Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:710/07.1 BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:03/02/2023
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:CUSTAS.
REVOGAÇÃO DA SENTENÇA E DEVOLUÇÃO DOS AUTOS À 1.ª INSTÂNCIA
Sumário:A revogação da sentença favorável aos impugnantes e a devolução dos autos à 1.ª instância para o conhecimento dos demais fundamentos da impugnação determina a condenação daqueles nas custas do processo, atento os princípios da causalidade e do proveito.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão
I- Relatório
A Fazenda Pública veio requerer a reforma do Acórdão proferido em 15/09/2022, que, nos autos de impugnação judicial deduzida contra o acto de liquidação adicional de IRS e de liquidação de juros compensatórios, do ano de 2002, no montante total de €94.222,74., na sequência de recurso interposto pela requerente contra a sentença que julgou procedente a impugnação e anulou a liquidação de IRS de 2002, determinou: «i) [a] Revogação da sentença recorrida»; ii) «[a] devolução dos autos à instância para realizar a especificação da matéria de facto necessária com vista à resolução das questões cujo conhecimento foi considerado prejudicado pela decisão da causa e prolacção de nova decisão sobre as mesmas»; iii) «[c]ustas pelos recorridos e pela recorrente, na proporção do decaimento, que se fixa em 1/3 para os primeiros e 2/3, para a segunda».
A requerente pede a reforma do Acórdão, passando as custas do recurso a ser da responsabilidade dos recorridos. Por despacho do Relator de 09/12/2022, foi indeferido o requerido, pelo que a requerente reclama contra o mesmo para a conferência.
Alega nos termos seguintes:
1) Por requerimento, datado de 29/09/2022, a Fazenda Pública apresentou um pedido de reforma do Acórdão de 15/09/2022 proferido nos autos.
2) Ora, de acordo com o disposto no artigo 666º n.º 2 do CPC [aplicável ex vi da al. e) do art.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)]: "A retificação ou reforma do acórdão, bem como a arguição de nulidade, são decididas em conferência”.
3) Sucede que, no caso dos autos, não foi a reforma requerida pela Fazenda Pública decidida em conferência, antes o tendo sido por despacho.
4) Assim, e uma vez que, no caso do despacho em apreço, a Fazenda Pública se considera prejudicada, solicita-se que a conferência se pronuncie sobre a matéria objcto do despacho e do pedido de reforma da Fazenda Pública (cf. art. 652º n.º 3 do CPC).
5) Com efeito, no caso dos autos, a Fazenda Pública requereu a reforma do Acórdão, relativamente a condenação em custas, em virtude de o seu recurso ter sido procedente. Mais acrescendo que os recorridos nas suas contra alegações de recurso invocaram a prescrição do imposto, questão que no Acórdão foi objeto de decisão desfavorável aos recorridos.
6) Acrescendo ainda que no que concerne às questões que em 1a instancia não foram objecto de decisão, por o seu conhecimento ter ficado prejudicado, o douto Acórdão de 15/09/2022, igualmente negou razão aos Impugnantes, com exceção de duas questões relativamente às quais o Tribunal Central Administrativo do Sul entendeu que implicam o aditamento de factos ao probatório, que deve caber ao Tribunal de 1.ª instancia, sem que todavia tenha (o Tribunal Central Administrativo), relativamente a estas duas questões, tomado conhecimento das mesmas.
7) Pelo que, contrariamente ao que foi decidido no venerando despacho ora notificado à Fazenda Pública, o facto de o processo dever prosseguir em 1ª instância não implica, salvo melhor opinião, um decaimento da Fazenda Pública, sendo que a liquidação impugnada não foi anulada e mantém a sua validade, e, pelo contrário a sentença que reconhecia razão aos impugnantes foi revertida, tal como propugnado pela Fazenda Pública no seu recurso, nessa medida, afigurando-se-nos que o decaimento em sede de recurso deve ser integralmente imputável aos impugnantes (ou, quando muito deveria ser determinado que as custas devem ser decididas a final).
8) Devendo, pois, ser alterado o segmento do Acórdão referente a custas que determinou as custas seriam na proporção do decaimento, fixado em 1/3 para os recorridos e em 2/3 para a recorrente (a FP).
9) No sentido propugnado pela Fazenda Pública, tem decidido a jurisprudência, que julgamos ser uniforme, do TCA Sul e STA, de que se indica a título de exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 01192/17.5BEPRT de 26/10/2022, consultável integralmente em www.dgsi.pt
10) Pelo que, sendo procedente o recurso da Fazenda Pública, ainda que os autos devam ainda prosseguir, não tendo os recorridos obtido provimento quanto ã sua impugnação, não deverá a Fazenda Pública ser responsabilizada pelas custas referentes ao recurso, devendo estas custas relativas ao recurso ser imputadas integralmente aos recorridos, por serem, in casu, a parte vencida (cf. art. 527º do CPC).
A contraparte não emitiu pronúncia.
X
II-Enquadramento
2.1. «A parte pode requerer a reforma do Acórdão quanto a custas e multa (artigo 613.º/1, do CPC ex vi artigo 669.º/1, do CPC.
O regime das custas está sujeito ao princípio da causalidade. Nos termos do artigo 527.º do CPC, «A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito» (n.º 1). // «Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for» (n.º 2).
2.2. O Acórdão em exame concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, pelo que revogou a sentença recorrida. Todavia, dada a falta de especificação da matéria de facto relevante, não conheceu dos fundamentos da impugnação cujo conhecimento foi considerado prejudicado pela sentença recorrida, tendo ordenado a baixa dos autos para prolacção de nova decisão que aprecie os demais fundamentos da impugnação.
Cumpre notar que,
«Da conjugação do disposto no artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, com o n.º 6 do artigo 607.º e com o n.º 2 do artigo 663.º, todos do CPC, conclui-se que a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no critério do vencimento ou decaimento na causa, ou, não havendo vencimento, no critério do proveito, mas, tal não sucede quanto à taxa de justiça, cuja responsabilidade pelo seu pagamento decorre automaticamente do respetivo impulso processual. // De acordo com o estatuído no n.º 2 do art. 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual. // Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. “Vencidos" são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses. // Havendo um vencedor e não se encontrando uma parte vencida, não funciona o critério da causalidade, atuando o princípio do proveito. // Não havendo isenção tributária, o recurso está sujeito a tributação, aspeto que é preliminar face à determinação da responsabilidade das partes relativamente a custas, pelo que, não tem fundamento legal uma decisão que se expresse “sem custas”. // Inexistindo lugar à isenção de tributação e não sendo prestável o critério do vencimento, atuará o critério do proveito».(1)
No caso em exame, a Fazenda Pública obteve vencimento no recurso jurisdicional interposto, mas não existe parte vencida na causa, dado que os autos de impugnação devem prosseguir na instância para conhecimento dos demais fundamentos da impugnação.
O Acórdão do STA, de 26-10-2022, P. 01192/17.5BEPRT, após revogar a sentença recorrida por vício detectado no respetivo segmento decisório, ponderou que «os autos têm de retornar ao tribunal recorrido, para que este aprecie (realizando, se necessário, diligências, incluindo probatórias, relevantes) e julgue a invocada, pelo impugnante, ilegalidade dos atos de liquidação … (…), atentando nos respetivos fundamentos/vícios, bem como, na alegação, pertinente, vertida na contestação da Fazenda Pública».
No caso em apreço nos autos, a revogação da sentença recorrida, determinada pelo Acórdão reclamado, revela o decaimento dos recorridos no fundamento apreciado pelo tribunal de recurso. Existem também fundamentos formais da impugnação que foram apreciados e rejeitados pelo Acórdão reclamado, pelo que os recorridos são parte vencida, neste segmento. Em momento subsequente, o Acórdão reclamado determinou a apreciação dos demais fundamentos da acção, com a inerente baixa dos autos à instância, com vista ao apuramento dos elementos relevantes à sua decisão. Actividade jurisdicional que aproveita aos recorridos. Pelo que devem ser estes a parte condenada nas custas, à luz dos princípios da causalidade e do proveito (2).
Motivo porque se impõe julgar procedente a presente reclamação, com a inerente revogação do despacho reclamado e a reforma do segmento decisório das custas do Acórdão em crise, com a condenação dos recorridos nas mesmas.
Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo no seguinte:
Deferir a reclamação, revogar o despacho reclamado e reformar o Acórdão, no segmento de custas, passando do mesmo a constar: «Custas pelos recorridos».

(Jorge Cortês - Relator)


(1.ª Adjunta – Patrícia Manuel Pires)


(2.ª Adjunto – Vital Brito Lopes)
(1) Acórdão do TR Lisboa, de 11-02-2021, P. 1194/14.3TVLSB.L2-2
(2) No mesmo sentido, v. Acórdão do STA, de 26-10-2022, P. 01192/17.5BEPRT.