Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:534/18.0BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:03/14/2019
Relator:VITAL LOPES
Descritores:INTIMAÇÃO PARA UM COMPORTAMENTO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE.
Sumário:1. Tendo sido proferida uma decisão expressa sobre o pedido dirigido à AT e visando a qual se intentara Intimação para um Comportamento, ficou sem objecto a presente Intimação Judicial.
2. Tal implica a inutilidade superveniente da lide e consequente extinção da instância, nos termos do disposto nos artigos 277.º, al. e) do Código de Processo Civil e 2º.al. e) do Código de Procedimento e Processo Tributário
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

G……. II – INDÚSTRIA, S.A., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide na Intimação para um Comportamento visando o cumprimento pela AT – Direcção de Finanças de Leiria, de um dever em matéria tributária.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.70).

A Recorrente conclui as suas alegações assim:

«CONCLUSÕES :

A) A douta sentença que aqui se recorre julgou incorretamente , "a presente oposição extinta, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artigo 277° alínea e) do CPC, aqui aplicável por força da ai. e) do artigo 2° do CPPT".

B) Considerando ainda, erroneamente, que "Considerada verificada a inutilidade superveniente da lide, para o pedido formulado em juízo ter obtido satisfação fora do processo, mas na pendência deste, resulta prejudicada a apreciação da suscitada impropriedade do meio processual empregue".

C) Ora, não pode a RECORRENTE conformar-se com tal sentença.

D) A RECORRENTE intentou a presente intimação judicial nos termos do disposto no artigo 147° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), da Autoridade Tributária - Direção de Finanças de Leiria.

E) Porquanto, a RECORRENTE em 16 de abril de 2018 , efetuou junto da Autoridade Tributária - Direção de Finanças de Leiria, requerimento em que arguiu a anulabilidade das notificações efetuadas no âmbito do procedimento inspetivo com as Ordens de Serviço nºs 0120…. e 0120….. . Uma vez que as notificações efetuadas não cumpriam os requisitos legais a que estavam obrigadas.

F) Assim, a RECORRENTE, argui a anulabilidade das notificações efetuadas em virtude de as mesmas se encontrarem feridas de vício de falta de fundamentação .

G) E isto porque, nos termos do disposto no artigo 15° nº 1 do RCPITA , é permitido que na pendência do procedimento de inspeção sejam alterados os fins e a extensão daquele, posto que tal conste de despacho fundamentado .
H) O que no caso aqui em apreço, não se verificou . Pois que, o despacho proferido constava apenas e somente a seguinte informação "Concordo com a prorrogação de prazo de ação inspetiva tendo em atenção a especial complexidade da situação tributária, plasmada no artigo 36° nº 3 alínea a) do RCIPTA, por um período de mais de 3 meses, sendo a data previsível para o seu términus a de 14/08/2018."

1) Salvo o devido respeito, tal despacho não cumpre os requisitos legalmente impostos, pois que, não basta alegar a especial complexidade da situação tributária , é necessário, fundamentar e explanar quais os factos que levam a considerar a situação como de especial complexidade.

J) Mais, também não foi dado, conhecimento à RECORRENTE, o porquê da extensão do âmbito do procedimento de inspeção em manifesta desconform idade com o disposto nos artigos 2º, 5º, 14º, 15º, 37º, 40º, 46° e 47° do RCIPTA.

K) Tais formalidades são formalidades previstas na lei, como formalidades essenciais na ausência de disposição legal em contrário, estruturantes do procedimento inspetivo , que uma vez não observadas serão invalidantes dos posteriores termos procedimentais.

L) Por conseguinte, e nos termos do disposto no artigo 163° nº 1 do Código de Procedimento Administrativo, aqui aplicável por força do disposto no artigo 4° do RCPITA, são anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios e normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção.

M) Desta forma , a RECORRENTE solicitou à RECORRIDA que fosse reconhecida e declarada a anulabilidade das notificações em causa, com todas as devidas consequências legais que daí advenham.

N) Sucede que até à data de entrada dos presentes autos não respondeu nem positiva nem negativamente à RECORRENT E. Não tendo, sequer se pronunciado sobre a arguição de anulabilidade efetuada.

O) Ora, nos termos da legislação em vigor, as autoridades públicas devem responder ao requerido pelos interessados no prazo máximo de cinco dias, salvo estando em causa matérias secretas ou confidenciais , o que não se verifica no caso aqui em apreço.

P) Nos termos do artigo 147° do CPPT, "Em caso de omissão, por parte da administração tributária, do dever de qualquer prestação jurídica susceptível de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária, poderá o interessado requerer a sua intimação para cumprimento desse dever junto do tribunal tributário competente."

Q) É inequívoco, que a Autoridade Tributária ao não reconhecer a anulabilidade invocada pela RECORRENTE, se encontra a lesar um direito e interesse legítimo da RECORRENTE .

R) Mais, já no decurso dos presentes autos, remeteu a RECORRIDA, uma informação à RECORRENTE , onde apenas e somente refere que indefere o pedido de arguição de anulabilidade em virtude de se encontrarem preenchidos os requisitos legais .

S) Salvo o devido respeito, tal é completamente inaceitável, pois mais uma vez a RECORRIDA, não fundamenta o indeferimento, nem o que levou à prorrogação do prazo de duração do procedimento inspetivo , nem a alteração do âmbito.

T) Pelo supra exposto, andou mal o Tribunal a quo, ao considerar que "Pelo que resta concluir que a pretensão desta foi satisfeita, dando assim origem à inutilidade superveniente dos presentes autos, porquanto não existe já qualquer conflito que o Tribunalcumpra decidir, sendo certo que seria inútil condenar a AT a apreciar uma situação que acabou de apreciar ."

U) Salvo melhor entendimento, não se pode aceitar tal conclusão.

V) E isto porque, e como se verifica nos presentes autos, não existiu qualquer decisão fundamentada comunicada ao contribuinte.

W) Acresce que, por toda a documentação junta aos presentes autos, fica inequivocamente provada a existência da anulabilidade invocada.

X) Como pode o Tribunal a quo considerar que não existe um dever jurídico por parte da entidade requerida, e concluir pela verificação da inutilidade superveniente dos presentes autos.

Y) Ora, ao não reconhecer a anulabilidade existente e provada, encontra­ se a lesar um interesse legítimo de um contribuinte em matéria tributária.

Z) Logo, o pedido de intimação para um comportamento previsto no artigo 147° do CPPT é o meio processual adequado no caso aqui em apreço.

AA) Por tudo isto, andou mal o Tribunal a quo, ao considerar verificada a inutilidade superveniente da lide, e consequentemente ao não ordenar à RECORRIDA o dever de apreciar devidamente a pretensão da RECORRENTE.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V/ EXAS. DEVE O PRESENTE RECURSO JURISDICIONAL SER JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO E, CONSEQUENTEMENTE , ANULADA A SENTENÇA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA, COMO É DE DIREITO E DE JUSTIÇA».

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral-Adjunta emitiu mui douto parecer em que conclui pelo acerto da sentença recorrida ao ter julgado extinta a instância por inutilidade superveniente.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão central que importa apreciar reconduz-se a indagar se a sentença recorrida incorreu em erro ao julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:

«1. FACTOS PROVADOS

Com relevância para a decisão da causa, encontram-se provados, por documento, os seguintes factos:
1.1. No âmbito dos procedimentos inspetivos realizados a coberto das Ordens de Serviço n.ºs OI20…… e OI20…., a Intimante foi notificada em 2018.04.11 da alteração do âmbito dos procedimentos de inspeção e ainda da prorrogação dos prazos dos mesmos - cf. fls. 10 a 15 dos autos.
1.2. Em 2016.04.16 a Intimante arguiu a anulabilidade das notificações supra por vício de falta de fundamentação - cf. doc. de fls. 16 a 22 dos autos.
1.3. Em 2018.05.08 a Intimante remeteu a este Tribunal a petição de Intimação Judicial na origem destes autos – cf. fls. 1 dos autos.
1.4. Por ofício datado de 2018.06.01 foi a Intimante notificada do seguinte despacho

“Texto integral com imagem”

cf. fls. 52 e ss. dos autos).

2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.
3. MOTIVAÇÃO
O Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica dos documentos referidos em cada ponto do probatório supra, no alegado pelas partes, tendo também em conta o disposto nos artigos 72.º a 76.º da Lei Geral Tributária, e 342.º do Código Civil.»

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Sob a epígrafe, “Intimação para um comportamento”, estabelece o art.º147.º do CPPT:

«1 - Em caso de omissão, por parte da administração tributária, do dever de qualquer prestação jurídica susceptível de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária, poderá o interessado requerer a sua intimação para o cumprimento desse dever junto do tribunal tributário competente.
2 - O presente meio só é aplicável quando, vistos os restantes meios contenciosos previstos no presente Código, ele for o meio mais adequado para assegurar a tutela plena, eficaz e efectiva dos direitos ou interesses em causa.
3 - No requerimento dirigido ao tribunal tributário de 1.ª instância deve o requerente identificar a omissão, o direito ou interesse legítimo violado ou lesado ou susceptível de violação ou lesão e o procedimento ou procedimentos a praticar pela administração tributária para os efeitos previstos no n.º 1.
4 - A administração tributária pronunciar-se-á sobre o requerimento do contribuinte no prazo de 15 dias, findos os quais o juiz resolverá, intimando, se for caso disso, a administração tributária a reintegrar o direito, reparar a lesão ou adoptar a conduta que se revelar necessária, que poderá incluir a prática de actos administrativos, no prazo que considerar razoável, que não poderá ser inferior a 30 nem superior a 120 dias.
5 - A decisão judicial especificará os actos a praticar para integral cumprimento do dever referido no n.º 1.
6 - O disposto no presente artigo aplica-se, com as adaptações necessárias, às providências cautelares a favor do contribuinte ou demais obrigados tributários, devendo o requerente invocar e provar o fundado receio de uma lesão irreparável do requerente a causar pela actuação da administração tributária e a providência requerida».

São requisitos cumulativos do meio processual de intimação para um comportamento, previsto no art.º147.º do CPPT, (i) a omissão de um dever jurídico por parte da administração tributária susceptível de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária (n.º1) e (ii) que essa intimação seja o meio mais adequado para assegurar a tutela plena desse direito ou interesse, pressupondo aquela omissão a prévia definição da existência desse dever (n.º2) – vd. Acórdão do STA, de 02/10/2013, tirado no proc.º01114/13.

Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, “Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado”, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 3 ao art. 147.º, pág. 584, “a utilização deste procedimento, visando obter o cumprimento de um dever pela AT, supõe «que esteja definida previamente a existência deste, uma vez que, ao contrário do que sucede com a acção administrativa especial para condenação à prática de acto devido, não se inclui no processo de intimação uma fase declarativa»; e logo esclarece que «[t]al definição da existência de um dever pode resultar directamente da lei, quando se esteja em face de direitos cuja existência não necessite de actos de aplicação ou decorra necessariamente de determinada situação fáctica”.

No caso dos autos, a Requerente dirigiu à Autoridade Tributária, em 16/04/2018, um requerimento pedindo fosse reconhecida e declarada a anulabilidade da notificação efectuada em procedimento inspectivo da alteração do âmbito desse procedimento e de prorrogação do prazo da acção inspectiva por especial complexidade (cf. fls.19 dos autos).

Na falta de resposta da AT no prazo legal, intentou em 06/05/2018 a presente Intimação para Um Comportamento visando “a intimação judicial da AT para satisfazer o pedido da Requerente…” e lhe fosse fornecida cópia do despacho decisório sobre o reconhecimento das anulabilidades invocadas com relação à notificação dos actos praticados.

Sucede que, entretanto, por ofício de 01/07/2018, foi, a Intimante/ Recorrente, notificada do despacho proferido pela AT cujo teor está reproduzido supra, no ponto 1.4 do probatório.

Por virtude deste facto, considerou a sentença ocorrer motivo de inutilidade superveniente da lide, por integralmente satisfeita a pretensão da Intimante/ Recorrente.

E, com o merecido respeito por opinião diversa, assiste-lhe inteira razão.

Nos termos do disposto no n.º2 do art.º57.º da LGT, «Os actos do procedimento tributário devem ser praticados no prazo de oito dias, salvo disposição legal em sentido contrário».

Ultrapassado este prazo da lei, encontrava-se a Recorrente legitimada a lançar mão deste meio processual da Intimação para um Comportamento visando obter uma decisão sobre o pedido de reconhecimento e declaração de anulabilidade da notificação efectuada no procedimento inspectivo.

Mas tão-só. Não lhe assiste o direito a obter da AT uma decisão favorável à pretensão deduzida, nem o tribunal pode, através deste meio processual, sindicar o mérito da decisão da AT proferida sobre o pedido.

Para isso, o meio processual próprio será a impugnação judicial da decisão final lesiva do procedimento ou, em qualquer caso, outro meio processual que comporte uma fase declarativa, definidora da situação jurídica da Recorrente.

É que o enunciado requisito da Intimação do dever de prestação jurídica violado, consubstanciou-se na preterição do dever de decisão, plasmado no art.º56.º da Lei Geral Tributária, mas a legalidade ficou reintegrada logo que a AT proferiu a decisão omitida, independentemente do seu conteúdo, alcance e sentido decisório.

A inutilidade superveniente da lide (art.º 277º, al. e), do Código de Processo Civil), verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de ter todo o interesse e utilidade, conduzindo, por isso, à extinção da instância.
Tendo sido proferida uma decisão expressa sobre o pedido dirigido à AT e visando a qual se intentara a presente meio processual, ficou sem objecto a presente Intimação Judicial.

O que implica a inutilidade superveniente da lide e consequente extinção da instância, nos termos do disposto nos artigos 277.º, al. e) do Código de Processo Civil e 2º.al. e) do Código de Procedimento e Processo Tributário.

Sem necessidade de maiores considerandos, é de confirmar a sentença recorrida, que não enferma do apontado erro de julgamento, negando-se provimento ao recurso.

5 – DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente nesta instância.

Lisboa, 14 de Março de 2019



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Vital Lopes




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Hélia Gameiro Silva





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Benjamim Barbosa