Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:7424/14.4BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:10/31/2019
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IRC;
CUSTOS;
INDISPENSABILIDADE;
RAZOABILIDADE.
Sumário:I. Cabe à AT o ónus de fundadamente pôr em causa a indispensabilidade de um determinado custo, atento o disposto no n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, à época vigente.

II. O juízo de falta de indispensabilidade do custo não se compadece com apreciações de oportunidade ou razoabilidade desse mesmo custo, sob pena de se tratar de uma ingerência na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 30.04.2013, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação apresentada por P........S.A. (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), relativa ao exercício de 1998.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“4.1. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a impugnação judicial parcialmente procedente, anulando a liquidação impugnada na parte referente à não aceitação como custo da factura nº 98….. de 27/07/98, no valor de € 4.785,47 (959.400$00).

4.2. Entendeu o Tribunal a quo que não era de manter a decisão da Administração Fiscal de desconsiderar a factura n.º 98….., de 27/07/1998 para efeitos da ora recorrida qualifica-la como custo, dedutível para efeitos económico-fiscais, mas salvo o devido respeito, fez uma errónea valoração dos elementos constantes dos autos.

4.3. O Tribunal a quo sustentou a sua posição dizendo que "os indícios não se revelam suficientes, pois assentam apenas no facto de "se recorrer à entidade de A........ Lda, quando o sujeito passivo A........é administrador da sociedade a partir de Junho de 1998, data a partir da qual, existe divisão, cessão de quotas, aumento de capital e transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima"

4.4. No entendimento do Tribunal a quo, tal facto, "desacompanhado de outros elementos contabilísticos, que estavam ao alcance da AT, uma vez que não consta dos autos que a impugnante se recusasse a apresentar documentos, não podem fundamentar suficientemente estas correcções, n.º 1 do art. º 23.º do CIRC."

4.5. Entende que a Administração Fiscal andou mal quando entendeu que "não nos é possível concluir pela sua indispensabilidade para a actividade empresarial, dado que a empresa podia superar este custo pelos seus próprios meios, nomeadamente pelo seu administrador Sr. º A........, e como referido na resposta à notificação de 03/10/01, "por força da sua grande experiência na "Matéria", bem conhecia."

4.6. Ora, o Tribunal a quo com tal procedimento fez uma errónea valoração dos elementos constantes dos autos e desatendeu os elementos colhidos pela Administração Fiscal aquando da Inspecção à recorrida e consequentemente aplicou de forma menos correcta o direito ao caso em crise.

4.7. Efectivamente, a factura n.º 980042, de 27 de Julho de 1998, no valor de € 4.785,47 não pode, nem deve, ser considerada como custo (ou gasto) indispensável para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtiva pois, para que tal custo seja dedutível, em termos fiscais, é necessário que, cumulativamente, sejam comprovados documentalmente nos termos legais e sejam indispensáveis para a realização dos proveitos.

4.8. A Administração Fiscal não aceitou que os custos por serviços prestados pela sociedade unipessoal, A……., no montante de 820.000$00 + IVA (139.400$00), i. é, € 4.785,47 com a designação «Consultoria Comercial/Publicidade» (factura 98….. de 27/7/98) fossem aceites como custos, porque não foi possível concluir-se pela indispensabilidade do custo para a actividade empresarial, tanto mais que sendo A........administrador da recorrida, era­lhe possível recuperar este custo pelos seus próprios meios.

4.9. Não só a impugnante não comprovou, como lhe competia de acordo com o disposto no artº 23º do CIRC, a indispensabilidade desses custos para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora, como sérias dúvidas se levantam sobre a sua existência real, tudo conforme consta dos autos.

4.10. Numa perspectiva empresarial, o lucro representa o resultado ou produto líquido de uma actividade produtiva, que tem a natureza de uma compensação líquida, por se tratar de retribuição que já vem deduzida de todos os custos correlativos.

4.11. A noção de custo no Direito Fiscal encontra-se no art. 23° do CIRC - consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (...).

4.12. A indispensabilidade a que se refere o art. 23º do CIRC como condição para que um custo seja dedutível exige uma relação de causalidade económica, no sentido de que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros.

4.13. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal.

4.14. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa.

4.15. Trata-se de uma noção ampla de custo ou perda, seguida por uma enumeração das várias despesas susceptíveis de incluir o elenco.

4.16. Este preceito é uma verdadeira norma de incidência, que contribui para o recorte e identificação do facto tributário e que se encontra especialmente orientada para a prossecução do objectivo constitucional do rendimento real e do rendimento líquido.

4.17. O STA tem vindo a concretizar o que entende por indispensabilidade em três planos distintos: ora, por via da exigência de um nexo de causalidade com os proveitos (só será aceite fiscalmente o custo que gere proveito), ora, por via do estreitamento do elenco de custos aos que derivassem de obrigações legais e contratuais, ora como resultado de um juízo aposteriorístico feito pelo Estado Fisco sobre a bondade e necessidade do encargo face à actividade da empresa, juízo esse que o tribunal tem aceite como válido, não obstante a ingerência na vida da própria empresa.

4.18. Recentemente, é visível na jurisprudência uma maior aproximação às posições doutrinais que perfilham uma interpretação ampla do conceito, tratando-o numa perspectiva mais adequada, ou seja, mais próxima do fim económico e gestionário global da empresa, vejam-se os acórdãos do STA de 26/01/2005 e 29/03/2006.

4.19. Em suma, pode concluir-se que todo o gasto que contabilize como custo e se mostre estranho ao fim da empresa não é custo fiscal, porque não indispensável sendo considerados custos fiscalmente dedutíveis todas as despesas que se relacionem directamente com o processo produtivo.

4.20. E que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, não se pode admitir gastos directamente afastados pela lei.

4.21. Ora, da análise dos autos decorre uma forte motivação que convence que o alegado custo foi incorrido para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa.

4.22. Assente a sua não qualificação como gasto incorrido para a realização dos proveitos e para a manutenção da fonte produtora, de acordo com o explanado, impõe-se a sua não dedução: a despesa em causa alegadamente suportada pela recorrida, evidencia que a sua assunção configura um acto de gestão desajustado à obtenção dos ganhos.

4.23. A indispensabilidade exigida para os custos foi a fórmula escolhida pelo legislador para prevenir que fossem registados na contabilidade e deduzidos ao rendimento tributável custos aparentes, que não são encargos da sociedade, mas meras saídas em dinheiro a favor dos titulares do capital.

4.24. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo andou mal ao assim não entender, razão pela qual a decisão em crise padece de vicio de lei por violação do art. 23° do CIRC”.

A Recorrida não contra-alegou.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 289.º, n.º 2, do CPPT) vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Há erro de julgamento, em virtude de não se poder concluir pela indispensabilidade do custo titulado pela fatura n.º 98….. para a atividade empresarial, levantando-se sérias dúvidas sobre a sua existência real?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) A impugnante exerce a sua actividade económica na área da recolha, tratamento, edição e publicação periódica de informação, e prestação de serviços na área de comunicação, inscrita com o C……, estando enquadrada, em sede de IRC no regime geral de tributação e, em sede de IVA no regime normal de periocidade mensal - cfr. fls. 16 e 23 do Processo Administrativo (PA) apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

B) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º 6….., de 17/04/2001, os Serviços de Inspecção Tributária da então 1ª Direcção de Finanças de Lisboa, desencadearam à Impugnante uma acção de inspecção externa ao ano de 1998, sobre os impostos de IRC e IVA, no âmbito da qual verificaram IVA em falta no montante de 1.139.300$00 e, tendo também procedido a correcções à matéria tributável em sede de IRC no montante total de 6.701.790$00, cfr. fls. 17 do PA;

C) Em 10/11/2001, a impugnante prestou declarações no âmbito do direito de audição prévia no âmbito da Inspecção referida na alínea anterior - cfr. fls. 29 a 32 dos autos;

D) Em 12/12/2001 foi elaborado o relatório de fiscalização constante a fls. 18 a 35 do PA e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, onde consta a fundamentação para as referidas correcções de 1998, e das quais com interesse para a causa se destacam as seguintes: « (...)


“(texto integral no original;imagem)”


“(texto integral no original;imagem)”

»;

E) Em 26/12/2001, a DGCI expediu para a Impugnante, por carta registada com aviso de recepção, o instrumento constante a fls. 33 dos autos, com o n.º 029621, e cujos termos se dão por integralmente reproduzidos, referindo o seguinte:

«(...)

Notificação das conclusões resultantes da acção de inspecção tributária, das correcções técnicas efectuadas em sede de IRC ao lucro tributável, á matéria colectável e / ou ao imposto bem como da sua fundamentação.

Fica V.Exa, por este meio notificado nos termos dos:

• Arts. 61° do RCPIT - do teor do(s) despacho(s) que reaiu(iram) sobre acção /externa * de inspecção tributária , ao exercício de 1998;

• Art. 77º da LGT , 36º e 38º n.º 1 do CPPT e 129º do CJRC - das correcções técnicas efectuadas ao(s): (...)»;

F) Em 24/04/2002 foi emitida pela DGCI, em nome da Impugnante a liquidação de IRC n.º 83……. referente ao exercício do ano de 1998, no montante de 7.103,40 € - cfr. fls. 28 dos Autos;

G) A impugnante deduziu a presente impugnação em 16/09/2002 - cfr. fls. 2 dos Autos”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo em apenso”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo laborou em erro, na medida em que não se pode concluir pela indispensabilidade do custo titulado pela fatura n.º 98…. para a atividade empresarial, levantando-se sérias dúvidas sobre a sua existência real.

Vejamos então.

In casu, está apenas em causa a parte da liquidação adicional de IRC emitida, relativa ao exercício de 1998, na parte atinente à desconsideração do custo titulado pela fatura n.º 98……, única parcela em que decaiu a Recorrente em 1.ª instância.

Nos termos do art.º 23.º, n.º 1, do CIRC (redação em vigor à época), “[c]onsideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora…”, seguindo-se, na previsão legal, uma enumeração exemplificativa dos mesmos.

Decorre, pois, que entre custo (gasto) contabilístico e custo (gasto) fiscal não existe uma absoluta coincidência.

Quanto aos custos que sejam fiscalmente relevantes, para que os mesmos sejam considerados, é necessário, neste quadro normativo, que se demonstre a sua efetiva existência e a sua indispensabilidade.

No tocante ao requisito da efetiva existência, para aferir da mesma é preciso que tais custos estejam suficientemente documentados/comprovados. Tal resulta, desde logo, do corpo do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, que utiliza o advérbio “comprovadamente”(1).

Sendo certo que, em regra, a efetiva existência de um custo é aferida e comprovada pela fatura respetiva, que faz com que haja uma presunção de veracidade do custo que documenta, a mesma pode ser comprovada por outro documento, que, se dotado de algumas insuficiências, poderá ser complementado através de recurso a outros meios de prova, designadamente meios complementares de prova documental e testemunhal(2).

Neste contexto é ainda de ter em conta o disposto no então art.º 41.º, n.º 1, al. h), do CIRC, que previa que não eram dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os encargos indevidamente documentados

Nessa sequência, carece de justificação documental a realização de custos, para que os mesmos sejam fiscalmente relevantes.

Por outro lado, o art.º 23.º do CIRC remetia, à época, para o conceito de indispensabilidade do custo. O juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico, pois só analisando em concreto cada custo poder-se-á aferir da respetiva indispensabilidade, para “… a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

A noção de indispensabilidade pode ser construída, desde logo, pela negativa, nos seguintes termos:

¾ Não pode associar-se ao êxito de gestão, dado que são os riscos da própria atividade empresarial, que não podem retirar o caráter de indispensabilidade a um determinado custo, não abrangendo, pois, o juízo de razoabilidade (consagrado no pretérito art.º 26.º do Código da Contribuição Industrial);

¾ No mesmo seguimento, a indispensabilidade de um custo não se confunde com a sua oportunidade ou conveniência: “O poder da Administração é rigorosamente vinculado, não existindo margem de livre apreciação por parte da mesma, visto que não há aqui que formular juízos de oportunidade mas de tipo cognoscitivo. Pelo que tal indispensabilidade é rigorosamente controlada pelo Tribunal, não estando em causa qualquer especial saber técnico, juízo de imediação ou valoração pessoal daqui emergente ou quaisquer outros elementos imponderáveis”(3).

A indispensabilidade associa-se, pois, ao facto de um custo ser necessário, de se apresentar como habitual à obtenção de proveitos ou ganhos ou à manutenção da unidade produtiva.

A noção de indispensabilidade não pode ser encarada como abrangendo apenas custos que direta e imediatamente conduzam à obtenção de ganhos ou à manutenção da unidade produtiva (nexo causal)(4),abarcando igualmente custos que mediatamente visam esse fim. Portanto, mais do que uma análise objetiva do custo, tem de se aferir subjetivamente a sua indispensabilidade.

Não sendo indispensável um custo, não integra a previsão normativa do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, podendo, pois, ser por esta via desconsiderado.

Em termos de ónus da prova, há ainda que sublinhar que, sendo certo que cabe ao contribuinte o ónus da prova de que os custos são indispensáveis, a montante, cabe à administração tributária (AT) o ónus de fundadamente pôr em causa essa indispensabilidade (5), sendo o ónus do contribuinte balizado pelos termos em que a AT funde a sua posição(6).

Apliquemos, agora, estes conceitos ao caso dos autos.

In casu, não está em causa a comprovação da efetividade do custo, como decorre desde logo do relatório de inspeção tributária (RIT), onde se faz menção ao respetivo documento de suporte, que nunca foi posta em causa.

É, pois, controvertido apenas o juízo de não indispensabilidade do custo em causa.

O Tribunal a quo, a este respeito, considerou que, no que respeita ao custo atinente à fatura n.º 98……, não há quaisquer indícios de que a operação não tenha sido realizada, por se fundar exclusivamente no facto de A…….., administrador da recorrida a partir de junho de 1998, ser sócio da prestadora de serviços, o que, per se, nada evidencia. Mais considerou que não foi posta em causa a indispensabilidade do mesmo pela AT.

Vejamos então.

Atento o teor do RIT, desde já se sublinhe que, no que a este custo em concreto respeita, não é sequer invocada a existência de indícios de que a operação não tenha sido realizada (ao contrário do que sucedeu com outras correções, definitivamente decididas em 1.ª instância). Portanto, por esta via carece de materialidade o alegado.

O fundamento principal em que se ancorou a AT foi o de a sociedade prestadora de serviços ter como sócio um administrador da Recorrida, para daí concluir que, assim sendo, poderia o mencionado administrador realizar o serviço titulado pela fatura, não sendo indispensável o recurso a uma entidade terceira. Adicionalmente, em sede de análise do referido no exercício do direito de audição, a AT, tratando de forma idêntica quer a fatura emitida por A........ P….. – S….. Lda (a ora em causa), quer fatura emitida pela pessoa singular A........, faz ainda menção ao facto de, nos termos do art.º 398.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), não poderem os administradores, sem autorização da assembleia geral, exercer atividade concorrente com a da sociedade.

Como decorre do RIT, a fatura em causa respeita a consultadoria comercial, tendo a Recorrida esclarecido tratar-se de prestação atinente à arquitetura do departamento comercial da respetiva organização, na definição e implementação de estratégia comercial e na formação, lançamento e acompanhamento dos meios humanos afetos ao referido departamento, o que nunca foi posto em causa.

Quanto ao argumento esgrimido já em sede de análise do invocado no exercício do direito de audição, o mesmo carece de qualquer materialidade. Com efeito, como é igualmente referido no RIT, a atividade da Recorrida é a recolha, tratamento, edição e publicação periódica de informação e, bem assim, a prestação de serviços na área da comunicação. Como tal, não se vislumbra de que forma uma prestação de serviços atinente à definição e implementação de uma estratégia comercial da Recorrida se possa configurar como atividade concorrente.

No tocante ao demais alegado, como referimos, centra-se exclusivamente na circunstância de um dos administradores da Recorrida ser igualmente sócio da prestadora de serviços, nada daí resultando, por um lado, que ponha em causa a efetividade da operação, nem daí se extraindo que a operação não reflete um custo indispensável para os efeitos previstos no n.º 1 do art.º 23.º.

A AT, centrando-se na definição constante do POC atinente a trabalhos especializados, extrai daí que, uma vez que A........ era seu administrador, a Recorrida podia, pelos seus próprios meios, superar o custo em causa, considerando, em consequência, que tal custo não se integrava na al. e) do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC. Ora, esta análise, além de frágil, porquanto mistura a atividade de administrador de uma sociedade com a de prestador de serviços (nunca sequer havendo mínima menção ao tipo de responsabilidades que estavam adstritas ao administrador em causa nessa qualidade), na verdade chama à colação juízos de razoabilidade e oportunidade e não de indispensabilidade, extraindo conclusões para as quais não indica qualquer factualidade que as sustente. Ou seja, a AT nunca põe em causa a relevância que uma prestação de serviços como a em causa tem para a atividade da Recorrida, do ponto de vista da indispensabilidade, considerando, sim, que a Recorrida deveria ter usado os meios de que dispunha e não ter recorrido a entidades terceiras. Ora, este raciocínio configura-se como ingerência inadmissível da AT nas opções de gestão, não lhe cabendo a ela, AT, determinar de que forma ou por quem um determinado serviço deverá ser prestado.

Como tal, a AT não cumpriu o seu ónus probatório, no sentido de pôr em causa a indispensabilidade do custo em causa, motivo pelo qual improcede a sua pretensão.

Vencida a Recorrente seria a mesma responsável pelas custas do recurso. No entanto, há que ter em conta que, nos processos instaurados até 01.01.2004 (como é o caso), a FP se encontrava isenta do pagamento de custas, atento o disposto no art.º 3.º, n.º 1, al. a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo DL n.º 29/98, de 11 de fevereiro (cfr. os art.ºs 14.º, n.º 1, e 15.º, n.º 2, ambos do DL n.º 324/2003, de 27 de dezembro, bem como o art.º 18.º do DL n.º 324/2003, de 29 de dezembro).

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida;

b) Sem custas;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 31 de outubro de 2019

(Tânia Meireles da Cunha)

(Cristina Flora)

(Patrícia Manuel Pires)


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(1) Cfr., a título exemplificativo, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.03.2005 (Processo: 00340/03) e de 23.04.2015 (Processo: 06468/13).
(2) Cfr. Tomás de Castro Tavares, «Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos», Ciência e Técnica Fiscal, 396, p. 123.
(3) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.09.1998 (Processo: 021515). V. igualmente os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.06.2017 (Processo: 0627/16) e de 24.09.2014 (Processo: 0779/12).
(4) Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.06.2017 (Processo: 0627/16), e jurisprudência no mesmo citad
(5) V., v.g., os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30.11.2004 (Processo: 07375/02) e do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11.01.2007 (Processo: 00070/01 – PORTO).
(6) Sobre o ónus do contribuinte, v. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.10.2012 (Processo: 05014/11).