Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2244/11.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/03/2020
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO;
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA;
REVERSÃO DA EXECUÇÃO;
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA.
Sumário:I. Os administradores de insolvência podem ser responsabilizados subsidiariamente, nos termos do art. 24º da LGT, pela prática de actos relacionados com o exercício da sua actividade de administração e liquidação da sociedade insolvente;
II. Mas não respondem pelas dívidas vencidas ou liquidadas após a declaração judicial de insolvência mas constituídas anteriormente, pois essas nem respeitam ao exercício da sua actividade de administrador de insolvência, nem integram os créditos sobre a massa insolvente.
III. No caso da responsabilidade pela insuficiência patrimonial prevista na alínea a) do artigo 8º do RGIT, bem como na responsabilidade pela falta de pagamento prevista na alínea b), recai sobre a Fazenda Pública o ónus da prova dos respectivos pressupostos de culpa ou imputabilidade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

A AT – Autoridade Tributária e Aduaneira vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição à execução deduzida por L.......... contra a decisão de reversão proferida no processo de execução fiscal nº .......... e apensos, instaurado originariamente contra a sociedade “D.........., Lda.”, por dívidas de coimas dos anos de 2008 a 2010 e IVA do ano de 2007 no montante total de € 5.998,35.

A Recorrente, nas suas alegações formulou conclusões nos seguintes termos:

“1. In casu, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos arts. 24.º, n.º 1, b) da LGT; arts. 46º, 81º, 82.º, 156.º, 172º, 226.º, todos do CIRE; arts. 2.º e 109º do CIRC; al. a) do n.º 1 do art. 2.º do CIVA; arts. 125.º , 181º, n.º 6 e al. b) do n.º 1 do art. 204.º, todos do CPPT; arts. 653.º, 655.º, 659.º, e 668, n.º 1 al. b), todos do CPCivil ex vi art. 2.º, al. e) da LGT, aos princípios (antiformalistas), "pro actione" e "in dubio pro favoritate instanciae".

2. Tudo assim, devidamente valorado e considerando o teor do vertido nos documentos de fls. 10 dos autos; fls. 45 do processo instrutor junto aos autos; fls. 55 do processo instrutor junto aos autos; Informação elaborada pelo SF de Lisboa 4, datada de 18.11.2011, junta aos autos de fls. 21 a 26 do processo instrutor.

3. Pelo que, a Recorrente, com o devido respeito, conclui não ter razão o Tribunal a quo, que julgou num determinado sentido que perante a matéria de facto dada como assente, o acervo probatório integrado nos autos (prova documental) conjugada com os demais elementos constantes dos mesmos, não tem a devida correspondência com o modo como as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão a quo, deveriam ter sido interpretadas e aplicadas.

4. A predita vicissitude, preconizada pelo respeitoso Tribunal a quo, a qual, humildosamente, se pretende que seja devidamente sindicada pelo respeitoso Areópago ad quem, foi, mutatis mutandis, causa adequada, para que fosse alvitrada pelo Tribunal recorrido, uma errada valoração do acervo probatório constante dos autos.

5. No que concerne a alguma prova documental, a mesma, não foi, sequer, valorada pelo Tribunal a quo pelo menos nos moldes minimamente exigíveis, e consequentemente, a errada interpretação e aplicação do direito aos factos do caso vertente, culminando em erro de julgamento.

6. A MATÉRIA FACTUAL DADA COMO ASSENTE, consta dos itens 1) ao 10) do segmento fáctico do douto aresto recorrido, mormente de fls. 3 a fls. 7, do mesmo, e para as quais se remete, dando-se aqui por integralmente vertidas por razão de economia processual.

7. Sendo que, no que em concreto diz respeito à temática recorrida e a sindicar pelo respeitoso areópago ad quem, tem particular relevância a factualidade dada como provada e constante das alíneas 5), 8), 11) e 12) da matéria assente, os quais não foram devidamente valorados e considerados pelo respeitoso Tribunal a quo na subsunção que foi preconizada quanto ao direito aplicável.

8. O exame crítico das provas tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo.

9. Assim a exigência normativa do exame crítico das provas torna insuficiente a referência àquilo em que o tribunal se baseou, tornando-se necessário saber o porquê, a razão de ser da formação da convicção do tribunal.

10. No caso vertente tal itinerário e trilho tomado pelo respeitoso Tribunal a quo na sindicância e sopesamento daquela prova (documental) não é demonstrativo de juízo crítico e valorativo aqui exigível!

11. in casu, foi inexistente, ou, pelo menos, insuficiente o percurso lógico, racional e objectivo que levou a determinar o Tribunal a quo a integrar factos na sua fundamentação, sobre os quais se desconhece a forma como os mesmos foram efectivamente comprovados e daí, não terem sido elencados no corpo factual que foi dado como assente pelo respeitoso Tribunal a quo.

12. Embora a decisão dê a conhecer os meios de prova em que assentou a sua apreciação, com a indicação do respectivo conteúdo, não apreciou nem valorou criticamente a prova, dentro dos parâmetros exigíveis, não explicitando quais os critérios lógicos e mentais que seguiu e que levaram o julgador,

13. perante documentação díspar, a optar por uma ou outra documentação, não afirmando, inequívoca e completamente, as razões lógicas (decorrentes da normalidade das coisas, das regras da experiência, etc.) por que proferiu aquela decisão de facto – e não outra -, assim não deixando claros os fundamentos que sustentaram a convicção que formou.

14. A mencionada omissão do exame crítico das provas implica a nulidade do acórdão e determina a sua reformulação de molde a permitir aos sujeitos processuais, a interposição de recurso da forma legalmente imposta.

15. Pois que, não dá a conhecer o percurso de formação da convicção julgadora, como o exigem os arts. 653º e 655º e 659º do CPCivil, o que, no bom rigor, tal como supra se fez referência, conduz à nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto, prevista no art. 125º, nº 1, do CPPT, e no art. 668º, nº 1, al. b), do CPCivil.

16. De salientar que, da matéria dada como assente pelo Tribunal a quo, mormente a que consta dos itens 1º, 2.º, 3.º e 7º do acervo factual dado como assente no aresto a quo, não se vislumbra factualidade que pudesse desvirtuar o considerado pela Administração Tributária quanto a esta vexata quaestio.

17. Decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou correctamente a prova produzida, fazendo, por isso, errada aplicação das normas legais supra vazadas ao corpo factual dado como assente.

18. Por conseguinte, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados, assim como não considerou nem valorizou como se impunha a prova documental que faz parte dos autos em apreço, o que consubstancia erro de julgamento.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais.
CONCOMITANTEMENTE,
Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro ato da administração pública, fazer justiça é um ato místico de transcendente significado, o qual poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. as Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada JUSTIÇA!”
* *
O Recorrido apresentou contra-alegações tendo concluído o seguinte:

“1. A decisão sob recurso não padece de qualquer erro quer na fixação da matéria de facto provada quer na aplicação do direito;

2. Não assiste razão ao recorrente quando pretende impugnar a decisão sob recurso, não se conformando com os factos dados como assentes sem especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida nem a decisão que no seu entender, deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas.

3. Ao contrário do que vem sustentar o recorrente, a decisão sobre os factos dados como provados apresenta-se devidamente fundamentada, com remissão directa para os documentos devidamente identificados do processo administrativo apenso.

4. Mais se sublinha que do ponto de vista da aplicação do direito, não se assistiu a qualquer erro de julgamento.

5. O administrador de insolvência é um órgão obrigatório do processo de insolvência, tendo um papel determinante em algumas das fases do processo.

6. Apesar da declaração de insolvência, os órgãos da sociedade mantêm-se em funções, podendo a sociedade continuar ou não a exercer a sua actividade.

7. No caso concreto, não se mostra sequer alegado que a insolvente manteve a sua actividade aberta após a declaração de insolvência, nem foi invocado que, mantendo-se em exploração a dita sociedade, a respectiva administração passou a pertencer ao administrador de insolvência.

8. Jamais invocou a Autoridade Tributária e Aduaneira que, no caso vertente, o administrador de insolvência ora recorrido deteve efectivamente e exerceu poderes de administração da sociedade insolvente ou que a este foi conferida durante período de tempo determinado a administração da insolvente (artigo 65° do CIRE).

9. Jamais invocou a Administração Fiscal ser o recorrido o responsável efectivo pela administração da insolvente por esta lhe ter sido confiada judicialmente.

10. Por outro lado, não consagrando o artigo 8º, n.°s 1 e 3 do RGIT qualquer presunção de culpa, a prova da culpa do responsável na génese da insuficiência do património social para pagamento da dívida e da violação de deveres relativos à regularização técnicas nas áreas contabilísticas e fiscal ou de assinatura de declarações fiscais e seus anexos, afigurava-se, no caso vertente, indispensável.

11. Também o despacho de reversão deveria no caso vertente ser fundamentado por directa aplicação do disposto no n.° 4 do artigo 23° da LGT ao preceituar que a "reversão, (...) é precedida (...) de declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação".

12. Resta concluir que incumbia à Fazenda Pública a alegação e prova, em sede de despacho de reversão, de factos consubstanciadores de que a actuação do responsável subsidiário, L.........., havia sido violadora dos deveres assumidos pela regularização técnica na área contabilística e fiscal, não bastando referir que "enquanto administrador de insolvência o requerente teria que supervisionar e garantir o cumprimento das obrigações fiscais, designadamente as consignadas nos artigos 109° e seguintes do CIRC".

13. Pelo que assim não tendo sucedido, resta concluir que a Fazenda Pública não logrou provar que a sociedade executada se manteve em actividade após a declaração de insolvência, que foi cometido ao administrador de insolvência a exploração da empresa, nem a violação de deveres pelo oponente, no período a que respeita a dívida exequenda, não constando sequer dos presentes autos a alegação desses factos e, por maioria de razão, qualquer elemento de prova que os demonstrem.

Pelo exposto deve assim ser mantida a decisão sob recurso, assim se fazendo JUSTIÇA!”
* *
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de:
i) nulidade por omissão do exame crítico das provas;
ii) erro de julgamento de facto e de direito por deficiente apreciação dos factos considerados provados e das normas legais ao decidir que o revertido é parte ilegítima da execução fiscal.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1) O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Com relevância para a decisão da causa, considero provados os seguintes factos:
1) No Serviço de Finanças de Lisboa-4 corre termos a execução fiscal nº .......... e apensos, contra a sociedade “D........., Lda.”, por dívidas de coimas dos anos de 2008 a 2010 e IVA do ano de 2007, no montante global de € 5.998,35, a que acrescem juros de mora e custas (cfr. processo administrativo apenso);

2) A sociedade executada, “D........., Lda.”, foi declarada insolvente por sentença proferida em 14/05/2008, no âmbito do processo de insolvência n.º 310/08.9TYLSB, que correu termos no 4.º juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa (cfr. fls. 10 dos presentes autos);

3) O aqui oponente foi nomeado como administrador da insolvência, na sentença referida no ponto anterior, tendo sido notificado da nomeação por ofício datado de 16/05/2008 (cfr. fls. 10 dos presentes autos e fls. 45 do processo administrativo apenso);

4) O Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-4, por despacho proferido em 05/05/2011, no âmbito da execução fiscal a que se alude no ponto 1) supra, determinou a realização das diligências necessárias com vista à reversão das dívidas em causa contra o administrador da insolvência – L.......... (cfr. processo
administrativo apenso);

5) Em 06/05/2011 foi determinado a audição prévia do aqui oponente para efeitos de reversão da execução fiscal (cfr. fls. 32 do processo administrativo apenso);

6) O oponente foi notificado para exercício do direito de audição prévia, o que fez através do requerimento apresentado em 16/06/2011, que aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. fls. 35 e 37 a 53 do processo administrativo apenso);

7) Por despacho de 13/09/2011 do Chefe de Finanças de Lisboa - 4, foi determinada a reversão da execução contra o aqui oponente, com o seguinte teor «(…) As dívidas subjacentes aos processos identificados em epígrafe têm origem em processos de contra-ordenação instaurados por sua vez por infracções cometidas no período de vigência da administração de insolvência do requerente L........., nomeado em 19/05/2008.
Em sede de audição prévia vem contestar o projecto de reversão alegando a imputabilidade da responsabilidade subsidiária pelo facto de não exercer funções de gerência enquanto administrador de insolvência.
No entanto enquanto administrador de insolvência o requerente teria que supervisionar
e garantir o cumprimento das obrigações fiscais, designadamente as consignadas no artigos 109.ºe seguintes do CIRC.
Consideram-se verificadas as condições para reversão da dívida contra os responsáveis
subsidiários, constantes dos documentos oficiais – designadamente Registo na Conservatória e certidão de diligências, bem como Declarações de Rendimento – Visão do Contribuinte – Relações Inter Pessoais, por Gerência de facto, compreendendo o período da gerência e da dívida e de acordo com o disposto nos artigos 23.º, alínea b) n.º 1 do art. 24.º da L.G.T., art. 8.º do R.G.I.T. e art. 153 .º e 160.º do C.P.P.T.(…)» (cfr. fls. 55 do processo administrativo apenso);

8) Em 14/09/2011 foi pelo Chefe de Finanças proferido despacho de reversão da execução fiscal contra o aqui oponente (cfr. fls. 57 do processo administrativo apenso);

9) Em 19/09/2011 o oponente foi citado para a execução por reversão por carta registada com aviso de recepção (cfr. citação junta ao processo administrativo apenso);

10) A oposição deu entrada em 19/10/2011, no Serviço de Finanças de Lisboa (cfr. fls. 4 dos autos);

Factos não provados
Com interesse para a decisão não se provaram outros factos.
Motivação
O Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos com base nos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados.
A não consideração dos factos não provados resulta de ausência de prova.”.
* *
Nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT, por estarem documentalmente provados e serem pertinentes para a boa decisão da causa e das questões colocadas em recurso, acorda-se em alterar o ponto 1) do probatório nos seguintes termos:

1) No Serviço de Finanças de Lisboa-4 corre termos a execução fiscal nº .......... e apensos, contra a sociedade “D........., Lda.”, por dívidas de coimas dos anos de 2008 a 2010, cujo prazo de pagamento voluntário ocorreu entre 25/08/2008 e 24/12/2010 e IVA do ano de 2007, cujo prazo de pagamento voluntário ocorreu em 28/05/2009, no montante global de € 5.998,35, a que acrescem juros de mora e custas (cfr. processo administrativo apenso).



IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Resulta do probatório a instauração do processo nº .......... e apensos à sociedade D.........., Lda., por dívidas de coimas dos anos de 2008 a 2010 e IVA de 2007 no montante de € 5.998,35, tendo a sociedade sido declarada insolvente em 14/05/2008, e sido nomeado administrador de insolvência o oponente, ora Recorrido (cfr. pontos 1 a 3 do probatório).

Em 13/09/2011 foi determinada a reversão da execução contra o administrador de insolvência com base nos artigos 23º e 24º, nº 1, alínea b) da LGT, art. 8º do RGIT e 153º e 160º do CPPT (cfr. ponto 7 do probatório).

O Tribunal Tributário de Lisboa julgou a oposição à execução fiscal procedente tendo considerado que o art. 24º da LGT não contempla o administrador de insolvência na responsabilidade tributária subsidiária pelo não cumprimento das obrigações tributárias da insolvente.

Discordando com o decidido vem a Fazenda Pública interpor recurso invocando; nulidade da sentença, prevista no artigo 125º, nº 1 do CPPT e art. 615º, nº 1, alínea b) do CPC, (anterior art. 668º, nº 1, alínea b) do CPC) por omissão do exame crítico das provas e; erro de julgamento de facto e de direito ao considerar o oponente como parte ilegítima da execução fiscal.

Apreciando.

Quanto à alegada nulidade da sentença por omissão do exame crítico das provas desde já se afirma que não lhe assiste razão.

A nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, prevista na alínea b) do nº 1 do art. 615º do CPC, só se verifica na falta absoluta da fundamentação, devendo distinguir-se entre a falta absoluta de motivação e a motivação deficiente, medíocre ou errada.

Como se afirma no Ac. TCA Norte de 14.09.2017- rec. 01453/16 “… O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.”

Também a doutrina acompanha este entendimento, pois como refere o Cons. Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário, II volume, 2011, pp. 321 e 322 “A fundamentação da sentença, no que concerne à fixação da matéria de facto, é exigida pelo n.° 2 do art. 123. do CPPT.
Essa fundamentação deve consistir na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro.
A fundamentação da sentença visa primacialmente impor ao juiz reflexão e apreciação crítica da coerência da decisão, permitir às partes impugnar a decisão com cabal conhecimento das razões que a motivaram e permitir ao tribunal de recurso apreciar a sua correcção ou incorrecção.
Mas, à semelhança do que sucede com a fundamentação dos actos administrativos, a fundamentação da sentença tem também efeitos exteriores ao processo assegurando a transparência da actividade jurisdicional.
Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto.
Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios.”.

A doutrina e jurisprudência maioritárias consideram que tal nulidade só ocorre quando faltem em absoluto os fundamentos de facto em que assentou a decisão. Apenas a total e absoluta ausência de fundamentação de facto afecta o valor legal da sentença, acarretando a sua nulidade, o que não ocorre quando a fundamentação é escassa, incompleta, não convincente, deficiente ou errada - cf. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 139/140 e Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, pág. 687.

No caso da sentença recorrida, não temos dúvida de que a fundamentação da matéria de facto é sintética e escassa, mas não podemos considerar que é inexistente, pois, para cada facto elencado encontra-se indicado o documento que o suporta, e na motivação é mencionado que a convicção do tribunal se baseou nos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados.

Improcede, assim, a alegada nulidade da sentença.

A Recorrente alega ainda o erro de julgamento pelo tribunal a quo ao decidir que o oponente era parte ilegítima da execução fiscal.

A sentença ora recorrida considerou que “o art. 24º da LGT não contempla o administrador de insolvência na responsabilidade tributária subsidiária pelo não cumprimento das obrigações tributárias da insolvente.”, e acrescentou ainda “Como bem refere o Digno Magistrado do Ministério Público a responsabilidade do administrador da insolvência apenas se encontra legalmente prevista em duas situações:
- de responsabilidade solidária, nos termos do art.º 26.º, n.º 3, da LGT, no caso em que o administrador de insolvência não satisfaça os débitos fiscais em conformidade com a ordem prescrita na sentença de verificação e graduação de créditos proferida no processo de insolvência;
- e de responsabilidade subsidiária, nos termos do artigo 181.º, n.º 2, do CPPT, no caso
de não requerer a avocação dos processos de execução fiscal, a fim de serem apensados ao processo de insolvência.
Pelo que vem de ser dito, parece manifesto que a reversão não assenta em nenhuma das
mencionadas situações, como, aliás, resulta claramente da fundamentação do supra referido despacho de reversão.
Acresce que, o artigo 8.º, n.ºs 1, alínea a) e 3 do RGIT não consagram qualquer presunção de culpa, pelo que depende da prova da culpa do responsável na génese da
insuficiência do património social para pagamento da dívida e da violação de deveres
relativos à regularização técnica nas áreas contabilística e fiscal ou de assinatura de
declarações fiscais e seus anexos.”.

Consta do probatório que foi imputada ao administrador da insolvência, ao abrigo do disposto no artigo 24.º, n.º1, alínea b) da LGT e do art. 8º do RGIT, a responsabilidade subsidiária pela dívida exequenda, porquanto o órgão de execução fiscal entendeu que o administrador da insolvência exerceu, de facto, a administração da sociedade, quando foi nomeado para o cargo de administrador da insolvência.

Mais resultou provado que a sociedade devedora originária foi declarada insolvente em 14/05/2008, tendo o ora Recorrido sido nomeado administrador da insolvência.


De referir que a dívida exequenda reporta-se a IVA de 2007 cuja data limite de pagamento ocorreu em 28/05/2009, e a coimas aplicadas em 2008, 2009 e 2010, cujas datas limite de pagamento ocorreram entre 25/08/2008 e 24/12/2010.

O art. 81.º, nº 1 do CIRE consagra que “Sem prejuízo do disposto no título X [Administração pelo devedor], a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência”, e o seu n.º 4 determina que “O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência”.

E o art. 47.º, n.º1 do CIRE estabelece que “
Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência…”.

Como se afirma no Acórdão deste Tribunal de 17/01/2019 proferido no processo nº 558/11.9BELRS “ … só com relação a obrigações fiscais (art.º31.º da LGT), declarativas ou de pagamento, em falta, que se prendem com a própria actividade de administração e liquidação da massa insolvente (no fundo, dívidas da massa insolvente), se pode sustentar a aplicabilidade do regime de responsabilidade subsidiária, previsto no art.º24.º da LGT, ao Administrador da Insolvência, pois é ele quem de direito e de facto administra a insolvente, nessa medida, preenchendo em abstracto os pressupostos da responsabilidade subsidiária previstos no art.º24.º, n.º1 da LGT (cf. art.º51.º, n.º1 alíneas c) e d) do CIRE e Ac. do TRG, de 12/07/2016, tirado no proc.º334/12.1IDBRG.G1, em cujo sumário pode ler-se: «Estando em causa a venda de bens móveis apreendidos à ordem do processo de insolvência, sobre a qual o arguido liquidou e recebeu dos compradores, o IVA, venda essa que ocorreu em data posterior à declaração de insolvência, estava o arguido obrigado a declarar e a entregar à autoridade tributária o valor do IVA que liquidou e recebeu dos compradores dos bens vendidos, seja através da declaração periódica apresentada, seja através da declaração imediata de acto isolado, mediante o modelo P2».
Dispõe o n.º3 do art.º26.º da LGT que “Quando a liquidação ocorra em processo de falência, devem os liquidatários satisfazer os débitos fiscais em conformidade com a ordem prescrita na sentença de verificação e graduação dos créditos nele proferida», parecendo sustentar-se na sentença que pela violação desse preceito os liquidatários responderiam pessoal e solidariamente pelas importâncias em falta, nos termos do seu n.º1.
Mas salvo o devido respeito, não é disso que tratam os autos, pois o que está em causa não é qualquer liquidação desconforme com a sentença de graduação, mas sim, o eventual incumprimento de obrigações declarativas ou de pagamento coincidentes com o período de exercício do cargo de Administrador da Insolvência, gerador de débitos fiscais que podem nem sequer ter sido reconhecidos como dívidas da massa insolvente.
Repetindo o que acima deixamos escrito, é nosso entendimento
que o regime de responsabilidade subsidiária previsto no art.º24.º, n.º1 da LGT, apenas é de aplicar aos administradores da insolvência por créditos fiscais emergentes da sua própria actividade de administração e liquidação dos bens da massa.”. (sublinhado nosso)

Partindo deste entendimento, e vertendo para o caso concreto, importa decidir se a reversão efectuada pelo órgão de execução fiscal tomou em consideração que a reversão da execução contra o Recorrido abrangeria apenas os créditos fiscais emergentes da administração e liquidação da massa insolvente.

Destarte para que o art. 24º da LGT fosse aplicado ao ora Recorrido teria o órgão de execução de provar que os créditos que constituem a dívida exequenda resultaram da administração e liquidação da massa insolvente, sendo certo que quanto a esta matéria nada é referido no despacho de reversão.

Por outro lado importa recordar que o art. 24º da LGT apenas seria aplicável à dívida exequenda referente ao IVA, sendo aplicável às coimas o regime previsto no art. 8º do RGIT.

A dívida referente a IVA reporta-se ao ano de 2007, cujo prazo de pagamento voluntário ocorreu em 28/05/2009, pelo que, sendo uma dívida anterior à declaração de insolvência mas cuja data limite de pagamento é posterior a essa declaração, conclui-se que a obrigação do pagamento não é um crédito emergente da massa insolvente, razão pela qual o administrador de insolvência não poderia ter sido responsabilizado nos termos do art. 24º da LGT.

Quanto às dívidas de coimas dos anos de 2008 a 2010 cujas datas limite de pagamento ocorreram no período temporal compreendido entre 25/08/2008 e 24/12/2010 é-lhes aplicável o regime de responsabilidade subsidiária prevista no art. 8º do RGIT.

E, como se afirma no Acórdão do STA de 03/03/2019- proc. 0447/13.2BEVIS “I - A falta de elementos suscetíveis de integrar a culpa do gerente/administrador não consubstanciam qualquer vício formal da decisão de reversão, designadamente falta de fundamentação, mas antes contendem com a sua validade material e com o mérito desse chamamento ao processo, que assim fica irremediavelmente votado ao insucesso.
II - Tanto no caso da responsabilidade pela insuficiência patrimonial prevista na alínea a) do artigo 8º do RGIT, como na responsabilidade pela falta de pagamento prevista na alínea b), recai sobre a Fazenda Pública o ónus da prova dos respectivos pressupostos de culpa ou imputabilidade.”.

No caso em apreço e tendo em consideração o teor do despacho de reversão (cfr. ponto 7 do probatório), resulta evidente que o órgão de execução fiscal não cumpriu o ónus da prova que sobre si impendia, razão pela qual, o administrador de insolvência não poderia ter sido responsabilizado pelo pagamento da dívida exequenda relativa às coimas.

Em face do exposto negamos provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida embora com a presente fundamentação.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida, com a fundamentação supra.

Custas a cargo da Recorrente em ambas as instâncias.
Lisboa, 3 de Dezembro de 2020

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Cristina Flora e Tânia Meireles da Cunha].
Luisa Soares