou à vida das pessoas);

iii) o comportamento da parte durante o processo;

iv) o levar em consideração o próprio nível de vida do país;

v) conduz à redução do montante a arbitrar o serem apuradas condutas que hajam importado ou contribuído para o retardamento do processo, o facto da participação no procedimento ter sido curta ou breve, o facto do litígio e sua decisão assumir pouca importância na esfera jurídica e patrimonial da parte, ou ainda o facto desta já ter obtido/recebido quantia em dinheiro destinada a indemnizar a lesão do direito a uma decisão judicial em prazo razoável - cfr., entre outros, o Ac. do TEDH de 10-11-2004, caso «Musci v. Itália», § 27.

4.

O juízo jurídico de equidade previsto nos artigos 4º-a), 496º/4, 494º e 566º/3 do Código Civil (sendo a equidade jurídica uma solução normativo-jurídica, sem apoio direto nas fontes de Direito, adaptada às especificidades do caso concreto, mas não arbítrio ou graça; MIGUEL NOGUEIRA DE BRITO, Introdução…, AAFDL, 2017, p. 298(2)), como é sabido, parte sempre do Direito positivo como expressão histórica máxima do Direito, embora tenha muito particularmente em conta as circunstâncias do caso concreto, mediante a sua ponderação à luz de regras da boa prudência, da justa medida das coisas, e da criteriosa ponderação das realidades da vida, mas em que os respetivos critérios têm ainda uma origem intrajurídica, o que o aproxima mais do Direito do que do plano factual.

5.

Ora, constatada uma violação do artigo 6º, § 1º, da CEDH, relativamente ao direito à emissão de uma decisão judicial em prazo razoável, existe e opera, em favor da vítima daquela violação da Convenção, uma forte presunção natural da verificação de um relevante dano psicológico e moral comum, de natureza não patrimonial, sofrido por todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não veem as suas pretensões resolvidas por um ato final do processo em tempo razoável

Àquela vítima impende um ónus de alegação e uma carga da prova dos danos não patrimoniais que excedam aquele dano comum e se mostrem relativos à sua específica situação concreta.

Tal presunção é, todavia, ilidível pelo demandado, impendendo sobre este o ónus de alegação e a carga da prova em concreto da inexistência daquele dano e do afastamento do automatismo entre a violação constatada da Convenção e aquele dano.

O demandante, para poder beneficiar da operatividade e aplicação daquela presunção, carecerá apenas de alegar e demonstrar a existência de uma violação objetivamente constatada da Convenção, o que conduz a que se presuma como existente o dano psicológico e moral comum, sem necessidade de que dele seja feita prova.

6.

Passemos agora diretamente a 1ª questão, a relativa à indemnização por despesas processuais e com honorários de advogado.

6.1.

São danos patrimoniais. E como tal esto sujeitos ao imposto nos importantes artigos 5º, 410º ss e 607º/3/4 do Código de Processo Civil.

Quer dizer, têm de ficar provados. Por exemplo, tem de ficar provado – e não é facto notório – que ficou acordado que o mandato forense é e será pago pela parte. Só isto pode ser chamado de dano, um dos pressupostos essenciais da responsabilidade civil extracontratual.

Desde logo cumpre referir que, aqui, a sentença não ofendeu o artigo 3º/3 do Código de Processo Civil. Ao contrário do referido no recurso. Com efeito, não há aqui nenhuma decisão surpresa, na medida em que o tribunal a quo analisou tal questão discutida nos articulados.

Vejamos.

6.2.

O Tribunal Administrativo de Círculo referiu que:

“Na realidade, como bem refere o autor, abundante jurisprudência tem versado o tema do ressarcimento destas despesas e afirmado como dano indemnizável as despesas judiciais e os honorários de advogado (- e isto não obstante a existência de regime legal expressamente vocacionado para o ressarcimento destas despesas, como é o das custas de parte). É exemplo claro desta jurisprudência o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15.09.2017 (Proc. 00260/05.0BEPRT-A, disponível em www.dgsi.pt) … Todavia, assente que a ressarcibilidade de um determinado dano supõe a demonstração da sua ocorrência, e não se apurando nos autos a existência de quaisquer despesas, não fica apenas por demonstrar o respetivo quantum, mas a sua própria existência. Com efeito, o autor peticiona o pagamento dos honorários devidos a advogado, entendido como despesa em que incorreu por causa da presente lide. Todavia, não evidencia (nem sequer alega, discriminadamente) que tenha despendido com advogado quaisquer quantias, não especificando quaisquer despesas, sequer aquelas que ocorreram já, por virtude da instauração da presente ação. Ora, é impossível relegar para momento posterior a quantificação de um dano cuja existência não se chegou a demonstrar. “

6.3.

Até há pouco tempo, entendeu-se que as despesas judiciais e com honorários do advogado, desde que adequadas e necessárias para eliminar da ordem jurídica a atuação ilícita da Administração geradora do dever de indemnizar ou para compensar os respetivos danos, são danos patrimoniais indemnizáveis - cfr. entre outros, os acórdãos do STA de 02-06-1992 - Proc. n.º 029651, de 09-06-1999 - Proc. n.º 043994, de 31-05-2000 - Proc. n.º 041201, de 13-12-2000 - Proc. n.º 044761, de 14-03-2002 - Proc. n.º 047342, de 06-06-2002 - Proc. n.º 24779A, de 08-03-2005 - Proc. n.º 039934-A, de 19-12-2006 - Proc. n.º 01036/05, de 04-03-2009 - Proc. n.º 0754/08, e de 20-06-2012 - Proc. n.º 0266/11. Ou ainda o ACÓRDÃO deste TCA Sul de 30-01-2020, pág. nº 253/18.8…

Porém, o atual RCP conduzirá talvez a um reposicionamento sobre tal matéria, atento o teor dos artigos 25º e 26º (bem como dos consabidos artigos 527º e 533º do Código de Processo Civil) – cf. assim o recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-11-2019, p. nº 0284/17...

Salientamos e transcrevemos do cit. artigo 26º o seguinte:

1 - As custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas, salvo quando se trate dos casos previstos no artigo 536.º e no n.º 2 do artigo 542.º do Código de Processo Civil.

2 - As custas de parte são pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora, salvo o disposto no artigo 540.º do Código de Processo Civil, sendo disso notificado o agente de execução, quando aplicável.

3 - A parte vencida é condenada, nos termos previstos no Código de Processo Civil, ao pagamento dos seguintes valores, a título de custas de parte:

a) Os valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora, na proporção do vencimento;

b) Os valores pagos pela parte vencedora a título de encargos, incluindo as despesas do agente de execução;

c) 50 /prct. do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior;

d) Os valores pagos a título de honorários de agente de execução.

4 - No somatório das taxas de justiça referidas no número anterior contabilizam-se também as taxas dos procedimentos e outros incidentes, com exceção do valor de multas, de penalidades ou de taxa sancionatória e do valor do agravamento pago pela sociedade comercial nos termos do n.º 6 do artigo 530.º do Código de Processo Civil e do n.º 3 do artigo 13.º

5 - O valor referido na alínea c) do n.º 3 é reduzido ao valor indicado na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior quando este último seja inferior àquele, não havendo lugar ao pagamento do mesmo quando não tenha sido constituído mandatário ou agente de execução. …

6.4.

Mas, aqui, a verdade, aliás frequentemente esquecida - apesar (1º) dos artigos 5º, 410º ss e 607º/3/4 do Código de Processo Civil e (2º) de estarmos ante dano patrimonial -, é que a p.i. e a sentença não contêm qualquer factualidade integrável num dano “despesas com mandatário judicial”, factualidade que, sublinhamos, não é notória no sentido jurídico-processual de facto notório.

Como tal, ainda que pudesse ser uma despesa a quantificar em liquidação de sentença, é uma despesa que tinha de ser alegada (artigo 5º do Código de Processo Civil: ónus de alegação dos factos essenciais) e de ficar provada nos autos.

Não foi, porém, o que aqui aconteceu.

Sublinhemos que a presunção de onerosidade do mandato prevista no artigo 1158º do Código Civil não vale contra terceiros a essa relação jurídica de mandato. Obviamente.

Pelo que a sentença, além de não violar o artigo 3º/3 do Código de Processo Civil, decidiu corretamente, de acordo com os artigos 5º e 410º ss do Código de Processo Civil.

7.

Passemos agora à 2ª questão.

7.1.

O recorrente discorda da sentença, porque, quanto ao dano comum ou presumido pelo atraso na administração judiciária, o Tribunal Administrativo de Círculo terá fixado um valor incorreto para o caso concreto (muito baixo, além do que a duração razoável no caso concreto presente deveria ser de 2 anos e não 3 anos).

Ora, aqui está apenas em causa o montante indemnizatório atribuído pelo tribunal, 4000 euros, como compensação pelo dano moral presumido ou comum cit. decorrente de 4 anos além do prazo razoável de 3 anos.

7.2.

A este propósito em geral, mencionemos agora alguma jurisprudência recente.

- Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 19-06-2019, p. nº 196/17… (rel. Paulo P. Gouveia):

I - Para efeitos de fixação do montante da indemnização por danos causados pela violação do art. 6.º, § 1.º, da CEDH e do art. 20º, nº 4, da Constituição, devemos considerar, entre outras, as indicações dadas pela jurisprudência do TEDH e, uma vez que estes conhecem bem a realidade nacional, dos tribunais nacionais.

II - Deve-se atender, por isso e de acordo com o art. 496º/1/4 do Código Civil, às seguintes circunstâncias de cada caso concreto: (i) o tipo de processo; (ii) a duração desse processo concreto que vá além do normal e razoável (atendendo ao número de anos em que a ação esteve pendente no seu conjunto e não isoladamente por cada ano de demora/atraso); (iii) a importância do concreto litígio para as partes e o seu impacto na esfera jurídica e ou patrimonial das partes (sendo de considerar haver especial relevância para as ações: laborais, sobre o estado e capacidade das pessoas, sobre pensões, relativas à saúde ou à vida das pessoas; e devendo a indemnização ser reduzida caso o litígio e a sua decisão assumam pouca importância na esfera jurídica e patrimonial da parte, relevando para o efeito o facto de a parte já ter obtido/recebido quantia em dinheiro destinada a indemnizar a lesão do direito a uma decisão judicial em prazo razoável); (iv) o comportamento das partes durante o processo (havendo lugar à redução do montante a arbitrar caso sejam apuradas condutas que hajam importado ou contribuído para o retardamento do processo, ou se a participação no procedimento foi curta ou breve); (v) a realidade económico-financeira de cada Estado; e (vi) o nível de vida do país.

III - São pressupostos da responsabilidade civil extracontratual delitual, aquiliana ou por facto ilícito: 1º- a existência de um dano (aferido a partir da ilicitude objetiva, é a supressão ou diminuição de uma qualquer vantagem ou situação favorável protegida pelo Direito); 2º- um facto cometido ou omitido pelo agente lesante, ou seja, uma conduta humana; 3º- a ilicitude dessa conduta (= juízo de inobservância do direito objetivo, por violação de um direito subjetivo alheio ou de normas de proteção de interesses alheios, sem que haja causa de justificação); 4º- um nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e o dano (além de “conditio sine qua non”, exige-se uma causalidade normativa entre o facto humano e o dano, resultante essencialmente de o facto ir contra o escopo da norma jurídica violada, sem prejuízo de o facto ter de ser desde logo uma condição adequada do dano em termos de normalidade social); 5º- a culpa, ou real ou legalmente presumida, na comissão ou omissão da conduta (= juízo de censura formulado pelo Direito relativamente à conduta ilícita do agente do facto danoso, que é a base da imputação delitual ou aquiliana), ou seja, (i) o dolo ou (ii) a negligência do lesante, culpa que é de avaliar em abstrato, isto é, (iii) considerando como modelo avaliativo uma pessoa comum ou razoável incluída no mesmo meio social, cultural e económico do lesante, perante as circunstâncias do caso concreto.

IV - Tem-se entendido que um processo deve ter uma duração “normal”, aceitável ou razoável até 3 anos na 1ª instância e até 4 anos se houver recurso, isto como meros princípios orientadores. Após tais 3 anos ou 4 anos haverá duração ilícita, em princípio.

V - Constatada uma violação do art. 6.º, § 1.º, da CEDH e do art. 20º, nº 4, da Constituição, relativamente ao direito fundamental à emissão de uma decisão jurisdicional em prazo razoável, ou seja, verificado que um processo tem ou teve uma duração irrazoável em concreto, existe e opera em favor da vítima daquela violação da Convenção, segundo o TEDH, uma forte presunção natural (ou “judicial”) da verificação de um relevante dano psicológico e moral comum, de natureza não patrimonial, sofrido por todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não veem as suas pretensões resolvidas em tempo razoável.

VI - Os designados danos não patrimoniais comuns ou judicialmente presumíveis resultantes do atraso na obtenção de uma decisão em prazo razoável, merecem, em princípio, a tutela do Direito; sem prejuízo de prova em contrário ou de diferente causalidade. Quanto a danos não patrimoniais que excedam aquele dano comum ou judicialmente presumido, que se mostrem relativos à específica situação concreta, cabe ao demandante lesado o ónus de alegação dos factos relativos a esses danos, pois que aqui não há factualidade notória ou presumida.

- Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 10-12-2019, p. nº 1966/09… (rel. Dora Neto):

i) O atraso na decisão de processos judiciais, quando viola o direito a uma decisão em prazo razoável, é um facto ilícito, gerador de responsabilidade civil do Estado.

ii) Na aplicação da Convenção Europeu dos Direitos do Homem e na densificação dos respetivos conceitos – entre os quais os de prazo razoável de decisão, indemnização razoável e danos morais indemnizáveis -, tem, necessariamente, de atender-se à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH).

iii) Segundo a jurisprudência do TEDH os danos não patrimoniais que segundo o conhecimento comum sempre ocorrem em praticamente todos os casos de atraso excessivo na atuação da justiça - correspondentes ao dano psicológico e moral comum que sofrem todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não veem as suas pretensões resolvidas num prazo razoável - merecem, em princípio, a tutela do direito, não sendo de minimizar na respetiva relevância, sem prejuízo de prova em contrário ou de diferente causalidade.

iv) No que respeita ao montante da indemnização a arbitrar para ressarcimento desses danos não patrimoniais deve atender-se aos padrões fixados pela jurisprudência do TEDH, o qual atribui entre €1.000 a 1.500 por cada ano de atraso injustificado.

- Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 30-01-2020, p. nº 52/17… (rel. Sofia David):

I – Para aferir da ilicitude decorrente de um atraso na decisão judicial, há que considerar, primeiramente, de forma analítica o (in)cumprimento dos vários prazos legais para a prática dos vários atos e dos correspondentes prazos para a ocorrência das várias fases processuais, atendendo, ainda, às circunstâncias do caso concreto e designadamente: (i) à complexidade do caso; (ii) ao comportamento processual das partes; (iii) à atuação das autoridades competentes no processo; (iv) e à importância do litígio para o interessado;

II - Posteriormente, há que encetar um segundo raciocínio, já não analítico, mas global, em que a aferição do pressuposto da ilicitude decorrente da excessiva demora do processo ou do atraso na decisão judicial se afere pela totalidade do período de tempo em que tal processo se desenvolveu;

III – Ocorre violação do direito à justiça em prazo razoável quando relativamente a uma ação declarativa de mediana complexidade, que teve alguma complicação ao nível da prova e em termos de incidentes, mas que acabou com uma transação na data da audiência final, a referida lide teve uma duração total de cerca de 4 anos e 6 meses;

IV - O TEDH e no seu seguimento a doutrina e jurisprudência nacionais veem indicando como um tempo razoável para a tramitação de uma ação declarativa em 1.ª instância de 3 anos;

V - Estando em causa uma responsabilidade pelo ilícito, não se exige uma culpa subjetivada, aceitando-se como bastante uma culpa do serviço, globalmente considerado;

VI - Incumbe ao Estado criar mecanismos processuais para obstaculizar ou para evitar o prolongamento da tramitação processual decorrente das próprias vicissitudes processuais e dos comportamentos de alguma das partes. O facto de a lei processual permitir que uma das partes não adote as diligências mais corretas e que tornam a lide mais célere, não afasta a ilicitude do Estado decorrente da não organização de um sistema judiciário que viabilize lides rápidas e efetivas;

VII - Fora dos casos em que existe um uso abusivo do processo ou claramente determinado a atrasar os autos, o comportamento menos diligente e pro ativo de uma das partes, que não foi aquela a quem o desfecho do litígio foi favorável, não afasta a responsabilidade do Estado de criar um sistema judicial e processual que garanta a todos os intervenientes processuais a justiça em tempo razoável;

VIII - Deve presumir-se a existência de danos não patrimoniais como consequência da demora excessiva de um processo judicial;

IX - Quanto ao montante do dano não patrimonial, regem os art.ºs. 496.º, nº 4, e 494.º do CC. Porém, ainda aqui há igualmente que atender à jurisprudência do TEDH, que tem exigido que a indemnização a atribuir pelo juiz nacional seja razoável e em montante idêntico aos atribuídos por aquele TEDH para casos semelhantes. Para aferir os casos semelhantes, o TEDH compara os números de anos, o número de jurisdições em que os casos correram, a importância dos interesses em jogo, o comportamento das partes e considera as situações para um mesmo país;

X- Pelos cerca de 18 meses que a ação terá demorado a mais, será razoável fixar a indemnização a conceder a cada um dos AA. em 1.500,00€.

Esta jurisprudência é esclarecedora do atual estado do Direito nacional nesta matéria.

7.3.

O recorrente considera que o prazo razoável era de 2 anos, até porque o processo não teve audiência final com produção de prova, e que o valor compensatório deveria ser de 2000 euros por cada ano de atraso, atendendo ao caso concreto, maxime, ao facto de estar em causa o subsídio de desemprego do recorrente.

E tem alguma razão.

Com efeito, o processo teve na sua sequência os seguintes passos principais:

- Data da entrada do processo: 2/6/2006,

- Data da contestação: 23/6/2006,

- Data da junção de documentos: 27/6/2006,

- Data do despacho saneador: 21/6/2011,

- Portanto, período da primeira inércia processual imputável ao Estado: 27/6/2006 a 21/6/2011, ou seja, 5 anos,

- Produção de prova testemunhal,

- Data das alegações do Autor: 1/9/2011,

- Data da prolação da sentença: 29/8/2013,

- Portanto, período da segunda inércia processual imputável ao Estado: De 1/9/2011 a 29/8/2013, ou seja, quase 2 anos.

Dentro dos critérios de razoabilidade do prazo, deve-se atender: à complexidade do caso, que aqui é simples; à conduta das partes, que aqui foi regular; à atuação das autoridades competentes no processo e ao que está em causa para o Autor do litígio (Cfr. Acórdão do TEDH caso Silva Pontes v. Portugal, de 23/04/1994, § 38).

Para se aferir da complexidade do caso deve ter-se em conta o número de intervenientes processuais (aqui, além do tribunal, só duas partes), a complexidade da matéria de facto (aqui, muito baixa) e de direito.

Ora, não é admissível, no sentido de adequado, razoável e proporcionado (vulgo, justo), que um tribunal tenha demorado, neste caso concreto, mais de 3 anos a emitir sentença. Num processo declarativo com tal concreta sequência de atos processuais.

Por outro lado, em tal processo discutia-se a decisão de indeferimento do pedido de subsídio de desemprego formulado pelo aqui autor-recorrente. Aliás, o autor obteve ganho de causa.

É algo de grande importância para uma pessoa, embora depois o autor tenha acabado a ter emprego.

Nestes termos, a irrazoabilidade da duração do processo ultrapassou um pouco os 4 anos e, estando em causa algo tão importante como o subsídio de desemprego devido ao autor, que mais tarde se viu ter razão contra o Estado, o montante da indemnização-compensação pelo cit. dano moral comum presumido deve ser fixado, em equidade com apelo às ideias centrais da proporcionalidade e da igualdade e ainda sob a égide do imposto nos artigos 566º/3, 496º/1/4 e 494º do Código Civil, no valor de 1500 euros por cada ano.

*

III – DECISÃO

Nestes termos e ao abrigo do artigo 202.º da Constituição e do artigo 1.º, nº 1, do EMJ (ex vi artigo 57.º do ETAF), os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul acordam em conceder provimento parcial ao recurso e alterar o montante da indemnização para 6000 (seis mil) euros, acrescido dos respetivos juros, contados à taxa legal, desde citação até integral pagamento, e das quantias que sejam devidas a título de impostos.

Custas, em ambas as instâncias, a cargo de ambas as partes, na proporção dos respetivos decaimentos.

Lisboa, 27-02-2020


Paulo H. Pereira Gouveia - Relator

Catarina Jarmela

[voto vencida]

Paula de Ferreirinha Loureiro



Declaração de voto de vencida:

Voto, em parte, vencida por discorda da solução dada ao pedido de condenação do réu a pagar ao autor as despesas com honorários.

Com efeito, concederia provimento ao pedido de condenação do réu a pagar ao autor as despesas com honorários de mandatário judicial na presente acção, tendo em conta a sua procedência parcial, em montante que vier, ulteriormente e em incidente próprio, a liquidar-se, descontando-se, caso o autor apresente nota discriminativa e justificativa de custas de parte, o valor aí reclamado a título de honorários de mandatário, remetendo-se a este propósito para a fundamentação exarada no Ac. deste TCA Sul de 30.1.2020, proc. n.º 253/18.8 BEALM.

Escreveu-se nesse aresto, na parte relevante, o seguinte:
«A sentença recorrida condenou o IRN a pagar à autora as despesas judiciais e com honorários de mandatário judicial na presente acção em montante a liquidar em execução de sentença, argumentando o IRN que a mesma incorreu em erro, dado que não se verificam os pressupostos de que a lei faz depender a verificação da responsabilidade civil extracontratual, previstos nos arts. 7º e ss., da Lei 67/2007, de 31/12 (ilicitude do acto impugnado, culpa, nexo causal e danos).
Vejamos.
As despesas com os honorários de advogado, que sejam imprescindíveis para eliminar da ordem jurídica actuação ilícita, são danos indemnizáveis no âmbito da responsabilidade civil extracontratual.
Com efeito, e como a este propósito se escreveu no Ac. do STA de 8.11.2018, proc. n.º 175/11.3 BELSB:
Por seu lado, é vasta a jurisprudência do STA no sentido de que «os honorários do mandatário judicial da parte vencedora, desde que adequados e necessários para eliminar da ordem jurídica a actuação ilícita geradora do dever de indemnizar, são danos indemnizáveis». Poderemos indicar, neste sentido, um conjunto de acórdãos, desde esses anos 90 até a passado bem recente:
- AC STA de 02.06.1992, Rº029651; AC STA de 09.06.1999, Rº043994; AC STA de 31.05.2000, Rº041201; AC STA de 13.12.2000, Rº044761; AC STA de 14.03.2001, Rº24779-A; AC STA de 14.03.2002, Rº047342; AC STA/Pleno de 06.06.2002, Rº24779-A; AC do STA de 08.03.2005, Rº039934-A; AC do STA de 19.12.2006, Rº01036/05; AC STA de 24.04.2007, Rº01328-A/03; AC STA de 04.03.2009, Rº0754/08; AC STA de 20.06.2012, Rº0266/11; AC STA de 19.05.2016, Rº0314/13 [este sobre a questão do «montante a ressarcir» a título de indemnização por despesas com honorários forenses]; AC STA de 20.06.2017, Rº0247/15; AC do STA de 01.02.2018, Rº0987/17 [proferido na sequência do AC STA de 09.11.2017, Rº0987/17].
Embora conhecedor, obviamente, da posição jurídica adoptada pelo STJ, o STA tem mantido esta última, essencialmente por um conjunto de «razões» que vai elencando, repetindo, e desenvolvendo na sua jurisprudência, ao longo de mais de vinte e cinco anos, e da forma que se encontra lavrada em alguns acórdãos particularmente paradigmáticos, e que passaremos a citar:
[…]
«Sendo o mandato judicial obrigatório no contencioso administrativo, as despesas com honorários de advogados, desde que adequadas e necessárias para eliminar da ordem jurídica a actuação ilícita da Administração geradora do dever de indemnizar, são danos indemnizáveis, uma vez que constitui princípio do direito processual civil que a necessidade de recorrer a juízo não ocasione dano à parte que tem razão, sob pena de se deslocar irremediável e definitivamente para a esfera do lesado uma consequência que, segundo os princípios gerais da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, deve ser suportada pelo lesante» - AC do STA de 09.06.1999, Rº043994; assumido, desde então até agora, na respectiva jurisprudência -AC STA de 08.03.2005, Rº039934-A; AC STA de 04.03.2009, Rº0754/08; AC STA de 20.06.2017, Rº0247/15; e AC STA de 01.02.2018, Rº0987/17.
[…]
«Igualmente milita no sentido proposto o princípio do direito processual civil segundo o qual a necessidade de recorrer a juízo não deve ocasionar dano à parte que tem razão […]. Segundo CHIOVENDA, citado por ANDRADE […], “a administração da justiça faltaria à sua missão, e a própria seriedade desta função estadual estaria comprometida, se o mecanismo instituído para actuar a lei devesse agir com prejuízo de quem tem razão […]» - AC STA de 09.06.1999, Rº043994; e AC STA de 08.03.2005, Rº039934-A.
[…]
«As custas compreendem a taxa de justiça e os encargos em que se inclui o reembolso à parte vencedora, a título de custas de parte e procuradoria […]. […] A função tradicional desta é de indemnização à parte vencedora pelas despesas com o patrocínio judicial […]. […] Sem deixar de reconhecer que a procuradoria também cumpre a indicada função, não é forçoso tirar daí a conclusão de que o vencedor não possa peticionar o montante despendido com o patrocínio judicial quando este é superior, desde que tenha de recorrer a tribunal para obter o que lhe é devido ou erradicar os efeitos lesivos da sua esfera jurídica provocados por acção ou omissão do vencido. A possibilidade de recebimento pelo vencedor de uma quantia a título de procuradoria, em vez de excludente por raciocínio “a contrario”, deve antes ser considerada como uma indemnização “a forfait” com a qual o interessado poderá, ou não, contentar-se nos casos em que, por comodismo ou por outra razão qualquer, não peticiona o montante das despesas efectivas superiores. […] Na verdade, o princípio geral é que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação do mesmo - artigo 562º do CC […]. […] Por outro lado, é um facto do conhecimento geral que o montante da procuradoria que é atribuído ao vencedor é uma parte ínfima das despesas com o patrocínio judiciário. Quer pela modéstia do seu montante bruto, quer pelos diversos destinos pelos quais esse montante se reparte […], só muito residualmente a procuradoria cumpre a tradicional finalidade. Dizer que aquilo que é atribuído ao vencedor, a este título, é o ressarcimento das despesas com advogado no processo respectivo é, na generalidade dos casos, negar a própria evidência […]» - AC do STA de 09.06.1999, Rº043994, e AC STA de 08.03.2005, Rº039934-A, assumidos e repetidos em vários acórdãos subsequentes.
[…]
«Estando as autoridades administrativas isentas de custas […], a consideração de que o pagamento das despesas de justiça não pode ser objecto de pedido indemnizatório autónomo conduziria a que uma parte das consequências lesivas da actuação administrativa ilícita ficasse sistematicamente excluída de indemnização […]. Uma tal solução, deslocando irremediavelmente e definitivamente para a esfera do lesado uma consequência que, segundo os princípios gerais da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, deve ser suportada pelo lesante, seria contrária ao disposto no artigo 22º da Constituição, que garante, como direito fundamental, a responsabilidade da Administração por factos ilícitos culposos que causem prejuízo a outrem […]» - AC STA de 09.06.1999, Rº043994, AC STA de 08.03.2005, Rº039934-A, assumidos pela jurisprudência posterior.
Esta linha jurisprudencial veio a ser acolhida pelo Pleno da Secção Administrativa do STA, mediante «acórdão de 06.06.2002» [Rº24779-A], no qual se teve em conta a posição jurídica sobre a questão que vinha sendo tomada pela jurisprudência do STJ, e se procurou justificar a diferente posição. Passaremos a citar as suas passagens mais pertinentes:
[…]
«Mas salvo o devido respeito trata-se de entendimento que se não subscreve, na linha da mais recente jurisprudência deste Supremo Tribunal. […] Vejamos, no seu essencial, quais as razões que nos levam a abraçar também semelhante entendimento.
A argumentação subjacente ao acórdão já referido, do STJ [refere-se ao AC STJ de 15.06.1993, supra referido, e à argumentação essencialmente repetida no AC STJ de 23.09.2008, supra citada], surge - é a primeira critica que ela suscita - como demasiadamente formal.
Para a mesma se revelar inteiramente operante seria necessário demonstrar que do facto de a lei prever casos de pagamento de indemnização autónoma, a título de honorários, nos casos de má-fé e de inexigibilidade da obrigação [artigos 457º e 662º, nº2, CPC], tal implica que somente nas aludidas situações seja legalmente admissível a dedução autónoma de pedido de indemnização por honorários a mandatário forense.
Na verdade, pode sustentar-se que a susceptibilidade de as custas de parte poderem entrar, a pedido do interessado, em regras de custas, constitui um expediente que a lei, por razões práticas, faculta à parte vencedora de no próprio processo, e sem acréscimo de actividade processual, obter da parte vencida o pagamento das despesas por si realizadas em virtude do pleito; mas não lhe retira o direito de, em acção de responsabilidade civil que intente depois contra a parte vencida, peticionar o pagamento daquilo que poderia ter obtido de custas de parte no respectivo processo.
Para além disso, convém recordar, como o fez o já referido acórdão deste Supremo Tribunal, de 09.06.99, ser geralmente sabido que o montante da procuradoria que é atribuído ao vencedor constitui uma parte ínfima das despesas com o patrocínio judiciário, pelo que pretender que aquilo que é atribuído a esse título ao vencedor do pleito representa o ressarcimento das despesas feitas com aquele patrocínio é, na generalidade dos casos e para usar a expressão do mesmo aresto, “ negar a própria evidência”.
[…]
Mas ainda se perfilam outros argumentos, estes específicos da ordem jurídica administrativa, que apontam também em idêntico sentido.
Vamos aqui, de mais perto, seguir a exposição feita no já citado acórdão deste Supremo Tribunal, de 09.06.99, por considerar a mesma pertinente.
E chamar desde logo, como ali se fez, a atenção para que no âmbito do contencioso administrativo as despesas com honorários de advogados têm um nexo de causalidade adequada com o [a ilegalidade] acto administrativo que obrigou o lesado a vir a juízo através do recurso contencioso de anulação, já que é o próprio artigo 7º do DL nº 48 051, de 21.11.67, que impõe o ónus de recorrer, sob pena de os danos que por essa via se evitariam ficarem sem ressarcimento, e isso só pode fazer-se através de advogado [artigo 5º da LPTA].
Ora, estando as autoridades administrativas isentas de custas, logo de procuradoria e custas de parte [artigo 2º, nº1, § único e 16º da Tabela das Custas], a entender-se porventura que o pagamento das despesas de justiça não pode ser objecto de pedido indemnizatório autónomo, tal conduziria que uma parte das consequências lesivas da actuação administrativa ilícita ficasse, por sistema, excluída do âmbito da indemnização, solução essa dificilmente compaginável com o princípio da responsabilidade civil do Estado por actos ilícitos culposos de órgãos ou agentes seus, consagrado no artigo 22º da Constituição.
Daí a conclusão, […] de se não vislumbrar qualquer razão séria para que as despesas de justiça implicadas pela remoção judicial de actuações ilícitas da Administração pública não possam ser ressarcidos tal como os demais prejuízos causados por essa mesma actuação […]».
[…]
Naturalmente que, hoje em dia, as razões extraídas da finalidade da procuradoria e da isenção de custas das autoridades administrativas perdeu validade, por aquela ter desaparecido da ordem jurídica e por as entidades administrativas - incluindo o Estado - integrarem, desde há anos, o universo dos sujeitos passivos de custas processuais. Trata-se, de todo o modo, de uma argumentação que continua a ter interesse no sentido de surpreender, no devir legislativo, a vontade do legislador não pretender reduzir o pagamento dos honorários forenses às custas de parte e aos casos especiais previstos na lei: má-fé e inexigibilidade da obrigação [ver os actuais artigos 543º, nº1, e 610º, nº3, do CPC].
A verdade é que se o actual «Regulamento das Custas Processuais» - aprovado pelo DL nº34/2008, de 26.02, sujeito a várias alterações, e aplicável ao presente caso de acordo com o nº12 do artigo 8º da Lei nº7/2012, de 13.02 - não prevê a figura da «procuradoria» como era anteriormente consagrada, contempla, no âmbito das custas processuais, as chamadas «custas de parte» que incluem, além do mais, as quantias pagas pela parte vencedora a título de «honorários ao seu mandatário judicial» desde que não superiores a 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, e desde que pedidas, em rubrica autónoma, até cinco dias após o trânsito em julgado - ver artigos 3º, nº1, e 25º, nº1, nº2 alínea d), e 26º, nº3 alínea c), do RCP.”.
E como se explicitou no Ac. do STA de 4.3.2009, proc. n.º 754/08:
(…) embora hoje o argumento da isenção de custas das autoridades administrativas tenha perdido validade, por as entidades públicas, incluindo o próprio Estado, estarem sujeitas a custas face ao artº1º do actual CCJ.
(…)
De qualquer modo, entendemos que a razão fundamental da consideração das despesas aqui em causa Isto é, as despesas judiciais, extrajudiciais e com honorários de advogado. como danos indemnizáveis, desde que comprovadamente superiores às despesas ressarcidas através da aplicação da legislação de custas, prende-se com o facto, salientado na jurisprudência que se acolhe, de que não se vislumbra razão para que as despesas de justiça, desde que, obviamente, adequadas e necessárias para eliminar da ordem jurídica a actuação ilícita da Administração, geradora do dever de indemnizar, não sejam ressarcidas na íntegra, como os demais danos causados por essa actuação.”.
Retomando o caso vertente verifica-se que se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, previstos nos arts. 3º, 7º n.º 1, 9º n.º 1 e 10º, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (RRCEE), aprovado pela Lei 67/2007, de 31 de Dezembro, e no 563°, do Cód. Civil - ou seja, facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade entre a conduta e o dano, apurado segundo a teoria da causalidade adequada -, no que respeita ao pedido de condenação do IRN a pagar à autora as despesas em que incorre com os honorários dos seus advogados na presente acção.
Efectivamente, a presente acção não teria sido intentada e a autora não teria constituído advogados, o que na presente acção é obrigatório, pois o seu valor ascende a € 30 001 (cfr. art. 40º n.º 1, al. a), do CPC de 2013, ex vi art. 11º n.º 1, do CPTA) – tendo-se ainda em conta que o contrato de mandato forense se presume oneroso (cfr. art. 1158º n.º 1, do Cód. Civil) -, se não fosse a actuação ilícita e culposa [cfr. art. 10º n.º 2, do RRCEE (“2 - Sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de actos jurídicos ilícitos.”)] do IRN, que levou a que o mesmo fosse condenado:
- a requerer a submissão da autora a exame da junta médica da ADSE, referida no art. 21º, do DL 503/99, de 20/11, para os efeitos previstos no art. 24º, do mesmo diploma legal;

- a pagar à autora as quantias que deixou de lhe abonar a partir de 18.8.2017, por ter considerado a sua ausência motivada por doença e não por acidente em serviço, acrescidas de juros de mora, à taxa legal em vigor em cada momento, desde a data em que eram devidas e até efectivo pagamento.
Nestes termos, deverá o IRN ser condenado a pagar à autora as despesas com honorários de advogados na presente acção, tendo-se presente que não há uma obrigação de satisfação integral do valor dos honorários forenses pagos se tal valor não for considerado razoável (cfr. Ac. do STA de 19.5.2016, proc. n.º 314/13).
Além disso, cumpre ter em atenção que a presente acção foi julgada parcialmente (e não totalmente) procedente, razão pela qual a sentença recorrida condenou a autora e o réu em custas, na proporção de 10% e 90%, respectivamente, pelo que o IRN deverá ser condenado a pagar à autora as despesas com os honorários de advogados na presente acção, tendo em conta a sua procedência parcial – isto é, que procedeu em 90% -, pois no segmento em que a acção improcedeu (10%) a autora litigou sem razão, sendo-lhe assim imputável a despesa com os respectivos advogados, e não ao IRN, a título de dano causado.
Acresce que, caso a autora apresente nota discriminativa e justificativa de custas de parte, deverá o valor aí reclamado a título de honorários de mandatário ser descontado no valor que o IRN deverá pagar à autora.
Finalmente constata-se que na sentença recorrida referiu-se, por lapso, que a fixação do quantum deve ser relegada para execução de sentença, nos termos do art. 609º, do CPC, quando se pretendia dizer que deve ser relegada para liquidação posterior em incidente próprio (cfr. arts. 358º n.º 2 e 609º n.º 2, ambos do CPC de 2013).» (sublinhados nossos).

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(1) O TEDH considera que o dano não patrimonial é a consequência normal, ainda que não automática, da violação do direito a uma decisão em prazo razoável e presume-se como existente, sem necessidade de dele fazer prova, sempre que a violação tenha sido objetivamente constatada. O Tribunal considera, também, que esta forte presunção é ilidível, havendo casos em que a duração excessiva do processo provoca apenas um dano moral mínimo ou, até, nenhum dano moral, sendo que, então o juiz nacional deverá justificar a sua decisão, motivando-a suficientemente. Quanto ao modo de reparação, constatada a violação, por não ser já possível, pelo direito interno do Estado proceder à reintegração natural, o Tribunal, nos termos previstos no art. 41.º da Convenção, fixará uma indemnização razoável, quando houver um prejuízo moral e um nexo de causalidade entre a violação e esse prejuízo. Por vezes o Tribunal entende que a constatação da violação é bastante para reparar o dano moral e que a jurisprudência daquele Tribunal, relativamente aos danos morais suportados pelas vítimas de violação da Convenção, não restringe a dignidade indemnizatória aos de especial gravidade e, em casos de ofensa ao direito a uma decisão em prazo razoável, tem entendido que a constatação da violação não é bastante para reparar o dano moral, razão pela qual, estando em causa uma violação do art. 6.º, § 1.º da Convenção e a sua reparação, em primeira linha, ao abrigo do princípio da subsidiariedade, pelo Estado Português, a norma do art. 496.º/1 do C. Civil haverá de interpretar-se e aplicar-se de molde a produzir efeitos conformes com os princípios da Convenção, tal como são interpretados pela jurisprudência do TEDH (vide ponto 80 do acórdão de 29 de março de 2006, proferido no processo n.º 64890/01, caso Apicella v. Itália).
Este entendimento corresponde, aliás, ao que havia sido reafirmado pelo TEDH no seu acórdão de 10.06.2008 - c. Martins Castro e Alves Correia de Castro v. Portugal, § 54 - quando refere que o ponto de partida do raciocínio das jurisdições nacionais na matéria deve ser a presunção sólida, ainda que elidível, nos termos da qual a duração excessiva de um processo ocasiona um dano moral. Bem entendido, em determinados casos, a duração de um processo não gera senão um dano moral mínimo, ou nem sequer qualquer dano moral. O juiz nacional deverá então justificar a sua decisão motivando-a suficientemente (caso Scordino v. Itália (n.º 1) [GC], supra, § 204), constituindo jurisprudência uniforme e que vem sendo sucessivamente reiterada.

(2) ARISTÓTELES dizia que equidade e justiça eram o mesmo, que equidade retificava a justiça legal em casos não abarcáveis por um princípio universal, este próprio da lei. E o génio de KANT afirmou que a equidade não podia ser utilizada pelos tribunais.