Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1490/11.1BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:03/10/2022
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:LIQUIDAÇÃO ADICIONAL;
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO;
FUNDAMENTAÇÃO A POSTERIORI
Sumário:I. Decorre dos artigos 268º da CRP e 77º da LGT, a obrigação legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, permitindo aos interessados o conhecimento das razões que levaram a administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.
II. Quanto aos actos tributários de liquidação, o nº 2 do artº. 77.º da LGT estabelece os parâmetros mínimos de fundamentação. Estes actos podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
III. Não se mostra cumprido o dever legal de fundamentação do acto tributário quando a fundamentação é feita à posteriori, vertida em sede de reclamação graciosa/recurso hierárquico e em resposta a dúvidas colocadas pelo contribuinte.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem o Representante da Fazenda Pública, interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A….. contra o indeferimento do recurso hierárquico que tem por objecto a liquidação adicional de IRS do ano de 2007 no montante de € 7.739,50.

O Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

a. No caso sub judice, importa reafirmar que a liquidação adicional agora colocada em crise, resultou numa primeira instância da apresentação de elementos por parte do ora impugnante.

b. As declarações dos contribuintes gozam da presunção de verdade, resultando desta presunção, a vinculação da Administração Tributária à realização da liquidação com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo do controlo “a posteriori” dos factos por ele declarados, nos termos dos n°s 1 e 2 do art° 75° da LGT.

c. O imperativo da fundamentação do ato tributário, como ato administrativo, apresenta uma complexidade funcional que se não reduz apenas à vertente da garantia de proteção dos administrados, antes exige também a satisfação de outros interesses, como o da racionalidade da própria decisão e o da transparência da atuação administrativa, de maneira a ficar claro porque se decide num sentido e não noutro.

d. Neste sentido, concretiza o Prof. Marcelo Caetano, no seu Manual, pág. 477, "a fundamentação consiste em deduzir expressamente a resolução tomada das premissas em que assenta, ou em exprimir os motivos pôr que se resolve de certa maneira, e não de outra".

e. Para que um ato cumpra o dever de fundamentação formal, não basta que contenha uma declaração fundamentada, antes deve conter um esclarecimento concreto, suficientemente apto para sustentar a decisão, não podendo assentar em meros juízos conclusivos ou em factos que os não suportam, sob pena de ficar prejudicada a compreensão da sua motivação.

f. A fundamentação do ato administrativo tem como escopo fundamental evitar tratamento discriminatório e a permissão do administrado do uso correto de todos os meios processuais de defesa em relação à administração, defesa essa que só é suscetível de ser bem sucedida se àquele for dada a conhecer a razão de ser do procedimento tomado e que ao caso se ajuste.

g. De realçar que apesar de arguir pela insuficiência de fundamentação da liquidação, do mesmo facto não resultou qualquer limitação para o impugnante, não o impedindo de recorrer aos meios de defesa que legalmente se encontravam ao seu dispor.

h. A jurisprudência tem consagrado o entendimento de que um ato se encontra suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática, por conseguinte deve a fundamentação responder às necessidades de esclarecimento do sujeito passivo, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática.

i. As correções efetuadas no âmbito do procedimento inspetivo à atividade do sujeito passivo relativo aos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005, foram devidamente notificadas;

j. Como resulta da informação elaborada pelo Serviço de Inspeção - DIT 1, no âmbito do processo de Reclamação Graciosa (pág. 36 a 41 da RG) cujo teor se transcreve "Desses actos inspectivos, em sede de IRS, resultaram correcções aos rendimentos declarados pelo Sujeito passivo, umas favoráveis outras desfavoráveis, que lhes foram devidamente notificadas, por meio de ofício. Assim, notificaram-se as correcções aos anos de 2002 e 2003, pelo ofício nº 3.049, de 13/03/2006, as correcções do ano de 2004, pelo ofício nº 3.117, de 28/04/2009, e as correcções do ano de 2005, pelo oficio nº 23, de 04/01/2010.
Destas correcções foi igualmente notificado o seu mandatário (Dr. M……), através dos ofícios n°s 3.048, de 13/03/2006, 3.118, de 28/04/2009, para os anos 2002 a 2004, e pessoalmente, em 29/12/2009, para o ano de 2005."

k. Na sequência das respetivas correções foi emitida uma nova liquidação relativa ao ano de 2007, junta aos autos de Reclamação Graciosa pelo ora impugnante (doc. nº 1 pág. 9 da RG), a qual incorpora a respetiva nota demonstrativa da liquidação de imposto assim como os meios de defesa ao dispor do contribuinte.

l. Pelo supra exposto e tendo em consideração os elementos de suporte da decisão em causa somos de parecer que a fundamentação neles contida é clara e congruente permitindo desde logo ao sujeito passivo a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela Administração fiscal.

m. A CRP impõe no n° 3 do art° 268°, a exigência de uma fundamentação expressa e acessível, implicando em matéria tributária, a possibilidade de um contribuinte normal, colocado na posição do concreto contribuinte, poder aferir dos motivos de facto que conduziram à prática do ato.

n. O impugnante tomou conhecimento da fundamentação suficiente ao controlo do ato, colocando-o na posse dos elementos subjacentes à emissão da liquidação, e estando consciente dos valores por si declarados, facilmente lhes era apreensível o “itinerário cognoscitivo e valorativo” seguido pela Administração Tributária.

o. A decisão da Administração Tributária não só se encontra sobejamente fundamentada, como foi tomada de acordo com as disposições legais citadas e aplicáveis ao caso, pelo que se deve manter na ordem jurídica a liquidação adicional efetuada.

p. Assim, resulta dos autos que o ato em crise se encontra devidamente fundamentado, não se verificando qualquer obscuridade, contradição ou insuficiência dos critérios utilizados, pois nele se expressam as razões, do conhecimento dos contribuintes a partir das suas próprias declarações, por que se tributou, sendo claros os motivos e os factos concretos ou de direito em que se fundou para decidir no sentido em que o fez, e ali se especificam os elementos determinantes dos critérios utilizados na quantificação do resultado fiscal relativo á liquidação adicional impugnada.

q. Mas mais, visto que a liquidação resultou dos elementos apresentados pelos próprios contribuintes, é forçoso concluir que qualquer destinatário normal ficaria esclarecido sobre as razões que motivaram o ato de liquidação adicional.

r. Assim, a fundamentação formal existe e é manifestamente suficiente e clara, pelo que não ocorre a violação do disposto nos artigos 268°, n° 3, da Constituição da República, dos artºs. 124º, nº 1, a) e b) 125º e 133º, nº 1 e nº 2 , al. d), todos do Código do Procedimento Administrativo.

s. Concluindo, a liquidação adicional em apreço mostra-se fundamentada de forma bastante e suficiente, pelo que enferma do erro de julgamento a sentença recorrida.

Nos termos supra expostos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, concedendo-se provimento ao recurso, revogando a douta sentença recorrida sendo a mesma substituída por acórdão que decida pela improcedência da Impugnação Judicial,
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”.

* *
O Recorrido apresentou contra-alegações tendo formulado conclusões nos seguintes termos:
“a) A douta sentença recorrida procedeu a uma correta interpretação e aplicação do direito aplicável.

b) A decisão recorrida está em linha com a jurisprudência nacional que é pacifica no sentido de que os atos de liquidação devem ser fundamentados e que tal fundamentação deve ser contemporânea do ato e não pode ser substituída por fundamentação sucessiva ou à posteriori, quer a mesma seja efetivada em sede de reclamação graciosa, recurso hierárquico ou no decurso de processo de impugnação.

c) No caso concreto não existiu qualquer fundamentação contemporânea do ato.

d) A Recorrente confirma tal inexistência de fundamentação, invocando no seu recurso, como fundamentação do ato, a constante da informação referida na decisão que indeferiu a reclamação graciosa portanto, uma fundamentação sucessiva ou à posteriori.

e) Como já se referiu esta fundamentação sucessiva ou à posteriori não é válida conforme reiteradamente e de modo unânime a jurisprudência o tem clara e exaustivamente assinalado.

f) Pelo que a douta sentença só poderia ter decidido como decidiu, não sendo merecedora de qualquer censura.

g) Censura que só pode ser apontada à AT que não só não fundamentou o ato como, inclusivamente, violou o direito de audição do recorrido, não o notificando para se pronunciar antes da liquidação, como resulta do art. 60º da LGT, sem que se estivesse em presença de qualquer situação em que a audição pudesse ser dispensada.

h) A douta sentença não apreciou este vício, por o mesmo ter sido prejudicado pela procedência do vício de fundamentação.

i) No entanto, caso o recurso procedesse o que por mera hipótese académica, cautela de patrocínio e sem conceder se coloca, dever-se-á então conhecer do vício de violação do direito de audição, nos termos do art. 665º, nº 2, do Código de Processo Civil aplicável “ex vi” art. 2º, al. e) do Código de Procedimento e Processo Tributário.

Termos em que,
- Deve o recurso improceder e manter-se a sentença na ordem jurídica por estar inequivocamente verificado o vício de falta de fundamentação do ato de liquidação impugnado.
- Caso assim se não entendesse o que por mera hipótese e sem conceder se coloca, deverá o ato de liquidação ser anulado por violação do direito de audição antes da liquidação, mantendo-se a decisão de julgar proceder a impugnação”.
* *
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter considerado que a liquidação impugnada padece de vício de falta de fundamentação, ou se ao invés, como defende a Recorrente, a liquidação adicional de IRS de 2007 está devidamente fundamentada.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, resultam provados os seguintes factos:

1) Em 21/07/2008, foi emitida em nome do Impugnante, a liquidação de IRS n.º 2008 5003414241, respeitante ao ano de 2007, ali constando da “nota demonstrativa da liquidação do imposto”, para o que ora interessa, os seguintes elementos: “Rendimento global: € 81.288,34”; “Perdas a recuperar: € 69.042,33”; “Rendimento coletável: € 12.246,01”; “Valor a pagar: 374,96” - (cfr. documento n.º 3 junto com a petição de reclamação graciosa, de fls. 11 do Processo de Reclamação Graciosa apenso ao Processo Administrativo e que dele faz parte integrante; acordo).

2) Em 11/05/2009, foi emitida em nome do Impugnante, a liquidação de IRS n.º 2009 5001986209, respeitante ao ano de 2007, ali constando da “nota demonstrativa da liquidação do imposto”, para o que ora interessa, os seguintes elementos: “Rendimento global: € 81.288,34”; “Perdas a recuperar: € 54.128,87”; “Rendimento coletável: € 27.159,47”; “Valor a pagar: 374,96” - (cfr. documento n.º 4 junto com a petição de reclamação graciosa, de fls. 12 do Processo de Reclamação Graciosa apenso ao Processo Administrativo e que dele faz parte integrante; acordo).

3) Em 12/01/2010, foi emitida em nome do Impugnante, a liquidação de IRS n.º 2010 5000……., respeitante ao ano de 2007, ali constando da “nota demonstrativa da liquidação do imposto”, para o que ora interessa, os seguintes elementos e fundamentação:
“Rendimento global: € 81.288,34”; “Perdas a recuperar: € 45.900,49”; “Rendimento coletável: € 35.387,85”; “Valor a pagar: 7.739,50”
Fica V. Ex.ª notificado da liquidação de IRS relativa ao ano a que respeitam os rendimentos, conforme nota demonstrativa junta.
Poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 140.º do CIRS e 70.º e 102.º do CPPT
DEMONSTRAÇÃO DE ACERTO DE CONTAS
(…) estorno da Liq. de 2007 – Liq. 2009 500….. + 4.941,85 (…);
(…) estorno da Liq. de 2007 – Liq. 2010 500…… - 7.739,50 (…);
Data limite de pagamento: 2010-03-15; Saldo a pagar: € 2.797,65
(…)” - (cfr. documentos n.º 1 e 2 juntos com a petição de reclamação graciosa, de fls. 9 e 10 do Processo de Reclamação Graciosa apenso ao Processo Administrativo e que dele faz parte integrante; acordo).

4) Em 24/03/2010, o Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação referida no ponto anterior do probatório, que foi objeto de decisão de indeferimento por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Santarém, datado de 20/07/2010 - (cfr. fls. 2 a 26 e 36 a 51 do Processo de Reclamação Graciosa apenso ao Processo Administrativo e que dele faz parte integrante; acordo).

5) Em 26/08/2010, o Impugnante apresentou recurso hierárquico contra a decisão a que se alude no ponto anterior do probatório, que foi objeto de decisão de indeferimento por despacho da Diretora de Serviços do IRS, datado de 2011/07/04 - (cfr. fls. 2 a 8 e 25 do Processo de Recurso Hierárquico apenso ao Processo Administrativo e que dele faz parte integrante; acordo).

6) A decisão a que se alude no ponto anterior, foi proferida com base na Informação n.º 2623/11 da Direção de Serviços do IRS cujo teor, para o que ora interessa, consta do seguinte:
“(…)
Vícios do ato de liquidação
5 - O sujeito passivo foi alvo de ação de inspeção externa aos exercícios dos anos 2002, 2003, 2004 e 2005, do qual resultou correções em sede de IRS, umas favoráveis ao sujeito passivo, outras desfavoráveis, todas elas devidamente notificadas ao mesmo e ao seu mandatário.
6 - Porém, apenas as correções efetuadas aos exercícios de 2004 e 2005 levaram à alteração do valor das perdas a reportar/recuperar, por se repercutirem no montante de IRS a pagar no ano de 2007, uma vez que o sujeito passivo declarou no exercício de 2004 um prejuízo de € 16 570,51 e no exercício de 2005, um lucro de € 6 520,43, que a inspeção corrigiu, considerando a inexistência de atividade, no ano de 2004, e um lucro de € 90.354,83 em 2005.
7 - Consequentemente, após as correções efetuadas aos anos referidos, o lucro verificado no ano de 2005 (€ 90 354,83) absorveu o saldo das perdas a deduzir (€14 748,81) verificado em 2004 e que transitou de 2003, pelo que, na liquidação de IRS do exercício de 2007, o sujeito passivo apenas tem direito à dedução das perdas verificadas em 2006, no montante de € 45 900,49.
8 - Então, uma vez que quer o ora recorrente, quer o seu mandatário, foram devidamente notificados das correções efetuadas, o recorrente através do ofício n° 3 049, de 2006.03.13 para os exercícios de 2002 e 2003 e n° 3 117, de 2009.04.28 para o exercício de 2004, e as correções para o exercício de 2005, pelo ofício n° 23, de 2010.01.04, e o mandatário através do ofício n° 3 048, de 2006.03.13 e n° 3 118, de 2009.04.28, para os exercícios de 2002 a 2004, e pessoalmente, em 2009.12.29, para o exercício de 2005, não se alcança como vem alegar que desconhece o motivo da desconsideração do montante de € 23 141,84 , relativo a perdas a reportar/recuperar.
9 - Assim, a 2ª liquidação foi emitida após as ações inspetivas aos anos de 2002, 2003 e 2004, estando ainda a decorrer a ação inspetiva ao ano de 2005 e, a 3ª liquidação, foi emitida após a sua conclusão, contemplando o resultado final das inspeções realizadas.
10 - E, o facto de ter impugnado as liquidações adicionais referentes aos exercícios de 2002, 2003, 2004 e 2005, não impede que a liquidação relativa ao exercício de 2007 seja emitida, porquanto, não há norma que obste a emissão da mesma e, caso as impugnações tenham procedência, a administração tributária reconstitui a situação tributária do contribuinte de conformidade com a decisão dos atos impugnados.
Vício de falta de fundamentação e vício de falta de notificação para o exercício do direito de audição antes da liquidação
11 - Na sequência das correções efetuadas aos exercícios de 2002, 2003, 2004 e 2005, e uma vez que na primeira liquidação referente ao exercício de 2007 foi considerado um valor de € 69 042,33, como perdas a recuperar respeitantes a resultados líquidos negativos apurados na categoria B de rendimentos de natureza agrícola, silvícola e pecuária, e na medida em que após as correções efetuadas aos anos referidos, o lucro verificado no ano de 2005 (€ 90 354,83) absorveu completamente o saldo das perdas a deduzir (€ 14 748,81) verificado em 2004, que por sua vez transitou de 2003, a liquidação do exercício de 2007 teve que ser reliquidada, considerando o valor de perdas a recuperar de € 45 900,49.
12 - Ora, nestes termos, estamos apenas na presença de uma reliquidação de liquidação primitiva, que foi efetuada com base nos elementos declarados pelo contribuinte e nas quais apenas foram corrigidos o montante das perdas a recuperar, uma vez que estas foram menores.
13 - Assim, uma vez que esta liquidação foi efetuada com base em declaração apresentada pelo contribuinte, não careciam de ser notificadas para audição prévia (cf. n° 2 do art° 60° da LGT nem tão pouco da fundamentação a que se refere o art° 78° da LGT, porquanto, estas refletem os rendimentos declarados pelo contribuinte e são apenas um "acerto de contas” da liquidação primitiva, nas quais se corrigiu o reporte de prejuízos apresentado na declaração primitiva, não tendo havido quaisquer correções à matéria tributável ou fixação do rendimento tributável que desse origem a que o contribuinte fosse ouvido antes da liquidação ou que tivesse de ser notificado dos fundamentos das mesmas.
14 - Nestes termos, não assiste qualquer razão ao recorrente, não se verificando os alegados vícios de falta de fundamentação e de falta de notificação para o exercício do direito de audição antes da liquidação.
(…)” - (cfr. fls. 25 a 31 do Processo de Recurso Hierárquico apenso ao Processo Administrativo e que dele faz parte integrante).

7) A petição de impugnação deu entrada neste Tribunal, via correio eletrónico, em 19/12/2011 – (cfr. fls. 1 do SITAF).
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Factos não provados
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão a proferir.
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Motivação da decisão de facto
A matéria de facto dada como provada resultou da análise dos documentos constantes dos autos e do Processo Administrativo, que integra os Processos de Reclamação Graciosa e de Recurso Hierárquico, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que, não tendo sido impugnados, também são corroborados pelos documentos juntos (cfr. artigo 76.º n.º 1 da Lei Geral Tributária e artigo 362.º e seguintes do Código Civil), conforme discriminado nos vários pontos do probatório.
Não resultam provados ou não provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão”.

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria foi julgada procedente a impugnação judicial apresentada por A….., ora Recorrido, após o indeferimento do recurso hierárquico apresentado na sequência do indeferimento da reclamação graciosa relativamente à liquidação de IRS de 2007 com o nº 5000….. de que resultou, após compensação, o montante da pagar de € 2.797,65, tendo aquele tribunal considerado que a mesma padecia de falta de fundamentação.

Para tanto verteu-se na sentença recorrida a seguinte fundamentação: “O Impugnante alega a falta de fundamentação da liquidação controvertida, referindo que quer na notificação da liquidação, quer na própria nota demonstrativa anexa, não consta nenhuma fundamentação do ato tributário.
Em concretização da sua alegação, invoca que com a entrega da declaração anual de rendimentos do ano de 2007, onde se apurou um rendimento coletável de € 12.246,01, a administração tributária alterou o rendimento global para o montante € 35.387,85, alterando igualmente a rubrica de “perdas a recuperar”, do montante inicial de € 69.042,23, para o montante de € 45.900,49, desconhecendo o Impugnante os motivos da desconsideração das perdas a recuperar no montante de € 23.141,84, presumindo que eventualmente tal desconsideração resulte de ações inspetivas efetuadas aos anos de 2002 a 2005, mas tal facto não é mencionado na fundamentação do ato sindicado.
A Fazenda Pública, alicerçada nas posições constantes das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, defende que o ato de liquidação está devidamente fundamentado, porquanto a liquidação ora sindicada resultou das correções efetuadas ao Impugnante no âmbito de procedimentos inspetivos realizados aos anos de 2002 a 2005, procedimentos que foram devidamente notificados.”

Após o enquadramento jurídico quanto à fundamentação do acto de liquidação, o tribunal a quo concluiu que “Volvendo ao caso dos autos, resulta da factualidade assente (ponto 1) do probatório) que na primitiva liquidação de IRS do ano de 2007, emitida em nome do Impugnante, consta, entre outros elementos, “perdas a recuperar” no montante de € 69.042,33, que conduziu ao apuramento de um “rendimento coletável” no montante de € 12.246,01.
Posteriormente, foi emitida uma nova liquidação de IRS respeitante ao mesmo ano de 2007, onde consta, entre outros elementos, “perdas a recuperar” no montante de € 54.128,87, que conduziu ao apuramento de um “rendimento coletável” no montante de € 27.159,47 (ponto 2) do probatório).
Finalmente, foi emitida uma nova liquidação de IRS do ano de 2007 (a liquidação aqui sindicada), onde consta, entre outros elementos, “perdas a recuperar” no montante de € 45.900,49, que conduziu ao apuramento de um “rendimento coletável” no montante de € 35.387,85 (ponto 3) do probatório).
Analisado o ato sindicado, em comparação com os atos anteriormente praticados, verifica-se que as alterações ocorrem no segmento “perdas a recuperar”. Todavia, do ato não consta qualquer fundamentação que informe e esclareça o sujeito passivo, aqui Impugnante, das razões das aludidas alterações.
No entendimento da Fazenda Pública, tendo sido efetuadas ações de inspeção tributária aos exercícios de 2002 a 2005, no qual resultaram alterações aos rendimentos declarados pelo Impugnante, devidamente notificadas ao Impugnante e ao seu mandatário, tais alterações repercutiram-se nas perdas a reportar entre os diferentes anos, designadamente nos anos de 2006 e 2007, sendo que para o ano de 2007 apenas poderiam ser deduzidas as perdas apuradas no ano de 2006, no valor de € 45.900,49. Assim, face ao referido apuramento, a liquidação de 2007 teria que ser “reliquidada”, considerando o valor da referidas perdas a recuperar (cfr. teor da informação que sustentou o despacho de indeferimento do recurso hierárquico, ponto 6) do probatório).
Mais aduz a Fazenda Pública que “estamos apenas na presença de uma reliquidação de liquidação primitiva, que foi efetuada com base nos elementos declarados pelo contribuinte e nas quais apenas foram corrigidos o montante das perdas a recuperar, uma vez que estas foram menores” e que, “uma vez que esta liquidação foi efetuada com base em declaração apresentada pelo contribuinte, não careciam de ser notificadas para audição prévia (cf. n° 2 do art° 60° da LGT nem tão pouco da fundamentação a que se refere o art° 78° da LGT, porquanto, estas refletem os rendimentos declarados pelo contribuinte e são apenas um "acerto de contas” da liquidação primitiva, nas quais se corrigiu o reporte de prejuízos apresentado na declaração primitiva, não tendo havido quaisquer correções à matéria tributável ou fixação do rendimento tributável que desse origem a que o contribuinte fosse ouvido antes da liquidação ou que tivesse de ser notificado dos fundamentos das mesmas.”
No caso em apreciação, não estamos perante uma “reliquidação” (conforme a Fazenda Pública apelida) ou “liquidação corretiva”, mas perante uma verdadeira “liquidação adicional”.
Com efeito, a “liquidação adicional” ou “ato tributário adicional” é aquele através do qual a administração tributária, verificando que mercê de omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei. A lei mantém todos os efeitos do ato primitivamente praticado, limitando-se a exigir que a administração fiscal, pela prática de um novo ato, titule juridicamente a diferença que não fora previamente objeto de declaração. O novo ato “adiciona-se” ao primeiro concorrendo ambos para a clarificação da prestação legalmente devida (cfr. Acórdão do STA de 17/12/2019, proferido no processo n.º 0411/07.0BELRS 0205/17).
Por outras palavras, a liquidação adicional pressupõe que tenha havido uma liquidação anterior (relativamente ao mesmo facto tributário, ao mesmo sujeito passivo e ao mesmo período de tempo), que aquela se destina a corrigir ou retificar porque, por erro de facto ou de direito ou por uma omissão ou inexatidão praticada nas declarações prestadas para efeitos de liquidação, foi determinada a cobrança de um imposto inferior ao devido, ou seja, a liquidação adicional não é mais do que a correção de uma liquidação deficiente em consequência de erros ou omissões, que tanto podem ser da responsabilidade dos serviços como dos contribuintes (Neste sentido, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do STA: de 17 de janeiro de 2007, proferido no processo com o n.º 909/06; de 18 de maio de 2011, proferido no processo com o n.º 153/11; de 3 de maio de 2017, proferido no processo com o n.º 054/14).
As “liquidações corretivas”, por seu turno, não revestem a natureza de novo ato tributário, considerando estas como os atos de apuramento de imposto subsequentes a uma liquidação adicional, resultantes, nomeadamente, de reclamações graciosas dos contribuintes, parcialmente atendidas e em razão dos quais se apure quantitativo de imposto inferior ao determinado naquela, visto que não lesivas dos interesses dos destinatários no segmento não corrigido.
Como refere Rui Marques, numa liquidação corretiva, “a Administração procede à correção ou aperfeiçoamento da liquidação anterior, apurando imposto num montante inferior ao inicialmente liquidado. Enquanto a liquidação adicional surge como uma nova liquidação, em complemento da liquidação primitiva, mantendo esta todos os seus efeitos, e concorrendo ambas para a definição da prestação legalmente exigida, na liquidação corretiva expurgam-se os vícios da liquidação primitiva, mantendo os restantes efeitos por esta produzidos. Não se trata aqui de uma nova liquidação, pois tem subjacente uma revogação parcial do ato tributário. Poderemos então definir a liquidação corretiva como um mero ato de apuramento de imposto que segue uma liquidação preexistente. Trata-se, em bom rigor, de uma reforma da decisão tributária (artigo 79.º da LGT) e não de uma anulação do ato tributário e nem tão-pouco de uma liquidação adicional, resultando da liquidação corretiva uma decisão não lesiva para o contribuinte. A sanação opera por reforma da liquidação inicial, retroagindo assim os seus efeitos à data do ato tributário reformado.” (in “A caducidade do direito de liquidação do imposto”, 2.ª Edição revista e atualizada, Vida Económica, 2018, págs. 58 a 60).
Como facilmente resulta da factualidade assente, a liquidação sindicada não traduz uma “reliquidação” ou “liquidação corretiva”, pois não resulta de qualquer pronúncia administrativa ou judicial sobre petição previamente apresentada pelo Impugnante, nem dali resulta efeitos não lesivos da esfera patrimonial do Impugnante. Bem pelo contrário, a liquidação sindicada aumenta o valor tributável para efeitos de IRS, com o aumento consequente da prestação tributária exigida.
Assim, o ato sindicado deveria ser fundamentado com as razões de facto e de direito que determinaram o aumento da prestação tributária exigida, o que não acontece. Na verdade, o ato não fundamenta a correção das perdas a recuperar, nada constando, nem na liquidação, nem da demonstração de acerto de contas, qualquer explicação, ainda que sumária, quanto aos motivos pelos quais procedia à alteração do rendimento coletável (cfr. ponto 3) do probatório).
É certo que tal explicação encontra-se cabalmente feita, quer na decisão de reclamação graciosa, quer na decisão do recurso hierárquico (cfr. pontos 4, 5 e 6 do probatório).
Contudo, a lei constitucional e tributária são expressas quanto ao dever de motivar os atos tributários (artigos 268.º, n.º 2 da CRP, 77.º da LGT e 66.º, n.º 2 do Código do IRS), admitindo-a de forma sucinta e mesmo por remissão, mas impondo-a de forma expressa, que não meramente implícita, presumível ou intrínseca uma vez que não incumbe aos contribuintes anteverem, anteciparem ou preverem os motivos que conduziram à alteração da sua situação tributária, antes constitui dever da Administração o de fundamentar, nos termos legais, os atos tributários e em matéria tributária potencialmente lesivos, sem exceções à regra, ao contrário do que sucede quanto à audição prévia, esta sim, legalmente dispensável, quando a liquidação se faça com base nas declarações dos contribuintes.
E assim sendo, inexistindo qualquer fundamentação contemporânea e contextual do ato impugnado, que permita a qualquer homem médio, colocado na posição do Impugnante, perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo do ato, não relevando a fundamentação a posteriori constante das decisões da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, porque sendo ulterior à prática do ato de liquidação, não se considera como integrando a fundamentação do mesmo, não resta ao Tribunal outra alternativa que não seja a de dar como provada a alegada falta de fundamentação do ato de liquidação do imposto, que conduz à sua anulação.”

Contra o assim decidido vem a Fazenda Pública alegar que o acto de liquidação está devidamente fundamentado, que se encontra incorporado na respectiva nota demonstrativa da liquidação de imposto, assim como os meios de defesa ao dispor do contribuinte, sendo a fundamentação neles contida, clara e congruente permitindo ao sujeito passivo a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela administração fiscal para a liquidação de IRS de 2007 ora impugnada.
Mais afirma que a liquidação impugnada, relativa ao IRS de 2007 resulta das correções efectuadas no âmbito do procedimento inspectivo à atividade do sujeito passivo relativo aos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005, e que foram devidamente notificadas.
Para o efeito invoca a informação elaborada pelo Serviço de Inspeção - DIT 1, no âmbito do processo de Reclamação Graciosa transcrevendo "Desses actos inspectivos, em sede de IRS, resultaram correcções aos rendimentos declarados pelo Sujeito passivo, umas favoráveis outras desfavoráveis, que lhes foram devidamente notificadas, por meio de ofício. Assim, notificaram-se as correcções aos anos de 2002 e 2003, pelo ofício n. 0 3.049, de 13/03/2006, as correcções do ano de 2004, pelo ofício nº 3.117, de 28/04/2009, e as correcções do ano de 2005, pelo oficio nº 23, de 04/01/2010.
Destas correcções foi igualmente notificado o seu mandatário (Dr. M…….), através dos ofícios n°s 3.048, de 13/03/2006, 3. 118, de 28/04/2009, para os anos 2002 a 2004, e pessoalmente, em 29/12/2009, para o ano de 2005.”
Mais alega que na sequência dessas correções foi emitida uma nova liquidação relativa ao ano de 2007, junta aos autos de Reclamação Graciosa pelo ora impugnante a qual incorpora a respectiva nota demonstrativa da liquidação de imposto assim como os meios de defesa ao dispor do contribuinte (cfr. conclusões i), j), k) e l) das alegações de recurso).

Afirmamos desde já a nossa discordância com o entendimento defendido pela Fazenda Pública.

Concretizando.

O dever de fundamentação dos actos de liquidação decorre do princípio constitucionalmente consagrado, no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, nos termos do qual “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Ao nível dos actos tributários, tal dever encontra-se consagrado nos nºs 1 e 2 do artigo 77.º, da LGT ao determinar que:
1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

A fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto, a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, tem, de forma reiterada, considerado que a fundamentação do acto tributário, visa permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.

A fundamentação do acto deve ser expressa, clara, congruente e contemporânea desse acto.

Como é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto”. (cfr. Acórdão do STA de 12/03/2014 – proc. 01674/13)
Quanto aos actos tributários de liquidação, o nº 2 do artº. 77.º da LGT estabelece os parâmetros mínimos de fundamentação. Estes actos podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (cfr. Acórdão do STA, de 06/07/2017- proc.º 0723/15).

No caso em apreço resultou provado que em relação ao IRS de 2007 foi emitida a liquidação n.º 2008 5003….., constando da “nota demonstrativa da liquidação do imposto”, os seguintes elementos: “Rendimento global: € 81.288,34”; “Perdas a recuperar: € 69.042,33”; “Rendimento coletável: € 12.246,01”; “Valor a pagar: 374,96” e que em 11/05/2009, foi emitida nova liquidação de IRS n.º 2009 5001…… na qual constam: “Rendimento global: € 81.288,34”; “Perdas a recuperar: € 54.128,87”; “Rendimento coletável: € 27.159,47”; “Valor a pagar: 374,96” (cfr. pontos 1 e 2 do probatório).

Mais resultou assente que em 12/01/2010, foi emitida nova liquidação de IRS do ano de 2007 com n.º 2010 5000……, constando da “nota demonstrativa da liquidação do imposto”, os seguintes elementos:
“Rendimento global: € 81.288,34”; “Perdas a recuperar: € 45.900,49”; “Rendimento coletável: € 35.387,85”; “Valor a pagar: 7.739,50”
Fica V. Ex.ª notificado da liquidação de IRS relativa ao ano a que respeitam os rendimentos, conforme nota demonstrativa junta.
Poderá reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 140.º do CIRS e 70.º e 102.º do CPPT
DEMONSTRAÇÃO DE ACERTO DE CONTAS
(…) estorno da Liq. de 2007 – Liq. 2009 500….. + 4.941,85 (…);
(…) estorno da Liq. de 2007 – Liq. 2010 500…… - 7.739,50 (…);
Data limite de pagamento: 2010-03-15; Saldo a pagar: € 2.797,65” - (cfr. ponto 3 do probatório).

Da análise do conteúdo das notas demonstrativas das liquidações resultam alterações à rubrica perdas a reportar, que consequentemente alteram o rendimento colectável e os valores a pagar.

Defende a Fazenda Pública que, tendo o impugnante sido notificado das correcções efectuadas no âmbito do procedimento inspectivo aos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005, o impugnante tomou conhecimento da fundamentação suficiente ao controlo do acto e estando consciente dos valores por si declarados era-lhe apreensível o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela administração tributária (cfr. conclusões i ) e n) das alegações).

Discordamos de tal entendimento, porquanto a notificação das correções efectuadas aos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005 não invalidam que o impugnante tenha de ter conhecimento, aquando da liquidação do ano de 2007, em que termos e de que forma aquelas correcções têm repercussão no apuramento do imposto devido no ano de 2007 e, quanto a esses factos na nota demonstrativa da liquidação ora impugnada nada é referido, desconhecendo-se as razões pelas quais as “perdas a recuperar” foram alteradas de € 69.042,33 para € 54.128,87 e depois, na liquidação impugnada, para € 45.900,49 (cfr. pontos 1 a 3 do probatório).

E não basta à Fazenda Pública afirmar que, tendo o impugnante apresentado as declarações de rendimentos, saberia as razões que conduziram à liquidação adicional (cfr. conclusão q) das alegações).

Na verdade as razões de facto e de direito que deram origem à liquidação impugnada estão vertidas na informação elaborada pelos serviços da administração tributária no âmbito do procedimento de recurso hierárquico, mais concretamente do teor da informação prestada no âmbito desse procedimento e transcrita no ponto 6 do probatório, pelo que resulta evidente estarmos perante uma justificação fundamentadora para o acto tributário de liquidação aqui impugnado feita a posteriori.

De salientar novamente que a fundamentação deve ser contemporânea do acto, sendo irrelevante, para o cumprimento do imperativo legal de fundamentação do acto tributário, a fundamentação posterior, incluindo a fundamentação elaborada em sede de procedimento de recurso hierárquico, e em resultado das dúvidas colocadas pelo contribuinte.

Assim é manifesto que o acto de liquidação de IRS de 2007 enferma de vício de forma por falta ou insuficiente fundamentação, pelo que a sentença que assim decidiu não merece qualquer censura, sendo de negar provimento ao presente recurso.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente, em ambas as instâncias.

Lisboa, 10 de Março de 2022
Luisa Soares
Vital Lopes
Susana Barreto