Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1586/10.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/10/2022
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IRC;
MÉTODOS INDIRETOS;
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I. O recurso a métodos indiretos de determinação da matéria coletável tem carácter excecional (artigo 81/1 da LGT) e subsidiário em relação à avaliação direta (artigo 85/1 da LGT).

II. Cabe à Autoridade Tributária e Aduaneira a demonstração da verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indireta da matéria tributável, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação (artigo 74/3, da LGT).

III. Comprovada a falta de veracidade da contabilidade da Recorrente, o recurso ao método de quantificação indireta da matéria coletável exige o esgotamento de outros meios de determinação da matéria tributável, através do recurso a outros elementos que podiam permitir a sua determinação por métodos diretos.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

V…, Lda., veio interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, de 14 de fevereiro de 2020, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida, contra o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), e juros compensatórios, relativas aos exercícios de 2005, 2006 e 2007, no montante global de € 107 391,79.


Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

I. – Estão em causa as liquidações aqui indicadas que resultam de uma acção inspectiva levada a cabo pela Autoridade Tributária: Liquidação de IRC e Juros Compensatórios n.º 2010…, no montante de € 34.592,49 (trinta e quatro mil, quinhentos e noventa e dois euros e quarenta e nove cêntimos), liquidação de IRC e Juros Compensatórios n.º 2010…, no montante de € 37.777,11 (trinta e sete mil, setecentos e setenta e sete euros e onze cêntimos) e liquidação de IRC e Juros Compensatórios n.º 2010… no montante de € 35.022,19 (trinte e cinco mil, vinte e dois euros e dezanove cêntimos).

II. – Toda ela assente na análise de cópias efectuadas ao sistema de facturação da Impugnante e ora Recorrente, consubstanciado no sistema informático designado por “WinRest”.

III. - Em 11 de Dezembro de 2006, foi feita a recolha e cópia de dados do sistema informático da Recorrente, pela Inspecção Tributária, em 30 de Junho de 2008, a Policia Judiciária efectuou busca e apreensão do equipamento informático utilizado pela Recorrente no seu estabelecimento comercial, o mesmo de onde haviam sido extraídas as cópias antes referidas e em 15 de Junho de 2009 teve inicio o procedimento inspectivo, o qual veio a ser concluído em 20 de Setembro de 2009.

IV. – De que resulta um inexplicável hiato temporal entre a recolha de dados e o inicio da acção de inspecção, que coloca desde logo em crise a fiabilidade da acção inspectiva, já que nunca foi pela Autoridade Tributária justificada esta situação.

V. - Desde logo levantando a questão prévia da legalidade da gravação efectuada pela Inspecção Tributária, certamente a coberto da norma do art.º 29.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária (RCPIT), uma vez que tal cópia foi efectuada em 11 de Dezembro de 2006 e a acção de inspecção teve início em 15 de Junho de 2009, questão que a Recorrente pretende ver apreciada em sede deste Recurso.

VI. – Sempre foi a aqui Recorrente que manifestou a vontade e interesse que os equipamentos informáticos fossem removidos para instalações da Autoridade Tributária, com vista à sua análise e verificação, o que sempre foi negado pela Inspecção Tributária.

VII. – Na sua boa fé ao substituir todo o equipamento informático no ano de 2007, por considerar que a empresa fornecedora do mesmo e gestora do sistema não conseguia entender e solucionar o problema, guardou os mesmos intactos, sempre com a convicção de que viriam a ser analisados e auditados pela Inspecção Tributária, o que inexplicavelmente nunca aconteceu, antes foram os mesmo apreendidos pela Policia Judiciária.

VIII. - A Recorrente não se pode conformar com a decisão da Douta Sentença recorrida quando considera como factos provados, os elencados como pontos 17, 18 e 19, pelos motivos vastamente aduzidos neste Recurso.

IX. – O procedimento inspectivo assentou inteiramente numa cópia em CD feita através de um Terminal do sistema informático de facturação e não do SERVER do mesmo sistema, sendo que este é o equipamento que detém toda a informação original, pelo que a Recorrente vem colocar em crise a fiabilidade dessa mesma cópia.

X. - Convém ter em análise que o Terminal utilizado para a supra referida cópia apenas se destinava a “expandir o sistema para um número de portas suficientes para a instalação dos periféricos necessários, no caso impressoras de balcão, impressoras de cozinha e antena que permitia conectar os comandos rádio onde cada empregado, em cada mesa fazia os pedidos directamente para o sistema”, conforme consta do mail de 30/10/2019 remetido à Recorrente pela empresa I… Lda., que se encontra junto às Alegações finais.

XI. – Foi por opção da Inspecção Tributária que a mesma efectuou a cópia dos dados utilizando como meio o Terminal, e daí advém toda a factualidade emergente da acção inspectiva resultado da inconsistência dos dados dessa cópia.

XII. – Como foi bastamente explicado pela Recorrente, quer em declarações por si prestadas, quer por relatórios de empresas com competências técnicas na área informática, quer ainda no alegado em todo o processo judicial de impugnação, o cerne das incongruências mencionadas pela Inspecção Tributária, assenta na alteração de dados quando são efectuadas cópias do SERVER para o Terminal.

XIII. – o que é corroborado pela testemunha H…, informático, a instância da Meritíssima Juíza, este Terminal não tinha acção directa nos dados do SERVER sendo que este era o único equipamento que detinha todas as bases de dados (1.07.56 da gravação SITAF), e coisa diferente não foi provada pela Inspecção Tributária quer durante a sua acção inspectiva ou na elaboração do seu Relatório final, nem se vislumbra que tenha sido alcançada qualquer prova durante todo o procedimento judicial de Impugnação.

(XIII) – Para justificar essas incongruências foi pedida a intervenção de técnicos informáticos pela Recorrente, tendo os mesmos efectuado teste de gravação SERVER/Terminal e recolhido esse resultado em CD que foi entregue à Inspecção Tributária em 04 de Dezembro de 2017, como meio de prova.

XVI – Foram então produzidos relatórios por duas empresas da área informática as quais não alcançaram justificação para o sucedido, o que foi também afirmado em sede de audição de testemunhas pela testemunha H…, informático, a instâncias da Meritíssima Juíza, chegando o mesmo a afirmar que poderia tratar-se de um problema do sistema operativo (57.27 da gravação SITAF).

XVII – No entanto não foram desenvolvidas quaisquer diligências por técnicos informáticos habilitados por iniciativa da Autoridade Tributária, mesmo depois de terem sido apreendidos os equipamentos em causa e estarem à disposição da autoridade fiscal para proceder no sentido da descoberta da verdade material a que está vinculada por força do art.º 6.º do RCPIT, o que no mínimo se estranha.

XVIII – Sendo certo que era com os dados recolhidos no SERVER que o Técnico Oficial de Contas promovia a elaboração da Contabilidade da Reclamante, a qual em nenhuma fase do procedimento inspectivo foi posta em causa senão pela incompreensível convicção formulada quanto à existência de um qualquer esquema de alteração de dados, o qual nunca logrou provar.

XIX – Acresce que, em sede de inquirição a testemunha J…, a instâncias da Meritíssima Juíza, referiu que do SERVER eram extraídos o Relatório Diário com o valor da facturação, e o Diário de Caixa, que juntamente com as fitas da máquina eram enviados para o TOC a fim de servirem para a elaboração dos elementos contabilísticos da empresa. (29.19 da Gravação SITAF).

XX - Alega a Inspecção Tributária a existência de alterações promovidas pela utilização de software denominado sim.exe ou simsim.exe, e sustenta a sua convicção apenas e só porque “estas são precisamente algumas das características da actuação da aplicação informática que permite alterar ficheiros do programa “WinRest”, conhecida pelo nome de sim.exe ou simsim.exe”.

XXI – Ora, conforme afirmado pela testemunha J…, a instâncias da Meritíssima Juíza, antes da Inspecção Tributária fazer as cópias em 11/12/2006, existiu uma visita da mesma, que apenas visava apurar qual o sistema informático de facturação utilizado pela Recorrente, já que estava em causa a utilização do WinReste não a fiabilidade da contabilidade. (39.33 da Gravação SITAF)

XXII - Ainda sobre a questão dos sistemas de software sim.exe e simsim.exe, a Inspecção tributária apenas se limita a referir a eventual existência dos mesmos e a sua convicção, não provada, de que a Recorrente os utilizaria, mas nem no seu Relatório nem nas diversas peças processuais ou durante o processo judicial de impugnação, intentou uma explicação do funcionamento e bem assim do resultado obtido pela utilização desses softwares, que se refuta terem sido utilizados no caso vertido.

XXIII – Em nenhuma fase deste procedimento a Inspecção Tributária provou tê-los encontrado instalados no sistema informático da Recorrente, ou vestígios/indícios da sua utilização, apenas alvitrou a sua existência e utilização o que, salvo melhor Douta opinião, é muito pouco e alcança apenas a conclusão da sua inexistência e a sua não utilização pela Recorrente, podendo-se dizer que se trata de software “fantasma”, que apenas existe no horizonte informático da Autoridade Tributária, que sabe da sua existência mas não o vislumbra, pelo menos no que à Recorrente concerne.

XXIV – Não se intenta retirar da Douta Sentença recorrida prova inequívoca prestada pela Autoridade Tributária e sua Inspecção Tributária da existência de indícios sérios, fundados e objectivos, que traduzam uma probabilidade elevada da existência de irregularidades que promovam percas para a Autoridade Tributária, e correlação causal entre a existência desses indícios e a realidade fiscal, o mesmo se dizendo quanto ao Relatório da Inspecção Tributária.

XXV – No que concerne às suspeitas pela existência de teclas denominadas “Apagar”, “Anular” e “Enviar”, no teclado do Terminal, sobre as quais quer fazer vencer se destinarem a alterar dados do SERVER, tais suspeitas foram esclarecidas quer no articulado 39.º da petição de impugnação, quer na fase de inquirição de testemunhas, para a qual se remete o depoimento da testemunha J…, a instâncias da Meritíssima Juíza, 29.10 e 41.26 da gravação SITAF.

XXVI - Nunca a Inspecção Tributária logrou averiguar ou provar qual a função de cada uma das teclas referidas, o que poderia ter feito logo no acto da recolha da gravação do CD feita através do Terminal em 11-12-2006, uma vez que estando o Restaurante em pleno funcionamento de hora de almoço, fácil seria verificar como eram utilizadas tais teclas e para que fim.

XXVII - Assim sendo a Douta Sentença recorrida não poderá considerar como provados os factos elencados nos seus pontos 17, 18 e 19, apenas referindo e transcrevendo aquilo que uma das partes indica, mas não logra provar durante todo o decurso quer do procedimento inspectivo quer do processo judicial de impugnação.

XXVIII - O mesmo se dirá quando a Douta Sentença considera como factos provados, os elencados no seu ponto 23.

XXIX - Para melhor enquadramento da situação e colocação da mesma à luz da legislação ao tempo, muito em especial no que toca à obrigatoriedade de sistemas informáticos certificados, convém referir que nos exercícios de 2005, 2006 e 2007, não existia qualquer obrigatoriedade de validação ou certificação dos sistemas informáticos utilizados pelos contribuintes, e não por culpa destes mas por inoperância legislativa.

XXX – Apenas em Junho de 2010, e através da Portaria 363/2010, de 23 de Junho, se veio a exigir a certificação dos programas informáticos de facturação, ou seja até aí nada impedia os contribuintes de utilizar qualquer programa informático para facturação, sendo que inexistindo certificação estava aberta a porta para que a Autoridade Tributária, através da sua Inspecção Tributária, viesse a questionar a legalidade e veracidade dos dados obtidos nesses sistemas informáticos de facturação.

XXXI - Facto que criava uma ilegal competência discricionária à Inspecção Tributária que sem qualquer fundamento, como no cado vertido, encontra motivos para a aplicação de métodos indirectos criando uma tributação irreal e ferindo a norma da tributação pelo lucro real consignada no número 2 do artigo 104º da Constituição da Republica Portuguesa (CRP), que determina a tributação das empresas pela matéria colectável real.

XXXII - Atentemos agora á legalidade do recurso ao apuramento da matéria tributável por métodos indirectos, quando na Douta Sentença recorrida, do último parágrafo de páginas dezasseis ao primeiro parágrafo de páginas dezoito, estão elencados vários preceitos legais aplicáveis in casu.

XXXIII – Prossegue a Douta sentença recorrida, no parágrafo segundo e terceiro a paginas 18; “Os motivos ou pressupostos que determinaram a aplicação de métodos indiciários foram identificados no relatório elaborado pela inspeção tributária, importando apreciar e decidir se são suficientes para determinar a avaliação indireta, que a Impugnante questiona. Como decorre do RIT, transcrito parcialmente nos pontos 17, 18, 19 e 23, as correções à matéria tributável, resultaram da constatação, pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT), da existência, designadamente, das seguintes situações:”

XXXIV - Ao invés do plasmado na Douta Sentença recorrida, a Recorrente não consegue encontrar no Relatório da Inspecção Tributária a indicação inequívoca e provada dos “motivos ou pressupostos que determinaram a aplicação de métodos indiciários” descritos na Douta Sentença recorrida, motivo pelo qual veio a não concordar com o facto dos pontos 17, 18, 19 e 23 constarem como factos provados, o que já foi bastamente tratado anteriormente.

XXXV - A Inspecção Tributária não logrou a demonstração da inviabilidade de tributar por métodos directos, pelo menos não o fez no seu Relatório como lhe competia, e nem após o mesmo a Autoridade Tributária levou ao processo judicial de Impugnação qualquer elemento nesse sentido, demonstração essa que deveria ter sido logo levada ao Relatório Final da Inspecção Tributária, uma vez que, de acordo com o disposto no artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, todos os actos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.

XXXVI – A Inspecção Tributária nunca alcançou prova da existência indícios sérios, fundados e objectivos que traduzissem uma probabilidade elevada de que a Recorrente elaborava a sua contabilidade com elementos que não correspondiam à realidade, ou que pretendesse com essa conduta obter alguma vantagem fiscal, nomeadamente o pagamento de menos impostos.

XXXVII – Chamando-se à colação, pelo seu interesse para a matéria de Recurso os Acórdãos seguintes: Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte/ 2.ª Secção de Contencioso Tributário, Proc.º 1059/07.5BECBR de 30-03-2017 e Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte/ 2.ª Secção de Contencioso Tributário, Proc.º 00316/09.0BECBR de 31-10-2018, neste nomeadamente o seu ponto III.

XXXVIII - Ao invés, a Inspecção Tributária limita-se, num percurso argumentativo tortuoso, repetitivo e desconexo, a expor e a identificar uma hipotética utilização de um Software que designa por sim.exe ou simsim.exe, pretendendo levar de vencida uma situação de aparente ilegalidade com vista a obter para a Autoridade Tributária uma situação irreal mas vantajosa no que respeita à situação tributária da Recorrente, imputando-lhe maior tributação em sede de IRC.

XXXIX – Esclarecendo sobre o ónus da prova apraz referir que os artigos 55.º a 57.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária explicitam os procedimentos para a recolha e escolha das provas, e a sua obtenção é fundamental para a formular a convicção e promover as correcções.

XL - A propósito do ónus da prova aqui se chama à colação o art.º 74.º n.º 1 da Lei Geral Tributária, dispondo o mesmo que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, também sendo certo que a Autoridade Tributária se encontra vinculada à realização de todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, ex vi art.º 58.º, da LGT, onde se inclui a investigação da situação tributária dos contribuintes.

XLI - “O procedimento de inspecção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adoptar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objectivo (artigo 6.º, do RCPIT). Como assinalam JOAQUIM FREITAS DA ROCHA e JOÃO DAMIÃO CALDEIRA, «Parte-se da ideia de que na actividade inspectiva deve prevalecer a substância sobre a forma – trata-se da verdade material e não da verdade formal, ou seja, não pode nem deve a administração tributária limitar-se a questões meramente formais, burocráticas ou documentais, devendo antes apurar todos os factos».”

XLII - No caso vertente, verifica-se que não foram carreados para o procedimento de inspecção quaisquer elementos ou factos que sejam clara e inequivocamente demonstrativos da existência de qualquer ilícito no sistema informático da Recorrente e bem assim a utilização de qualquer software que visasse a alteração dos dados coligidos no SERVER, com vista a uma vantagem fiscal da Recorrente, e a Douta Sentença de que se recorre, assenta em meros juízos de valor da Inspecção Tributária, juízos esses que estão absolutamente errados e resultam, essencialmente, numa cópia dos dados do SERVER feita para um Terminal de onde foi recolhido um CD para fiscalização.

XLIII – Ora “No âmbito do direito tributário, a doutrina e a jurisprudência falam em indícios, para tanto havendo que recorrer à prova indirecta, a vestígios, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova. Por outras palavras, os indícios são aqueles factos que permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência (cfr. ac. T.C.A. Sul- 2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac. T.C.A. Norte -2ª.Secção, 26/2/2015, proc. 247/06.6 BEVIS; Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág. 154; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa, 2000, 2ª. Edição, pág. 311).” (2 )Condesso, José Manuel Charneca, Juiz Desembargador do TCAS, in Temas de Direito Tributário – IRC,IVA e IRS, Plano de Formação Contínua do CEJ 2016.

XLIV - O Relatório da Inspecção Tributária padece de falta de provas inquestionáveis que permitam, sem margem de erro, considerar como demonstrados os aludidos indícios sérios e fundados de que a incongruência detectada na cópia obtida no Terminal resultava de uma utilização indevida de sistemas ou software próprio para tal fim, e sobre a matéria nada de novo foi trazido à lide pela Impugnada, em sede de Contestação à Impugnação, que permita fazer essa prova.

XLV - Existindo, como existe, no ordenamento jurídico fiscal a presunção de veracidade dos elementos contabilísticos dos sujeitos passivos, caso a Autoridade Tributária pretenda ilidir tal presunção deverá arcar com o ónus da prova da existência da indícios sérios e fundados para alcançar a inversão desse ónus para o sujeito passivo.

XLVI – Caberia no caso vertido à Autoridade Tributária provar a existência de algum ilícito ou utilização indevida de programas informáticos, o que decididamente não aconteceu, e não serão, decerto, as justificações inconsistentes ínsitas no Relatório da Inspecção Tributária que legitimarão a desconsideração desses valores.

XLVII – Já que em sede de processo judicial tributário, “(…) relativamente a informações oficiais relativas a factos concernentes à existência e quantificação do facto tributário, não é necessário provar o contrário, mas apenas gerar dúvidas fundadas, para que a decisão sobre a respectiva matéria de facto tenha de ser processualmente desfavorável à administração tributária (art. 346.º do Código Civil) (…).” (cf. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária – Comentada e anotada, pág. 377).

XLVIII - Extrapolando a ratio da regra concebida e prevista especificamente para os processos judiciais tributários, somos de concluir que a Recorrente não se limitou apenas a gerar dúvidas sobre a factualidade aduzida pela Autoridade Tributária, logrando inclusive a refutação dos mesmos e, consequentemente, a prova contrária do que aquela defende quanto à existência e quantificação dos actos tributários.

XLIX - Não podendo os factos por esta alegados a ela aproveitar, aliás, segundo o artigo 100.º, n.º 1, do Código do Procedimento e do Processo Tributário, a propósito do processo judicial tributário, “(…) sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado. (…)”.

LI – Termos em que o Tribunal a quo procedeu à errónea qualificação e quantificação dos factos tributários, e consequentemente com a sua decisão viola as regras vigentes quanto à distribuição do ónus da prova e padece de vício na fundamentação legalmente exigida.

LII -É de direitos e deveres do procedimento, essencialmente da Administração e não de direitos e deveres substantivos, dos contribuintes, que verdadeiramente se fala, logo, o facto constitutivo nuclear a provar é a veracidade dos elementos constantes da cópia extraída do Terminal versos os elementos criados de raiz no SERVER, contudo, tal prova cabe, naturalmente, à Autoridade Tributária e não à Recorrente.

LIII - Se é pacificamente aceite que o procedimento tributário, que culminou nas liquidações em crise, só nestas poderia ter desembocado se a Autoridade Tributária tivesse recolhido indícios suficientemente fortes das alegadas irregularidades do sistema informático de facturação que levaram à consideração de que a contabilidade não merece confiança, então resulta também claro que a necessidade probatória primacial em sede contenciosa é da Administração, quanto aos mesmos indícios.

LIII - Se a lei presume verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos por ela previstos, então a necessidade de prova por parte da Autoridade Tributária é muito mais exigente do que a que ela própria habitualmente assume, pois só apenas depois de cumprida a sua parte, o que não sucedeu, deve o contribuinte lograr cumprir a sua. Mais, só aí pode ser exigido ao contribuinte cumprir o ónus de fundamentação que sobre o mesmo recai.

LIV - Deve, pois, também por este motivo ser a Douta Sentença proferida revogada por erro de julgamento e violação das sobreditas disposições legais impondo-se, também por esta razão, a anulação dos actos de liquidação em apreço.

LV - Quanto à quantificação para apuramento do valor tributável através do sistema de métodos indirectos, refere a Douta Sentença recorrida, no último parágrafo a folhas 21, “Considerou a AT, em virtude de existirem ficheiros produzidos pela aplicação de faturação, utilizada pelo sujeito passivo, sem indícios de terem sido modificados, nomeadamente os que se encontravam no PC “Terminal” relativos ao período de 1 a 30 de Setembro de 2006, ser possível estimar o desvio existente entre o valor das prestações de serviços contabilizadas pelo sujeito passivo, e por este relevadas nas declarações apresentadas para efeitos fiscais, e o valor pelo qual tais prestações de serviços efetivamente ocorreram”. Prosseguindo no segundo parágrafo a folhas 22, “Dessa forma, foi apurado, com base no referido ficheiro (setembro de 2006) que o sujeito passivo omitiu, em média, 8,91% das prestações de serviços. (cfr. supra, ponto 23)”.

LVI - Muito se estranha que a Inspecção Tributária, construindo como construiu uma teoria de existência de alteração de dados no sistema informático de facturação da Recorrente, viesse a utilizar exactamente esse sistema para cálculo do hipotético desvio entre o declarado e o constante do sistema informático, e mais se dirá e questionará o porquê da utilização do mês de Setembro de 2006, para calculo desse desvio, e não qualquer outro?

LVII - Em boa verdade se a Inspecção Tributária tivesse tido o zelo inspectivo necessário, logo apreenderia que estava a utilizar um mês que é por norma um dos mais fortes em termos de facturação, o que desde logo perverte a aplicação sistemática a todos os meses dos anos de 2005, 2006 e 2007, e quanto a este ultimo ano, a Inspecção Tributária efectuou a sua inspecção através de elementos fornecidos pela Reclamante em CD, como já anteriormente referido, o qual apenas pretendia provar a existência de alterações quando se efectuavam cópias do SERVER para o Terminal.

LVIII - Não se podendo pois concordar com o elencado na Douta Sentença, quando no seu quarto parágrafo a folhas 22 refere: “Com efeito, está cabalmente fundamentada a quantificação, e, não logrando a Impugnante provar a existência do excesso no apuramento da matéria tributável, não satisfez o ónus de prova a que estava sujeita, nos termos do n.º3 do artigo 74.º da LGT, improcedendo, também, este fundamento”, já que não se encontra razão de ciência para a fundamentação da quantificação quanto mais para a sua cabal fundamentação, como se vem referindo.

LIX - Motivos pelos quais deve a Douta Sentença proferida ser revogada por erro de julgamento impondo-se, também por esta razão, a anulação dos actos de liquidação em apreço.

LX - Como foi evidenciado anteriormente, a Recorrida, ao não logra alcançar aprova dos indícios, sérios, fundados e objectivos, não podendo inverter o ónus da prova para a Impugnante, outrossim cabe-lhe o probatório da veracidade do conteúdo do Relatório e de todos os seus articulados neste processo de Impugnação.

LXI – Contrariamente a Impugnante e ora Recorrente vem pugnando pela verdade material e apresentando probatório documental e testemunhal sólido nesse sentido.

Nestes termos e nos mais de Direito, requer-se a V.as Ex.as, se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por provado e, em consequência, ser a Douta Sentença recorrida, revogada e substituída por Douto Acórdão que julgue procedente a Impugnação, tudo com as devidas e legais consequências, como é de Direito e de Justiça.»



A Recorrida, Autoridade Tributária e Aduaneira, devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.


O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.


O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.



Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.



II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber, em suma, se se verifica erro de julgamento de facto e na aplicação do direito, o que implica responder à questão sobre se se verificam, no caso, os pressupostos para o apuramento da matéria tributável por métodos indiretos.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

1. A Impugnante desenvolve a atividade de “restaurantes”, a que correspondia o CAE 56107, encontrando-se enquadrada, à data dos factos, no regime normal de tributação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) – cfr. fls. 203-A e 203-B do PAT apenso aos autos;

2. A Impugnante desenvolve a sua atividade comercial no restaurante designado “Vi…” – cfr. RIT, fls. 73 do PAT apenso aos autos;

3. Em nome da Impugnante, foi, pela Sociedade” I…, Lda.”, emitida a fatura n.º 7…, com data de 12.10.2006, no valor de € 355,74, constando da respetiva descrição “Upgrade Winrest para nova versão, Instalação, configuração” – cfr. documento n.º6, junto aos autos com a petição inicial;

4. Em 11.12.2006, no estabelecimento referido em 2), os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) recolheram elementos constantes do sistema informático, que ali se encontrava em utilização, tendo sido impresso o relatório de caixa, apurados os valores de caixa relativos aos dias 10 e 11 de Dezembro de 2006, e efetuada cópia dos elementos recolhidos em suporte CD, não regravável, em dois exemplares iguais, um destinado à Impugnante e outro aos Serviços de Inspeção Tributária – cfr. fls. 109 e 110 do PAT apenso aos autos;

5. Em 11.12.2006, o gerente da Impugnante, prestou declarações, constando do respetivo auto, designadamente, o seguinte:

“(…) – Quando questionado sobre o motivo de haver ficheiros a 0Kb, disse desconhecer a razão, e nunca, ao final de cada dia, retira o documento de controlo de caixa (o talão discriminativo de pagamentos em numerário, visa e multibanco);

- Foi igualmente questionado sobre o facto do teclado constarem teclas como “apagar”, ao que respondeu este teclado ter sido aproveitado de um antigo terminal com outro sistema informático; constam igualmente teclas indicando “Enviar”, “Anular” e “Apagar”;

- Ao solicitar-se a identificação do fornecedor do sistema informático respondeu ser a empresa “I…, Lda.”(…)” - cfr. fls. 325 do Processo de Inspeção apenso aos autos;

6. Notificado o gerente da Impugnante, para prestar esclarecimentos em 30.11.2007, declarou o mesmo desconhecer em absoluto o que se terá passado relativamente à alteração dos dados produzidos no sistema informático, tendo, no sentido de melhor aprofundar os factos, contactado a empresa I… Lda., que elaborou relatório que anexa às declarações e a empresa M… Lda., cujo relatório também anexou – cfr. fls. 118 e 119 do PAT apenso aos autos;

7. Do relatório elaborado pela sociedade I…, consta, designadamente, o seguinte:

“(…)

1. Constatamos que se encontra no PC Terminal uma cópia idêntica ao CD apresentado, pelo que se presume que foi deste PC que foram recolhidos os dados;

2. Verificamos que os dados constantes do PC terminal não eram idênticos aos apresentados no PC Servidor, pelo que depreendemos a existência de uma anomalia;

3. Constatamos que ao fazer cópias da pasta WinRest do PC Servidor para o PC Terminal, os dados constantes neste último não se apresentam de forma coerente com os constantes no primeiro, nem com as cópias anteriormente efetuadas. Tal facto nunca fora detetado e não conseguimos apurar a razão porque ocorre. É importante referir que qualquer problema que tenha ocorrido ou ocorra no PC Terminal em nada afeta o desempenho ou os dados do PC Servidor pois todo o programa corre e é gravado neste PC.

O PC terminal existe nesta instalação apenas para que se possa dispor de mais portas para as impressoras de cozinha.

A integridade dos dados constantes neste PC Servidor é comprovada e suportada pelas cópias de segurança efetuadas pelo cliente, as quais estão ao ser dispor.

Dada a situação, sugerimos ao cliente a substituição dos PC`s já com o novo sistema WinRest com o SAFT-T, obrigatório a partir de 1 de janeiro de 2008.” – cfr. fls. 120 do PAT apenso aos autos;

8. Do relatório elaborado pela sociedade M… em 30.11.2007, consta que: “Após testes efetuados aos dois equipamentos de hardware (Pos) verifica-se que os dados copiados entre posto de trabalho e servidor, alteram a sua estrutura principal, perdendo informação na transferência de um posto para o outro. Esta situação ocorre devido ao tempo de utilização dos equipamentos ser longo e pressupondo-se ainda que a estrutura de rede mereça uma análise profunda com certificação da mesma. Neste sentido sugerimos a substituição dos equipamentos de hardware (Pos) e a certificação da rede.” – cfr. fls. 56 do PAT apenso aos autos;

9. Em 04.12.2007, a Impugnante entregou nos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, um CD não regravável, no qual se identificam duas pastas “SERVIDOR” e “TERMINAL”, existindo na pasta “SERVIDOR” duas sub pastas, “WINREST1” e “WINREST2” e na pasta “TERMINAL” três subpastas “WINREST1, WINREST2 e WINREST3.” – cfr. RIT de fls. 67 a 189 do PAT apenso aos autos; 10.

10. Em 30.06.2008 a Policia Judiciária apreendeu os equipamentos informáticos, em busca efetuada às instalações da Impugnante – cfr. cfr. RIT de fls. 67 a 189 do PAT apenso aos autos;

11. Pela Policia Judiciária foi feita uma cópia dos ficheiros produzidos pelo novo sistema em utilização pela Impugnante, disponibilizada aos Serviços de Inspeção Tributária em 23.07.2008 – cfr. fls. 123 do PAT apenso aos autos,

12. Na sequência da recolha de dados ao sistema informático da Impugnante em 20.03.2009, foram emitidas as ordens de serviço n.ºs OI2…, OI2… e OI2… que deram origem a ação inspetiva externa, parcial, à Impugnante, aos exercícios de 2005, 2006 e 2007 em sede de IRC e IVA – cfr. RIT de fls. 67 a 189 do PAT apenso aos autos;

13. Através do ofício n.º 0…, de 29.09.2009 a Impugnante foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, emitido no âmbito da ação inspetiva, para exercer o direito de audição prévia, no prazo de 10 dias – cfr. RIT de fls. 67 a 189 do PAT apenso aos autos;

14. Por requerimento enviado via fax, em 20.10.2009, e em 20.10.2009, por via postal, a Impugnante requereu a prorrogação do prazo para exercício do direito de audição de 10 para 15 dias – cfr. RIT de fls. 67 a 189 do PAT apenso aos autos;

15. O pedido de prorrogação, referido no ponto antecedente foi indeferido – cfr. RIT de fls. 67 a 189 do PAT apenso aos autos;

16. Em 26.10.2009, foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária (RIT) tendo sido determinadas correções à matéria coletável em sede de IRC, por recurso a métodos indiretos, no montante de € 110.699,40 (exercício de 2005), € 125.301,24 (exercício de 2006) e € 125.345,85 (exercício de 2007) – cfr. RIT de fls. 67 a 289 do PAT apenso aos autos;

17. Da análise dos ficheiros diários gerados pela aplicação informática relativos às vendas /prestações de serviços efetuadas pela Impugnante no período de 28.12.2004 a 10.12.2006, contidos no CD referido em 4), verificaram os serviços de inspeção que “(…) a existência de ficheiros sem conteúdo e com tamanho de zero Kb. (…). Constavam do teclado teclas com a indicação “Apagar”, “anular” e “Enviar” (…); os ficheiros utilizados pelo sujeito passivo foram objeto de alterações posteriores à sua produção, pelo que, os montantes deles extraídos não são os que espelham verdadeiramente o nível de atividade desenvolvida pelo sujeito passivo, nomeadamente no que se refere aos valores efetivamente faturados” – cfr. RIT de fls. 67 a 189 do PAT apenso aos autos;

18. Na referida análise foi ainda constatado que “a data de modificação de cada um dos ficheiros é posterior à data a que este se refere, ou admitindo que o fecho foi efetuado após as 24 horas, à data do dia seguinte, concluindo que os ficheiros foram modificados em data posterior à da sua produção”, existindo “vários ficheiros cuja data e hora de modificação são a mesma, ou seja, a modificação foi efetuada em lotes e de forma automática, já que uma intervenção manual não seria viável em tantos ficheiros em simultâneo; - os ficheiros de caixa Xaammdd.xxx, encontram-se vazios, ou seja, toda a informação que neles existiu foi completamente apagada, sendo que, a sua data e hora de modificação coincide com a data e hora em que foram modificados os restantes ficheiros do dia. Também estes ficheiros foram modificados em lotes de vários dias (…) estas são precisamente algumas das características da atuação da aplicação informática que permite alterar ficheiros do programa “WinRest”, conhecida pelo nome de “sim.exe” ou “simsimw.exe” (prefixo da palavra simulador) (…) ” - cfr. RIT de fls. 67 a 189 do PAT apenso aos autos;

19. Foi ainda observado pelos SIT que “o ficheiro da caixa que se encontra na pasta “servidor”, a que contém os ficheiros que suportam a contabilidade e as declarações fiscais do sujeito passivo, apresentado na parte direita do “print” acima, se encontra totalmente vazio, ou seja, toda a informação nele contida foi eliminada. (…). Na parte esquerda do “print” pode observar-se o conteúdo do ficheiro de cabeçalho relativo ao dia 10/09/2006, copiado do PC “Terminal”, e, na parte direita, exibe-se o conteúdo do ficheiro homólogo que se encontrava no PC que guarda os dados que suportam a contabilidade e as declarações fiscais do sujeito passivo, ou seja, no PC “Servidor”. O que se pode observar é uma total conformidade entre o conteúdo de um e de outro ficheiro, exceto no que respeita ao valor da operação. De facto, os valores das linhas a sombreado que constam no ficheiro que se encontra a servir de base à contabilidade são inferiores aos que constam no ficheiro do PC “Terminal”. Portanto, os do PC “Servidor” foram modificados para menos. Numa observação mais pormenorizada, podemos ainda concluir que, todas as linhas em que o valor se encontra diferente correspondem a contas em que o documento emitido não foi a venda a dinheiro ou fatura, mas sim talão de venda. Curioso será ainda verificar, no ficheiro de caixa, que aquelas linhas correspondem a pagamentos em numerário.

A este propósito, é pertinente explicar que, seja qual for o problema existente numa infraestrutura de rede, esta não conduz a uma seleção deste tipo quando se efetuam cópias de arquivos de um computador para outro. Ainda menos quando as modificações encontradas são perfeitamente coerentes com as modificações verificadas nos ficheiros do mesmo dia, ou seja, as operações que sofreram modificações no ficheiro de detalhe, encontram-se alteradas, na mesma grandeza de valores, nos ficheiros de cabeçalho e de rodapé.” - cfr. RIT de fls. 67 a 189 do PAT apenso aos autos;

20. O PC “Server” tem um a pasta designada “WinRest” – cfr. fls. 82 do PAT apenso aos autos;

21. O PC “Terminal” contém uma pasta designada “Cópia de WinRest” – cfr. documento de fls. 82 do PAT apenso aos autos;

22. A cópia efetuada a partir do “Terminal”, do ficheiro do mês de setembro de 2006, não apresentava sinais de alteração – cfr. RIT de fls. 67 a 189 do PAT apenso aos autos;

23. Do aludido RIT resulta a seguinte fundamentação (na parte com relevo para a decisão):

“(…) IV – Motivo e exposição dos factos que implicam o Recurso a Métodos Indiretos

Pelo exposto ao longo do presente documento, nomeadamente nos pontos III.1.1.2 e III1.2, acerca da informação recolhida do sistema informático do sujeito passivo, da sua relação com os montantes registados na contabilidade do sujeito passivo e consequentes implicações nas declarações fiscais dos exercícios em análise, onde se verificou que:

· no sistema informático do sujeito passivo coexistem valores diferentes para as prestações de serviços efetuadas nos mesmos períodos de atividade;

· os ficheiros produzidos pelo sistema de faturação do sujeito passivo apresentam indícios de terem sido alterados;

· os documentos extraídos da aplicação informática que serviram de base à contabilização das prestações de serviços efetuados não merecem credibilidade, e

· a insuficiência de ficheiros sem indícios de terem sido modificados ou de informação credível que permita a correta determinação dos montantes das prestações de serviços efetivamente realizados;

conclui-se pela impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável dos impostos em análise, decorrente do exposto na parte final da alínea b) do artigo 88.º da LGT, já que os documentos de suporte às operações contabilísticas produzidas pelo software utilizado pelo sujeito passivo para efetuar a sua faturação não merecem credibilidade, encontrando-se reunidos os pressupostos, nos termos da alínea b) do artigo 87.º da LGT, para o apuramento com recurso à avaliação indireta. (…)”

V. Critérios de Cálculo dos Valores Corrigidos com Recurso a Métodos indiretos:

Em virtude de existirem, na informação analisada no ponto III.1.1.2 ficheiros produzidos pela aplicação de faturação utilizada pelo sujeito passivo no seu estabelecimento “ V…” sem indícios de terem sido modificados, nomeadamente os que se encontravam no PC “Terminal” relativos ao período de 1 a 30 de setembro de 2006, é possível estimar o desvio existente entre o valor das prestações de serviços contabilizadas pelo sujeito passivo, e por este relevadas nas declarações apresentadas para efeitos fiscais, e o valor pelo qual tais prestações de serviços efetivamente ocorreram.

Dessa forma, elaborou-se o quadro que se segue, onde se demonstra que o sujeito passivo omitiu, em média, 8,91% das prestações de serviços à taxa intermédia sobre o valor faturado com recursos a meios informáticos. (…)

Atendendo à hipótese do sujeito passivo ter alterado a sua conduta após a ação de recolha efetuada em 11/12/2006, é importante nesta fase recordar o que se apurou no ponto III.1.2. bem como, para o período ali estudado, a percentagem média de omissões encontrada, a qual se situa na ordem dos 12,64%. No entanto, por ser mais benéfico para o sujeito passivo, considerar-se-á também para o exercício de 2007, a percentagem de omissões 8,91%.

Considerando que, como se demonstrou ao longo do presente documento, as modificações nos ficheiros existem desde, pelo menos, o exercício de 2005, e tendo em conta que apurada é a que se encontra mais consistente com a realidade, esta será, igualmente utilizada para as correções a efetuar ao exercício de 2005.

Assim, aplicando a percentagem calculada no quadro anterior às prestações de serviços à taxa intermédia contabilizadas pelo sujeito passivo nos restantes períodos de 2005,2006 e 2007, as quais, como já se referiu, encontram-se suportadas no sistema informático em que se verificou ter havido alteração dos dados reais e para os quais não foi possível obter os montantes efetivamente auferidos, obtemos um montante que se propõe como valor presumido das prestações de serviços de restauração e bebidas (…).

Note-se que:

- O montante indicado em prestações de serviços apuradas relativamente ao mês de Setembro de 2006 foi extraído diretamente dos ficheiros copiados que não apresentam indícios de terem sido modificados. (…)” - cfr. RIT de fls. 67 a 189 do PAT apenso aos auto;

24. Em 30.11.2009, a Impugnante apresentou pedido de revisão da matéria coletável fixada por métodos indiretos, não tendo os peritos chegado a acordo no respetivo debate contraditório, que ocorreu em 22.12.2009 – cfr. fls. 225 a 227 do PAT apenso aos autos;

25. Sobre o RIT, recaiu parecer do Chefe de Equipa e despacho concordante da Chefe de Divisão, de 29.10.2009 – cfr. RIT a fls. 67 e 68 do PAT apenso aos autos;

26. Na sequência do RIT e das correções técnicas elaboradas efetuadas, foram emitidas, em 03.02.2010, pela AT, em nome da Impugnante, a liquidação adicional de IRC, n.º 2010…, no valor total de € 34.592,49, relativa ao exercício de 2005, a liquidação adicional de IRC n.º 2010… no montante de € 37.777,11, referente ao exercício de 2006 e a liquidação n.º 2010…, no montante de € 35.022,19, referente ao exercício de 2007 - cfr. documentos n.ºs 1, 2 e 3, juntos aos autos com a petição inicial;

27. A sociedade I… Lda., emitiu uma declaração, datada de 05.05.2010, onde consta, designadamente, o seguinte:

“ O Departamento Técnico da empresa I…, Lda. (…), a pedido do cliente V… LDA.,(…) efetuou uma análise à origem de uma cópia de segurança no PC terminal. Após análise das faturas emitidas verificamos que a cópia de segurança resultou de uma intervenção técnica efetuada no final de Setembro/inicio de outubro de 2006, em que foi efetuado uma atualização ao software a fim de cumprir a obrigatoriedade da emissão de fatura/venda a dinheiro a partir de 9.98€.

Como é habitual antes de qualquer atualização de software efetuamos uma cópia de segurança. Havendo um segundo terminal na rede, optamos por fazer nesse mesmo terminal. Finalizada a intervenção do software no pc servidor, verificamos a consistência dos dados, não tendo sido necessário fazer um restauro com cópia de segurança feita no pc terminal.” – cfr. documento n.º5, junto aos autos com a petição inicial;

28. Por terem sido detetadas irregularidades no sistema informático, a Impugnante solicitou à sociedade “I…” a verificação do mesmo – prova testemunhal;



Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

«Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito,»


E quanto à motivação da decisão de facto, consignou-se:

«A decisão da matéria de facto provada fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, bem como na posição assumida pelas partes,

Quanto ao facto provado no ponto 28, o Tribunal formou a sua convicção com base no depoimento das testemunhas.

A testemunha J…, que à data dos factos exercia funções na área financeira e comercial da Impugnante, revelou conhecer os procedimentos de registo de pedidos de refeições e de faturação dos serviços prestados, sendo o seu depoimento objetivo.

Afirmou que na inspeção efetuada, se contatou que os dados do terminal não coincidiam com os dados do servidor e que, por terem sido detetadas irregularidades no sistema informático, foi solicitada a intervenção da sociedade “I…”, que prestava assistência no âmbito do software utilizado.

A testemunha H…, informático na sociedade I…, revelou conhecer o sistema informático utilizado pela Impugnante e os procedimentos associados ao mesmo, afirmando ter sido solicitada a intervenção da sociedade I…, após a realização da ação inspetiva, por terem sido detetadas anomalias no sistema informático, que não sabe explicar.

Os depoimentos das testemunhas revelaram-se convergentes, quanto ao facto de o sistema informático apresentar irregularidades, não logrando, todavia, explicar o motivo que determinou as alterações verificadas nos ficheiros



II.2 Do Direito

A Impugnante ora Recorrente, veio impugnar as liquidações adicionais de IRC e de juros compensatórios respeitantes aos exercícios de 2005, 2006 e 2007, matéria coletável apurada com recurso a métodos indiretos

Alega a Recorrente que a sentença recorrida, que julgou improcedente a impugnação judicial, incorreu em erro de julgamento na apreciação da matéria de facto e de direito.

Vejamos:

Em regra, quando impugna a matéria de facto, a Recorrente tem de cumprir os ónus que sobre si impendem, sob pena de rejeição do recurso.

Vejamos o que nos diz o artigo 640º Código de Processo Civil (CPC) aplicável ex vi artigo 281º CPPT:

Artigo 640.º
Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Incumbe à Recorrente cumprir este ónus, identificando os factos que entende terem sido mal julgados: quer por terem sido dados como provados quando o não deveriam ter sido, quer os que foram desconsiderados e considera serem relevantes à decisão, com indicação dos meios de prova que suportam esta sua pretensão de alteração do probatório.

Contudo, no que concerne à decisão da matéria de facto, a mesma não deverá conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas. Na seleção dos factos, e na decisão sobre a matéria de facto deve o Juiz acolher apenas o facto cru, despido de conceitos de direito e de conclusões, afastando, pois, conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos.

Veremos infra se a intervenção solicitada a este Tribunal de recurso, no que se refere à alteração da matéria de facto é, no essencial, respeitante a que sejam eliminados alguns pontos da matéria de facto que foram dados como provados ou antes atinente ao ónus da prova e se sobre os quais conseguiu, ou não, fazer a contraprova.

Preliminarmente diremos que a Recorrente nas conclusões das alegações de recurso cumpriu minimamente este ónus de impugnação da matéria de facto que sobre si recaía, indicando os pontos concretos da matéria de facto que foram dados como provados e contra os quais se insurge, a matéria que foi dada por provada quando, no seu entender, o não deveria ter sido, indicando com precisão os concretos meios de prova, no caso testemunhal, em que funda a sua discordância.

Na conclusão VII das alegações de recurso, a Recorrente critica a sentença recorrida por o Tribunal a quo ter dado como provado o contante dos pontos 17, 18 e 19, com o que discorda.

Alega, na conclusão XXVII: assim sendo a Douta Sentença recorrida não poderá considerar como provados os factos elencados nos seus pontos 17, 18 e 19, apenas referindo e transcrevendo aquilo que uma das partes indica, mas não logra provar durante todo o decurso quer do procedimento inspectivo quer do processo judicial de impugnação.

E, na conclusão (XXVIII) das alegações de recurso: o mesmo se dirá quando a Douta Sentença considera como factos provados, os elencados no seu ponto 23.

Defende, pois, a Recorrente que estes factos não deveriam ter sido dados como provados em face dos depoimentos das testemunhas J… e H…, indicando os momentos da gravação dos depoimentos prestados, a passagem concreta e que considera relevante do testemunho prestado, cumprindo desta forma o ónus que sobre ela recaía.

Efetivamente, nas alíneas 17, 18, 19 dos factos provados a sentença transcreve partes do relatório elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária, nos quais se pretendeu fundamentar a falta de fiabilidade dos registos informáticos recolhidos no terminal consultado, nomeadamente por os teclados utilizados conterem as teclas “apagar”, “anular” e “enviar” e os ficheiros indiciarem alterações “posteriores à sua produção”.

A testemunha J… afirmou que os teclados tinham sido reaproveitados e por isso continham aquelas teclas e que muitas vezes os pedidos/encomendas iniciais enviados à cozinha eram depois corrigidos para contemplarem os pesos efetivos mariscos e peixes, dos couvert, efetivamente consumidos pelo cliente e faturados. Assim, antes de ser emitida a fatura verificavam se o cliente tinha consumido pão e manteiga, e o peso das sapateiras, alterando o lançamento inicial.

Ora, anote-se que na alínea 5 dos factos provados, tinham sido transcritas as declarações do gerente da Impugnante, ouvido no decurso do procedimento de inspeção, sobre o aproveitamento do teclado de um antigo terminal com outro sistema informático.

Ora, a Impugnante não impugna os factos apurados pela Autoridade Tributária e levados ao relatório, mas sim terem sido acolhidos e levados ao probatório sem crítica no respeitante à interpretação que deles foi feita e às conclusões extraídas desses mesmos factos e que foi transcrita nas alíneas em causa.

Interpretação dos factos essa que motivou a conclusão de afastamento da presunção de veracidade da contabilidade da Impugnante e que justificou o recurso a métodos indiretos para apuramento da matéria coletável nos anos em causa.

Com efeito na alínea 23 dos factos provados, contra a qual também discorda a Recorrente, é transcrito o segmento do relatório que tem por epígrafe IV – Motivo e exposição dos factos que implicam o Recurso a Métodos Indiretos – cf conclusão XXIX das alegações de recurso.

Assim, o que a Recorrente pretende não é a alteração da matéria de facto levada ao probatório, mas sim o que se refere às conclusões retiradas pelo Inspetor e constantes do relatório transcrito nas alíneas em causa.

Todavia, as conclusões a que a Inspeção Tributária chegou encontra-se separada dos factos e assinalada, sendo mesmo precedida da expressão conclui-se.
E é atinente aos motivos da atuação naquele sentido e não noutro.

Em bom rigor, mais que a impugnação da matéria de facto, a Recorrente submete à apreciação do tribunal de recurso o cumprimento dos ónus da prova, que recaiam sobre cada uma delas.

Ora, avaliar se a Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrou, ou não, os pressupostos da determinação da matéria coletável por recurso a métodos indiretos é juízo que compete ao tribunal e que vem questionado no presente recurso e que será objeto de maior desenvolvimento infra.

A Recorrente, na impugnação da matéria de facto, não propõe qualquer redação alternativa ou aditamento aos factos levados ao probatório, limita-se a mostrar discordância quanto a estes pontos, por entender que os contrariou na inquirição das testemunhas, ou melhor, por ter apresentado explicações alternativas aos motivos levados ao relatório e transcritas naquelas alíneas.

Assim, nas alíneas 17, 18 e 19 dos factos provados estão contemplados os indícios reunidos pela Inspeção Tributária durante o procedimento de inspeção e vertidos no relatório que motivaram o afastamento da presunção de veracidade da contabilidade da Contribuinte, sumariados, depois, na alínea 23.

Estas alíneas do probatório são atinentes à recolha de informações e indícios que sustentam a conclusão a que a Autoridade Tributária e Aduaneira chegou de falta de veracidade da contabilidade da Contribuinte.

Sendo lícito ao Contribuinte impugná-los ou apresentar prova em contrário, a atender sim no juízo da subsunção dos factos ao direito.

Todavia, tal não implica ou colide que seja levado ao probatório os indícios recolhidos e que suportam as conclusões a que se chegou no âmbito do procedimento de inspeção, e que foram acolhidas no despacho que sanciona o relatório.

Coisa diferente é o juízo de subsunção dos factos ao direito feito pelo juiz na sentença e em que é apreciada a sua suficiência para a Autoridade Tributária e Aduaneira concluir como concluiu e se houve ou não erro nos pressupostos da tributação, ou se essa factualidade suporta as conclusões a que se chegou.

Para tanto, os indícios recolhidos pelos Serviços de Inspeção Tributária durante o procedimento de inspeção e em que se fundamenta a atuação da Autoridade Tributária e Aduaneira têm, pois, de constar da matéria de facto levada ao probatório.

Termos em que a sentença recorrida não merece censura que lhe foi feita e improcedem as conclusões de recurso, nesta parte.


Vejamos agora se a Autoridade Tributária e Aduaneira reuniu indícios suficientes para afastar a presunção de veracidade da contabilidade da Contribuinte e da impossibilidade da comprovação e quantificação diretas e exatas da matéria tributável do sujeito passivo.

Com efeito, nos termos do artigo 75/1 da Lei Geral Tributária: presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.

Refletindo o imperativo constitucional de que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104/2 CRP).

Esta presunção de veracidade cessa, nomeadamente, no caso do artigo 75/2 alínea a) quando: as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.

Todavia, não é qualquer omissão, erro ou inexatidão das declarações ou da contabilidade do sujeito passivo que justifica o recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria tributável, sendo exigido que tais irregularidades sejam de tal forma relevantes que tornem inviável a quantificação direta.

Com efeito, se apesar das irregularidades contabilísticas for possível quantificar diretamente a matéria coletável, é este o método que deve ser seguido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, porquanto o apuramento da matéria coletável por métodos indiretos, tem carater subsidiário.

O recurso a métodos indiretos de determinação da matéria coletável surge como ultima ratio, podendo ser aplicado apenas quando não seja possível que esta determinação seja feita avaliação direta, por meio de correções técnicas, porquanto a avaliação indireta tem carácter excecional (artigo 81/1 da LGT) e subsidiário em relação à avaliação direta (artigo 85/1, da LGT).

Exigindo uma cuidada exposição dos motivos quando se opte pela sua utilização, cabendo à Autoridade Tributária e Aduaneira a demonstração da verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indireta da matéria tributável, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação (artigo 74/3, da LGT).

E é precisamente sobre este primeiro ponto que a Recorrente centra o seu inconformismo com a sentença recorrida.

Vejamos, então:

Para considerar justificado o recurso a métodos indiretos na determinação da matéria coletável a sentença faz apelo, precisamente, aos factos levados ao probatório nas alíneas 17, 18, 19 e 23, sobre os quais a Recorrente entende ter feito a contraprova, a seu ver suficiente para lançar a dúvida, além de não se encontrar no referido relatório qualquer referência à impossibilidade de quantificação direta da matéria coletável (cf. conclusões XXXIV e seguintes das alegações de recurso).

Relembremos o que diz o relatório transcrito na alínea 23 dos factos provados:

“(…) IV – Motivo e exposição dos factos que implicam o Recurso a Métodos Indiretos

Pelo exposto ao longo do presente documento, nomeadamente nos pontos III.1.1.2 e III1.2, acerca da informação recolhida do sistema informático do sujeito passivo, da sua relação com os montantes registados na contabilidade do sujeito passivo e consequentes implicações nas declarações fiscais dos exercícios em análise, onde se verificou que:

· no sistema informático do sujeito passivo coexistem valores diferentes para as prestações de serviços efetuadas nos mesmos períodos de atividade;

· os ficheiros produzidos pelo sistema de faturação do sujeito passivo apresentam indícios de terem sido alterados;

· os documentos extraídos da aplicação informática que serviram de base à contabilização das prestações de serviços efetuados não merecem credibilidade, e

· a insuficiência de ficheiros sem indícios de terem sido modificados ou de informação credível que permita a correta determinação dos montantes das prestações de serviços efetivamente realizados;

conclui-se pela impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável dos impostos em análise, decorrente do exposto na parte final da alínea b) do artigo 88.º da LGT, já que os documentos de suporte às operações contabilísticas produzidas pelo software utilizado pelo sujeito passivo para efetuar a sua faturação não merecem credibilidade, encontrando-se reunidos os pressupostos, nos termos da alínea b) do artigo 87.º da LGT, para o apuramento com recurso à avaliação indireta. (…)”


Como resulta do excerto transcrito, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresenta razões de impossibilidade de quantificação direta e exata da matéria coletável que assentam na falta de apresentação de documentos de suporte fiáveis das faturas emitidas e que inviabilizem o apuramento aritmético da matéria tributável.

Nas alíneas 17, 18 e 19 dos factos provados, que transcrevem segmentos do relatório, foi verificada a existência de ficheiros sem conteúdo, vestígios de ficheiros alterados em data posterior à sua alteração e ficheiros de caixa vazios, designados por Xaammdd.xxx.

As conclusões a que chegou a Inspeção Tributária partem, pois, de premissas assentes em factos que não foram contraditados pela prova testemunhal.

Esta carreou explicações alternativas às conclusões a que chegaram os serviços de Inspeção Tributária, mas não infirmou os factos que foram recolhidos pelos Serviços de Inspeção Tributária, que inquinam os documentos de suporte das faturas gerados por essa mesma aplicação informática.

Todavia, as irregularidades e os indícios recolhidos respeitam a omissões de vendas em que tenha sido emitido apenas talão de venda e o valor tenha sido pago em numerário.

Nada se dizendo na exposição dos motivos, nomeadamente, quanto à quantidade de matéria-prima adquirida/consumida pela ora Recorrente para preparação das refeições ou sobre os montantes depositados diariamente em conta bancária, relativamente aos períodos em causa, por exemplo, ou sobre outras diligências e averiguações efetuadas pela Inspeção Tributária, demonstrativas da omissão de proveitos e da impossibilidade de apuramento por outros meios da matéria tributável.

Depois de comprovada a falta de veracidade da contabilidade da Recorrente, o recurso ao método de quantificação indireta da matéria coletável exige o esgotamento de outros meios de determinação da matéria tributável, através do recurso a outros elementos que podiam permitir a sua determinação por métodos diretos.

Assim, apesar de ter coligido indícios de irregularidades na contabilidade, e tal como alegado pela Recorrente, a Autoridade Tributária não demonstra que apesar dessas irregularidades detetadas na contabilidade não era possível a determinação da matéria tributável por métodos diretos.

No relatório nada se diz sobre o que refletia a conta Caixa nem se debruça sobre os inventários ou existências. As irregularidades detetadas no registo contabilístico foram-no apenas sobre as vendas a dinheiro ou transações que foram satisfeitas em numerário.

Nada se diz sobre as vendas/prestações de serviço realizadas através de outros meios de pagamento como multibanco ou cheque.

Consideramos, pois, apesar de ter comprovado a falta de veracidade da contabilidade, a Autoridade Tributária e Aduaneira não cumpriu o ónus que sobre si impendia, reunindo fundados indícios de impossibilidade de quantificação direta da matéria coletável e, logo, o recurso a métodos indiretos.

Termos em que procedem as conclusões de recurso da Recorrente nesta parte.

Em face da procedência do recurso, resulta assim prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas e atinentes ao excesso de quantificação da matéria coletável [artigo 608/2 CPC aplicável ex vi artigo 2.e) CPPT].


Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…).

Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, custas são pela Recorrida que ficou vencida.


Sumário/Conclusões:

I. O recurso a métodos indiretos de determinação da matéria coletável tem carácter excecional (artigo 81/1 da LGT) e subsidiário em relação à avaliação direta (artigo 85/1 da LGT).
II. Cabe à Autoridade Tributária e Aduaneira a demonstração da verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indireta da matéria tributável, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação (artigo 74/3, da LGT).
III. Comprovada a falta de veracidade da contabilidade da Recorrente, o recurso ao método de quantificação indireta da matéria coletável exige o esgotamento de outros meios de determinação da matéria tributável, através do recurso a outros elementos que podiam permitir a sua determinação por métodos diretos.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, julgar procedente a impugnação judicial anulando os atos de liquidação impugnados.

Custas pela Recorrida, que decaiu, com dispensa do pagamento da taxa de justiça, por não ter contra-alegado.

Lisboa, 10 de fevereiro de 2022

Susana Barreto

Tânia Meireles da Cunha

Cristina Flora
(vencida, conforme declaração junta)

Vencida, por entender que a AT coligiu indícios consistentes e sólidos que demonstram a viciação da faturação através da manipulação de software, e é essa viciação devidamente demonstrada que impossibilita a comprovação de forma exata a faturação real, pelo se encontra demonstrada a impossibilidade de comprovação e quantificação da matéria tributável nos termos estritos que é exigido pela alínea b), do art. 88.º da LGT.

Não subscrevo a fundamentação do acórdão no sentido de não se demonstrou a impossibilidade de comprovação exata, invocando para tanto que a AT não se debruçou sobre outros elementos da contabilidade, como a conta caixa, inventários, existências, etc, porque a análise desses elementos, ainda que tivesse ocorrido, não seria apta a conduzir ao apuramento exato da faturação omitida. Efetivamente, por um lado, foram apurados os valores de caixa que não eram fidedignos (ponto 4 da matéria de facto), e por outro lado, tratando-se de um restaurante, a faturação não corresponde de forma exata à venda de bens de modo a ser apurado através da análise de inventário e existências, sendo certo que a faturação está ligada à venda de bens/prestação de serviços (cf. ponto 23 da matéria de facto) porque há transformação das mercadorias compradas para o consumo final (por exemplo, confecionar uma refeição que é servida), o que tanto basta para concluirmos que tal análise seria infrutífera para efeitos de determinação exata da faturação omitida.

Entendo que havendo viciação na faturação pela manipulação do software, com os contornos do caso dos autos importa concluir que se verifica efetivamente a Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto, estando preenchido o pressuposto da alínea b), do art. 88.º da LGT. Só assim não seria, se, apesar de tal viciação, fosse possível identificar de forma exata e precisa, todas as operações de faturação omitidas, o que manifestamente não se passa no caso dos autos, tal como resulta da fundamentação do relatório de inspeção que demonstram perda de informação e adulteração: ponto 23 da matéria de facto: “a insuficiência de ficheiros sem indícios de terem sido modificados ou de informação credível que permita a correta determinação dos montantes das prestações de serviços efetivamente realizados”; ponto 8 da matéria de facto “os dados copiados entre posto de trabalho e servidor, alteram a sua estrutura principal, perdendo informação na transferência de um posto para o outro”.

Em suma, negaria provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

A Juíza Desembargadora

Cristina Flora