Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04550/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:04/07/2011
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IRS. DOMICÍLIO FISCAL. UNIÃO DE FACTO.
Sumário:I) -O conceito de domicílio fiscal estatuído no disposto no artigo 19° da LGT, nomeadamente no seu n°1 é um domicílio especial que se refere a um lugar determinado para o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres previstos nas normas tributárias o qual, sendo especial, é independente do estipulado no artigo 82° do C. C.. embora, ideologicamente e na sua essência o disposto naquele primeiro inciso legal se conecte com a necessidade de o sujeito passivo e a A.F. estarem em contacto sempre que o for necessário para o exercício dos respectivos direitos e deveres, em homenagem ao princípio da colaboração ínsito no artº 59º da LGT.
II) -O domicílio dos contribuintes pode e deve ser rectificado oficiosamente com base nos elementos que estavam ao dispor da administração tributária em observância do disposto no n°6 do referido normativo porque se trata exactamente disso: de um poder -dever, destinado antes do mais a proteger a verdade tributária em concretização também do dito princípio da colaboração consagrado no artº 59º da L.G.T..
III) -Vivendo o impugnante em união de facto com outra pessoa, preenchendo os pressupostos constantes da lei respectiva, podiam optar, como fizeram na declaração de rendimentos entregue, pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens e, visto que existia identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei para verificação dos pressupostos da união de facto e durante o período de tributação, bem como da assinatura, por ambos, da respectiva declaração de rendimentos, tudo está em conformidade com a lei (art° 14° n°s 1 e 2 do CIRS).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDA-SE, EM CONFERÊNCIA, NESTE TRIBUNAL:

1. A FAZENDA PÚBLICA, veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do TAF de Ponta Delgada, pela qual foi julgada procedente a impugnação judicial deduzida por A..., contra o acto de liquidação do IRS do ano de 2008.
São estas as conclusões das alegações do recurso e que definem o respectivo objecto:
1. O SP B..., não efectuou a alteração de morada nos termos do art. 19° da LGT;
2. Não reuniam os pressupostos para serem considerados em união de facto no ano de 2008 nos termos do art. 14° do CIRS, a opção por tributação conjunta dos rendimentos das pessoas que vivam em união de facto há mais de dois anos, que tenham a mesma identidade fiscal durante os dois anos e durante o período de tributação.
Não houve contra -alegações.
A EPGA pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece ser provido.
Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.

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2. - Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos, que vão por nós numerados:
1) O impugnante e B... não são casados, vivendo todavia há pelo menos dez anos como se de marido e mulher se tratassem, tendo uma filha comum, nascida em 2008, ano ao longo do qual viveram juntos na ilha de Santa Maria.
2) B...é professora de geografia e, por não ter conseguido sempre obter colocação em Santa Maria, leccionou, desde 2004, sucessivamente na EBI/S da Madalena do Pico, na ES/3 Diogo Macedo, Olival, Vila Nova de Gaia, nas EBS da Calheta e de Velas, ilha de São Jorge, no Recolhimento de Santa Maria - Ecoteca, ilha de Santa Maria, e na ES Domingos Rebelo, Ponta Delgada, ilha de São Miguel.
3) O centro da vida do casal é em Santa Maria, local onde o impugnante trabalha de forma estável, não estando juntos em permanência com a filha comum por razões alheias à vontade de ambos, mas passam um com o outro os fins-de-semana, as férias e todos os períodos que podem, sem prejuízo das respectivas obrigações profissionais.
4) Desde 1999, o domicílio fiscal declarado por B... foi a Rua ..., Vila Nova de Gaia.
5) Desde 2004, o domicílio fiscal declarado pelo impugnante é o ..., Vila do Porto.
6) O impugnante e a B...apresentaram, como vivendo em união de facto, a declaração de IRS relativa ao exercício de 2008.
7) A 14 de Janeiro de 2010, administração fiscal fez demonstração de acerto de contas e emitiu aviso de cobrança da quantia de 8.324,31€, na sequência de ter elaborado auto de notícia por ter verificado que “o sujeito passivo acima mencionado apresentou modelos IRS/2008 como unido de facto, o que não se verifica".

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Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto assentou “(…) no acordo entre as partes resultante dos respectivos articulados, bem como nos documentos constantes dos autos e do processo administrativo, tendo ainda em atenção o depoimento da testemunha C..., amigo do casal do impugnante e de B...há longos anos (…) ”.
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3. - A questão decidenda traduz-se em saber se, porque o SP B... não efectuou a alteração de morada nos termos do art. 19° da LGT, não se verificavam «in casu» os pressupostos para ela e o impugnante serem considerados em união de facto no ano de 2008 nos termos do art. 14° do CIRS.
Na sentença recorrida entendeu-se que sim, face à prova produzida que aponta para que o impugnante e B... não sendo casados, vivem há pelo menos dez anos como se de marido e mulher se tratassem, tendo uma filha comum, nascida em 2008, ano ao longo do qual viveram juntos na ilha de Santa Maria, sendo que, B...é professora de geografia e, por não ter conseguido sempre obter colocação em Santa Maria, leccionou, desde 2004, sucessivamente na EBI/S da Madalena do Pico, na ES/3 Diogo Macedo, Olival, Vila Nova de Gaia, nas EBS da Calheta e de Velas, ilha de São Jorge, no Recolhimento de Santa Maria - Ecoteca, ilha de Santa Maria, e na ES Domingos Rebelo, Ponta Delgada, ilha de São Miguel. Ainda se apurou que o centro da vida do casal é em Santa Maria, local onde o impugnante trabalha de forma estável, não estando juntos em permanência com a filha comum por razões alheias à vontade de ambos, mas passam um com o outro os fins-de-semana, as férias e todos os períodos que podem, sem prejuízo das respectivas obrigações profissionais. O probatório evidencia ainda que desde 1999, o domicílio fiscal declarado por B... foi a Rua ..., Vila Nova de Gaia e que desde 2004, o domicílio fiscal declarado pelo impugnante é o ..., Vila do Porto e, não obstante, o impugnante e a B...apresentaram, como vivendo em união de facto, a declaração de IRS relativa ao exercício de 2008.
A nosso ver não merece qualquer censura a sentença recorrida porquanto, o impugnante e B... vivem há cerca de 10 anos, abrangendo o exercício de 2008 e a que se refere a liquidação impugnada, nas condições definidas pelo artigo 1°, n°2, da Lei 7/2001 de 11 de Maio - «pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos».
Porém a lei estabelece que "o domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário" [...,] para as pessoas singulares, o local da residência habituar [art.°19° n°1 al. a) da Lei Geral Tributária], sendo "obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária"" e "ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária" (n°s 3 e 4 do mesmo inciso legal).
Sendo assim, poderia entender-se que perante a obrigação de comunicação de mudança de domicílio, sob pena de ineficácia da mesma, enquanto tal não for comunicado – cfr. os n°s 1, 3 e 4 do artigo 19°, n°1, da Lei Geral Tributária, não era aplicável o estatuído no artigo 1°, n°2, da Lei 7/2001 de 11 de Maio - «pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos».
Mas, na esteira da sentença, perfilhamos o entendimento de que, no caso concreto, o domicílio poderia e deveria ser rectificado oficiosamente com base nos elementos que estavam ao dispor da administração tributária em observância do disposto no n°6 do referido normativo porque se trata exactamente disso: de um poder -dever, destinado antes do mais a proteger a verdade tributária em concretização também do princípio da colaboração consagrado no artº 59º da L.G.T..
Com efeito, como bem refere a EPGA no seu douto parecer, o “conceito de domicílio fiscal estatuído no disposto no artigo 19° da LGT, nomeadamente no seu n°1 é um domicílio especial que se refere a um lugar determinado para o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres previstos nas normas tributárias (ver Alberto Xavier, in Manual de Direito Fiscal, I, pág.393).
A lei fiscal consagra um conceito de domicílio que, sendo especial, é independente do estipulado no artigo 82° do C. C.
Porém, Ideologicamente e na sua essência o disposto no citado preceito legal (art°19°) prende-se com a necessidade de o sujeito passivo e a A.F. estarem em contacto sempre que o for necessário para o exercício dos respectivos direitos e deveres.
O disposto nos preceitos legais citados estão em perfeita harmonia com o disposto na Lei n°7/2001, de 11 de Maio - artigo 1° bem como no que se dispõe no artigo 14°, n°s 1 e 2 do C.I.R.S.”
Destarte, podemos afirmar com toda a certeza e segurança que no caso concreto era possível à administração tributária rectificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos a partir dos elementos ao seu dispor e que comprovavam a identidade de domicílios, de resto constante do declarado pelos contribuintes na declaração de rendimentos apresentada.
Assim, porque o impugnante e B...viviam em união de facto preenchendo os pressupostos constantes da lei respectiva, podiam optar, como fizeram na declaração de rendimentos entregue, pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens e, visto que existia identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei para verificação dos pressupostos da união de facto e durante o período de tributação, bem como da assinatura, por ambos, da respectiva declaração de rendimentos, tudo está em conformidade com a lei (art° 14° n°s 1 e 2 do CIRS), pelo que ao sufragar esse entendimento, a sentença tem de ser confirmada e o recurso tem de ser julgado improcedente.
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4. - Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
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Lisboa, 07/04/2011
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Joaquim Condesso)