Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:8504/15.4BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/07/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IVA
OPERAÇÕES INTERMEDIAÇÃO
REVERSE CHARGE
PRINCÍPIOS DA BOA FÉ
E DA CONFIANÇA
Sumário:I - As operações de intermediação consideram-se localizadas, donde, tributáveis em Portugal quando as operações a que se refere a intermediação sejam elas próprias localizadas/tributáveis em Portugal.
II - Existem, contudo, derrogações a este princípio geral, Com efeito, as operações de intermediação não são objeto de tributação em Portugal, ainda que as operações a que se refere a intermediação sejam elas próprias tributáveis em Portugal, desde que o seu adquirente seja um passivo registado para efeitos de IVA noutro Estado-membro e que tenha utilizado o respetivo número de identificação fiscal para efetuar a aquisição.
III - Nestas situações, o adquirente dos serviços torna-se sujeito passivo do imposto, ocorrendo o fenómeno do reverse charge, da reversão da dívida tributária ou da inversão da sujeição.
IV - O deferimento de um pedido de reembolso de IVA não permite, de todo, antever que num período temporal posterior e mediante operações diferentes, possa acarretar igual deferimento, não sendo, por conseguinte, a atuação da Administração Tributária reveladora de um qualquer propósito de definir a situação jurídica para o futuro.
V - Inexistindo uma qualquer vinculatividade jurídico-administrativa das expectativas, tudo se reconduzindo a meras expectativas fácticas, e não sendo estas juridicamente tuteladas, tal não acarreta, qualquer, violação do princípio da boa fé e da confiança.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I-RELATÓRIO

L.....L….., LDA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa interposta contra os atos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) de 1998 e 1999, nos valores totais de €79.257,50.

O Recorrente, veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“: Conclusões:

A: Equacionamento da questão. (Limitada à atuação da L.....L….. nas transações intracomunitárias, dado que foram estas que conduziram às liquidações adicionais por parte da Administração Fiscal.)

1.A L.....L….., estando sedeada no território português, atua no mercado nacional como agenciador/intermediário de vendas de sociedades com sede em países terceiros e comunitários.

2. No que toca a transações intracomunitárias, dado que a sua atividade de intermediação, pelas razões infra apontadas, conduzem a que a L..... se encontre em crédito de imposto, pediu a L....., nos termos legais, vários reembolsos de IVA, no período de 2 de Fevereiro de 1987 a 2 de Fevereiro de 1999.

3.Todos os reembolsos foram-lhe concedidos, à exceção do último que lhe foi negado com base no seguinte entendimento da Administração Fiscal, posteriormente sufragado pela sentença do Tribunal A quo "O sujeito passivo presta serviços de intermediação porém não emite fatura ou documento equivalente. Como não há emissão de documento pela prestação de serviços e concomitantemente o adquirente dos serviços não fornece o seu n.º de identificação fiscal na aquisição dos mesmos serviços, então não há lugar à derrogação dessa regra e como tal o adquirente dos serviços não poderá proceder ao "reverse charge". "

4.Na sequência deste entendimento foram liquidados os atos adicionais, impugnados neste processo.

B:Referência ao negócio da recorrente L..... do ponto de vista comercial. (Contrato de comissão onde estão envolvidas três sociedade: O comitente, o comissário L..... e o cliente.)

5.Em termos comerciais o negócio desenvolvido pela L..... tem três sociedades comerciais envolvidas, estando cada uma num vértice triangular de relações:

6.O comitente: Sociedade comercial comunitária não portuguesa que contrata os serviços da L..... para que esta, no mercado português agencie/intermedeie vendas do comitente.

7.º cliente: Sociedade comercial portuguesa que compra ao comitente produtos agenciados pela L......

8.º comissário: Sociedade comercial portuguesa L..... que agencia/intermedeia produtos do comitente para que este os venda ao cliente.

9.º Neste esquema comercial, os produtos são faturados diretamente pelo comitente ao cliente.

10.º Sabendo previamente o valor acordado da comissão da L....., o comitente fatura ao cliente, para além dos produtos vendidos, a comissão que irá entregar à L......

11.º.Ou seja, a comissão que a L..... percebe do comitente vem faturada na fatura enviada pelo comitente ao cliente.

12.O comitente recebe do cliente o valor da comissão. Só depois da fatura ser integralmente paga pelo cliente ao comitente é que este credita a L..... no montante correspondente ao valor da comissão, creditando em conta bancária da L..... este valor.

13.Neste triângulo a L..... só se certifica que o negócio se efetuou quando vê comprovado o crédito em conta, montante este transferido pelo comitente.

14. A Aplicação das normas do CIVA e do RITI às transações comerciais efetuadas pelo comitente, pela recorrente L..... como comissário e pelo cliente.

14.Cabe agora subsumir os factos constantes da transação comercial referenciada no ponto anterior destas alegações, às normas do CIVA e do RITI aplicáveis aos mesmos.

Assim:

c)Normas do CIVA e do RITI aplicáveis aos factos económicos constantes da transação comercial entre o comitente e o cliente.

15. As transmissões de bens faturadas pelo comitente ao cliente, onde está incluído no valor tributável a comissão da L....., seguem as normas do Regime do IVA nas Transações intracomunitárias (RITI), nomeadamente a alínea a) do seu n.º 1, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 290/92, de 28 de Dezembro.

16.Por força do RITI estas operações são localizadas e tributadas em Portugal.

c) Normas do CIVA e do RITI aplicáveis aos factos económicos constantes da transação comercial entre o comitente e o comissário L......

17.No que concerne aos serviços de intermediação da L....., sociedade portuguesa, relativamente ao comitente, sociedade comunitária/não portuguesa, há que atender ao expresso no artigo 6.º ns.º 17 e 18 do CIVA que referem em conjugação que a prestação de serviços de intermediação (comitente/comissário) que se relacionem com operações tributáveis no âmbito intracomunitário (comitente/cliente), "não será tributada no território nacional quando o adquirente da prestação de serviços de intermediação seja um sujeito passivo registado, para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado, em outro Estado membro e que tenha utilizado o respetivo número de identificação para efetuar a aquisição." (segunda parte do artigo 6.º n.º 18 do CIVA)

18.Nos termos da segunda parte do n.º 18 do artigo 6.º do CIVA, para que a operação de intermediação efetuada por uma sociedade portuguesa (comissário), sendo o comitente uma sociedade (não portuguesa) de um Estado membro e o cliente uma sociedade portuguesa, não seja tributável (localizada) em Portugal é necessário que se verifiquem cumulativamente dois requisitos:

19.Primeiro requisito: O adquirente da prestação de serviços de intermediação seja um sujeito passivo registado em outro Estado membro para efeitos de IVA.

E Segundo requisito: O mesmo sujeito passivo registado em outro Estado membro para efeitos de IVA tenha utilizado o respetivo n.º de identificação para efetuar a aquisição da prestação de serviço.

19. A. No caso em apreço, são estes dois requisitos e tão-somente estes dois requisitos que a Lei Portuguesa exige para que as operações de intermediação em análise não sejam tributáveis em Portugal.

20.Não sendo tributáveis em Portugal as mesmas operações de intermediação, nos termos expostos, significa que não estão sujeitas ao CIVA e ao RITI. Caso os dois requisitos expostos se verifiquem, conduzem a uma situação de não sujeição - (não tributação no território nacional, nos termos escritos na norma em análise)- ao CIVA e RITI -(diplomas que correspondem exclusivamente à área de jurisdição e soberanias de Portugal)- das operações de intermediação da L......

21.Uma situação de não sujeição significa que a prestação de serviços do comissário está fora do âmbito de incidência do imposto, neste caso do IVA.

D: Análise da posição da Administração Fiscal referente aos pedidos de reembolso da L..... no período que vai de Fevereiro de 1987 inclusive até Fevereiro de 1999 exclusive.

22. Perante os documentos analisados pela Administração Fiscal no período de Fevereiro de 1987 inclusive até Fevereiro de 1999 exclusive, chegou este e bem à conclusão que todos os requisitos necessários para que os pedidos de reembolso por parte da L..... fossem deferidos se encontravam verificados. (Cf. Pontos II e III da alínea b) do n.º1 do artigo 20.º do CIVA que conferem ao comissário nestes casos, o direito à dedução do IVA suportado a montante.)

23.Primeiro requisito verificado: O adquirente da prestação de serviços de intermediação era um sujeito passivo registado em outro Estado membro para efeitos de IVA.

Segundo requisito verificado: O mesmo sujeito passivo registado em outro Estado membro para efeitos de IVA tinha utilizado o respetivo n.º de identificação para efetuar a aquisição da prestação de serviço.

24.Os documentos exibidos pela L..... aquando das inspeções tributárias a que foi sujeitas e necessárias ao deferimento do reembolso comprovaram plenamente o preenchimento dos dois requisitos explanados.

A fatura do comitente para o cliente, cuja cópia foi sempre exibida pela L..... no âmbito inspetivo, exibiu sempre o n.º de identificação do comitente.

25.Tendo-se conhecimento deste número na fatura referida supra e do nome da sociedade comercial não portuguesa, mas comunitária, estava feita a prova de que o comitente e adquirente da prestação de serviço de intermediação: Era um sujeito passivo registado em outro Estado membro para efeitos de IVA. E o mesmo sujeito passivo tinha utilizado o respetivo n.º de identificação para efetuar a aquisição da prestação de serviço, cujo valor da mesma vinha incluído na respetiva fatura. (Sendo este requisito complementarmente comprovado pelo documento bancário comprovativo do crédito em conta.)

E: A mudança de posição da Administração Fiscal em Fevereiro de 1999, referente ao pedido de reembolso da L....., posição esta sancionada no Tribunal A quo.

26. Em Fevereiro de 1999 a L..... pediu novo reembolso, sendo este negado pela Administração Fiscal pelas razões que se tornam a apontar.

27.Refere o respetivo relatório da Administração Fiscal:

"o sujeito passivo presta serviços de intermediação porém não emite fatura ou documento equivalente. Dado que os serviços de intermediação estão subjacentes a aquisições de bens intracomunitários, logo operações tributáveis no território nacional então, o local de tributação dos serviços prestados pelo intermediário segue a regra de tributação das operações a que dizem respeito.

Como não há emissão de documento pela prestação de serviços e concomitantemente o adquirente dos serviços não fornece o seu nº de identificação fiscal na aquisição dos mesmos serviços, então não há lugar à derrogação dessa regra e como tal o adquirente dos serviços não poderá proceder ao "reverse charge". Assim dado que os adquirentes não estão identificados para efeitos do IVA noutro Estado membro há falta de liquidação de IVA no montante de 14.857.614$. (...)”.

28.Refere no mesmo sentido a sentença do Tribunal A quo:

“Ora, não havendo emissão de fatura pela impugnante e, não decorrendo dos autos que o adquirente dos bens e serviços tenha fornecido o seu número de identificação fiscal noutro Estado membro, aquando da aquisição desses serviços, não poderá haver lugar ao “reverse charge".

F: Demonstração da errónea posição da Administração Fiscal referente ao pedido de reembolso da L..... em Fevereiro de 1999, e da errónea decisão do Tribunal A quo em não anular os atos tributários de liquidação impugnados.

29.Referem ambas, relatório da Administração Fiscal e sentença do Tribunal A quo que: A L..... comissária não emitiu fatura ou documento equivalente pelos serviços de intermediação prestados ao comitente. E que o comitente não forneceu na aquisição dos serviços de intermediação o seu número de identificação fiscal.

30.Consequentemente o comitente não poderia proceder ao reverse charge. (termo que designa as situações em que um adquirente de um bem ao serviço se substitui ao prestador ou ao vendedor na liquidação do imposto)

31.Do exposto, só interessa saber se está, ou não está provado, que o comissário forneceu, ou não, o seu nº de identificação na aquisição dos serviços de intermediação do comissário L....., pois em caso afirmativo a fattispecie da norma constante do n.º 18 do artigo 6.º do CIVA, segunda parte, encontra-se preenchida, não se prevendo na mesma norma qualquer emissão de fatura por parte do comissário. (note-se que está vedada ao intérprete de direito fiscal o recurso à analogia.)

32, A resposta só pode ser afirmativa: Pelos documentos exibidos pela L..... ficou sempre à Administração Fiscal com pleno conhecimento quem era o comitente intracomunitário e qual o seu n.º de identificação para efetuar as aquisições de prestação de serviços.

33. Como refere um dos relatórios produzido por perito da Administração Fiscal a prova necessária é dada "pelos documentos bancários relativo ao pagamento agregado das comissões pelos clientes estrangeiros e pelas faturas destes aos sujeitos passivos nacionais, na generalidade dos quais se faz referência à L..... como agenciadora da venda(...) "

34. Nos termos expostos, está segura a L..... de ter feita prova integral, aquando de todas as inspeções tributárias, dos requisitos previstos na segunda parte do n. 18 do artigo 6.º do CIVA e que se repetem: Ser o comitente sujeito passivo registado em outro Estado membro para efeitos de IVA e ter este utilizado o respetivo n.º de identificação para efetuar a aquisição da prestação de serviço.

35.Diga-se ainda: A L..... não emitiu fatura ou documento equivalente pelos serviços de intermediação prestados ao comitente, nem tinha obrigação de emitir porquanto a sua prestação de serviços, nos termos expostos, não está sujeita ao CIVA, nomeadamente o artigo 28.º n.º 1 al b) do mesmo código.

36.Ainda que assim não se entenda, o que só por absurdo se concede, a não emissão de fatura, neste caso, daria apenas lugar a uma coima e não à negação do reembolso.

37.Saber se o comitente pode, ou não, proceder ao reverse charge é matéria que escapa totalmente à competência a Administração Fiscal, e, consequentemente, à sua pronúncia, pois sendo o comitente sociedade não portuguesa é ao respetivo país que cabe definir as regras de aplicação do Imposto Sobre o Valor Acrescentado desse país.

38.Todo o raciocínio ínsito na sentença é erróneo e a ser aplicado conduziria a uma situação não permitida em absoluto pela Sexta Diretiva Comunitária e que é a impossibilidade de numa mesma soberania fiscal possa haver duplas tributações de IVA.

39."O imposto sobre a prestação de serviços do comissário foi já cobrada ao cliente, pois o respetivo preço vem incluído na fatura do comitente”.

40. A seguir-se o raciocínio da sentença significaria que não só o cliente como o comissário estariam sujeitos a imposto pela mesma prestação de serviço.

41.Refira-se que a folhas 73 e seguintes do presente processo, o Ministério Público pronunciou-se pelo procedimento da presente impugnação, através de um texto contendo o seguinte teor:

“(...)

Mantendo-se relativamente às liquidações ora impugnadas o mesmo circunstancialismo que esteve na base da prolação do relatório acima transcrito, não se descortina fundamento para considerar tributáveis as operações em causa.

Pelo exposto, entendemos que a impugnação deve proceder."

G: A violação do princípio de boa-fé da Administração Pública ínsitas na posição da Administração Fiscal e na sentença.

42. A aplicação do princípio Constitucional da Proteção da Confiança ao caso em apreço leva à nulidade dos atos de liquidação adicional da Administração Fiscal, aqui impugnados.

43. O princípio da proteção da confiança, corolário do princípio da boa-fé, remete-nos para a tutela da estabilidade dos atos da Administração Pública, sendo esta estabilidade indispensável à segurança dos cidadãos. (artigo 226.º n.º2 da CRP).

44. Como se pode ler em Acórdão do STA de 4-5-95, Rec. 2410- "A violação do princípio da confiança supõe que um destinatário normal, medianamente avisado e cuidadoso, face a determinada conduta da Administração, possa razoavelmente concluir que esta se auto vinculou a proferir determinada decisão."

45. Durante anos e anos, a Administração Fiscal sancionou o procedimento da L....., aceitando a sua forma de proceder que não incluía a emissão de fatura e sim os documentos referidos. (fatura do comitente e documento bancário que comprova o crédito em conta.)

46.De repente a Administração fiscal deixa de sancionar o entendimento a que sempre aderiu e liquida atos adicionais, sem previamente avisar o contribuinte para mudar o procedimento relativo à respetiva atuação.

47. Nos termos de exposto no Acórdão do STA citado, a inflexão da Administração Fiscal no entendimento relativo à problemática em apreço, configura uma violação do princípio da proteção da confiança, sendo por isso as liquidações adicionais decorrentes nulas por ofensa a este princípio constitucional.

48. Não tem razão o Tribunal A quo quando refere a fls. 9. que:

(...)

"Para que se possa, válida e relevantemente, invocar tal princípio é necessário que o interessado em causa não o pretenda alicerçar apenas na sua mera convicção psicológica, antes se impondo a enunciação de sinais externos produzidos pela Administração suficientemente concludentes para uma destinatário normal e, onde se possa razoavelmente ancorar a invocada confiança, o que manifestamente não resulta dos elementos carreados pelo impugnante. (…)

49.Os sinais externos de que fala a sentença são os factos descritos pelo impugnante/recorrente e que se traduzem numa inflexão súbita da posição da Administração fiscal contrária ao entendimento que sempre tinha perfilhado, liquidando de imediato atos tributários adicionais, sem permitir ao contribuinte adaptar-se a este se novo entendimento.

50.Entende a recorrente, nos termos expostos, estes factos violam o princípio constitucional da boa-fé podendo nomeadamente conduzir a Administração Fiscal com este procedimento uma sociedade à falência.

51.Refira-se ainda que todos os atos impugnados nesse processo não estão consolidados na ordem jurídica, pela que a asserção contida no quinto parágrafo da página 9 da sentença não tem aqui acolhimento.

Nestes termos e nos demais de direito deve a sentença do Tribunal A Quo ser revogada pelo Tribunal Ad Quem e consequentemente serem anulados os atos tributários impugnados, por errónea qualificação dos factos tributários, nos termos do artigo 99.º alínea a) do CPPT, porquanto:

A prestação de serviços da recorrente comissária não é tributável em Portugal, nos termos do artigo 6.º nºs 16 e 17 do CIVA, tendo a sentença feito errónea interpretação deste normativo.

Para além disso, a atuação da Administração Fiscal violou o princípio constitucional da boa-fé, nos termos do artigo 226.º, n.º2 da CRP, levando à nulidade de todas os atos tributários impugnados.”


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A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.

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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul proferiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Compulsados os autos e analisada a prova documental e testemunhal apresentadas, encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão:

1. A impugnante exerce a atividade de "Agente por Comércio por grosso misto, sem predominância", atua no mercado nacional como agente de vendas e representante de negócios de empresas sediadas em países terceiros e comunitários - cfr. fls. 42 a 49 do processo de reclamação em apenso aos autos;

2. Por cada operação, os proveitos auferidos pela L.....,Lda. são documentalmente suportados por: i) documento bancário; ii) fotocópia da factura, da representada da impugnante, aos clientes nacionais; iii) nota interna que identifica o cliente da impugnante, e que pode identificar ou não, o número de identificação fiscal do mesmo - depoimento da testemunha José Vieira Fartaria;

3. Em cumprimento da Ordem de Serviço n° …..de 13/04/1999, em Maio de 1999, foi efetuada análise ao pedido de reembolso do IVA 99/02 - cfr. fls. 41 a 49 do processo de reclamação em apenso aos autos;

4. Durante a ação inspetiva a impugnante foi notificada para apresentar à AT os seguintes documentos: 1) fotocópia das suas faturas; 2) Extrato da conta "IVA dedutível de Imobilizado" 3) fotocópia dos documentos de suporte (campo 20 da D.P.) dos meses de Julho, Agosto e Dezembro de 1998 e Jan/99; 4) Extrato de c/c da conta "IVA Dedutível de Outros Bens e Serviços" e, 5) fotocópia dos documentos acima de 5.000$00 de imposto processo de reclamação em apenso aos autos;

5. As conclusões dessa análise ao reembolso foram expressas em relatório que sucintamente expressa as seguintes conclusões "(...) a) relativamente à documentação que suporta as suas operações ativas de intermediação em nome e por conta de outrém, verificou-se que o sujeito passivo não emite facturas ou documentos equivalentes, nos termos da al. b), do n° 1, do art. 28° do CIVA e art. 35° do CIVA. Nos termos da al. a) do n° 17 do art. 6.º do CIVA, as prestações de serviços efetuadas por intermediários que intervenham, em nome e por conta de outrem são tributáveis quando as operações a que se refere a intermediação sejam elas próprias tributáveis (...) constata-se que, as operações do sujeito passivo, a que se referem as suas prestações de intermediação, estão localizadas em Portugal (aquisições intracomunitárias) e que o adquirente do serviço não está identificado para efeitos de IVA noutro Estado da comunidade, ou não utilizou o respetivo número de identificação para efetuar aquisições de serviços de intermediação, pelo que as suas operações são tributáveis em território nacional, cabendo ao sujeito passivo a liquidação do imposto, conforme Quadro I":


6. Na referida ação de verificação do pedido de reembolso, os serviços da AT constataram e concluíram, ainda que " b) do sujeito passivo deduziu IVA referente a documentos sem forma legal, conforme Quadro II, que não cumprem os requisitos exigidos pela al. a) do n° 5 do art. 35° do CIVA, nomeadamente no que concerne ao número de identificação fiscal do sujeito passivo, o que constitui uma infração ao disposto no n° 2 do art. 19° do CIVA".





7. O valor total da correção proposta foi de € 15.130.465$00, acrescida de juros compensatórios - cfr. fls. 8 a 17 dos presentes autos;

8. Em 16/11/1999, foram efetuadas as liquidações de IVA e juros compensatórios das correções a que se reporta o ponto anterior, com os n°s …..; …..; …..; …..; …..; …..; …..; …..; ….. - cfr. fls. 8 a 17 dos presentes autos;


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A decisão recorrida fixou como factualidade não provada o seguinte:

“Não se provou que, os clientes da impugnante, os quais emitiram fatura da venda dos seus produtos aos clientes nacionais, tenham feito a identificação de que o adquirente dos bens é sujeito passivo registado noutro Estado membro e, tenham para o efeito, utilizado o respetivo número de identificação fiscal.

Não existem outros factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.


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A motivação da matéria de facto fundou-se no seguinte: “A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e expressamente referidos no probatório supra e com base no depoimento da testemunha indicada pela impugnante.

O depoimento da testemunha foi credível pois, encontra-se em consonância com os documentos que instruem os presentes autos.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra os atos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) de 1998 e 1999, nos valores totais de €79.257,50.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença padece de erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, competindo, para o efeito, analisar se, in casu, o Tribunal a quo:

Ø Desconsiderou as premissas base do negócio e que, per se, permitiam a subsunção normativa no artigo 6.º, nº 18 do CIVA e inerente exclusão de tributação da prestação de serviços de intermediação;

Ø Decidiu desacertadamente face à prova carreada para os autos, ou seja, se dos elementos dos autos se retira, de forma segura, o preenchimento dos pressupostos contidos no citado normativo legal;

Ø Incorreu em errónea interpretação do artigo 6.º, nº 18 do CIVA ao entender que a atividade de intermediação obrigava à emissão de uma fatura por parte da Recorrente;

Ø Face a tal asserção, violou o princípio da boa fé e da proteção da confiança.

Vejamos, então, se a decisão recorrida incorreu no alegado erro de julgamento.

A Recorrente defende que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento visto que, não analisou todas as vertentes do negócio por si desenvolvido, o qual envolve três sociedades comerciais, a saber:

- O comitente: Sociedade comercial comunitária não portuguesa que contrata os serviços da L..... para que esta, no mercado português agencie/intermedeie vendas do comitente.
- O cliente: Sociedade comercial portuguesa que compra ao comitente produtos agenciados pela L......
- O comissário: Sociedade comercial portuguesa L..... que agencia/intermedeia produtos do comitente para que este os venda ao cliente.

Sendo que os produtos são faturados diretamente pelo comitente ao cliente, estando a comissão que aufere do comitente faturada na fatura enviada pelo comitente ao cliente, a qual só é recebida após boa cobrança.

Razão pela qual, entende que os serviços de intermediação da L....., relativamente ao comitente, sociedade comunitária, subsumem-se no artigo 6.º ns.º 17 e 18 do CIVA, não sendo, por isso, tributável a operação da Recorrente por, contrariamente, ao defendido pelo Tribunal a quo estarem preenchidos os dois requisitos legais consignados para o efeito, concretamente, o adquirente da prestação de serviços de intermediação seja um sujeito passivo registado em outro Estado membro para efeitos de IVA e o outro pressuposto concatenado com a circunstância do sujeito passivo registado em outro Estado membro para efeitos de IVA ter utilizado o respetivo número de identificação para efetuar a aquisição da prestação de serviço.

Mais sublinha que do teor do normativo 6.º, nº 18 não resulta que tenha de existir qualquer faturação pela Recorrente, sendo que, in casu, face aos documentos exibidos pela L..... à Administração Fiscal ficou com pleno conhecimento quem era o comitente intracomunitário e qual o seu número de identificação para efetuar as aquisições de prestação de serviços.

Ademais, esta sempre foi a posição defendida pela Administração Tributária nos anteriores pedidos de reembolso, sendo que a alteração de postura e enquadramento determina a violação do princípio de boa-fé e da Proteção da Confiança.

De todo o modo, enfatiza que saber se o comitente pode, ou não, proceder ao reverse charge é matéria que escapa totalmente à competência da Administração Fiscal, e, consequentemente, à sua pronúncia, pois sendo o comitente sociedade não portuguesa é ao respetivo país que cabe definir as regras de aplicação do Imposto Sobre o Valor Acrescentado desse país, sendo que a manter-se determina uma dupla tributação.

Apreciando.

O IVA é um imposto plurifásico, que assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir.

Na verdade, o IVA funciona pelo método indireto subtrativo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs.

O IVA incide, em regra, sobre todas as transações económicas efetuadas a título oneroso, constituindo operações tributáveis as transmissões de bens, as prestações de serviços, as importações e as aquisições intracomunitárias de bens, conforme o disposto no artigo 1.º do CIVA.

Dispunha, à data, o citado preceito legal em termos de incidência objetiva que:

“1 - Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado:

a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal;

b) As importações de bens;

c) As operações intracomunitárias efetuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias.”

Preceituando, por seu turno, o artigo 2.º, nº1, alínea a), em termos de incidência subjetiva, que:

“1 - São sujeitos passivos do imposto:

a) As pessoas singulares ou coletivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam atividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas atividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real de IRS e de IRC.”

Mais consignando o citado normativo na alínea e), do nº1 que são, igualmente, sujeitos passivos:

“Os adquirentes dos serviços referidos nos nºs 11, 13, 16, 17, alínea b), e 19 do artigo 6.º, nas condições aí previstas e desde que os respetivos prestadores não tenham, no território nacional, sede, estabelecimento estável ou domicílio a partir do qual o serviço seja prestado”.

Da interpretação conjugada, dos aludidos normativos resulta, assim, um critério real e um critério pessoal, que se exprimem de igual forma, ou seja, no sentido de que são operações tributáveis as efetuadas pelos sujeitos passivos (critério real), sendo sujeitos passivos todos aqueles que efetuam operações tributáveis (critério pessoal).

Ainda, neste âmbito, assume particular relevância o artigo 6.º do CIVA, especificamente os números 17 e 18, os quais preceituavam o seguinte:

“17-Não obstante o disposto no nº4 deste artigo, as prestações de serviços efetuadas por intermediários que intervenham, em nome e por conta de outrem, em operações que não sejam as referidas nos nºs 8, 9, 15 e 16 deste artigo serão tributáveis:

a) Quando as operações que se refere a intermediação sejam elas próprias tributáveis e o adquirente dos serviços de intermediação não seja um sujeito passivo registado, para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado, noutro Estado-membro e que tenha utilizado o respetivo número de identificação fiscal para efetuar a aquisição;

b) Quando, ainda que se situe noutro Estado-membro o local de tributação das operações a que a intermediação se refere, o adquirente desta prestação de serviços seja um sujeito passivo do imposto sobre o valor acrescentado, dos referidos nas alíneas a) e d) do nº1 do artigo 2.º, registado em imposto sobre o valor acrescentado e que tenha utilizado o respetivo número de identificação para efetuar a aquisição.

18. A prestação de serviços efetuada por um intermediário que aja, em nome e por conta de outrem, nos casos referidos no nº 15 e na alínea a) do nº 17 deste artigo, não será tributável quando o adquirente da prestação de serviços de intermediação seja um sujeito passivo registado, para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado, em outro Estado-membro e que tenha utilizado o respetivo número de identificação para efetuar a aquisição.”

O regime constante no citado normativo aplica-se, assim, às operações de intermediação relacionadas, designadamente, com transmissões de bens, aquisições intracomunitárias de bens, locação de meios de transporte, prestações de serviço que não sejam as relacionadas com transportes intracomunitários e prestações de serviços contempladas nas alíneas b) a d) dos nºs 5 e 6 do artigo 6.º.

Com efeito, as aludidas operações de intermediação consideram-se localizadas, donde, tributáveis em Portugal quando as operações a que se refere a intermediação sejam elas próprias localizadas/tributáveis em Portugal.

Porém, como visto, existem derrogações a este princípio geral. Dir-se-á, portanto, que as operações de intermediação supra evidenciadas não são objeto de tributação em Portugal, ainda que as operações a que se refere a intermediação sejam elas próprias tributáveis em Portugal, desde que o seu adquirente seja um passivo registado para efeitos de IVA noutro Estado-membro e que tenha utilizado o respetivo número de identificação fiscal para efetuar a aquisição. Conforme resulta expresso do citado artigo 6.º, nº 18, neste caso, as operações de intermediação consideram-se localizadas, donde, tributáveis no território desse Estado-membro.

Conforme doutrina Emanuel Vidal Lima (1), em anotação ao artigo 6.º, nº 17, do CIVA, se:

“O adquirente dos serviços de intermediação é um sujeito passivo estabelecido noutro Estado-membro que não Portugal e fornece o seu número de identificação fiscal para adquirir esses serviços-a operação não será tributada no território nacional, cabendo ao adquirente dos serviços a liquidação do imposto no Estado-membro da sua identificação (reverse charge).

O adquirente dos serviços não fornece o seu número de identificação fiscal ou porque é um particular ou é um residente num país terceiro-a intermediação (comissão) será tributada no Estado-membro onde se localizar a operação a que diz respeito a intermediação, isto é, se a operação for localizada/tributada no território nacional, a respectiva intermediação será aqui tributada, cabendo, neste caso, ao prestador de serviços (comissionista) a liquidação do respectivo imposto à taxa normal.”

Visto o direito que releva para o caso dos autos, e atentando no recorte probatório dos autos não se afigura que o Tribunal a quo tenha incorrido no aludido erro de julgamento.

Vejamos, então, porque assim o entendemos.

No âmbito da ação de Inspeção Tributária de que foi alvo na sequência de pedido de reembolso ao IVA do período de 99/02, e após cabal pedido de esclarecimentos e elementos, tendo a Entidade Fiscalizadora concluído que: “relativamente à documentação que suporta as suas operações ativas de intermediação em nome e por conta de outrém, verificou-se que o sujeito passivo não emite facturas ou documentos equivalentes, nos termos da al. b), do n° 1, do art. 28° do CIVA e art. 35° do CIVA.”

Materializando, depois, que “Nos termos da al. a) do n° 17 do art. 6.º do CIVA, as prestações de serviços efetuadas por intermediários que intervenham, em nome e por conta de outrem são tributáveis quando as operações a que se refere a intermediação sejam elas próprias tributáveis (...) constata-se que, as operações do sujeito passivo, a que se referem as suas prestações de intermediação, estão localizadas em Portugal (aquisições intracomunitárias) e que o adquirente do serviço não está identificado para efeitos de IVA noutro Estado da comunidade, ou não utilizou o respetivo número de identificação para efetuar aquisições de serviços de intermediação, pelo que as suas operações são tributáveis em território nacional, cabendo ao sujeito passivo a liquidação do imposto”

E, de facto, face à factualidade constante dos autos não se vislumbra que o Tribunal a quo pudesse ter decidido de outra forma.

Senão vejamos.

Do acervo fático dos autos -sublinhe-se não impugnado- resulta que a Recorrente exerce a atividade de "Agente por Comércio por grosso misto, sem predominância", atuando no mercado nacional como agente de vendas e representante de negócios de empresas sediadas em países terceiros e comunitários.

Dimanando, igualmente, assente que por cada operação, os proveitos auferidos pela Recorrente são documentalmente suportados por: i) documento bancário; ii) fotocópia da fatura, da representada da impugnante, aos clientes nacionais; iii) nota interna que identifica o cliente da impugnante, e que pode identificar ou não, o número de identificação fiscal do mesmo.

Constando, de forma expressa na factualidade não provada que “não se provou que, os clientes da impugnante, os quais emitiram fatura da venda dos seus produtos aos clientes nacionais, tenham feito a identificação de que o adquirente dos bens é sujeito passivo registado noutro Estado membro e, tenham para o efeito, utilizado o respetivo número de identificação fiscal.”

Consignando-se, igualmente, de forma clara e inequívoca que tal asserção resultou do teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e expressamente referidos no probatório supra e com base no depoimento da testemunha indicada pela Recorrente.

Ora, face ao supra aludido outra não poderia ter sido a decisão do Tribunal a quo. Note-se que a Recorrente não impugna a aludida matéria de facto, não se insurgindo, designadamente, com o facto não provado a que supra fizemos alusão, limitando-se, tão-só, com juízos conclusivos e sem a devida substanciação fática, a evidenciar que dos elementos carreados é inequívoco que o adquirente forneceu o seu número de identificação, donde, a tributação ter-se-á de concretizar na esfera do adquirente.

Com efeito, competia à Recorrente demonstrar de forma expressa e inequívoca, todas as premissas base do seu raciocínio o que não logrou fazer no caso vertente. É certo que, como visto, no ponto 2 do probatório consta que, no âmbito da sua atividade os proveitos estão suportados por documento bancário, fotocópia da fatura, da representada da impugnante, aos clientes nacionais e nota interna que identifica o cliente da impugnante, porém, como é bom de ver, a redação de tal facto é genérica, permitindo, apenas, sustentar que, regra geral, os proveitos são suportados com os aludidos documentos, nada permitindo inferir quanto à realidade específica e concreta que releva para os autos. Ademais, o aludido ponto do probatório permite, igualmente, inferir que, nem sempre, a própria nota interna faz alusão ao número de identificação.

De todo o modo, o que, efetivamente, releva e contrariamente ao evidenciado pela Recorrente é que a mesma estava obrigada à emissão de fatura, visto que nos encontramos perante uma prestação de serviços de intermediação efetuada a título oneroso, em nada relevando, neste e para este efeito a alusão à ratio do artigo 6.º, do CIVA.

Com efeito, e no sentido preconizado pelo Tribunal a quo, se “[n]os exercícios em causa, a impugnante não emitiu facturas pelas comissões que auferiu, sendo certo que os documentos que suportam as correções referem-se apenas às faturas emitidas pelo fornecedor dos bens às empresas nacionais, i.e., dizem respeito às aquisições de bens de países comunitários por empresas portuguesas, pelo que o local de prestação de serviços pelo intermediário (impugnante) é Portugal.

Ora, não havendo emissão de factura pela impugnante e, não decorrendo dos autos que o adquirente dos bens e serviços tenha fornecido o seu número de identificação fiscal noutro Estado membro, aquando da aquisição desses serviços, não poderá haver lugar ao "reverse charge".

Razão pela qual, nenhuma censura pode ser apontada ao sentenciado no sentido de que ”[l]ocalizando-se as operações de intermediação em Portugal e, não fazendo a impugnante prova na fase inspetiva, nem nos presentes autos que o adquirente dos serviços está identificado noutro Estado membro da Comunidade ou que não utilizou o respetivo número de identificação para efetuar a aquisição de serviços de intermediação, estas operações consideram-se localizadas em território português e por isso, estão sujeitas a IVA.”

Neste particular, importa chamar à colação o lapidar entendimento de Clotilde Celorico Palma (2) e que infra se transcreve na parte que releva para os autos:

“De acordo com a excepção às excepções, ainda que haja uma regra especial para certas prestações de serviços (que representa uma excepção à regra geral), esta regra é afastada sempre que, grosso modo, o adquirente utilize o seu número de identificação fiscal para efeitos de IVA de um outro Estado membro, situação em que a operação será tributável nesse outro Estado membro (n.ºs 9, 11, 12, 13, 14, 16, 17, 19 e 20 do art.º 6.º) .

São tributáveis de acordo com esta regra as seguintes prestações de serviços: (…)

Serviços de intermediários que intervenham em nome e por conta de outrem no fornecimento dos serviços supra enunciados

De notar que nestes casos o adquirente dos serviços se torna sujeito passivo do imposto, ocorrendo o fenómeno do reverse charge, da reversão da dívida tributária ou da inversão da sujeição.

Assim, os adquirentes dos referidos serviços são qualificados como sujeitos passivos do imposto no art.º 2.º, alínea a) in fine, bem como nas respectivas alíneas e) e f). Nestes termos, incumbirá ao sujeito passivo adquirente declarar a prática da operação, proceder à respectiva facturação e liquidar e deduzir o IVA, de acordo com o disposto no art.º 19.º, nº1, alínea c).”

Face a todo o exposto, atendendo à prova carreada para os presentes autos, nenhuma censura pode ser apontado ao juízo de entendimento do Tribunal a quo, visto que não se encontra preenchido o pressuposto que permitia atuar a inversão da sujeição na esfera do adquirente, sendo que, como visto, a derrogação da tributação só ocorre quando o adquirente dos serviços de intermediação fornece o seu número de identificação, o que, como visto, não sucede no caso vertente.

Com efeito, como aduz Patrícia Noiret da Cunha (3) “A regra de localização dos serviços prestados por intermediários-n.°s 17 e ss -segue, em princípio, a mesma regra de localização das operações a que dizem respeito, a não ser que o adquirente dos serviços seja um sujeito passivo registado em imposto sobre o valor acrescentado e devidamente identificado como tal.”

Conclui-se, assim, que as prestações de intermediação em contenda estão localizadas em território nacional, devendo, por isso, ser objeto de tributação em Portugal.

In fine, e face a todo o exposto, e tendo por base, desde logo, a matéria de facto dos autos e bem assim a inexistência de emissão de qualquer fatura por parte da Recorrente carece de qualquer relevância a alegada existência de duplicação de tributação.

No concernente à alegada violação dos princípios constitucionais, importa relevar que não pode lograr provimento a esteira de entendimento da Recorrente quando advoga que a manutenção de tal ótica de valoração determina a violação do princípio da boa-fé e da confiança.

E isto porque, o deferimento de pedidos de reembolso de IVA em períodos transatos, não permite, de todo, assumir e criar uma legítima expetativa que em pedidos subsequentes será adotada idêntica conduta. Até porque, como é bom de ver, cada período de reembolso de imposto implica uma análise específica e totalmente casuística das operações nela constantes, não podendo fazer-se uma extrapolação e requerer-se cominações idênticas.

De relevar, neste particular, que “a boa fé em sentido jurídico corresponde a uma válida fé, ou seja, a uma confiança válida aos olhos do direito. Incorpora, pois, o valor ético social da confiança. No entanto, apenas quando se trata de uma confiança legítima poderemos reconduzir a tutela da confiança a um corolário da boa fé.(4) “

Neste âmbito importa chamar à colação o Aresto do STA, proferido no processo nº 01188/02, de 18 de junho de 2003, extratando-se o seu sumário, na parte que para os autos releva, como se transcreve:

“III-O princípio da boa fé assume-se como um dos princípios gerais que servem de fundamento ao ordenamento jurídico.

IV - Tal princípio apresenta-se como um dos limites da actividade discricionária da Administração.

V - Um dos corolários do principio da boa-fé consiste no principio da protecção da confiança legitima, incorporando a boa-fé o valor ético da confiança.

VI - A exigência da protecção da confiança é também uma decorrência do principio da segurança jurídica, imanente ao principio do Estado de Direito.

VII - Contudo, a aplicação do principio da protecção da confiança está dependente de vários pressupostos, desde logo, o que se prende com a necessidade de se ter de estar em face de uma confiança "legítima" o que passa, em especial, pela sua adequação ao Direito, não podendo invocar-se a violação do principio da confiança quando este radique num acto anterior claramente ilegal, sendo tal ilegalidade perceptível por aquele que pretenda invocar em seu favor o referido principio.

VIII - Por outro lado, para que se possa, válida e relevantemente, invocar tal principio é necessário ainda que o interessado em causa não o pretenda alicerçar apenas, na sua mera convicção psicológica, antes se impondo a enunciação de sinais exteriores produzidos pela Administração suficientemente concludentes para um destinatário normal e onde seja razoável ancorar a invocada confiança.

IX - As meras expectativas fácticas não são juridicamente tuteladas.

X - O cuidado e as precauções a exigir da parte que reivindica a protecção da sua boa-fé serão tanto maiores quanto mais avultados forem os investimentos feitos com base na confiança, já que se não pretende tutelar o "excesso de confiança". (destaques e sublinhados nossos).

Ora, tendo por base os aludidos conceitos, não pode lograr provimento a esteira de argumentação da Recorrente, visto que a atuação da Administração Tributária não é reveladora de um qualquer seu propósito de definir a situação jurídica para o futuro, ou seja, como é bom de ver, o deferimento de um pedido de reembolso num período anterior não permite, de todo, antever que num outro período temporal posterior e mediante operações diferentes, possa acarretar igual deferimento, donde, sem qualquer expetativa legítima de liquidação adicional de imposto.

No caso dos autos, como é de ver, a conduta da Administração Tributária, objetivamente considerada, não é de molde a justificar noutrem a convicção fundada e aquisição de uma legítima expetativa, não se podendo, assim, retirar da dita conduta, direta ou indiretamente, a intenção da mesma se encontrar vinculada a uma determinada atitude no futuro.

Conclui-se, assim, que inexiste uma qualquer vinculatividade jurídico-administrativa das referidas expectativas, tudo se reconduzindo a meras expectativas fácticas, sendo que estas não são juridicamente tuteladas.

Destarte, em face de tudo o que vem sendo dito, nenhuma censura pode ser apontada à decisão recorrida, que, assim, deve ser integralmente confirmada.


***


IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA 2ª SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.
Registe. Notifique.




Lisboa, 07 de maio de 2020

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Tânia Meireles da Cunha)


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(1) IVA anotado e comentado:9ª edição-p.137.
(2) Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado-Almedina, fevereiro 2005:pp. 99, 100 e 101.
(3) IVA-Anotações ao IVA e RITI-ISG:2004, p.176.
(4) Rita Maria Martins Ferraz A Proteção da Confiança: elemento constitutivo do Estado de Direito-FDUP,p.31