Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03889/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:01/19/2011
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IRS. RECURSO HIERÁRQUICO. IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. CONHECIMENTO EM SUBSTITUIÇÃO.
Sumário:
1. Indeferida a reclamação graciosa onde se pedia a anulação das liquidações, dessa decisão pode ser interposto recurso hierárquico, com natureza meramente facultativa e efeito devolutivo;
2. E da decisão proferida neste recurso, se desfavorável, cabe impugnação judicial tendo por objecto mediato tais liquidações, salvo se, com o mesmo objecto, já tiver sido deduzida tal impugnação;
3. O prazo para deduzir a mesma impugnação judicial é de 90 dias a contar da notificação do despacho de indeferimento proferido no mesmo recurso;
4. O facto de o contribuinte não ter utilizado a impugnação judicial após a formação do acto tácito de indeferimento desse recurso, nenhuns efeitos tem nesta sede, já que tal utilização é meramente facultativa, que o mesmo poderá utilizar ou não, conforme lhe aprouver;
5. Revogada a sentença recorrida que não conheceu do mérito da causa, não pode este Tribunal conhecer em substituição do mérito da causa, quando o tribunal recorrido não efectuou qualquer julgamento da matéria de facto no tocante ao seu fundo, por este carecer de poderes de substituição total nesse julgamento.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A..., identificado nos autos, dizendo-se inconformado com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou procedente a excepção peremptória de caducidade da impugnação judicial deduzida e de cujo pedido absolveu a parte contrária, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


A) Deve ser considerado provado que na notificação da decisão que indeferiu o recurso hierárquico feita ao impugnante pela Direcção de Finanças de Santarém consta o seguinte; "Informa-se ainda V. Exa. que, a decisão proferida no Recurso Hierárquico, é passível de impugnação de actos administrativos, nos termos do art. 50º do ETAF (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), salvo se de tal decisão já tiver sido deduzida impugnação judicial com o mesmo objecto (nº 2, do art. 76° do CPPT), no prazo de 3 meses, contados a partir da presente notificação, nos termos do art. 58°, n° 2, al. b), do ETAF".
B)Deve ser considerado assente por ser do conhecimento geral que a administração fiscal na notificação do indeferimento expresso de recursos hierárquicos, mesmo decididos para além do decurso do prazo da presunção do indeferimento tácito, informa os contribuintes que podem impugnar judicialmente o acto de indeferimento do recurso hierárquico.
C)Quer em direito administrativo geral, quer em direito fiscal a chamada presunção de indeferimento tácito mais não é do que um instituto de natureza adjectiva destinada a, decorrido certo prazo previsto na lei no qual a administração deve decidir, permitir ao interessado, se assim o entender, recorrer ao Tribunal sem ter que aguardar pela decisão da administração fiscal.
D)No direito administrativo geral, tal já era a solução doutrinária e jurisprudencialmente assente, antes da entrada em vigor do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o que resultou ainda mais reforçado com este diploma.
E)Conforme decidiu o ac. do STA de 1-03-2009, no proc. 01074/08, "o indeferimento tácito é uma ficção legal, um expediente processual para garantia dos administrados contra a inércia da Administração que, para efeitos reactivos, concede aos requerentes a faculdade de presumirem indeferidas as suas pretensões abrindo-lhes a via da impugnação administrativa e/ou do recurso contencioso (ii) que, por força dessa sua natureza, a respectiva instrumentalidade garantística só tem razão de ser enquanto a pretensão não tiver merecido decisão expressa e cessa sempre que ocorrer esta nova realidade "o que constitui jurisprudência constante do STA (vide, entre outros, os acórdãos do Pleno de 1998.05.21 ­recº n° 37 209, de 1998.07.08 – recº n° 41 535 e de 2003.05.08 - reco n° 46 925 e desta Secção de 2001.03.06 – recº n° 47 055, de 2002.02.28 – recº n° 36 279 e de 2002.12.18 - reco n° 1747/02).
F)À luz da jurisprudência do STA, mesmo após o decurso do prazo previsto para a formação da presunção do indeferimento tácito e recorrendo o particular ao Tribunal, tem o particular o ónus de impugnar o posterior acto expresso de indeferimento ou requerer no processo a substituição do objecto do recurso, porque é o indeferimento expresso que passa a existir na ordem jurídica, cessando a ficção legal, resultante da inércia da administração.
G)Decorre do artigo 56° da LGT, (bem como do art. 52°, n° 1 da Constituição Portuguesa), que o contribuinte tem direito à decisão do seu recurso hierárquico e do art. 76°, n° 2 do CPPT que a decisão de tal recurso pode ser judicialmente impugnada.
H)Resulta, ainda, do art. 57°, n° 5 da LGT, que o incumprimento do dever de decidir faz presumir o indeferimento do recurso para efeitos de recurso hierárquico, recurso contencioso ou impugnação judicial.
I)Conforme decidiu o acórdão de 7.03.2007, no processo 06/07, proferido em matéria fiscal "Constitui jurisprudência corrente que a lei não deve ser interpretada com o sentido de impor interessado a reacção contenciosa contra o indeferimento presumido, sob pena de tal indeferimento gerar caso decidido ou resolvido. Antes, o que a lei confere é uma mera faculdade, que o interessado pode usar ou abster-se de usar, sem que a sua inércia exima a Administração da sua obrigação de decidir ou a situação fique definitivamente decidida pelo indeferimento presumido. Ainda recentemente - 12 de Janeiro de 2006 ­a Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal reafirmou, no processo n° 347104, que «(...) a presunção de indeferimento, face ao silêncio da Administração, é uma mera ficção legal para protecção do administrado, com finalidades exclusivamente adjectivas».
J)De facto, se esta é a solução em sede de direito administrativo geral, mesmo antes da entrada em vigor do CPTA, com maior força ela se impõe em direito fiscal, não sendo curial invocar o chamado "caso decidido" ou "caso resolvido", por falta de impugnação do indeferimento tácito presumido até porque do art. 78°, n° 1 da LGT no prazo de quatro anos ou a todo o tempo se o imposto não tiver sido pago é possível a revisão do acto tributário por parte da administração, com fundamento em qualquer ilegalidade não imputável ao sujeito passivo, sendo jurisprudencial e doutrinariamente pacífico, que o contribuinte pode requerer a revisão e do eventual indeferimento do pedido cabe impugnação judicial. (ac. STA de 20-32002, recurso n° 26580).
K)A solução que vê na figura da presunção do indeferimento tácito em direito fiscal uma faculdade que o contribuinte poderá usar ou aguardar pela decisão expressa para desta (mesmo após a formação da presunção do indeferimento tácito) deduzir impugnação judical é consensualmente consagrada na jurisprudência, sendo expressamente defendida por autores como Jorge Lopes de Sousa, José António Valente Torrão, José Luís Saldanha Sanches, Joaquim Freitas da Rocha, entre outros, não sendo conhecidas posições em sentido oposto.
L)Na jurisprudência dos nossos Tribunais superiores esta posição é também pacífica, e para além do acórdão supra referido podem tal posição resulta, ainda dos acórdãos do STA de 11 de Dezembro de 2007, proferido no recurso 0417/07, 28 secção, de 22-06-2005, proc. 515/05, de 1.10.2008 processo 0467108, de 11.04.2007, processo 99/07, de 22-06-2005, processo 515/05, de 08.06.2005, processo 0201/05, de 20.04.2004, processo 2031/03, de 15.02.2002, processo 1460/02, e de 04.02.2003, processo 7214/02, todos in www.dgsi.pt.
M)Desta jurisprudência, na linha do sustentado designadamente por Jorge Lopes de Sousa e João António Valente Torrão, resulta que mesmo após a formação da presunção de indeferimento tácito do recurso hierárquico, pode o contribuinte impugnar judicalmente o acto expresso de indeferimento, no prazo de 90 dias após a notificação de tal indeferimento.
N)O ora impugnante apresentou a impugnação judicial antes do decurso do prazo de 90 dias após a notificação da decisão de indeferimento, pelos que o fez atempadamente.
O)A douta sentença recorrida, ao ter julgado verificada a excepção de caducidade do direito de impugnação por extemporaneidade, violou as normas citadas, designadamente os arts. 76°, n° 2 do CPPT, 56° e 57° da LGT, e perfilhou entendimento contrário a doutrina autorizada e pacífica bem como a jurisprudência constante do STA.
P)Ainda que assim não fosse, o que só por mera hipótese académica e para efeito de raciocínio se põe, verifica-se que dos autos não resulta que tenha ocorrido sequer a presunção de indeferimento tácito, dado que, sendo pacífico que o prazo para a decisão, e consequentemente para a verificação da presunção de indeferimento tácito, começa a contar a partir da data da remessa ao órgão competente para decidir, tal data não se encontra provada nos autos.
Q)Neste ponto padece de contradição a sentença recorrida, pois refere expressamente que o recurso hierárquico deveria ter sido decidido no prazo de 60 dias "a partir da remessa do processo ao órgão competente para dele conhecer, mas considera verificado o indeferimento tácito no prazo de 60 dias após a interposição do recurso.
R)Concluindo-se pois que nem sequer emerge dos factos provados a ocorrência da presunção do indeferimento tácito.
S)Ainda sem conceder, sempre se dirá que tendo na notificação da decisão que indeferiu o recurso hierárquico a
administração fiscal informado o contribuinte que podia impugnar judicialmente o indeferimento, sendo do conhecimento geral que a administração fiscal o faz, quer tenha já decorrido o prazo para a impugnação da presunção do indeferimento tácito, quer não, viola os princípios da confiança, da segurança jurídica e da boa-fé, o entendimento no sentido contrario ao teor da notificação.
T)Por outro lado, o entendimento da douta sentença recorrida levaria a que a pessoa colectiva Estado, na veste de administração fiscal, pudesse beneficiar processualmente (não estar sujeita à àlea resultante da apreciação da legalidade do seu acto) em consequente duma omissão ilícita da sua parte o que equivaleria a que a administração em vez de responder por uma omissão violadora dum direito do contribuinte (direito à decisão), beneficiasse dessa mesma omissão ilícita, o que viola, também, os princípios subsjacentes aos arts. 22°, nº1 e 52°, n° 1 da Constituição Portuguesa.
U)Termos em que, deve ser revogada a douta sentença recorrida, julgando-se não verificada caducidade do direito de impugnar, ordenando-se prosseguimentos dos ulteriores termos processuais.

Foram violados os arts. 76°, n° 2 do CPPT, 56° e 57° da LGT 22° e 52°, n° 1 da Constituição da República portuguesa, e ainda, os princípios da protecção da Confiança, da segurança jurídica e da boa-fé.
Termos em que deve a douta sentença recorrida ser alterada, assim se fazendo JUSTIÇA.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser concedido provimento ao recurso, na linha da argumentação do recorrente, mas sem que este Tribunal conheça em substituição por falta de elementos factuais para o efeito, pelo que os autos devem baixar à 1.ª Instância para este efeito.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se da decisão do recurso hierárquico interposto contra a decisão proferida em reclamação graciosa em que se pede a anulação de duas liquidações cabe impugnação judicial; E cabendo, e revogando-se a sentença recorrida que em contrário decidiu, se deve este Tribunal conhecer em substituição do mérito da causa, quando o Tribunal “a quo” não procedeu ao atinente julgamento da matéria de facto.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
a) Na sequência de inspecção tributária, foram efectuadas liquidações oficiosas de IRS, respeitantes aos anos de 2002 e 2003, tendo o impugnante sido notificado em 10/05/2006, para efectuar o pagamento do imposto apurado (fls. 15 a 50 do processo de reclamação graciosa apensa);
b) Em 06/10/2006, o impugnante deduziu reclamação graciosa (fls. 139 e segs. do processo graciosa apenso);
c) A referida reclamação graciosa veio a ser indeferida por decisão datada de 29/11/2006, que aqui se dá por integralmente reproduzida, e notificada ao impugnante em 30/11/2006, pelo ofício 18469, datado de 29/11/2006 (fls. 81 a 84 do processo de reclamação graciosa apenso);
d) Em 29/12/2006, o impugnante deduziu recurso hierárquico da reclamação graciosa das liquidações oficiosas dos anos de 2002 e 2003 (fls. 2 a 13 do processo de recurso hierárquico apenso);
e) Em 14/1l/2007 foi proferida decisão final que negou provimento ao recurso hierárquico (fls. 36 a 48 do processo apenso);
f) Em 28/11/2007, pelo ofício n° 3086, datado de 23/11/2007 foi o impugnante, na pessoa do seu mandatário, notificado da decisão proferida no recurso hierárquico (fls. 40 e avisos de recepção);
g) A presente impugnação deu entrada, via fax, neste TAF de Leiria em 20/02/2008 (fls. 1 da petição inicial).

O Tribunal formou a sua convicção com base nos documentos indicados relativamente a cada um dos factos os quais não foram impugnados.


4. Para julgar procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de impugnar e absolver do pedido a parte contrária, considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que o prazo de deduzir a impugnação judicial é de natureza substantiva, que o decurso do prazo para deduzir a impugnação, no caso, se contava a partir da data do indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto (28/02/2007), pelo que o mesmo se completava em 28/05/2007, desta forma, em 20/02/2008, quando a mesma foi deduzida há muito tal prazo se havia esgotado e com ele, o direito respectivo, não abrindo o posterior acto expresso nele proferido, novo prazo de 90 dias para deduzir tal impugnação, citando doutrina administrativa que no mesmo sentido terá entendido.

Para o recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra esta fundamentação que centra a argumentação contrária no sentido da abertura do novo prazo a contar do indeferimento expresso proferido no recurso hierárquico, ainda que também tenha invocar outras questões como sejam as relativas à matéria de facto e à informação prestada pela AT, aquando da notificação desse indeferimento, que poderia utilizar este meio processual de impugnação judicial.

Vejamos então.
A questão central a conhecer no âmbito do objecto do presente recurso e a proceder, prejudicadas no seu conhecimento ficam as restantes – cfr. art.º 660.º, n.º2 ex vi do art.º 713.º, n.º2, ambos do CPC – consiste em saber se com a decisão (expressa) proferida no recurso hierárquico (facultativo) se abre um novo prazo de 90 dias a contar da respectiva notificação, para o contribuinte poder deduzir a impugnação judicial contra o acto de liquidação objecto imediato da reclamação graciosa onde tal recurso teve lugar, como defende o recorrente e contra o que foi decidido na sentença recorrida.

Desde logo convém frisar que no âmbito do processo tributário judicial, o interessado tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo prescritas na lei, podendo ser lesivos, entre outros, o indeferimento, expresso ou tácito e total ou parcial, de reclamações, recursos ou pedidos de revisão ou reforma da liquidação – cfr. art.º 95.º, n.ºs 1 e 2 e alínea d) da LGT – sendo que tal prazo é de 90 dias a contar dos diversos factos que a lei elegeu como termo inicial ou dies a quo ou dies ex quo desse prazo, previstos nas várias alíneas e números do art.º 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), sendo que a fixação deste prazos, neste artigo, não prejudica outros prazos especiais fixados no mesmo Código ou em outras leis tributárias, como proclama o seu n.º 4.

Neste art.º 102.º não se prevê expressamente o prazo para a dedução da impugnação judicial a contar do indeferimento expresso do recurso hierárquico [mas apenas da presunção de indeferimento tácito, alínea d) e do indeferimento da reclamação graciosa, seu n.º2], mas como o mesmo não esgota todos os casos e nem prejudica a existência de outros prazos previstos para o efeito, temos de nos socorrer de outras normas do mesmo Código, no caso do procedimento de reclamação graciosa, art.º 68.º e segs e que a regulam, designadamente o recurso hierárquico dela interposto, previsto no seu art.º 76.º, cujo n.º2 dispõe:
A decisão sobre o recurso hierárquico é passível de recurso contencioso, salvo se de tal decisão já tiver sido deduzida impugnação judicial com o mesmo objecto.

Ou seja, esta norma do n.º2, no caso de recurso hierárquico interposto de reclamação graciosa, expressamente atribui o direito de contra a respectiva decisão interpor recurso contencioso, redacção deste normativo que se mostra deficiente(1), porque o recurso contencioso era então (hoje, acção administrativa especial) apenas a forma de reacção judicial contra a decisão que não comportasse a apreciação da legalidade do acto de liquidação, sendo que, quando a comportasse, a forma adequada já era a impugnação judicial – cfr. art.ºs 101.º da LGT e 97.º do CPPT – pelo que tal forma de reacção aí prevista, ao referir-se ao recurso contencioso, deve ser entendida como se referindo ao meio processual tributário judicial que legalmente caiba ao objecto desse meio gracioso, como acto lesivo que é, nos termos do disposto no art.º 95.º da LGT.

Prevendo a lei o meio de reacção judicial contra tal acto de indeferimento (expresso) proferido no recurso hierárquico, o prazo para o efeito já encontra guarida na norma da alínea f) do n.º1 do citado art.º 102.º, que o fixa, igualmente em 90 dias, a contar do conhecimento desse acto, o que normalmente acontecerá com a respectiva notificação.

Esta tem sido também a jurisprudência dominante no STA, senão mesmo unânime, como se pode ver dos inúmeros acórdãos citados pelo ora recorrente, na matéria das suas conclusões das alegações do recurso(2).

O facto de a norma do art.º 57.º da LGT dispor que o recurso hierárquico dever ser concluído no prazo de seis meses e que uma vez o mesmo decorrido, faz presumir o seu indeferimento para efeitos de reacção graciosa ou contenciosa contra o mesmo, o efeito de tal presunção não faz consolidar na ordem jurídica tal liquidação e a AT continua com o dever de o decidir e da decisão que nele for proferida cabe o adequado meio de reacção judicial, como acima se disse, nos termos das citadas normas, já que tal expediente de utilização dos meios graciosos ou contenciosos contra essa presunção de indeferimento, constitui para o interessado uma sua faculdade (cfr. art.º 109.º do CPA), que usará ou não conforme lhe aprouver, sem o limitar, no futuro, quanto aos meios de reacção possíveis contra a decisão expressa, surgindo como uma forma de evitar que a Administração protelasse a tomada de decisão, indefinidamente, sem que ao interessado lhe fosse possível recorrer aos meios graciosos ou contenciosos em tempo oportuno, para a defesa do que entenda serem os seus direitos ou interesse legalmente protegidos.

No caso, tendo o ora recorrido sido notificado de tal indeferimento do recurso hierárquico em 28/11/2007, na pessoa do seu mandatário – cfr. matéria da alínea f) do probatório fixado na sentença recorrida – em 20/2/2008, data da remessa, via Fax, para o Tribunal recorrido da petição da presente impugnação – cfr. matéria da sua alínea g) – foi dentro daquele prazo de 90 dias, o qual se perfazia ou completava em 26/2/2008 (terça feira), pelo que a mesma foi deduzida dentro do prazo que o mesmo legalmente dispunha para o efeito.

Tendo o ora recorrente deduzido a reclamação graciosa contra o IRS dos anos de 2002 e 2003, de cujas liquidações pede a anulação, e indeferida esta, deduzido recurso hierárquico contra esta decisão (ainda que, certamente por lapso, neste, o pedido invocado se reporte ...requer que seja decretada a nulidade da liquidação de IRC indicada), como se pode colher do respectivo PAT apenso, e também inexistindo nos autos qualquer prova que o mesmo já tivesse deduzido impugnação judicial contra as mesmas liquidações e pelos imputados erros ou vícios como os quais pretendia obter a anulação dessas liquidações, de tal decisão pode o mesmo deduzir a presente impugnação judicial com vista à apreciação da sindicabilidade dos mesmos erros ou vícios, e dentro do prazo de 90 dias, que o mesmo observou, pelo que a sentença recorrida que em contrário decidiu não se pode manter, tendo de ser revogada, com a procedência do presente recurso.


4.1. Revogada a sentença recorrida em que não se conheceu do pedido, do fundo da causa, por mor da citada excepção peremptória de caducidade, caberia a este Tribunal conhecer do mérito da mesma, em substituição, se os autos fornecessem os necessários elementos para o efeito, ao abrigo do disposto no art.º 753.º do CPC.

Porém, como constitui jurisprudência seguida por este Tribunal, bem como se decidiu no acórdão do STA de 17/10/2001, no recurso n.º 26.193, tal conhecimento em substituição, apenas pode ter lugar quando o tribunal recorrido tenha conhecido e fixado o competente quadro probatório atinente à matéria do fundo da causa, já que o Tribunal superior pode alterar a matéria de facto fixada no probatório da sentença recorrida mas não se pode substituir por completo, àquele, no julgamento de tal matéria – cfr. n.º1 do art.º 712.º do CPC – pelo que no caso, não tendo o M. Juiz do tribunal “a quo” fixado na sentença recorrida, qualquer matéria relativa às questões suscitadas quanto ao mérito da presente impugnação judicial, apenas tendo julgado a matéria de facto relativa ao conhecimento da referida excepção peremptória, tal conhecimento em substituição logra inviabilizado, pelo que os autos terão de baixar à 1.ª Instância para tal matéria de facto ser julgada, com eventual produção de prova, e ser proferida nova decisão em conformidade, se outro fundamento, diverso do ora decidido, a tal não obstar.


Procede assim a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de conceder provimento e de revogar a sentença recorrida, com a baixa dos autos à 1.ª Instância para o seu prosseguimento, nos termos sobreditos.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida, ordenando-se a baixa dos autos à 1.ª Instância para o seu prosseguimento.


Sem custas.


Lisboa,19/01/2011

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
LUCAS MARTINS



1- Cfr. neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 2.ª edição, 2000, Vislis, pág. 381, nota 7.
2- Cfr. a título de exemplo, dois dos recentes acórdãos no mesmo sentido: acórdãos de 30/05/2007 e de 9/9/2009, recursos n.ºs 340/07 e 461/09, respectivamente.