Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1244/21.7BELRS-A
Secção:CT
Data do Acordão:02/24/2022
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:ARRESTO; CADUCIDADE; PROCEDIMENTO INSPECTIVO.
Sumário:I - Nos termos do preceituado no nº2 do artigo 137º do CPPT, o arresto fica sem efeito quando, tendo sido decretado na pendência de procedimento de inspecção tributária, a entidade inspeccionada não for notificada do relatório de inspecção no prazo de 90 dias a contar da data do seu decretamento, a menos que, findo este período, ainda não tenha terminado o prazo legal para a conclusão daquele procedimento de inspecção, com as eventuais prorrogações legais, caso em que o arresto fica sem efeito no termo deste último prazo legal.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO

N…, LDA, veio, no âmbito do processo n.º 1244/21.7 BELRS, interposto pela FAZENDA PÚBLICA, com vista a garantir o pagamento de Imposto sobre o Valor Acrescentado («IVA»), relativos aos anos de 2009 e 2010, requerer que seja declarada a caducidade da providência cautelar do arresto, decretada por sentença do referido processo.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 17 de dezembro de 2021, declarou a caducidade da providência cautelar de arresto e, em consequência, determinou que seja levantado o arresto sobre os bens e direitos da Requerente, aqui Recorrida, que, entretanto, tenham sido arrestados na sequência da sentença proferida junto do processo n.º 1244/21.7 BELRS.

Não concordando com a decisão, a recorrente, Fazenda Pública, veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que declarou a caducidade da providência cautelar de arresto, decretada por sentença proferida junto do processo n.º 1244/21.7 BELRS, e em consequência determinou que seja levantado o arresto sobre os bens e direito que, entretanto, tenham sido arrestados na sequência da sentença proferida junto do processo n.º 1244/21.7BELRS, relativos à sociedade acima identificada (Recorrida).

B. A Fazenda Pública não pode, de facto, conformar-se com os fundamentos que estiveram na base da decisão recorrida e, são, pois, na sua ótica, plurais as insuficiências e os erros que entendemos ser de imputar à decisão recorrida: (i) Insuficiência probatória; (ii) má apreciação dos factos (tendo a AT, atuado em obediência à Lei); (iii) Má apreciação jurídica.

C. Compreender o objeto dos presentes autos pressupõe que percebamos todo o contexto em que foi determinado o arresto de bens e direitos da Recorrida, e o que levou a AT, a proceder à alteração dos procedimentos internos de inspeção para procedimentos externos, com vista a apurar toda a verdade material (Ordens de Serviço n.ºs OI2… e OI2… que estão na génese do pedido de arresto).

D. E com o devido respeito, contrariamente ao entendimento do douto Tribunal, a Fazenda Pública entende que não se trata de novos procedimentos inspetivos, pois, não obstante a qualificação formal de procedimento de inspeção como interno adotada pela AT, com respaldo na alínea a), do artigo 13.º do RCIPTA, houve foi a necessidade de proceder à alteração dos procedimentos inspetivos classificados formalmente como internos para externos de acordo com a fundamentação apresentada pelos SIT, a saber: “justifica-se confirmar externamente, nomeadamente tendo em vista fazer todas as diligências que possam ser úteis para uma eventual aplicação de métodos indiretos de tributação (…)”. (cfr. facto 10 do probatório e o ofício, de fls. 107 e 108 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

Senão vejamos,

E. Depreende-se da matéria dada por provada (cfr. pontos 1 a 10 do probatório), que os procedimentos inspetivos acima referidos foram iniciados como procedimentos de inspeção interna [cfr. al. a) do artigo 13º do RCPITA], em 12 de abril de 2021, e foram alterados para procedimentos externos [al. b) do artigo 13º do RCPITA), nos termos do nº 1 do artigo 15º do RCPITA, por despacho de 12 de julho de 2021, tendo sido a Recorrida notificada desta alteração e dos seus fundamentos através do ofício nº 12933 de 02 de agosto de 2021 da Direção de Finanças de Lisboa (cfr. o ofício, de fls. 107 e 108 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

F. E que através do mesmo ofício, e no âmbito do procedimento inspetivo, foi a Recorrida, notificada para prestar esclarecimentos e apresentar elementos e documentos fiscalmente relevantes ao abrigo do principio da cooperação previstos no nº 1 do artigo 9º do RCPITA e do artigo 59º da LGT (cfr. ofício, de fls. 107 e 108 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

G. E após essa notificação, a Recorrida não apresentou quaisquer documentos ou esclarecimentos, nem apresentou justificação para a ausência de resposta ao pedido de cooperação. Encontrando-se naquela altura os SIT, a proceder a outras diligências que considerava adequadas à descoberta da verdade material (cfr. Requerimento apresentado pela Fazenda Pública em 25/10/2021, em resultado das diligências realizadas junto da Inspeção Tributária, fls. 81 dos autos - numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

H. Outra nota fundamental para o presente recurso: a matéria de prova dada como assente pelo douto Tribunal (cfr. ponto 10 do probatório), especificamente quanto aos factos acima resumidos [letras E) e F) da presente conclusão], nada diz. Assim, salvo o devido respeito, padece de insuficiência e carência face à prova carreada para os autos.

I. E essa carência dos demais factos dados como provados e indicados fere a douta sentença recorrida de erro de julgamento da matéria de facto, com a consequência, indevida da aplicação do direito.

J. Constituindo a inspecção tributária um dos meios através dos quais se realizam os fins visados pelo sistema fiscal – a repartição justa dos rendimentos e da riqueza, várias são as classificações do procedimento tributário de inspeção, quanto aos fins, quanto à iniciativa, quanto ao lugar da realização e quanto ao âmbito e extensão.

K. Porque conexionada com as questões que importa conhecer no presente recurso, atribuímos particular relevo à classificação que atribui relevância ao lugar da realização, pois salvo o devido respeito, padece de incorreção a fundamentação do Tribunal a quo, pois, no entender da Fazenda Pública, não resulta da lei qualquer limitação quanto à alteração do lugar da realização do procedimento inspetivo, como se explicará de seguida.

L. Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em: (vide artigo 13.º do RCPITA): a) Interno, quando os atos de inspeção se efetuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos por esta detidos ou obtidos no âmbito do referido procedimento; b) Externo, quando os atos de inspeção se efetuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.

M. O procedimento interno é uma espécie de inspeção cadastral, efetuada dentro dos próprios serviços de inspeção, com recurso aos elementos declarados pelos sujeitos passivos. Este tipo de procedimento engloba atividades de mera constatação em que a AT se limita a verificar o cumprimento por partes dos sujeitos passivos dos seus deveres declarativos, quer se trate de deveres declarativos principais ou acessórios.

N. Tratam-se de atividades de controlo, em que a AT não efetua qualquer diligência fora das suas instalações. Contudo, esta atividade poderá constituir o ponto de partida para uma atuação efetiva da AT para futuros e eventuais procedimentos de inspeção externos a desencadear.

O. Trata-se por isso de ação inspetiva que não reveste especiais funções de investigação, típicas dos órgãos de inspeção.

P. O procedimento será externo quando os atos de inspeção sejam praticados, total ou parcialmente, nas instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso (cfr. CALDEIRA, J.F. Damião, in “O Procedimento Tributário de Inspeção — Um contributo para a sua compreensão à luz dos Direitos Fundamentais” outubro de 2011, pág. 92 e 93).

Q. Ora, tal como resulta do probatório, no âmbito da análise interna, os Serviços de Inspeção, face aos factos detetados, e em cumprimento dos princípios da legalidade, da indisponibilidade do crédito tributário, e até mesmo o princípio da igualdade tributária, elaboram informação que se encontra na génese do pedido de arresto (cfr. ponto 3 do probatório).

R. Informação essa que faz fé pública relativamente aos factos que descreve, nos termos do artigo 76.º, n.º 1, da LGT., tal como salienta o douto Tribunal em sede de sentença proferida junto do processo n.º 1244/21.7BELRS.

S. O douto Tribunal não teve dúvidas que os requisitos para decretar o arresto dos bens e direitos da Recorrida se encontravam efetivamente preenchidos.

T. Outra nota fundamental para o presente recurso: O Tribunal a quo não pode agora nesta sede, fazer tábua rasa dos factos que estão na génese do pedido de arresto, e muito menos de deixar de atender aos motivos invocados pelos SIT, quanto à fundamentação que acompanhou a alteração dos procedimentos inspetivos de internos para externos.

U. É um dever da AT ser diligente na averiguação das situações inspecionadas e de cumprir o princípio do inquisitório, pelo que nessa medida procedeu à alteração dos referidos procedimentos inspetivos (cfr. ofício, de fls. 107 e 108 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

V. Dessa alteração foi a Requerida notificada, pelo não foram retirados quaisquer direitos da Recorrida.

W. Mais uma vez, a matéria provada dada como assente pelo douto Tribunal (cfr. ponto 10 do probatório), especificamente quanto à fundamentação acima transcrita, apresentada pelos serviços de inspeção, e na qual foi notificada à Recorrida, salvo o devido respeito, padece de insuficiência e carência face à prova carreada para os autos. Para além disso, foi completamente ignorada pelo Tribunal.

X. Ademais, o sujeito passivo foi devidamente notificado da respetiva alteração, bem como para colaborar e prestar os esclarecimentos/ elementos devidos, em total respeito pelo princípio da legalidade, segurança jurídica e estabilidade da relação fiscal. Sendo notória nessa fase a sua falta de colaboração com SIT, que salvo o devido respeito, também não mereceu a devida atenção, pelo douto Tribunal (cfr. Requerimento apresentado pela Fazenda Pública em 25/10/2021, em resultado das diligências realizadas junto da Inspeção Tributária, fls. 81 dos autos - numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

Y. Do exposto, reitera-se que não estamos perante novas ações inspetivas, como parece emergir da sentença recorrida, e não obstante a qualificação formal de procedimento de inspeção como interno adotada pela AT, com respaldo na alínea a), do artigo 13.º do RCIPTA, houve foi a necessidade de proceder à alteração dos procedimentos inspetivos classificados formalmente como internos para externos, pois de acordo com a informação prestada pelos serviços de inspeção: “justifica-se confirmar externamente, nomeadamente tendo em vista fazer todas as diligências que possam ser úteis para uma eventual aplicação de métodos indiretos de tributação (…)”.

Z. Para além disso, e com o devido respeito, não concorda a Recorrente com o alegado pelo douto Tribunal, quanto à falta de notificação prévia do início de procedimento de inspeção externa, não se vislumbrando dos autos, face aos elementos carreados, como é que o Tribunal formula essa conclusão.

AA. De acordo com a jurisprudência dos tribunais superiores, quanto aos princípios da oficiosidade e do inquisitório, o Juiz não só pode, como deve realizar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade, designadamente o de ordenar a junção de todos os documentos necessários para a apreciação das questões postas no processo, princípio esse que hoje tem consagração expressa nos artigos 99º da LGT e do CPPT.

BB. Por isso, e com o devido respeito, não pode a Recorrente, e salvo melhor entendimento, deixar de invocar a falta de realização oficiosa de diligências úteis e necessárias para o conhecimento dos factos alegados, o constitui um erro de julgamento que se traduz numa errada não aplicação do preceito legal que a impõe ( neste sentido, vd. Diogo Leite de Campos Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, “Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada”, Encontro de Escrita, 4.ª ed., 2012, a pág.859).

CC. Uma vez mais, não pode a Recorrente deixar de salientar os esclarecimentos por si prestados, através do Requerimento enviado em 30/11/2011 (cfr. folhas 109 a 116 do SITAF, o qual se reproduz para todos os efeitos legais), quanto ao prazo do procedimento inspetivo, e que não foram atendidos pelo douto Tribunal e que infra se reproduz:

“(…)Mais se informa que, ainda que os atos de Inspeção externa se tenham iniciado efetivamente com a notificação ao sujeito passivo do Ofício 1…, de 02 de agosto de 2021, foi considerado o dia 12 de abril de 2021, data da informação do Pedido de Providência Cautelar como data do inicio do procedimento, por ser a data do primeiro documento produzido no âmbito do procedimento, razão pela qual foi requerida e autorizada, por despacho de 08 de novembro de 2021, a prorrogação do prazo do procedimento por um período de mais três meses, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 36º do RCPITA. Para cumprimento da parte final do nº 4 do mesmo artigo 36º do RCPITA, foi o sujeito passivo notificado da prorrogação do prazo do procedimento pelo Ofício nº 2… de 9 de novembro de 2021 – cuja cópia certificada também se junta (…)”.

DD. Pelo que se impõe concluir que o Tribunal fixou incorretamente e de forma insuficiente a matéria de facto, o que acabou por condicionar todo o segmento decisório.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que os mui Ilustres Juízes Desembargadores deste Venerando Tribunal assim o julgarem no seu MUI douto juízo, deve o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente procedente, devendo ser revogada a sentença recorrida, concluindo-se no sentido da não ocorrência da caducidade do arresto, objeto dos presentes autos, determinado por sentença proferida junto do processo n.º 1244/21.7BELRS.

Assim fazendo, VOSSAS EXCELÊNCIAS, a costumada Justiça!»


*

A recorrida, devidamente notificada para o efeito, veio apresentar as suas contra-alegações, formulando as conclusões seguintes:

“1. No âmbito do processo judicial tributário, o arresto corresponde a uma das providências cautelares avulsas que podem ser constituídas a favor da administração tributária, consistindo numa apreensão judicial de bens ou direitos do devedor do tributo ou do responsável solidário ou subsidiário, com vista a garantir a cobrança de créditos tributários liquidados ou por liquidar, de harmonia com o estatuído nos arts. 135.º, n.º 1, al a), e 136.º do CPPT e no art. 391.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi do art. 139.º do CPPT.

2. É instrumental, porquanto o mesmo está dependente do início de um procedimento de liquidação de um tributo, onde se inclui o procedimento de inspecção tributária, com vista à liquidação de um tributo, estando, por isso, sujeito às respectivas vicissitudes, conforme se extrai do disposto no art. 31.º, n.º 2, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA) (vide Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. II, 6.ª edição, 2011, págs. 462 e 463).

3. E é provisório, na medida em que o mesmo destina-se a vigorar na ordem jurídica por um período limitado de tempo, tal como decorre do regime de caducidade, previsto no art. 137.º do CPPT.

4. Por sentença proferida, em 07 de Julho de 2021, e rectificada, em 15 de Julho de 2021, o Tribunal julgou procedente a providência cautelar de arresto identificada no ponto antecedente, decretando, em consequência, o arresto de bens e direitos da Recorrida, a começar pelo arresto dos eventuais valores depositados nas respectivas contas bancárias, seguido do arresto dos correspondentes veículos automóveis e, por fim, do arresto dos créditos sobre terceiros, até ser atingido o valor de € 210.285,57.

5. Consequentemente, a partir do momento em que o arresto foi decretado, com base numa informação prestada pelos Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, por sentença proferida e rectificada, em 07 e 15 de Julho de 2021, e notificada à Fazenda Pública através de ofícios, datados de 08 e 15 de Julho de 2021, e em que os prazos legais para a conclusão dos procedimentos de inspecção em questão terminaram às 24 horas dos dias 16 de Julho e 02 de Agosto de 2021, esses serviços dispunham do prazo de 90 dias, a contar da data do predito decretamento, para notificar a Requerente do correspondente relatório de inspecção tributária, sob pena do arresto ficar sem efeito, nos termos do art. 137.º, n.º 2, do CPPT, do art. 57.º, n.º 1, da LGT, aplicável ex vi do art. 4.º, al. a), do RCPITA, e do art. 279.º, als. b), c), e e), do CC, aplicável por remissão sucessiva do art. 4.º, al. a), do RCPITA e do art. 57.º, n.º 3, da LGT.

6. Esta conclusão não obsta a circunstância do Chefe de Divisão dos Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, ter alterado as Ordens de Serviço já identificadas, com referência ao respectivo lugar, convertendo aparentemente os procedimentos de inspecção tributária internos num procedimento de inspeção tributária externo, por despacho exarado, em 12 de Julho de 2021, e, muito menos, o facto da Directora de Finanças Adjunta de Lisboa ter autorizado a ampliação do prazo para a conclusão deste procedimento, por um período adicional de três meses, mediante despacho exarado, em 08 de Novembro de 2021, porque a alteração do lugar da inspecção não é legalmente permitida, atento o disposto no art. 15.º, n.º 1, do RCPITA e depois porque o procedimento de inspecção tributária externo está sujeito a regras distintas – e que não foram cumpridas - daquelas que se encontram previstas para o procedimento de inspecção tributária interno.

Termos em que e nos mais de direito deve o recurso da Fazenda Pública ser julgado improcedente com as legais consequências.»



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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer «(…) que o presente recurso deve ser julgado procedente, revogando-se a sentença na íntegra e substituindo-se por outra que considere não ter caducado o prazo do arresto, a que alude o artigo 137º, nº 2 do CPPT

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Com dispensa de vistos legais, dada a natureza urgente do processo, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1. No dia 16 de Março de 2021, os Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, emitiram, em nome da Requerente, a Ordem de Serviço n.º OI2…, com vista à realização de um procedimento de inspecção tributária interno, de âmbito parcial, com referência ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), do período de tributação de 2019 (cfr. ordem de serviço, de fls. 103 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

2. No dia 31 de Março de 2021, os Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, emitiram, em nome da Requerente, a Ordem de Serviço n.º OI2…, com vista à realização de um procedimento de inspecção tributária interno, de âmbito parcial, com referência ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), do período de tributação de 2020 (cfr. ordem de serviço, de fls. 104 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

3. No dia 20 de Abril de 2021, na sequência das Ordens de Serviço identificadas nos pontos antecedentes, os Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, elaboraram uma informação, com vista à formulação de um pedido de providência cautelar de arresto (cfr. informação, de fls. 23 a 29, 32 a 37, 40 a 44, 55 e 56 do processo n.º 1244/21.7 BELRS – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

4. No dia 31 de Maio de 2021, com base na informação identificada no ponto antecedente, a Fazenda Pública veio requerer, junto deste Tribunal, a providência cautelar de arresto, por forma a garantir o pagamento do IVA, dos períodos de tributação de 2019 e 2020, no valor mínimo de € 199.660,12, e dos correspondentes juros compensatórios, contabilizados até ao fim do prazo de seis meses da data da propositura da acção, no valor de € 10.625,45, perfazendo assim o valor total de € 210.285,57, o que deu origem ao processo n.º 1244/21.7 BELRS, que correu termos junto deste Tribunal (cfr. petição inicial, de fls. 04 a 20 do processo n.º 1244/21.7 BELRS – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

5. Por sentença proferida, em 07 de Julho de 2021, este Tribunal julgou procedente a providência cautelar de arresto identificada no ponto antecedente, decretando, em consequência, o arresto de bens e direitos da Requerente, a começar pelo arresto dos eventuais valores depositados nas respectivas contas bancárias, seguido do arresto dos correspondentes veículos automóveis e, por fim, do arresto dos créditos sobre terceiros, até ser atingido o valor de € 210.285,57 (cfr. sentença, de fls. 137 a 171 do processo n.º 1244/21.7 BELRS – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

6. Através do ofício n.º 7…, de 08 de Julho de 2021, este Tribunal comunicou à Fazenda Pública a decisão identificada no ponto antecedente (cfr. ofício, de fls. 172 do processo n.º 1244/21.7 BELRS – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

7. Por despacho, datado de 15 de Julho de 2021, este Tribunal rectificou a sentença identificada no ponto n.º 5 do probatório (cfr. despacho, de fls. 179 a 182 do processo n.º 1244/21.7 BELRS – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

8. Através do ofício n.º 7…, de 15 de Julho de 2021, este Tribunal comunicou à Fazenda Pública a rectificação identificada no ponto antecedente (cfr. ofício, de fls. 183 do processo n.º 1244/21.7 BELRS – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)

9. Por despacho exarado, em 12 de Julho de 2021, o Chefe de Divisão dos Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, alterou as ordens de serviço identificadas nos pontos antecedentes, com referência ao respectivo lugar, convertendo os procedimentos de inspecção tributária em externos (cfr. despacho aposto nas Ordens de Serviço, de fls. 105 e 106 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);


10. Através do ofício n.º 1…, de 02 de Agosto de 2021, os Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, comunicaram à Requerente, designadamente, que “(…)







(…)” (cfr. ofício, de fls. 107 e 108 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

11. O ofício descrito no ponto antecedente foi remetido pelos Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, com destino à Requerente, via carta postal registada, datada de 02 de Agosto de 2021 (cfr. número do registo aposto no ofício, registo e print do site dos CTT, de fls. 107, 108, 122 e 136 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

12. No dia 06 de Outubro de 2021, a Requerente entregou, junto deste Tribunal, o presente requerimento de caducidade do arresto (cfr. requerimento e data aposta nesse requerimento, de fls. 05 e 06 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

13. Através do ofício n.º 2…, de 09 de Novembro de 2021, os Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, comunicaram à Requerente, designadamente, que “(…)


«Imagem no original»


(…)” (cfr. ofício, de fls. 123 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

14. O ofício descrito no ponto antecedente foi remetido pelos Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, com destino à Requerente, via carta postal registada, datada de 09 de Novembro de 2021 (cfr. registo e print do site dos CTT, de fls. 136 e 137 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


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Factos não provados

«Nada mais foi considerado como provado com relevância para a decisão em causa, atentos o pedido e a causa de pedir.»


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Motivação da decisão de facto

«A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados assentou na análise dos documentos juntos aos presentes autos e ao processo n.º 1244/21.7 BELRS, tudo conforme foi especificado a propósito de cada um dos pontos do probatório, sendo certo que nenhum dos referidos documentos foi objecto de impugnação por qualquer uma das partes, nos termos dos arts. 444.º e 446.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 2.º, al. e), do CPPT.»


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- De Direito


Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se se verifica insuficiência probatória, se a sentença recorrida errou no seu julgamento de facto, por errada interpretação dos factos e se ocorre erro de julgamento na interpretação do Direito.

Vejamos, então.

Está em causa, nos presentes autos, o pedido de declaração de caducidade da providência cautelar de arresto decretada no âmbito do processo nº 1244/21.

A sentença recorrida entendeu que estava verificado o requisito constante do nº2 do artigo 137º do CPPT e declarou a caducidade da providência cautelar de arresto. Concluiu-se na decisão recorrida que, para a economia do preceituado no nº2 do artigo 137º do CPPT, não se podia considerar o procedimento inspectivo como pendente, já que não tinham sido cumpridos os formalismos previstos no artigo 51º do RCPITA, sendo irrelevante a invocação do contexto da pandemia provocada pelo surto do Coronavirus – COVID 19.

Da insuficiência probatória

A Recorrente invoca que a sentença recorrida padece de insuficiência probatória por duas razões.

A primeira, no que respeita ao facto constante do ponto 10) do probatório, em virtude de não constar do mesmo a referência à conversão do procedimento inspectivo de interno em externo e a notificação à Recorrida.

A segunda, por não constar do probatório o facto de a Recorrida ter sido notificada para prestar esclarecimentos e apresentar elementos e documentos fiscalmente relevantes, ao abrigo do princípio da colaboração, o que foi operado pelo ofício a que se refere o ponto 10) da matéria de facto provada.

Por facilidade de análise, recordemos o teor do mencionado ponto 10) do probatório:

10. Através do ofício n.º 1..., de 02 de Agosto de 2021, os Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, comunicaram à Requerente, designadamente, que “(…)

(…)” (cfr. ofício, de fls. 107 e 108 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

Relativamente à primeira questão, entendemos que não tem razão a Recorrente, já que do teor do facto ínsito no ponto 10) é possível descortinar a factualidade por si referida. Ou seja, que tinha sido iniciado um procedimento inspectivo de carácter interno, que foi alterado para externo e que a Recorrida foi notificada de tal modificação.

Para além do mais, foi expressamente dado por integralmente reproduzido todo o conteúdo do ofício em causa, pelo que não se verifica insuficiência probatória, neste aspecto.

Quanto à segunda questão, o mesmo se dirá, ou seja, em virtude de o documento ter sido dado por integralmente reproduzido, o facto provado inclui a totalidade do texto do ofício. Porém, por ser relevante e para ser mais fácil a interpretação dos factos dados como provados, impõe-se alterar o conteúdo do ponto 10) do probatório, por forma a passar a incluir a menção, constante do ofício datado 2 de Agosto de 2021, relativa à notificação da Recorrida para apresentar elementos e documentos, ao abrigo do princípio da cooperação.

Assim, procede-se à alteração do conteúdo do ponto 10) do probatório, que passará a ter a seguinte redacção:

10. Através do ofício n.º 1…, de 02 de Agosto de 2021, os Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, comunicaram à Requerente, designadamente, que “(…) Assunto: Notificação para envio de elementos e documentos fiscalmente relevantes

Fica por este meio notificada a sociedade N…. Unipessoal, Ldª, com o NIF 5…, e sede na Av. do A…, nº… – …º piso – Escritório … em Lisboa, na pessoa do seu representante legal, para, no âmbito da acção de inspecção que se encontra a decorrer, ao abrigo das Ordens de Serviço nº OI2… e nº OI2…, relativas aos exercícios de 2019 e 2020, e nos termos dos artigos 37º e 38º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA) e dos artigo 59º e 63º da Lei Geral Tributária (LGT), apresentar, no prazo de 10 dias, os seguintes elementos/documentos de natureza contabilística. Financeira relativos aos referidos exercícios de 2019 e 2020:

(…)








(…)” (cfr. ofício, de fls. 107 e 108 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

Prossigamos.

Do erro de julgamento

Dissente a Recorrente da decisão recorrida que entendeu estarem reunidos os requisitos para declarar a caducidade do arresto, nos termos do preceituado no nº2 do artigo 137º do CPPT.

A sentença recorrida, para assim decidir, entendeu, em síntese, que, não é legalmente permitida a alteração do procedimento inspectivo quanto ao lugar, e, nessa senda, considerou que a conversão operada pela AT quanto ao lugar do procedimento (de interno para externo), consubstancia um novo procedimento.

Mais entendeu que, por se tratar de um novo procedimento inspectivo, não pode o arresto ser automaticamente transposto, sem qualquer intervenção judicial, ainda que tenha os mesmos fins, âmbito e extensão, sendo por isso irrelevante a conversão dos procedimentos de interno em externo e a prorrogação do prazo de duração operada pelo despacho da Directora de Finanças Adjunta de Lisboa, por um período adicional de três meses.

Concluiu que, por não ter sido a Recorrida notificada do Relatório de Inspecção no prazo legal, ou seja, dentro do prazo de conclusão da acção inspectiva, se encontravam reunidos os condicionalismos previstos no nº2 do artigo 137º do CPPT para a declaração de caducidade da providência cautelar de arresto, e assim o declarou.

Não podemos concordar com o assim decidido.

Vejamos porquê.

Comecemos por apreciar a asserção da sentença recorrida de que não é legalmente permitida a alteração do lugar da inspecção, com respaldo, refere, no nº1 do artigo 15º do RCPITA.

Refere-se na sentença recorrida que:

“(…) Com efeito, de acordo com a referida disposição legal, somente podem ser alterados os fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspecção tributária, mas não o lugar da inspecção, o que bem se compreende (cfr. pontos n.ºs 9 a 11 do probatório).

É que o procedimento de inspecção tributária externo está sujeito a regras distintas daquelas que se encontram previstas para o procedimento de inspecção tributária interno, conforme, aliás, já se deu aqui a entender, não se podendo enxertar um procedimento de inspecção tributária externa num procedimento de inspecção tributária interno ou vice-versa, desvirtuando-se, por essa via, as referidas regras (cfr. pontos n.ºs 1 a 11 do probatório).(…)”

Atentemos no preceituado no artigo 15º do RCPITA:

“Alteração dos fins, âmbito e extensão do procedimento

1 - Os fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspecção podem ser alterados durante a sua execução mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo ser notificado à entidade inspeccionada.

2 - O âmbito e extensão do procedimento de inspecção pode ser determinado a solicitação dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, nos termos do Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro.”

Da leitura que fazemos da sentença recorrida parece-nos que o entendimento preconizado, e com o qual não se conforma a Recorrente, resulta de uma interpretação a contrario sensu da permissão estabelecida na mencionada norma. Ou seja, entendeu-se que, por não vir, ali, expressamente mencionada a possibilidade de alteração do lugar do procedimento inspectivo, seria legalmente vedado à AT fazê-lo.

A Recorrente, em total desacordo com a posição adoptada na sentença recorrida, afirma, na conclusão K) que salvo o devido respeito, padece de incorrecção a fundamentação do Tribunal a quo, pois, no entender da Fazenda Pública, não resulta da lei qualquer limitação quanto à alteração do lugar da realização do procedimento inspectivo.

A respeito do lugar do procedimento inspectivo, veja-se o artigo 13º do RCPITA, que estatui o seguinte:

“Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em:

a) Interno, quando os atos de inspeção se efetuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos por esta detidos ou obtidos no âmbito do referido procedimento; (Redação do Decreto-Lei n.º 36/2016, de 1 de julho)

b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.”

Em regra, a acção inspectiva interna tem lugar nas instalações da AT e envolve a análise (interna) dos elementos declarados pelos contribuintes e de outros que tenha ao seu dispor. O procedimento de inspecção tributária interno ocorre quando os actos de inspecção se efectuam, exclusivamente, nos serviços da Administração Tributária através da análise formal e de coerência dos documentos.

É importante referir que este tipo de procedimento não tem que ser previamente notificado ao contribuinte e não implica a suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação.

Como refere Paulo Marques, in “O procedimento de inspecção tributária”, Coimbra Editora, pág. 218: “(…) Apenas o procedimento de inspecção externo pode suspender a caducidade do direito à liquidação, não sendo determinante necessariamente a qualificação terminológica ou formal conferida pela administração tributária (…)”.

Sucede que, como refere a Recorrente, a actividade de análise interna, típica do procedimento de inspecção interno, constitui, muitas vezes, o ponto de partida para uma acção de inspecção externa, por ser necessário, nomeadamente, verificar a contabilidade do sujeito passivo, o que implica uma deslocação dos inspectores tributários às instalações daquele.

Contrariamente ao decidido em primeira instância não se encontra na lei qualquer limitação à alteração do lugar do procedimento. Antes se revela do mais elementar bom senso a possibilidade de o fazer. As especiais cautelas do legislador centraram-se em regular os termos da alteração do âmbito, dos fins e da extensão do procedimento inspectivo. E o facto de assim ser não implica que se tenha querido proibir a mudança quanto ao lugar da inspecção. Aliás, nada na lei o indicia.

Ora, do probatório (cfr. ponto 9) resulta que foi esta a situação que se verificou nos presentes autos. A AT iniciou um procedimento inspectivo interno e, no decorrer do mesmo, verificou que, na sequência da análise, se justificava confirmar externamente, nomeadamente tendo em vista fazer todas as diligências que possam ser úteis para uma eventual aplicação de métodos indirectos de tributação.

Nessa medida, converteu o procedimento de interno para externo.

E fê-lo por despacho fundamentado, tendo tido o cuidado de notificar a Recorrida da mencionada alteração, bem como nos termos e para os efeitos do preceituado nos artigos 37º, 48º e 51º do RCIPTA – vide ponto 10), da matéria de facto provada.

Ou seja, foram emitidas novas ordens de serviço, relativas a procedimento inspectivo externo, muito embora não tivesse ocorrido alteração quanto aos fins, âmbito e extensão do mesmo.

Assim sendo, é de concluir que, contrariamente ao decidido, o procedimento inspectivo manteve-se inalterado quanto aos fins, âmbito e extensão, tendo, contudo, sido alterado relativamente ao lugar, passando de interno a externo.

Entendemos, em sentido oposto ao decidido, que esta alteração não implica que a AT ficasse obrigada a requerer novo arresto, quanto aos mesmos bens e com a mesma motivação, situação que seria contrária ao princípio da economia processual e, a nosso ver, irrazoável.

Prossigamos.

Cumpre, agora, apreciar se já tinha decorrido o prazo de conclusão do procedimento inspectivo, como decidido, o que tem implicações na decisão de declaração de caducidade do arresto.

Afirma a Recorrente que a sentença recorrida não tomou em consideração a prorrogação do prazo de duração da acção inspectiva (devidamente notificada à Recorrida) nem a suspensão de prazos procedimentais no mês de Agosto, de acordo com o preceituado no artigo 57ºA da LGT.

E esta contagem de prazos é determinante para averiguar se estão reunidos os pressupostos da caducidade da providência cautelar do arresto previstos no artigo 137ºdo CPPT, que estatui o seguinte:

Caducidade

1 - O arresto fica sem efeito com o pagamento da dívida, ou quando, no processo de liquidação do ou dos tributos para cuja garantia é destinado, se apure até ao fim do ano posterior àquele em que se efectuou não haver lugar a qualquer acto tributário e, ainda, se, a todo o tempo, for prestada garantia nos termos previstos no presente Código.

2 - O arresto fica igualmente sem efeito quando, tendo sido decretado na pendência de procedimento de inspecção tributária, a entidade inspeccionada não for notificada do relatório de inspecção no prazo de 90 dias a contar da data do seu decretamento, a menos que, findo este período, ainda não tenha terminado o prazo legal para a conclusão daquele procedimento de inspecção, com as eventuais prorrogações legais, caso em que o arresto fica sem efeito no termo deste último prazo legal.

(Redacção dada pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro)

3 - O arresto caducará ainda na medida do que exceder o montante suficiente para garantir o tributo, juros compensatórios liquidados e o acrescido relativo aos 6 meses posteriores.
(Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho)”

A nossa atenção recai, especificamente, sobre o nº2 da norma, no qual se estabelecem dois prazos para a caducidade do arresto.

O primeiro, de 90 dias, contado desde a data em que foi decretado o arresto. Ou seja, a partir do momento em que seja decretado o arresto se, contados 90 dias, a entidade inspeccionada, no caso, a Recorrida, não tiver sido notificada do relatório de inspecção, caduca o arresto.

O segundo, referente ao prazo legal para a conclusão do procedimento de inspecção, com as eventuais prorrogações legais, caso em que o arresto fica sem efeito no termo deste último prazo legal. O que significa que, ainda que decorridos os 90 dias supra referidos, na circunstância de ainda estar em curso o prazo legal para a conclusão da acção inspectiva, considerando as prorrogações legais, a caducidade do arresto terá lugar no último dia deste prazo.

Recuperamos aqui o que, a propósito da interpretação das leis fiscais, se escreveu no Acórdão do STA de 9 de Maio de 2012, proferido no âmbito do processo nº 314/12 :

“(…) Sobre a interpretação das leis ficais rege a LGT que, no art. 11º, sob a epígrafe “Interpretação”, estabelece que “Na determinação do sentido e alcance das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis” (nº1). Logo a seguir, no seu nº 2 determina-se que “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei”. Finalmente, no nº 3 dispõe-se que “Persistindo dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.”

Assim sendo, também no direito fiscal, o preceito fundamental da hermenêutica jurídica radica no art. 9º do Código Civil (Assim, também no Direito Fiscal podem ser usadas as demais técnicas ou cânones interpretativos há muito usados no direito civil. Neste sentido, ver J.L.SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, p. 147.), que prescreve, sobre interpretação da lei:
“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
Interpretar uma lei não é mais do que fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar o seu sentido e alcance decisivos; o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei (Cfr. MANUEL DE ANDRADE, Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis, pp. 21 e 26.) (Seguimos de perto o que ficou consignado no Acórdão do STA, de 14/6/2012, proc nº 475/12.).
Interpretar em matéria de leis, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, dentro das várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva (Neste sentido, cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA,
Noções Fundamentais de Direito Civil, 6ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1965, Vol. I., p. 145.).

PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (Cfr. Código Civil Anotado, 4ª ed., vol. I., pp.58/59.) referem que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório de diplomas ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei.
Assim a letra assume-se, naturalmente, como o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, uma função negativa, qual seja, “a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou, pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei” (Cfr.
Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 2ª reimpressão, Coimbra, 1987, pp. 187 ss.).

Também como refere OLIVEIRA ASCENSÃO (Cfr. O Direito, Introdução e Teoria Geral, Lisboa, 1978, p. 350.), “a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito”.

Isto posto, para apreender o sentido da lei, a interpretação socorre-se, como refere FRANCESCO FERRARA (Cfr. Interpretação e Aplicação das leis, tradução de Manuel de Andrade, 3ª ed., Coimbra, 1978, pp. 127 ss e 138 ss.), de vários meios:
“Em primeiro lugar busca reconstruir o pensamento legislativo através das palavras da lei, na sua conexão linguística e estilística, procura o sentido literal. Mas este é o grau mais baixo, a forma inicial da actividade interpretativa. As palavras podem ser vagas, equívocas ou deficientes e não oferecerem nenhuma garantia de espelharem com fidelidade e inteireza o pensamento: o sentido literal é apenas o conteúdo possível da lei: para se poder dizer que ele corresponde à
mens legis, é preciso sujeitá-lo a crítica e a controlo.”
Ora, nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica.

O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regula a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretada no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.
O elemento histórico compreende todas as matérias relacionadas com a história do preceito material da mesma ou de idêntica questão, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.
Por sua vez, o elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (
ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.

A propósito deste critério realça o Autor que “É preciso que a norma seja entendida no sentido que melhor responda à consecução do resultado que quer obter. Pois que a lei se comporta para com a ratio iuris, como o meio para com o fim: quem quer o fim quer também os meios.

Para se determinar esta finalidade prática da norma, é preciso atender às relações da vida, para cuja regulamentação a norma foi criada. Devemos partir do conceito de que a lei quer dar satisfação às exigências económicas que brotam das relações (natureza das coisas). E portanto ocorre em primeiro lugar um estudo atento e profundo, não só do mecanismo técnico das relações, como também das exigências que derivam daquelas situações, procedendo-se à apreciação dos interesses em causa” (Idem, p. 141.).(…) ”

Não perdendo de vista os ensinamentos transcritos, atentemos no comentário ao nº2 do artigo 137º do CPPT, subscrito pelo Cons. Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado:

“(…) a existir uma conexão do arresto com um procedimento de inspecção, parece que o que seria razoável seria que ele se mantivesse enquanto estivesse pendente o procedimento, desde que respeitados os prazos legais, uma vez que não é pelo facto de existir um arresto que o período de tempo naturalmente necessário para concluir um procedimento de inspecção diminui. Ora, o procedimento de inspecção deve ser concluído no prazo de seis meses a contar da notificação do seu início, prazo este que pode ser prorrogado por mais dois períodos de três meses (art. 36.°, n.ºs 2 e 3, do RCPIT). No n.° 2 deste art. 137.º, na redacção inicial, determinava-se a caducidade do arresto decretado na pendência de procedimento de inspecção tributária, se a entidade inspeccionada não for notificada do relatório de inspecção no prazo de 90 dias a contar da data do seu decretamento. Como se referiu em edições anteriores, à face dessa redacção inicial, findo esse prazo era possível ocorrerem situações em que, apesar de estar a ser levado a cabo procedimento de inspecção dentro dos prazos legais, tinha de caducar arresto que tenha sido decretado na sua pendência, Como então se referiu, era uma solução legal cuja razoabilidade era manifestamente duvidosa. Foi esta razoabilidade que a Lei n.s 55-B/2004, de 30 de Dezembro, assegurou, ao afastar a caducidade do arresto nestas situações em que o procedimento de inspecção ainda estava pendente, após o decurso do prazo de 90 dias após o decretamento do arresto.”

Entendemos, pois, que a intenção do legislador com a alteração legislativa foi a de, precisamente, salvaguardar a manutenção do arresto, não obstante o decurso do prazo de 90 dias, nas situações em que estivesse, ainda, pendente, o procedimento inspectivo, como ocorre no caso dos autos.

Regressando ao caso dos autos, e considerando o probatório, verifica-se que;

· Em 12/07/2021 foi proferido despacho convertendo o procedimento de inspecção interno em externo;

· A sentença que decretou o arresto (rectificada) foi notificada à AT, por ofício datado de 15/07/2021;

· Por ofício datado de 02/08/2021 foi a Recorrida notificada da conversão em procedimento externo e respectiva fundamentação, para remeter diversa documentação e elementos da contabilidade, bem como das ordens de serviço relativas ao procedimento externo;

· Em 06/10/2021 deu entrada o requerimento da Recorrida solicitando que fosse declarada a caducidade do Arresto;

· Em 09/11/2021 foi remetido à Recorrida ofício dando conta de que o procedimento inspectivo (externo) tinha sido prorrogado por mais três meses.

Nos termos do preceituado no nº2 do artigo 137º do CPPT, supra transcrito, o arresto fica sem efeito quando, tendo sido decretado na pendência de procedimento de inspecção tributária, a entidade inspeccionada não for notificada do relatório de inspecção no prazo de 90 dias a contar da data do seu decretamento, a menos que, findo este período, ainda não tenha terminado o prazo legal para a conclusão daquele procedimento de inspecção, com as eventuais prorrogações legais, caso em que o arresto fica sem efeito no termo deste último prazo legal.

Ora, no caso dos autos, a notificação do arresto teve lugar em 15/07/2021, o que significa que o referido prazo de 90 dias terminaria não antes de 15/10/2021.

Sucede que, por força dos constrangimentos causados pela pandemia relativa ao coronavírus Covid 19, foi aditado pela Lei n.º 7/2021, de 26/02 o artigo 57ºA da LGT, nos termos do qual foi estabelecida a suspensão de prazos durante o mês de Agosto, nos seguintes termos:

Artigo 57.º-A ​​

“Diferimento e suspensão extraordinários de prazos​

1 – (…).

2 - (…).

3 - São suspensos os prazos relativos ao procedimento de inspecção tributária durante o mês de agosto, para efeitos do artigo 36.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira.​”

Aplicando a norma ao caso que nos ocupa, e por se tratar de situação em que se encontrava a decorrer um procedimento de inspecção, em que releva o preceituado no artigo 36º do RCPITA, mencionado no nº3 da norma transcrita, é de considerar a suspensão do prazo procedimental durante o mês de Agosto de 2021.

Isto significa que o prazo de duração do procedimento inspectivo (iniciado em 02/08/2021 com a notificação das ordens de serviço), considerando a suspensão, interrompeu a sua contagem de 1 a 31 de Agosto de 2021.

Há, ainda, que considerar a circunstância de a duração do procedimento ter sido prorrogada por mais três meses, e notificada à Recorrida por ofício de 09/11/2021.

Assim, à data em que a Recorrida veio pedir a declaração de caducidade do arresto – 6 de Outubro de 2021 – ainda não tinha decorrido o prazo de seis meses de duração do procedimento inspectivo, considerando a prorrogação legal por mais três meses, pelo que não se vislumbram razões para manter o decidido.

Nem se diga que uma eventual irregularidade da notificação das ordens de serviço respeitantes ao início do procedimento externo (que, como vimos, foi remetida à Recorrida) possa influir na contagem do prazo supra efectuada, para efeitos do nº2 do artigo 137º do CPPT, a qual, aliás, não foi, sequer invocada no requerimento inicial.

Assim sendo, o recurso merece provimento, sendo de revogar a sentença recorrida e, em conformidade, considerar improcedente o pedido de declaração de caducidade do arresto, ficando prejudicado o conhecimento do demais invocado.


*




III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em considerar procedente o recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente o pedido de declaração de caducidade do arresto.

Custas pela Recorrida.

Registe e Notifique.

Lisboa, 24 de Fevereiro de 2022

(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Hélia Gameiro Silva)