Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08128/14
Secção:CT
Data do Acordão:04/14/2016
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA/ IRS/ RENDIMENTOS COMERCIAIS/ PROVEITOS EXTRAORDINÁRIOS
Sumário:1 – A nulidade da sentença por “contradição entre os fundamentos e a decisão”, que é prevista na alínea c) do nº1 do artigo 615º do CPC e incluída no nº1 do artigo 125º do CPPT, verifica-se quando há um vício real na lógica-jurídica que presidiu à sua construção, de tal modo que os fundamentos invocados apontam logicamente num determinado sentido e a decisão tomada vai noutro sentido, oposto ou, pelo menos, diverso.
2 – Convocando o disposto nos artigos 1º, 4º, 31º e 32º do CIRS e, bem assim, os artigos 20º e 21º do CIRC, todos com a redacção aplicável no ano de 1993, há que concluir que, no âmbito da categoria C, ou seja, no âmbito do exercício de uma actividade comercial ou industrial, a consideração de um proveito tem inerente um nexo, uma relação, entre a sua percepção e o exercício de actividade por parte do sujeito passivo tendente à sua obtenção.
3 - No caso concreto, a correcção efectuada, a título de proveitos extraordinários, assentou na consideração de que o proveito correspondente às viagens oferecidas tinha subjacente uma determinada performance do sujeito passivo, um prémio por ter atingido, na sua actividade, um determinado nível de compras ao fornecedor de pneus ofertante, a sociedade Y.
4 - Porém, da prova produzida em Tribunal resultou claro que “o escopo das viagens de que os impugnantes beneficiaram era a apresentação de novos produtos pela sociedade promotora, abordagem de políticas de preços e condições de comercialização, bem como o aconselhamento de estratégias de marketing a seguir por clientes e representantes”, ou seja, que se tratava de uma mera operação publicitária, despida da contrapartida que a AT parece pressupor.
5 – Assim sendo, as viagens em causa não podem ser qualificadas como proveitos do impugnante, o que leva a concluir pelo erro sobre os pressupostos em que se baseou a liquidação impugnada.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por C. e M., contra a liquidação adicional de IRS n.º …, relativa ao ano de 1993, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formula, para tanto, as seguintes conclusões:

a) A douta sentença proferida padece de vício de erro de julgamento, contradição entre a fundamentação e o dispositivo e violação de lei.

b) Constitui pressuposto da tributação, conforme se infere do artº 4° da LGT, a capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património. Este princípio da tributação, pacificamente aceite, em sede de Direito Fiscal, abrange pessoas colectivas e singulares.

c) Considera-se ainda como proveito extraordinário todas as variações patrimoniais positivas não reflectidas no resultado líquido do exercício - cfr. artºs 20° e 21º do CIRC.

d) Na determinação do lucro tributável das actividades comerciais, industriais e agrícolas seguir­se-ão as regras estabelecidas no CIRC, dada, obviamente a sua natureza empresarial e a similitude dos aspectos caracterizadores da actividade desenvolvida pelas empresas, independentemente da forma jurídica que estas assumam. Consideram-se como proveitos os relativos a bens ou valores que façam parte do activo da empresa individual do sujeito passivo ou que estejam afectos às actividades por aquela desenvolvidas.

e) No caso vertente, é dado como provado que o impugnante se dedica ao comércio de peças e acessórios para veículos automóveis, CAE 050300, como empresário em nome individual, tendo, para efeitos de IRS, início de actividade inscrita desde 15.03.1988.

f) Pelo que, tendo-lhe sido oferecidas duas viagens a Honolulu, Hawai, como prémio pelas vendas de pneus alcançadas ou como incentivo a objectivos de vendas, fixados pelo fornecedor, parece inegável, que este proveito, ainda que em espécie, mas perfeitamente quantificado, deve ser imputável à actividade empresarial desenvolvida.

g) Ora e sendo o valor referente às viagens encarado como rendimento na esfera de um determinado sujeito passivo, foi, correspondentemente, considerado como custo fiscal e dedutível, na esfera de quem o suportou, nos termos e para os efeitos do artº 23° do CIRC, a empresa Y. (indispensável à manutenção da fonte produtora).

h) Na construção do conceito de rendimento tributável, contrapõe-se a concepção da fonte, que leva a tributar o fluxo regular de rendimentos ligados às categorias tradicionais da distribuição funcional (rendimento-produto) à concepção do acréscimo patrimonial, que alarga a base da incidência a todo o aumento do poder aquisitivo, incluindo nela as mais valias e de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos (rendimento-acréscimo).

i) A decisão incorre em violação de lei, considerando o disposto nos artº1°, n° 2, 3°, 4°, 22° do CIRS e artº 21° do CIRC, aplicável ex vi artº 32° do CIRS.

j) A natureza de rendimento da atribuição patrimonial feita ao sujeito passivo, resulta de consistir num incremento patrimonial, independentemente do carácter duradouro e permanente da fonte, uma vez que tem um carácter esporádico e ocasional;

k) Foi obtido no âmbito e por causa da actividade do impugnante de comércio de acessórios para automóveis, encarando-se quer como prémio ou contrapartida em virtude do aumento das vendas quer como meio de impulsionar e promover essas mesmas vendas (escopo publicitário e de marketing);

l) Consiste num proveito imputável à categoria de rendimentos empresariais e profissionais do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares.

Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir deve ser dado provimento ao recurso e em consequência ser revogada a decisão recorrida.


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Os Recorridos não apresentaram contra-alegações.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.

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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

A) Em 10/03/1998 os Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária do elaboraram a informação de fls. 31 dos autos com o seguinte teor:

«Assunto: Proposta de fiscalização a remeter aos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária da Direcção Distrital … ….

Decorrente da acção inspectiva levada a efeito à firma "Y., S.A. ", com o NIPC …, para os exercícios de 1993 e 1994, constatou-se pela existência de elevados custos com viagens de incentivo oferecidas aos seus clientes, com destino à Finlândia- no exercício de 1994.

Como tais viagens são oferecidas aos clientes que atinjam determinados valores de compras, estabelecidas previamente pelo fornecedor, afigura-se-nos estarmos em presença de uma situação que deveria ser tributada como proveito extraordinário na esfera do cliente, e consideradas como remuneração em espécie na esfera do utilizador da viagem. Estas viagens de incentivo encontram-se "institucionalizadas" no ramo de comércio de pneus, sendo estas oferecidas pela maioria das marcas comercializadas em território nacional, atingindo na sua globalidade elevados montantes de custos para as empresas que as promovam.

Assim, as empresas a controlar, pelo facto de terem beneficiado de tais viagens são:

A "Y." promoveu no ano de 1993 uma viagem com destino a Honolulu­ Hawai, cujo custo unitário por pessoa foi de 376.882$.

Nota: Na ficha de fiscalização extraída, para o contribuinte a controlar, é evidenciado o n° de Viagens que beneficiou”,

B) Na ficha de fiscalização extraída para o sujeito passivo E., Lda, consta, designadamente, o seguinte:

“No seguimento da informação anexa, salienta-se que o sujeito passivo usufruiu das seguintes viagens: ano de 1993 - 2 viagens -valor a corrigir-753.764$» [cf. fls. 30 dos autos].

C)Em 13/05/1998, a coberto do ofício n° …, foi recepcionado na Direcção de Finanças da … a ficha de fiscalização e a informação a que se referem as alíneas anteriores [cf. fls. 29 e seguintes dos autos].

D)Em 25/06/1998 foi elaborado o documento de correcção DC2 referente à declaração de rendimentos dos ora impugnantes do ano de 1993, tendo sido acrescentado no apuramento do rendimento do anexo C o montante de 753.764$00 e preenchido o campo 21 com o seguinte teor: "Proveito extraordinário (viagens com destino à Finlândia oferecidas pela Y., S.A '') [cf. fls. 26 e 27 dos autos].

E) Em 04/08/1998 o Director de Finanças … … proferiu despacho exarado sobre o formulário de correcções aos rendimentos declarados pelos impugnantes no ano de 1993 com o seguinte teor: “Nos termos dos nºs 4 e 5 do Art.º 66° do CIRS altero os rendimentos declarados com a seguinte fundamentação: Em conformidade com a informação prestada pelo Serviço de inspecção Tributária da qual junto cópia, acresço aos rendimentos da categoria C do S.P.A a importância de 753.764$, referente ao proveito extraordinário de duas viagens oferecidas pela Y., S.A., apurando assim um lucro fiscal total de 2.069.098$00» [cf. fls. 25 dos autos].

F) Os impugnantes foram notificados das alterações aos elementos declarados na declaração de rendimentos do ano de 1993, por carta registada com A/R, assinado em 07/08/1998 [cf. fls.24 dos autos].

G) Com origem nas correcções levadas a efeito e com referência ao ano de 1993, foi efectuada a liquidação adicional de IRS n° …, de 25/09/1998, na importância de 353.131$00, correspondendo 207.040$00 a imposto e o remanescente a Juros Compensatórios, com data limite de pagamento até 30/11/1998 [cf. "print" informático relativo à nota de cobrança, a fls.23 dos autos].

H) A petição inicial de impugnação deu entrada na Repartição de Finanças em 04/11/ 998 [cf. informação de fls. 20 e fls. 2 dos autos].

I) Os impugnantes procederam ao pagamento da liquidação impugnada em 23/11/1998 [informação de fls. 20 dos autos].

J) O impugnante dedicava-se ao comércio de peças e acessórios para veículos automóveis, CAE 050300, como empresário em nome individual, tendo, para efeito de IRS, início de actividade inscrita desde 15/03/1988 [cf. ''print" informático de fls. 19 dos autos].

K) A sociedade E., LDA., tem inscrição no registo de sujeitos passivos de IRC datada de 01/05/1995 [cf. ''print informático de fls.18 dos autos].

L) O escopo das viagens de que os impugnantes beneficiaram era a apresentação de novos produtos pela sociedade promotora, abordagem de políticas de preços e condições de comercialização, bem como o aconselhamento de estratégias de marketing a seguir por clientes e representantes (depoimentos das testemunhas M. e J., fls. 59 e 87).


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Com interesse para a decisão nada mais se provou, designadamente, não se provou que as viagens em causa nos autos tenham sido oferecidas ao impugnante por ter atingindo determinados valores de compras.

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Motivação: A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico dos documentos juntos aos autos e nos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas.

As testemunhas prestaram depoimento com sólida razão de ciência, uma vez que são, ou eram, a primeira, o Director Comercial da sociedade promotora (Y.) e a segunda, representante em Portugal da referida sociedade”.


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2.2. De direito

Está em causa a sentença do TAF de Castelo Branco que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRS de 1993 relativa aos sujeitos passivos C. e M., ora Recorridos.

Tal liquidação resultou da alteração aos rendimentos da categoria C declarados pelo impugnante marido em sede de IRS, do ano de 1993, concretamente do acréscimo da quantia de 753.764$00, com fundamento na verificação de um proveito extraordinário correspondente a duas viagens oferecidas pela sociedade ''Y., S.A".

Para julgar procedente a impugnação e anular a liquidação adicional sindicada, o Mmo. Juiz a quo alinhou o seguinte discurso argumentativo que, no essencial e no que para o caso releva, se reproduz seguidamente:

“(…)

O Imposto sobre o Rendimento da Pessoas Singulares (IRS) foi introduzido no sistema fiscal português pelo Decreto-Lei n° 442-A/88 de 30 de Novembro, que aprovou o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

O artigo 1° do CIRS, na redacção anterior à Lei 109-B/2001 de 27/12, dispunha nos seguintes termos:

"1- O Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias seguintes, depois de efectuadas as correspondentes deduções e abatimentos:

Categoria A - Rendimentos do trabalho dependente;

Categoria B - Rendimentos do trabalho independente;

Categoria C - Rendimentos comerciais e industriais;

Categoria D - Rendimentos agrícolas;

Categoria E - Rendimentos de capitais; Categoria F -Rendimentos prediais; Categoria G - Mais-valias;

Categoria H - Pensões;

Categoria I - Outros rendimentos.

2- Os rendimentos, quer em dinheiro, quer em espécie, ficam sujeitos a tributação, seja qual for o local onde se obtenham, a moeda e a forma por que sejam auferidos."

No caso dos autos, a Administração Fiscal não fez o enquadramento normativo do facto tributário.

No Direito Fiscal vigora o princípio da tipicidade, segundo o qual não haverá tributação que não corresponda a uma definição legal, a um tipo legal. Ou seja, o facto tributável só existe, como tal, desde que na realidade se verifiquem todos os pressupostos previstos e descritos abstractamente na lei.

E conforme jurisprudência consolidada, sempre que pratique um acto tributário de liquidação com base na existência de determinado facto tributário cabe à Administração Fiscal, de harmonia com os princípios da legalidade e da juridicidade, demonstrar que estão verificados os pressupostos legitimadores da sua actuação [ct:, designadamente, acórdãos do STA de 17/04/2002 no Proc. n° 26635, e de 14/0112004 no Proc. n° 1480/03].

No caso vertente, demonstram os autos que à data da percepção das viagens o impugnante dedicava-se ao comércio de peças e acessórios para veículos automóveis, pelo que a verificação dos pressupostos legais de que depende a tributação deve ser aferida à luz da norma que define os rendimentos da categoria C do IR.S e das normas de determinação do rendimento tributável previstas no CIR.C, por remissão do artigo 31o do CIR.S (na redacção à data vigente).

Dispunha o artigo 4° do CIR.C, na redacção vigente à data dos factos, sob a epígrafe de ''Rendimentos da categoria C", designadamente, o seguinte:

"1- Consideram-se rendimentos comerciais e industriais os lucros imputáveis ao exercício de qualquer actividade comercial, industrial (...)".

Segundo o disposto no artigo 21º do CIR.C, concorrem para a formação do lucro tributável quaisquer variações patrimoniais positivas do património, salvo as expressamente exceptuadas pela lei fiscal.

E nos termos do artigo 20° do CIR.C, consideram-se proveitos ou ganhos os derivados de operações de qualquer natureza em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória.

Resulta dos normativos em referência que a qualificação de um proveito no quadro das actividades empresariais a que se refere a categoria C depende de um nexo de causalidade entre a percepção de um determinado bem por parte do sujeito passivo e o exercício de operações por este desenvolvidas com vista à sua obtenção, em termos de se poder afirmar que aquele é uma consequência imputável ao exercício da sua actividade.

Ora, no caso dos autos, as correcções ao lucro tributável assentam no pressuposto de que as viagens foram oferecidas ao impugnante como prémio de desempenho da actividade, mais concretamente, pelo volume de compras atingido, previamente estabelecido pelo fornecedor.

No entanto, não se encontram demonstrados nos autos os pressupostos objectivos que sustentam a conclusão, não tendo sido produzida qualquer prova nesse sentido.

Ao invés, demonstram os autos que o escopo das viagens era a apresentação de novos produtos pela sociedade promotora, abordagem de políticas de preços e condições de comercialização, bem como o aconselhamento de estratégias de marketing a seguir por clientes e representantes.

Ora, não obstante a existência de relações comerciais entre a sociedade ofertante das viagens e o ora impugnante, a atribuição das referidas viagens com as apontadas finalidades, ou seja, sem corresponder a um resultado derivado das operações comerciais desenvolvidas pelo impugnante, corresponde a uma oferta publicitária ao impugnante enquanto cliente, e não a um proveito imputável ao exercício da sua actividade, e nessa medida não pode o valor de tais viagens ser acrescido ao lucro tributável do impugnante, por não ser essa, certamente, a vontade do legislador.

Concluímos, assim, que as ofertas das viagens em causa nos autos, face ao seu escopo publicitário, não podem ser qualificadas como proveitos para o impugnante, o que implica que o acto de liquidação padece de vicio de violação de lei, por erro sobre os pressupostos, devendo em consequência ser anulado, o que se determinará de seguida”.


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Vejamos, então, tendo presente que, como é entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Em primeiro lugar, sustenta a Fazenda Pública, aqui Recorrente, que a sentença encerra uma contradição entre a fundamentação e o dispositivo.

Sobre esta alegada contradição, sobre aquilo em que a mesma consiste, pouco diz a Fazenda Pública. Em concreto, refere-se, a este propósito, que “incorreu a douta sentença em erro de julgamento, considerando a matéria de facto dada como provada, a fundamentação de direito e a decisão proferida, que evidenciam uma contradição lógica, uma vez que, atenta a factualidade assente e a fundamentação, a decisão teria que ser, necessariamente, outra” (cfr. ponto 22 das alegações).

Vejamos, então, tendo presente o teor da decisão que oportunamente se deixou transcrita e não perdendo de vista que a nulidade da sentença por “contradição entre os fundamentos e a decisão”, que é prevista na alínea c) do nº1 do artigo 615º do CPC e incluída no nº1 do artigo 125º do CPPT, verifica-se quando há um vício real na lógica-jurídica que presidiu à sua construção, de tal modo que os fundamentos invocados apontam logicamente num determinado sentido e a decisão tomada vai noutro sentido, oposto ou, pelo menos, diverso.

No caso, repete-se, a Fazenda Pública entende que a contradição se verifica entre a fundamentação e o decidido, ou seja, admitindo esta tese, dir-se-ia que, num raciocínio lógico do julgador, a fundamentação expendida colide inconciliavelmente com a decisão propriamente dita.

Ora, não cremos que assim seja, sendo certo que, repete-se, a Recorrente também não densifica minimamente em que é que tal contradição se traduz.

Com efeito, da leitura da sentença não se retira que os fundamentos invocados pelo juiz teriam de conduzir necessariamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a um resultado oposto, o que ocorreria se das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele tivesse extraído uma oposta à que, logicamente, deveria ter extraído.

Concretizando, concluiu o Mmo Juiz que a AT não havia demonstrado, como lhe competia, que as viagens em causa haviam sido oferecidas ao impugnante como prémio pelo desempenho da sua actividade comercial, mais concretamente pelo volume de compras atingido em relação ao seu fornecedor de pneus, a sociedade Y.. Ao contrário, o que ficou demonstrado, segundo a sentença, é que as viagens em causa tinham um escopo meramente publicitário, para apresentação de novos produtos”pela sociedade promotora, abordagem de políticas de preços e condições de comercialização, bem como o aconselhamento de estratégias de marketing a seguir por clientes e representantes”, o que, segundo o Tribunal a quo, impede que se estabeleça uma relação entre o pagamento das viagens e o resultado derivado da actividade comercial desenvolvida pelo impugnante, sujeito passivo A.

E, perante tais considerações, fazendo uso dos normativos legais invocados e do circunstancialismo de facto provado, o Mmo Juiz afastou a qualificação dos montantes correspondentes às viagens como sendo proveitos extraordinários sujeitos a IRS (como rendimentos da categoria C do IRS).

Por conseguinte, entendemos que não há aqui qualquer contradição entre a fundamentação e o decidido, pois que o raciocínio seguido pelo juiz a quo – concorde-se ou não – é claro e tendente ao sentido decisório.

Improcedem, pois, as conclusões do recurso nas quais se invocava a nulidade da sentença por contradição entre a fundamentação e a decisão.


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Prosseguindo na análise do recurso, segue-se o erro de julgamento que vem apontado à sentença.

E aqui destacam-se as afirmações constantes das conclusões, nos termos das quais, no essencial, se refere que: a capacidade contributiva é revelada através do rendimento ou da sua utilização e do património; são proveitos extraordinários todas as variações patrimoniais positivas não reflectidas no resultado líquido do exercício (artºs 20° e 21º do CIRC); consideram-se como proveitos os relativos a bens ou valores que façam parte do activo da empresa individual do sujeito passivo ou que estejam afectos às actividades por aquela desenvolvidas; o impugnante dedica-se ao comércio de peças e acessórios para veículos automóveis, CAE 050300, como empresário em nome individual, tendo, para efeitos de IRS, início de actividade inscrita desde 15.03.1988; as viagens oferecidas, como prémio pelas vendas de pneus alcançadas ou como incentivo a objectivos de vendas, fixados pelo fornecedor, são um proveito, ainda que em espécie, mas perfeitamente quantificado, imputável à actividade empresarial desenvolvida; o valor referente às viagens, encarado como rendimento na esfera de um determinado sujeito passivo, foi correspondentemente considerado como custo fiscal, dedutível, na esfera de quem o suportou (a empresa Y.), nos termos e para os efeitos do artº 23° do CIRC.

Inicialmente deixámos transcrita a sentença, naquilo que para aqui interessava, e importa que não a percamos de vista.

Vejamos, então, relembrando que os factos em análise se reportam ao ano de 1993.

Tenhamos presente que a correcção efectuada que veio a originar o IRS adicionalmente liquidado, em sede de categoria C, assenta no entendimento de que as viagens oferecidas pela Y. SA ao sujeito passivo A, enquanto cliente daquela empresa, são um proveito extraordinário da actividade comercial por este exercida. Retira-se da fundamentação do acto que assim é, na perspectiva da AT, porquanto tais viagens são oferecidas aos clientes que atinjam determinados valores de compras, previamente estabelecidas pelo fornecedor.

Assim é esta, e apenas esta, a motivação da correcção efectuada, a qual, porém, os Impugnantes parecem ter apreendido, desde logo porque não invocaram a falta de fundamentação do acto sindicado e esgrimiram diversa argumentação no sentido contrário às pretensões da AT.

Ora, à data dos factos (1993) o impugnante, sujeito passivo A, desenvolvia a actividade de comércio de peças e acessórios para veículos automóveis, enquanto empresário em nome individual, inserindo-se os rendimentos obtidos pelo exercício dessa actividade na Categoria C do IRS – cfr. artigo 1º do CIRS. Esclarecia o nº2 do referido artigo 1º que “os rendimentos, quer em dinheiro, quer em espécie, ficam sujeitos a tributação, seja qual for o local onde se obtenham, a moeda e a forma por que sejam auferidos”.

O artigo 4º do CIRS dispunha sobre os rendimentos considerados comerciais e industriais, concretamente sobre os lucros imputáveis ao exercício de qualquer actividade comercial ou industrial, dispondo o artigo 31º que na determinação do lucro tributável das actividades comerciais se seguem as regras estabelecidas no CIRC, com algumas adaptações previstas no CIRS, designadamente o disposto no nº1 do artigo 32º, nos termos do qual “… só são considerados proveitos e custos os relativos a bens ou a valores que façam parte do activo da empresa individual do sujeito passivo ou que estejam afectos às actividades por aquela desenvolvidas”.

Ora, nos termos do artigo 20º do CIRC, e a propósito dos proveitos ou ganhos, estabelecia-se que “consideram-se proveitos ou ganhos os derivados de operações de qualquer natureza em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, designadamente os resultantes de vendas ou prestações de serviços, descontos, bónus e e abatimentos, comissões e corretagens, rendimentos de imóveis, rendimentos de carácter financeiro, tais como juros, dividendos, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio e prémios de emissão de obrigações, rendimentos da propriedade industrial ou outros análogos, prestações de serviços de carácter científico ou técnico, mais-valias realizadas, indemnizações auferidas, seja a que título for e subsídios ou subvenções de exploração”.

Por seu turno, o artigo 21º, sob a epígrafe Variações patrimoniais positivas, dispunha que concorriam para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não reflectidas no resultado líquido do exercício, excepto as entradas de capital, as mais-valias potenciais ou latentes, os incrementos patrimoniais sujeitos a ISSD e as contribuições do associado ao associante.

Do quadro legal trazido à colação resulta, como a sentença considerou, que, no âmbito da categoria C, ou seja, no âmbito do exercício de uma actividade comercial ou industrial, a consideração de um proveito tem inerente um nexo, uma relação, entre a sua percepção e o exercício de actividade por parte do sujeito passivo tendente à sua obtenção.

Ora, a fundamentação espelhada em sede inspectiva não anda muito longe desta consideração, na medida em que pressupõe que o proveito correspondente às viagens oferecidas tinha subjacente uma determinada performance do sujeito passivo, um prémio por ter atingido, na sua actividade, um determinado nível de compras ao fornecedor de pneus ofertante, a Y. SA.

Ora, no caso dos autos, não esquecendo a declaração fundamentadora do acto impugnado e tendo presente o circunstancialismo provado, pode afirmar-se, com a sentença, que o pressuposto básico da correcção não se mostra demonstrado pela AT.

Em concreto, não se pode afirmar que a AT tenha demonstrado que as viagens em causa tenham sido oferecidas ao impugnante como prémio de desempenho da sua actividade comercial, em concreto pelo nível de compras à Y. ter atingindo um determinado valor previamente estabelecido por este fornecedor; pelo contrário, aliás, É que, para além de a AT não ter feito tal prova – e isso lhe competia, pois sobre si impende o ónus de demonstrar os pressupostos que legitimam a sua pretensão de tributação – deve dizer-se que os impugnantes lograram demonstrar precisamente o contrário daquilo que a AT invocava.

Com efeito, da prova produzida em Tribunal resultou claro (sem que tal tenha sido impugnando pela ora Recorrente) que “o escopo das viagens de que os impugnantes beneficiaram era a apresentação de novos produtos pela sociedade promotora, abordagem de políticas de preços e condições de comercialização, bem como o aconselhamento de estratégias de marketing a seguir por clientes e representantes”, ou seja, que se tratava de uma mera operação publicitária, despida da contrapartida que a AT parece pressupor.

E não se diga, como parece fazer crer a Recorrente, que o simples facto de o valor de tais viagens ter sido considerado, na esfera da sociedade ofertante, um custo indispensável à obtenção dos proveitos ou à manutenção da fonte produtora (nos termos do, então, artigo 23º do CIRC), determina a sua consideração como proveito na esfera do sujeito passivo A que beneficiou de tal viagem. É que, como se percebe, várias são as situações que se podem colocar como hipótese em que a um custo não corresponde obrigatoriamente um proveito de igual montante.

Por conseguinte, a sentença recorrida ao ter concluído que “as ofertas das viagens em causa nos autos, face ao seu escopo publicitário, não podem ser qualificadas como proveitos para o impugnante, o que implica que o acto de liquidação padece de vicio de violação de lei, por erro sobre os pressupostos, devendo em consequência ser anulado, o que se determinará de seguida”, decidiu com acerto, devendo, por isso, ser mantida.

Termos em que, julgando improcedentes as conclusões que vínhamos analisando, há que negar provimento ao recurso.


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3 – DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Sem custas por delas estar isenta a Fazenda Pública (processo instaurado anteriormente a 2004).

Lisboa, 14/04/16


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Bárbara Teles)

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(Pereira Gameiro)