Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2968/12.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/11/2019
Relator:ANA PINHOL
Descritores:RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA;
PRESUNÇÃO DE CULPA;
ÓNUS DE PROVA.
Sumário:I. O artigo 8º do RGIT não consagra qualquer presunção de culpa e, por isso, recai sobre o autor do despacho de reversão o ónus de alegar a culpa do gerente pela insuficiência do património social.

II. O facto de o oponente não ter conseguido ilidir a presunção de culpa que sobre si impendia pela insuficiência do património social para pagamento das dívidas de imposto não contende com o ónus que recaía sobre a Administração Tributária de alegar, logo no acto de reversão, a factualidade demonstrativa da culpa do oponente pela insuficiência do património social para satisfação das dívidas de coimas.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção (Contencioso Tributário) do Tribunal Central Administrativo Sul:


I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA, com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição à execução fiscal, intentada por Nuno .............., na qualidade de revertido da sociedade L......, Lda, contra dívidas provenientes de IVA, IRS, IRC, Imposto de Selo e Coimas, dos anos 2008, 2009 e 2010.

A Recorrente apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:
«-CONCLUSÕES -
1.ln casu, com o devido respeito, que é muito, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos arts. 24.º, n.º 1, ai. b) e 74.º ambos da LGT; art. 8.º do RGIT; art. 342, n.º 1, 349.º e 350.º do CCivil ex vi art. 2.º, al. d) da LGT; art. 248.º, 249° e 250° do CComercial e arts. 64.º, 390°, 405º, 408.º do CSComerciais, assim como ao teor dos factos dados como assentes nas alíneas H), K), L), M), N), W) e X) do segmento fáctico do douto aresto a quo,
2.condimentados com o Princípio da Legalidade, e conjugadamente com a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, para que, see pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA (ln Totum) DA OPOSIÇÃO aduzida pelo Recorrido.
3.maxime, para que melhor se pudesse inferir pela verificação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, mormente pela verificação da prova da culpa do Oponente/Recorrido para a verificação da insuficiência patrimonial da devedora originária para solver a divida exequenda e consequente pela falta de pagamento da divida exequenda sub judice.
4.Pelo que, a Recorrente, com o devido respeito, conclui não ter razão o Tribunal a quo, que julgou num determinado sentido que perante o acervo probatório documental e testemunhal constante e produzido nos autos, a matéria de facto dada como assente, devidamente conjugada com os demais elementos constantes do processo sub judice, não tem a devida correspondência com o modo como as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão a quo, deveriam ter sido interpretadas e aplicadas ao caso vertente.
5.Outrossim, o sobredito "erro de julgamento" (consubstanciado na errada valoração e consideração do acervo probatório constante dos autos, e da errada ilação que o Tribunal retirou dos factos dados como assentes) foi como que causa adequada para que fosse preconizada uma errada interpretação e aplicação do direito ao caso vertente.
6.ln casu, o dissídio das partes reside sobre a questão de saber se a recorrida logrou demonstrar a falta de culpa no incumprimento da dívida exequenda e se logrou ilidir a presunção de culpa que sobre si impende por virtude do estatuído na al. b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT.
7.Com o devido respeito, o qual é muito, o recorrente considera que não foi devidamente valorada a prova produzida nos presentes autos, nem devidamente considerado o facto de não ter sido produzida prova para determinada factologia que carecia irremediavelmente de prova documental a sustentá-la, e não apenas e só os considerandos e constatações retiradas de alguma da prova testemunhal produzida nos presentes autos.
8.Perante uma situação de precariedade financeira, impunha-se uma actuação diligente e criteriosa do recorrido no sentido de garantir os credores da sociedade e a sustentabilidade financeira da mesma, o que passaria, seja por um acordo de pagamento das obrigações vencidas, seja pelo requerimento atempado da insolvência da mesma. ou de um plano de recuperação da mesma.
9.O Oponente, ao ter permitido que dívidas de clientes se avolumassem desde 2006 até 2009, de um montante de 99.457,15 euros, para um montante de 511.671,97 euros em 2009, bem como ao permitir que a dívida (fiscal) exequenda, de IVA IRS, IRC, Imposto de Selo e Coimas, referentes aos anos de 2008, 2009 e 2010, se vencessem, sem serem pagas, e se acumulassem, sucessivamente com juros pelo seu não pagamento continuado e prolongado, sem requerer a sujeição da devedora originária a um processo falimentar, o recorrente não garantiu a solvabilidade da empresa, nem assegurou a garantia patrimonial dos credores da mesma.
10.É sobremaneira relevante desde já salientar e sublinhar que resulta dos itens M) e N) da factualidade dada como assente que a devedora originária instaurou em 27.05.2009 um processo de injunção para recuperação e cobrança de créditos contra outra sociedade, no valor de € 4.771,08 euros.
11.Ora, cotejando aquele facto assente, que consta plasmado no referido item M) daquele segmento fáctico, com o facto assente vertido no item X) do mesmo segmento fáctico, desde logo, se infere que apesar de a divida de clientes de curto prazo à sociedade L......, Lda, em 2009 ascender a € 511.671,97 euros, a única diligência encetada pela devedora originária, para recuperação e cobrança judicial dos seus créditos, em 2009, foi uma acção especial para cumprimento de obrigações emergentes de contratos - (Injunção), contra outra sociedade, no valor de € 4.771,08 euros!
12.Resulta como facto assente o vertido no item N) do segmento fáctico dado como provado, sendo que do mesmo se infere que a devedora originária, em 10.02.2011, instaurou uma acção de processo ordinário contra uma outra sociedade, para recuperação e cobrança de créditos no valor de € 34.114,36 euros.
13.Não obstante, cotejando aquela factualidade vertida no item N) do segmento probatório do aresto a quo, com a factualidade assente e constante do item X) do mesmo segmento fáctico, somos a perfunctoriamente constatar que aquela acção de processo ordinário foi instaurada (10.02.2011), bem para lá do hiato temporal a que se reportam os factos tributários que são objecto da presente lide ( 2008, 2009 e 2010).
14.Ainda no que concerne à factualidade que foi considerada assente do item N) do segmento fáctico da sentença recorrida, se devidamente concatenada com aqueloutra factualidade dada como assente e vertida no item w) do mesmo segmento fáctico, resulta a todas as luzes clarividente que, quando foi intentada a acção de processo ordinário referenciada no item N) do probatório assente, concretamente em 10.02.2011, já o sócio­ gerente, aqui recorrido, não estava no exercício das funções de gerência da sociedade devedora originária "L......, Lda".
15.E assim vai dito, porquanto, considerando o facto assente, contido naquele item W), o aqui recorrido, já havia renunciado à gerência da sociedade devedora originária em 12.12.2010.
16.Pelo que, também por aqui, se constata à saciedade, que para além da referida acção de processo ordinário ter sido instaurada fora do hiato temporal (10.02. 2011) a que se reportam os factos tributários objecto da presente lide (2008, 2009 e 2010), também foi instaurada por alguém que naquela data exercia e detinha, respectivamente, funções e poderes de gerência sob a sociedade devedora originária, que não, certamente, o aqui recorrido!
17.Tão-somente atenta a data da renúncia à gerência da sociedade devedora originária operada pelo recorrido (em 12.12.2010)!
18.Não podemos deixar de chamar à colação o facto que em nada abona e /ou afiança a conduta do recorrido como gerente em exercício de funções da sociedade devedora originária, nos hiatos temporais a que se reporta a factualidade que constitui o objecto da presente lide, no sentido de, em momento algum ter sido diligenciado, atempadamente, pelo Oponente/recorrido, o requerimento a impulsionar o processo falimentar (insolvência) atinente à sociedade devedora originária.
19.E mais censurável é a conduta perpetrada pelo recorrido quando se constata no processo sub judice que houve todo um acervo factual sintomático que já desde 2006 até pelo menos 2009 indiciava fortemente a incapacidade económico-financeira da sociedade devedora originária em fazer face aos seus compromissos e em solver as suas dívidas para com terceiros.
20.Aliás, considerando o facto dado como assente no item X) do probatório assente, vislumbra-se com clarividência que a divida de clientes à devedora originária era em 2006 de € 99.457,15 euros e em 2009 era de € 511.671,97 euros! Pelo que, o avolumar astronómico de tal divida e a sua concomitante atitude omissiva e manifestamente insuficiente para diligenciar na sua cobrança (judicial), nem mesmo, faziam prever o falecimento da predita sociedade.
21.Nesta senda e se não for por mais, atente-se à factualidade vertida no item K) do segmento fáctico dado como assente no douto aresto a quo.
22.Pelo que, retira-se da factualidade ali contida, que a sociedade devedora originária negociou com as finanças um acordo prestacional de um ano (12 meses), a fim de se irem regularizando as situações (divida), tendo pago duas prestações!!!
23.Perdoem-nos o considerando, mas também esta factualidade terá que ser sopesada em absoluto desfavor da actuação preconizada pelo oponente e pela sociedade devedora originária.
24.Mas afinal, quem é que faz um acordo de pagamento a prestações (de um ano, em 12 prestações) de uma dívida ao Estado, e apenas cumpre com o pagamento de duas prestações?
25.Ditam as regras da experiência e da lógica das coisas que, tal vicissitude acontece, quando já se sabe, ab initio que como se usa dizer pela sabedoria popular, que tal acordo de pagamento a prestações, foi feito, como que, já sabendo o Recorrido que, o referido acordo muito serodiamente iria deixar de ser cumprido.
26.O que, inculca a ideia de que o que terá motivado a feitura do predito acordo, por parte do Oponente, terá sido muito provavelmente um desígnio dilatório.
27.Pelo que, era demasiadamente sintomática e patente a necessidade de diligenciar atempadamente no requerimento de abertura do processo de insolvência/falimentar da sociedade devedora originária!
28.Não obstante, e já numa fase demasiadamente patológica e anunciadora da "morte " económico - financeira da sociedade devedora originária, o único impulso que o Oponente, aqui recorrido, cuidou de requerer e concretizar, não foi o do processo de insolvência/falimentar da devedora originária, mas sim o do "abandono" das funções de gerência que o Oponente exercia na sociedade devedora originária.
29."Abandono" aquele que se concretizou com a renúncia à gerência preconizada pelo Oponente em 12.12.2010 (cfr. item w) dos factos assentes).
30.Dissecando o vertido no item L) do segmento fáctico dado como assente no douto aresto a quo, constata-se que o respeitoso Tribunal recorrido deu como assente que a sociedade devedora originária terá intentado diversos processos judiciais, que renegociou a dívida com alguns clientes, reduziu trabalhadores, etc.
31.Todavia, salvaguardado o elevado respeito, o que o douto Tribunal a quo dá como assente é um facto demasiado ambíguo, vago e generalizado, sem a necessária e exigível comprovação concreta e objectivamente identificáveis.
32.Tais como o são os factos vertidos no item M) e N) da factualidade dada como assente. Efectivamente, os únicos processos judiciais que constam concreta e objectivamente provados que foram instaurados pela sociedade devedora originaria são dois (instaurados em 27.05.2009 e 10.02.2011), precisamente, os referenciados nos itens M) e N) da factualidade assente.
33.E não outros quaisquer, englobados na referência genenca (intentou diversos processos) que erradamente o Tribunal a quo faz no item L) aqui sindicado.
34.Em bom rigor, da factualidade dada como assente, não consta, em momento algum, nem em lugar nenhum, referência concreta ao trabalhador ou trabalhadores que foram abrangidos pela alegada redução de trabalhadores preconizada pela devedora originária.
35.Aliás, em bom rigor, mais se trata de uma alegação que não foi individual, objectiva e concretamente comprovada, mas que ainda assim serviu para que o douto Tribunal a quo o fizesse constar no corpo factual dado como assente.
36.Da mesma vicissitude padece a alusão efectuada pelo respeitoso Tribunal a quo no facto assente do item L), quando refere que a sociedade devedora originária renegociou a divida com alguns clientes!
37.Sobremaneira relevante é desde já fazer alusão ao facto de se estar a falar de factualidades (contidas no item L) cuja actividade comprovante deverá ser efectuada mediante prova documental, ainda que conjugada com prova testemunhal.
38.O que, não foi de modo algum efectuado no caso em apreço. Pelo contrário, o meio de prova que aqui foi atendido pelo Tribunal a quo, foram as declarações do próprio Oponente (o principal interessado no desfecho da presente lide) e no depoimento de 2 testemunhas.
39.Ora, no melhor dos rigores, o facto dado como assente, no item H) da factualidade dada como provada no aresto a quo, não tem a virtualidade de per si ilidir a presunção de culpa imputada ao Oponente, e que resulta do estatuído no art. 24.º, n.º 1, al. b) da LGT.
40.E assim vai dito, porquanto o referido Relatório do Sector da Construção em Portugal, relativo a 2009, que terá sido efectuado. em data não apurada, faz alusão ao facto de a partir de 2007 a economia mundial sofreu uma forte contracção em virtude da crise do mercado imobiliário Norte-Americano, da qual Portugal não saiu ileso.
41.Tal acontecimento é considerado como facto notório de que também afectou o referido sector em Portugal.
42.Todavia, e ainda que se conceda de forma vaga e genérica, o facto notório de que aquela crise do mercado imobiliário Norte-Americano também afectou Portugal, a verdade é que o referido relatório, não nos diz, de que forma concreta e objectiva é que aquela crise foi causa adequada para justificar concreta e objectivamente a crise sentida na sociedade devedora originária.
43.Atento tudo o que que supra se expos e explanou relativamente à errada ilação que o respeitoso Tribunal a quo retirou da factualidade dada como assente, somos a concluir que contrariamente ao doutamente vaticinado pelo Areópago a quo, o Oponente não fez tudo o que lhe é e seria legitimamente exigível de forma condizente com a actuação de um gerente diligente.
44.Pelo que, era absolutamente plausível e expectável, atentos os elementos factuais e as condutas levadas acabo pelo Oponente, as quais constam supra explanadas, que em 2009 e 2010 não haveria forma, nem solução para que a devedora originária vingasse economicamente e consequentemente cumprisse com o pagamento das suas dívidas.
45.Muito menos assim se esperaria, se o argumento de que o contrário do aqui exposto se poderia acreditar, em virtude dos créditos que ainda poderiam ser recebidos e as perspectivas de encomendas que se projectavam!
46.Se mais não for, pois que só existem como provadas no processo sub judice a existência de 2 diligências judiciais para cobrança de créditos de que a devedora originária era titular. Sendo uma delas, uma injunção instaurada em 2009 para cobrança de um crédito de € 4.771,08 euros . ..
47.A outra diligência Judicial foi instaurada já para lá do hiato temporal (em 2011) a que se reportam os factos tributários objecto da presente lide e já o Oponente não era sequer gerente da sociedade devedora originária!
48.Como se não bastasse, o recorrido afastou-se da sociedade devedora originária 2010!
49.Sendo que, nem nessa altura o Oponente ponderou ou de alguma forma diligenciou em requerer a insolvência da sociedade com todos os elementos benéficos que tal acarretaria para a mesma e para os seus credores.
50.O que comprova a falta de exercício diligente dos deveres estatutários do gerente por parte do oponente.
51.Pelo que a actuação do recorrido não observou o padrão do gerente criterioso e diligente, constituindo-se como causa do dano da exequente consubstanciado no incumprimento da dívida fiscal exequenda.
52.Em síntese, a culpa do oponente no não pagamento da divida exequenda mostra-se substantivada nos autos, pois que, perante a situação de manifesta insuficiência económica da devedora originária, o mesmo não diligenciou atempadamente no sentido de garantir o cumprimento dos créditos que sobre aquela pendiam, aceitando directa e indirectamente o resultado da falta de pagamento dos mesmos.
53.Posto isto, e verificada e comprovada a culpa do Oponente nos termos supra expostos, nos termos do art. 8.º do RGIT, o processo de execução fiscal da divida de coimas e encargos de contra-ordenação, contrariamente ao que foi doutamente vaticinado pelo respeitoso areópago a quo, não deverá ser considerado extinto e decidir-se pela improcedência deste segmento peticionado na Oposição.
54.Se mais não for, em relação à (prova) da culpa que resulta exigível do preceituado no art. 8.º do RGIT, cumpre desde já sublinhar que a mesma resulta, também, patenteada quanto à presunção de culpa que resulta inerente à natureza dos impostos (IVA, IRC, etc) devidos nos presentes autos.
55.Decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou correctamente a prova produzida, fazendo, por isso, uma errada interpretação e aplicação do direito aos factos, mormente das normas legais supra vazadas ao corpo factual dado como assente.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais.
CONCOMITANTEMENTE,
Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro ato da administração pública, fazer justiça é um ato místico de transcendente significado, o qual poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. Ex.ª assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada JUSTIÇA!»

O Recorrido concluiu do seguinte modo as suas contra alegações (permitimo-nos aqui corrigir o manifesto lapso de escrita: onde se lê: «art. 64º.º do CPC» deve ler-se: «artigo 640.º do CPC»:
«1. Apesar de as alegações e as conclusões de recurso apresentadas pelo Recorrente não serem suficientemente esclarecedoras quanto ao fundamento do mesmo, o Recorrido considera que, tendo sido expressamente requerido que o recurso seja apreciado pelo Tribunal Central Administrativo Sul, o mesmo versará sobre matéria de facto, nos termos do n.º 1 do art. 280.º do CPPT, conjugado com a alínea b) do art. 26.º e alínea a) do art. 38.º do ETAF.
2. Sucede que, no entender do Recorrido, o Recorrente não deu cumprimento ao ónus impugnatório exigido no n.º 1 do art. 640.º do CPC, aplicável por remissão do art. 2.º do CPPT.
3. Lidas e relidas as alegações e conclusões apresentadas pelo Recorrente, o Recorrido só pode concluir que o Recorrente não identificou os “concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” – alínea a) do n.º 1 do art. 64º.º do CPC;
4. não identificou quais os “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” - alíena b) do n.º 1 do art. 64º.º do CPC;
5. nem concretizou qual a “decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” - alínea c) do n.º 1 do art. 64º.º do CPC.
6. Ou seja, o Recorrente não cumpriu com nenhuma das obrigações processuais que sobre si impendiam para efeitos de impugnação da decisão relativa à matéria de facto pelo que a consequência legal de tal incumprimento será, necessariamente, a rejeição do recurso.
7. Como decidiu o Tribunal Central Administrativo Sul no acórdão de 05/03/2015, proc. n.º 08253/14.
8. Sobre este ponto, cumpre referir também o acórdão do STJ, de 19/01/2016, proc. n.º 409/12.7TCGMR.G1.S1.
9. Face ao exposto, considera o Recorrido que o presente recurso deverá ser rejeitado por incumprimento do disposto no art. 640.º do CPC, aplicável por remissão do CPPT.
10. No que se refere às dívidas por coimas, cumpre referir que é inquestionável – até por tal resultar da diferença de redacção das normas em causa – que o regime de repartição do ónus da prova previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT é diverso do previsto no art. 8.º do RGIT.
11. Enquanto na primeira norma indicada o legislador usou a expressão “quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”, o art. 8.º do RGIT utiliza expressões como “quando tiver sido por culpa sua” e “lhes seja imputável a falta de pagamento”.
12. A letra da lei não deixa qualquer margem para dúvidas interpretativas: na alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT o legislador previu um regime de inversão do ónus da prova com presunção de culpa, ao passo que no art. 8.º do RGIT o legislador adoptou o princípio geral de direito – também aplicável em sede tributária, tal como previsto no art. 74.º da LGT – de que o ónus da prova recai sobre quem invoca o direito, neste caso a Autoridade Tributária.
13. E, contrariamente ao que o Recorrente parece querer defender, este ónus da prova não se considera cumprido por referência à presunção de culpa da alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, no sentido de que se o executado não afastar esta presunção de culpa, estaria cumprido pela Autoridade Tributária o ónus que sobre si recai ao abrigo do art.8.º do RGIT.
14. Contrariamente ao que o Recorrente alega, a Autoridade Tributária não alegou nem provou nos autos de execução e no despacho de reversão – nem isso sequer é alegado ou suscitado pelo Recorrente nas suas alegações – quaisquer factos que permitissem à Autoridade Tributária concluir que tinha sido por culpa do ora Recorrido que as coimas não foram pagas ou que a falta de pagamento das mesmas lhe era directamente imputável.
15. Sobre este ponto em concreto, remete-se para o ponto DD) dos factos provados – não posto em causa pelo Recorrente - em que se transcreve a informação que sustenta o despacho de reversão e o fundamenta, sem que no mesmo seja feita qualquer referência concreta à actuação do Recorrente para efeitos de cumprimento do ónus probatório que recaía sobre o órgão exequente, nos termos do art. 8.º do RGIT.
16. Face ao exposto, o recurso interposto deverá ser considerado totalmente improcedente neste segmento, mantendo-se a sentença recorrida.
17. No mais, o Recorrido considera que a sentença proferida não merece qualquer reparo por não padecer de qualquer erro de julgamento, de facto ou de direito.
18. O recurso interposto pelo Recorrente carece, pois, de fundamento e não merecerá provimento, sendo apenas uma última tentativa de responsabilizar o Recorrente por dívidas que legalmente não lhe poderão ser exigidas por falta de verificação dos requisitos legais.
19. No entender do Recorrente, o Recorrido não logrou afastar a presunção de culpa prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, concluindo que “não foi devidamente valorada a prova produzida nos presentes autos, nem devidamente considerado o facto de não ter sido produzida prova documental a sustentá-la, e não apenas e só os considerandos e constatações retiradas de alguma da prova testemunhal produzida nos presentes autos”.
20. Quanto a este ponto em concreto, cumpre referir que em processo tributário são legalmente admissíveis todos os meios de prova, nos termos do n.º 1 do art. 115.º do CPPT, valendo aqui o princípio da livre apreciação da prova a que se refere o n.º 5 do art. 607.º do CPC
21. Embora o Recorrente não identifique, em concreto, quais os factos que, em seu entender, poderiam apenas ser objecto de prova documental, a verdade é que, tal como decidido por este Tribunal Central Administrativo no acórdão de 12/06/2014, proc. n.º 01220/06, “Não se verifica erro manifesto ou grosseiro na apreciação da prova testemunhal quando não há no processo prova documental que corrobore os depoimentos, uma vez que a força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal (art. 396.º do C.C.), salvo se estivermos perante o previsto na 2.ª parte do n.º 5 do art. 607.º, n.º 5 do CPC: “(…) a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
22. Contrariamente ao que o Recorrente parece crer, nenhum dos factos alegados pelo Recorrente carecia em exclusivo de prova documental que, em seu entender, não teria sequer sido produzida. Tanto quanto resulta da factualidade provada e vem expressamente reconhecido pelo Meritíssimo Juiz a quo Relativamente à matéria de facto dada como provada, a convicção do tribunal formou-se a partir da conjugação do exame crítico dos documentos não impugnados (constantes dos autos e dos processos de execução fiscal juntos em apenso), com as declarações do Oponente e dos depoimentos das testemunhas inquiridas, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório”.
23. Nenhum dos factos alegados pelo Recorrente se enquadra na parte final do n.º 5 do art.607.º do CPC pelo que a prova testemunhal e documental produzida foi suficiente e idónea para comprovar o alegado em sede de Oposição e justificar um juízo ilisão da presunção de culpa por parte do Meritíssimo Juiz a quo.
24. É, por isso, totalmente improcedente a alegação efectuada pelo Recorrente quanto à questão de inexistência de elementos probatórios – ainda que, como referido, tal alegação não seja concretizada, em violação do disposto no n.º 1 do art. 640.º do CPC.
25. No entender do Recorrido, terá havido um erro de julgamento porquanto, atenta a situação de precariedade financeira impunha-se ao Recorrente “um acordo de pagamento das obrigações vencidas, seja pelo requerimento atempado da insolvência da mesma ou de um plano de recuperação da mesma”.
26. Numa situação de precariedade financeira, num contexto de crise internacional, o que se exige a um gestor criterioso é a renegociação de dívidas, optimização de recursos, a redução de encargos e a obtenção de outras fontes de receita e / ou financiamento, e não necessariamente de apresentação à insolvência.
27. Ficou provado nos autos que o Recorrente, enquanto gerente da Sociedade, procurou negociar um plano de pagamento das dívidas com a Autoridade Tributária, obteve novas fontes de financiamento bancário, diligenciou na recuperação de créditos sobre clientes, renegociou créditos sobre clientes, reduziu custos de gestão etc.
28. Em face de dificuldades financeiras a insolvência ou apresentação de um pedido de recuperação, com todo o estigma comercial e de reputação que tal acarreta, não é a única forma de recuperar uma empresa.
29. É, por isso, totalmente injustificado e injusto concluir que o Recorrente não actuou como bom gestor por não ter apresentado a Sociedade à insolvência, quando, de facto, tudo fez para que a Sociedade sobrevivesse à crise financeira mundial e nacional.
30. Neste aspecto, e no que se refere em concreto ao ponto N) do elenco de factos provados, nota-se que, não obstante se referir que a acção judicial em causa terá sido intentada a 10/02/2011, por se essa a data que consta da pauta de distribuições juntas, a verdade é que o processo tem o número 332714/10.2YIPRT, correspondendo a um processo iniciado em 2010 (isso mesmo resulta da próprio número de processo).
31. É por isso errado considerar que a acção foi apenas intentada a 10/02/2011 pelo que o facto constante do ponto N) deverá passar a ser:
N) Em data não determinada de 2010, a sociedade L......, LDA deu entrada de um procedimento de injunção contra a sociedade B.............., LDA. Pelo valor de € 34.114,36, a qual deu origem ao processo n.º 332714/10.2YIPRT”.
Improcedem, assim, todas as considerações efectuadas pelo Recorrente nos pontos 12., 13., 14., 15.,16.,17., 32. e 47. das Conclusões de recurso.
32. Quanto aos pontos 22. a 26. das Conclusões, sempre se dirá que o pedido de um plano para pagamento em prestações das dívidas à Autoridade Tributária foi efetuado com a intenção de cumprimento, e tanto assim foi que as prestações iniciais foram cumpridas.
33. O incumprimento de tal plano resultou, apenas, do facto de a Autoridade Tributária ter prosseguido com penhoras e, dessa forma, ter ficado com os recebimentos de clientes, retirando à Sociedade os fundos necessários para manter o plano.
34. Contesta-se, por falso, especulativo, não comprovado e atentatório do bom nome do Recorrente, o alegado no ponto 26. das Conclusões e a imputação de falta de seriedade e de reserva moral que aí é feita pelo Recorrente sem que nada nos autos permita tal ilação.
35. Quanto ao alegado nos pontos 34. a 38. das Conclusões, remete-se para o supra exposto quanto à idoneidade dos meios de prova mencionados pelo Meritíssimo Juiz a quo para comprovação do alegado pelo Recorrente em sede de oposição e à forma de valoração dos mesmos pelo Meritíssimo Juiz a quo, nomeadamente a informação recolhida das IES e que sustentam, grandemente, as alegações do Recorrente e a decisão do Meritíssimo Juiz a quo.
36. Por tudo o que resulta dos autos e não foi aqui contrariado pelo Recorrente, face à factualidade comprovada, outra não poderia ser a decisão do Meritíssimo Juiz a quo que, por isso mesmo, deverá ser mantida.
Nestes termos, deverá o recurso deduzido pelo Recorrente ser rejeitado por incumprimento do ónus de impugnação previsto no art. 640.º do CPC. Caso assim não se entenda, deverá ser negado provimento ao recurso interposto, por não comprovado, assim fazendo este Tribunal a
costumada Justiça

**
O Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso.

**
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

**
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Neste quadro as questões a decidir são as seguintes:
(i) saber se o Tribunal a quo errou na subsunção que fez dos factos ao direito, concretamente ao disposto no artigo 24º, nº1, alínea b) da LGT, o que o levou a, erradamente, considerar que o Oponente logrou demonstrar como lhe competia que não lhe foi imputável a falta de pagamento das dívidas tributárias provenientes de IVA, IRS, IRC e IS;
(ii) saber se o Tribunal a quo errou ao considerar que a Administração Tributária não demonstrou a culpa do Oponente na falta de pagamento das dívidas exequendas subjacentes a coimas fiscais e encargos de contra-ordenação.

**
III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:

«I. FACTOS PROVADOS.
Com relevo para a decisão da causa, considero provados os seguintes factos:
A) Em 06-10-2006 foi constituída a sociedade por quotas L......, LDA, com o objeto social de prestação de serviços de consultadoria, informática, comunicações e publicidade, comércio de equipamentos informáticos e telecomunicações, sendo subcontratada por empresas da construção civil, tendo iniciado a sua atividade em 09-10-2006 (fls. 33 e 36 dos processos de execução fiscal juntos em apenso e declarações do Oponente e depoimento de João ..............);
B) A sociedade L......, LDA obrigava-se com a assinatura de dois gerentes ou de um procurador com poderes para o ato, tendo sido nomeados gerentes o sócio NUNO .............. e JOÃO .............. (fls. 33/verso dos processos de execução fiscal juntos em apenso);
C) Em 22-06-2007, 26-06-2008, 04-12-2009 e 14-07-2010 a sociedade L......, LDA, entregou via internet a Informação Empresarial Simplificada / Declaração Anual – IES/DA - referente aos exercícios de 2006, 2007, 2008 e 2009, respectivamente (fls. 63 a 75, 77 a 89, 90 a 102 e 50 a 62, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido);
D) As prestações de serviços e vendas de mercadorias da sociedade L......, LDA, nos anos de 2006, 2007, 2008 e 2009, ascenderam aos montantes de € 138.514,01, € 1.567.149,39, € 1.053.140,35 e € 889.759,25, respetivamente (conforme declarações IES/DA apresentadas);
E) Em 2008 sociedade L......, LDA encontrava-se sujeita ao regime trimestral de IVA, tendo passado para o regime mensal em 2009 (declarações do Oponente);
F) Em 30-11-2009 foi elaborado o Relatório e Contas da sociedade L......, LDA, referente ao exercício de 2008 (fls. 121 a 127, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido);
G) Com data de 28-07-2011, foi elaborado o Balancete Geral da sociedade L......, LDA, referente ao ano de 2010 (fls. 270 e 271, impugnado), tendo a sociedade L......, LDA entregue em 02-06-2011 a Declaração de Rendimentos de IRC – Modelo 22, relativamente ao ano de 2010 (fls. 172 a 177, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido);
H) Em data não concretamente apurada, foi elaborado o Relatório do Sector da Construção em Portugal, pelo Instituto da Construção e do Imobiliário, IP – INCI, relativo ao ano de 2009, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido (fls. 103 a 120);
I) Em março de 2009, a sociedade L......, LDA contratou a sociedade G.............. a fim de ser realizada uma auditoria à contabilidade (declarações do Oponente e do depoimento de José .............. e João ..............);
J) Em resultado da auditoria realizada, foram apresentadas declarações de IVA de substituição, tendo sido apurado valores de IVA por liquidar (declarações do Oponente e do depoimento de José .............. e João ..............);
K) A sociedade L......, LDA negociou com as Finanças um acordo prestacional, de um ano, a fim de se irem regularizando as situações, tendo pago, pelo menos, duas prestações do acordado (declarações do Oponente e conforme planos de pagamento em prestações e de alterações aos mesmos, elaborados nos processos de execução fiscal especificados a fls. 129 a 143 e a fls. 144 a 147, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido);
L) A sociedade L......, LDA intentou diversos processos judiciais, renegociou a dívida com alguns clientes, reduziu os trabalhadores e aumentou os custos com Fornecimentos e Serviços Externos – FSE (declarações do Oponente e depoimentos de José .............. e de João ..............);
M) Em 27-05-2009 a sociedade L......, LDA intentou uma ação especial para cumprimento de obrigações emergentes de contratos – injunção, nos termos do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01-09, contra a sociedade T.............., SA, no valor de € 4.771,08, a qual foi distribuída sob o número de processo 116280/09.7YIPRT (fls. 179);
N) Em 10-02-2011 a sociedade L......, LDA instaurou ação de processo ordinário contra a sociedade B.............., LDA, pelo valor de € 34.114,36, a qual deu origem ao processo n.º 332714/10.2YIPRT (fls. 178);
O) Em 24-08-2009, o advogado Acácio .............. enviou um e-mail aos gerentes da sociedade L......, LDA, pedindo informação sobre a situação em que se encontrava a relação comercial com a sociedade V.............. (fls. 181, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido);
P) Em 28-05-2010 a advogada Marisa .............. enviou um e-mail para o advogado Acácio .............., com o seguinte teor:
"texto integral no original; imagem"
"texto integral no original; imagem"
(fls. 180);
Q) Em meados de 2008 e 2009 a sociedade L......, LDA negociou uma linha de factoring com a Caixa .............. de quase € 250.000, tendo o M.............. alargado as linhas de crédito, (declarações do Oponente e depoimento de João ..............);
R) Em 08-10-2007 foi celebrado entre CAIXA .............., SA e a sociedade L......, LDA, o contrato de factoring n.º .............., nos termos e cláusulas constantes do documento junto a fls. 271 a 275, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido (impugnado);
S) Em 02-03-2009 o M.............. enviou um e-mail aos gerentes da sociedade L......, LDA, informando que o financiamento de médio e longo prazo se encontrava aprovado de acordo com as cláusulas e condições que aqui se dão como reproduzidas (fls. 128, impugnado);
T) Com data de referência de dezembro de 2010, foi elaborado o mapa com as existências em armazém da sociedade L......, LDA, tendo o valor total de aquisição ascendido a 136.322,20 (fls. 40 a 48, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido);
U) Em 14-06-2011 foi retirado um print do sistema informático da Autoridade Tributária, referente aos veículos automóveis associados ao contribuinte L......, LDA, com o seguinte teor:
"texto integral no original; imagem"
(fls. 49);
V) Sobre o veículo automóvel de matrícula ...-...-... incidia uma reserva de propriedade a favor do BANCO .............., SA (conforme Informação prestada pelo Serviço de Finanças de Lisboa – …, a fls. 136/verso dos processos de execução fiscal juntos em apenso);
W) Em 12-12-2010 o sócio NUNO .............. renunciou à gerência da sociedade L......, LDA (fls. 33/verso dos processos de execução fiscal juntos em apenso e declarações prestadas pelo Oponente);
X) As dívidas de clientes de curto prazo à sociedade L......, LDA ascendiam, em 2006, 2007, 2008 e 2009, aos montantes de € 99.457,15, 566.882,71, 329.665,55 e 511.671,97, respetivamente (conforme declarações IES/DA apresentadas e declarações do Oponente e depoimento de João ..............);
Y) Em 12-11-2008 foi instaurado contra a sociedade L......, LDA o processo de execução fiscal n.º .............., ao qual foram apensados os seguintes processos de execução fiscal, elencados no mapa anexo à Informação prestada, em 27-12-2012, pelo Serviço de Finanças de Lisboa – …:
"texto integral no original; imagem"
"texto integral no original; imagem"
"texto integral no original; imagem"
"texto integral no original; imagem"
(de acordo com a Informação, não impugnada, de fls. 185 a 187 e corroborada pelas autuações dos processos de execução fiscal constantes a fls. 1, 137, 140, 142, 144, 146, 148, 150, 152, 154, 156, 158, 162, 171, 173, 175, 177, 179, 181, 183, 185, 187, 189, 191, 193, 195, 197, 199 e 201, respetivamente, e das correspondentes certidões de dívida constantes de fls. 2 a 4,138 e 139, 141, 143, 145, 147, 149, 151, 153, 155, 157, 159, 163 a 170, 172, 174, 176, 178, 180, 182, 184, 186, 188, 190, 192, 194, 196, 198, 200 e 202 dos processos de execução fiscal juntos em apenso, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido);
Z) Em 12-02-2010 foi autuado, em nome da sociedade L......, LDA e relativamente ao período de 2010, o processo de execução fiscal n.º .............., respeitante a coimas no montante de € 1.010,51 e encargos de € 51,00, na quantia global de € 1.061,15 (fls. 160 e 161 dos processos de execução fiscal juntos em apenso);
AA) AA) Em 21-06-2011 foram retirados prints do sistema informático da Autoridade Tributária, com o detalhe dos processos de execução fiscal mencionados nas alíneas Y e ZZ, contendo, entre outros elementos, os pagamentos efetuados nos mesmos e o montante da dívida na data referida (fls. 148 a 171, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido);
BB) Em 20-12-2010 foi prestada a seguinte Informação no processo de execução fiscal n.º .............., o qual mereceu despacho de “Concordo com o informado. Dilig. Neces.” da respetiva Chefe de Finanças, em 30-12-2010:
"texto integral no original; imagem"


(fls. 32 dos processos de execução fiscal juntos em apenso);
CC) Em 27-01-2011 foram emitidos o despacho e a notificação para audição-prévia (reversão) em nome do Oponente, relativamente aos processos de execução fiscal elencados nas alíneas Y e Z, no montante global de € 170.260,86 (fls. 45 e 47 dos processos de execução fiscal juntos em apenso, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido);
DD) O projeto de reversão invocou o disposto no artigo 24º, n.º 1, alínea b) da LGT e baseou-se nos seguintes fundamentos da reversão:

"texto integral no original; imagem"
(fls. 44 a 46 e 47 dos processos de execução fiscal juntos em apenso);
EE) Em 17-03-2011 foram emitidos o despacho e a citação para reversão, em nome do Oponente, dos processos de execução fiscal mencionados nas alíneas Y e Z (fls. 48 a 52 dos processos de execução fiscal juntos em apenso);
FF) Em 27-06-2011 deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa – … a petição inicial da presente Oposição (conforme carimbo aposto a fls. 5);
GG) Em 11-10-2011 o Serviço de Finanças de Lisboa – … emitiu, no âmbito do processo de execução fiscal n.º .............. e apensos, os ofícios n.º 10087, n.º 10088 e n.º 10089, endereçados às sociedades V.............., SA, B.............., LDA e F.............., LDA, respetivamente, com a notificação da penhora de créditos e outros a favor da sociedade L......, LDA (fls. 113 a 118 dos processos de execução fiscal juntos em apenso);
HH) Em 17-10-2011, a sociedade F.............., LDA endereçou uma carta ao Serviço de Finanças de Lisboa – ..., com o seguinte teor, por extrato:
"texto integral no original; imagem"
(fls. 119 dos processos de execução fiscal juntos em apenso);
II) Em 26-10-2011 a sociedade V.............., SA remeteu um fax ao Serviço de Finanças de Lisboa – …, não reconhecendo a existência de qualquer montante em dívida à sociedade L......, LDA (fls. 124 e 125 dos processos de execução fiscal juntos em apenso, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido);
JJ) JJ) Em 10-11-2011 o Serviço de Finanças de Lisboa – … prestou Informação no processo de execução fiscal n.º .............. e apensos, cujo teor se transcreve parcialmente:
"texto integral no original; imagem"

"texto integral no original; imagem"

(fls. 136 e 136/verso dos processos de execução fiscal juntos em apenso, cujo conteúdo aqui se dá como integralmente reproduzido).

II. FACTOS NÃO PROVADOS:

Não se provou, com relevo para a decisão a proferir, que:

a) As existências que a devedora originária possuía em armazém, em dezembro de 2010, tinham um valor comercial efetivo de € 136.322,20;

b) Os créditos de clientes constantes da IES/DA da sociedade L......, LDA relativa a 2009, seriam suficientes para extinguir as dívidas da mesma perante a Administração Tributária;

c) A L......, LDA viu suspensos e cancelados uma série de projetos e obras, tais como a instalação e equipamentos de ginásios V..............; a reformulação do novo edifício do INFARMED; a instalação e equipamento do laboratório de desenvolvimento e do pólo tecnológico da H.............., no Lumiar; a instalação e equipamento do G.............. e o equipamento e montagem de um datacenter com controlo de acessos para a M...............

Não existem outros factos, com interesse para a presente decisão, que importe destacar como não provados.

E. MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

I. FACTOS PROVADOS:

Relativamente à matéria de facto dada como provada, a convicção do tribunal formou-se a partir da conjugação do exame crítico dos documentos não impugnados (constantes dos autos e dos processos de execução fiscal juntos em apenso), com as declarações do Oponente e dos depoimentos das testemunhas inquiridas, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

Especificamente, relativamente às alíneas:

A) Conforme cópia da certidão permanente da sociedade L......, LDA e declaração de inscrição no registo / início de atividade juntas aos autos e corroboradas pelas declarações prestadas pelo Oponente e pelo depoimento de João .............., que referiram que o enfoque da atividade da sociedade L......, LDA centrava-se na área de redes estruturadas e instalações eléctricas: ou seja, os clientes contratavam os projetos “chave na mão” e a sociedade implementava toda a componente de infra-estruturas - redes, electricidade, iluminação - sobretudo na área para escritórios;

B) Conforme cópia da certidão permanente da sociedade L......, LDA;

D) Os montantes constantes das declarações IES/DA apresentadas foram corroboradas peles declarações do Oponente e dos depoimentos das testemunhas José .............. e João .............., os quais mencionaram que a faturação da sociedade L......, LDA foi significativa em 2006, tendo 2007 sido o ano com a faturação mais elevada (tendo passado de cento e tal mil euros para cerca de um milhão e meio de euros); apesar de em 2008 ter havido um ligeiro decréscimo da atividade (cerca de 20 e tal por cento), o volume de atividade foi ainda grande; em 2009, a atividade decresceu ainda mais;

E) As declarações do Oponente foram corroboradas pelas certidões de dívida constantes dos autos: assim, constata-se que, enquanto no processo de execução fiscal n.º.............., as certidões de dívida reportam-se a IVA de 2008 liquidado trimestralmente, já nas certidões de dívida referentes aos períodos de 2009 e 2010, as mesmas são relativas a IVA liquidado mensalmente – vejam-se os processos de execução fiscal n.º.............., n.º.............., n.º.............. e n.º.............., quanto ao ano de 2009, e n.º.............., n.º.............., n.º.............. e n.º.............., relativos ao ano de 2010;

G) Apesar do Balancete Geral junto pelo Oponente ter sido impugnado, o Tribunal comparou o valor do Resultado Líquido do Período no mesmo constante (de € 72.224,33 negativos) com o valor da rubrica referida constante da Declaração de Rendimentos de IRC – Modelo 22, referente ao mesmo exercício e referida na mesma alínea: sendo os valores coincidentes, o Tribunal deu como provado o Balancete Geral apresentado;

I) As declarações e os depoimentos prestados mostraram-se fidedignos, coerentes e credíveis, tendo todos mencionado o mesmo facto, justificando a auditoria realizada em virtude da necessidade que a sociedade sentiu de efetuar uma contabilidade analítica (para um controle maior do que acontecia em cada um dos projetos em que se envolvesse);

J) As declarações e os depoimentos prestados foram corroborados pelas certidões de dívida constantes dos autos;

K) As declarações do Oponente foram documentalmente comprovadas pelos planos de pagamento em prestações constantes dos autos; relativamente aos pagamentos aduzidos, o Tribunal assentou a sua convicção, além da sinceridade e espontaneidade com que as declarações foram prestadas, no facto do detalhe dos processos de execução fiscal referidos na alínea AA especificar, em todos eles, pagamentos efetuados;

L) O Tribunal assentou a sua convicção, conjugando as declarações e os depoimentos prestados – os quais foram fidedignos, espontâneos e credíveis – com a prova documental junta aos autos (alíneas M, N, O e P) e com as IES / DA apresentadas pela sociedade L......, LDA;

Q) As declarações e o depoimento foram prestados de forma credível e honesta, as quais foram corroborados pela prova documental constante das alíneas R e S;

R) Apesar deste documento junto pelo Oponente ter sido impugnado, o Tribunal relevou as declarações e o depoimento prestados constantes da alínea Q, para o dar como provado;

S) Apesar deste documento junto pelo Oponente ter sido impugnado, o Tribunal relevou as declarações e depoimento prestados constantes da alínea Q, para o dar como provado;

T) Documento não impugnado; acresce que o Tribunal atendeu à Informação referida na alínea JJ, que referiu expressamente que “As existências referidas na petição inicial de oposição, são (…) do conhecimento da Administração Fiscal, tanto que se encontram penhoradas...”;

V) O Tribunal atendeu à Informação prestada Serviço de Finanças de Lisboa – …, parcialmente transcrita na alínea JJ do probatório, a qual, não tendo sido impugnada, referiu que o aludido automóvel encontrava-se em regime de reserva de propriedade;

W) Conforme cópia da certidão permanente da sociedade L......, LDA, corroborada pela declarações do Oponente, o qual referiu, de forma sincera, que renunciou à gerência na medida em que sentia que já não tinha mais capacidade por onde dar a volta, porque tinha tentado todas as soluções possíveis, tendo trabalhado diariamente a fim de pôr as coisas a funcionar, mas já não tinha condições pessoais naquele momento para dar continuidade à empresa;

X) Conforme declarações IES/DA apresentadas e de acordo com as declarações e o depoimento prestados, os quais referiram que ambos os gerentes tinham esperança no futuro, dado que a empresa ainda tinha uma série de créditos que poderiam ser recebidos e sempre acreditaram que iam dar a volta, dado que tinham muitas perspetivas de encomendas.

II. FACTOS NÃO PROVADOS:

a) A convicção do Tribunal assentou no confronto entre o mapa com as existências em armazém da sociedade L......, LDA referido na alínea T, com a Informação prestada Serviço de Finanças de Lisboa – …, parcialmente transcrita na alínea JJ, a qual, não tendo sido impugnada, refutou de forma convincente que o valor comercial efetivo atual das mesmas, em caso de venda, pudesse atingir o valor referido pelo Oponente;

b) Neste ponto, o Tribunal atribuiu preponderância à Informação prestada Serviço de Finanças de Lisboa – …, parcialmente transcrita na alínea JJ do probatório, a qual, não tendo sido impugnada, mencionou que, das quatro sociedades referidas pela Oponente que podiam ser devedoras à sociedade L......, LDA constatava-se que: uma, encontrava-se em processo de insolvência; duas, responderam negativamente à notificação da penhora de créditos (informação corroborada pelos ofícios e correspondências mencionadas nas alíneas GG, HH e II); e outra, não levantou a notificação da penhora de créditos que lhe foi endereçada, tendo sido intentada uma ação judicial tendente à cobrança do crédito em causa (corroborado pela lista de distribuição de processos, especificada na alínea N do probatório).

c) Apesar de alegado nos artigos 114º a 118º da petição inicial, nenhuma prova aos mesmos atinentes foi realizada, tanto a nível documental como testemunhal;».

Por se mostrar mais consentânea com o elemento probatório junto a fls. 178 dos autos, decide alterar-se a redacção da al.N) do probatório, a qual passará a ter a seguinte redação:

N) A sociedade L......, LDA instaurou ação de processo ordinário – distribuída em 10.02.2011- contra a sociedade B.............., LDA, pelo valor de € 34.114,36, a qual deu origem ao processo n.º 332714/10.2YIPRT.(fls. 178).


**


B. DO DIREITO
A execução fiscal, por dependência da qual foi deduzida a presente oposição, respeita a dívidas de IVA, IRS, IRC, IS e Coimas, referentes aos exercícios de 2008, 2009 e 2010, inicialmente exigida à sociedade «L......, Lda».
Com base na factualidade transcrita a sentença veio a decidir pela procedência da oposição, com fundamento, no essencial, em que cabendo ao recorrido ilidir a presunção legal contida na alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º da LGT, o mesmo, conforme decorre da factualidade provada, lograra infirmar tal presunção.
É do assim decidido que a Fazenda Pública (doravante recorrente) discorda sustentando, em síntese, que foi feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, na medida em que a factualidade apurada não permite extrair a conclusão que a falta de pagamento das dívidas exequendas não é imputável ao recorrido.
Nas contra-alegações apresentadas nestes autos, sustenta-se em primeira linha que o recurso submetido à apreciação deste Tribunal deverá ser rejeitado por incumprimento do ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do CPC e caso, assim não se entenda, defende-se que «(…) a prova testemunhal e documental produzida foi suficiente e idónea para comprovar o alegado em sede de Oposição e justificar um juízo ilisão da presunção de culpa por parte do Meritíssimo Juiz a quo» (pág. 9 da motivação de recurso).
Todavia, lidas as conclusões e a alegação do recurso, verifica-se que a recorrente não pretende que este Tribunal faça uso dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de factos, pela simples razão de não impugnar os pontos da matéria de facto provada e não provada nem peticionar qualquer aditamento dos mesmos.
Ora, como sabemos, a divergência entre o que na sentença se deu como provado e aquilo que deveria ter sido dado como provado traduz erro de julgamento da matéria de facto, sindicável pelo tribunal superior uma vez observado os ónus previstos no artigo 640.º do CPC com vista à reapreciação da matéria de facto à luz da prova produzida. Já a invocação da errada valoração da prova, implica sem recurso à reapreciação da matéria de facto, a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Nesta perspectiva, não parece consistente a questão suscitada pelo recorrido, na medida em que, a pretensão da recorrente circunscreve-se ao erro na apreciação da prova e neste aspecto, o que releva, necessariamente, é saber se perante a factualidade provada o recorrido demonstrou de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega do imposto exigido no processo de execução fiscal em causa.
Por tudo o que se expôs, deve concluir-se, que não assiste razão ao recorrido quanto à apontada violação do artigo 640.º do CPC.
Feita esta observação, vejamos o que se nos oferece dizer quanto à questão de fundo colocada a este Tribunal, começando por registar que não se discute nos presentes autos, que é aplicável o regime de responsabilidade subsidiária decorrente do disposto no artigo 24.º da Lei Geral Tributária (LGT), uma vez que as dívidas se constituíram em data posterior a 1 de Janeiro de 1999, ou seja, após a entrada em vigor daquela Lei (cfr. artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro).
A questão que importa afrontar consiste em apurar se a prova produzida nos presentes autos permite concluir que o recorrido não teve culpa pela falta de entrega do imposto (IVA, IRS, IRC e IS) exigido coercivamente na execução fiscal em apreço.
Com vista a um melhor enquadramento da questão colocada, convoca-se o artigo 24.º da LGT, cuja alínea b) tem o seguinte teor:
«1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) (…)
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento (…) .».
A norma transcrita é inequívoca ao estabelecer uma presunção legal de imputabilidade do não pagamento das dívidas tributárias relativamente a quem exercia a gerência no momento em que terminou o prazo legal de pagamento dessas mesmas dívidas, pelo que para que o Oponente se exima da sua responsabilidade subsidiária terá que ser feita a demonstração de que a falta de pagamento dos impostos em causa não lhe é imputável.
Importa começar por referir, que a recorrente manifesta a sua discordância contra o relevo probatório dado pelo Tribunal a quo ao depoimento produzido pelo Oponente quando se refere que a sociedade devedora originária «renegociou a dívida com alguns clientes» (cfr. alínea L) do probatório).

Como sabemos, o depoimento da parte é uma forma de confissão – confissão judicial – a qual se destina a obter o reconhecimento de uma qualquer realidade factual que se revele desfavorável ao depoente e que favoreça a parte contrária (cfr. artigos dos artigos 452º e 463º e artigos 352.º, 355.º e 356.º, do CC).
No que respeita ao depoimento dos representantes de pessoa coletiva, escreveu-se, no recente Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 28.03.2019, proferido no processo n.º 9/17.9BCLSB, o seguinte: « (…) do depoimento de parte podem derivar declarações a ser analisadas pelo Tribunal, nelas se abonando e as utilizando, segundo a sua prudente e livre apreciação para, em conjunto com todos os outros meios probatórios, alicerçar a sua convicção sobre cada um dos factos controvertidos. Por outras palavras, é admissível, à luz da regra da livre apreciação da prova, a valoração do depoimento de parte, no segmento em que não produz uma confissão (cfr.artº.466, nº.3, do C.P.Civil; artº.396, do C.Civil; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.573; ac.S.T.J., 2/10/2003, rec.03B1909; ac.S.T.J., 5/05/2015, rec.607/06.2TBPMS.C1.S1).» ( disponível em texto integra em www.dgsi.pt)
Ora, foi esta vertente do depoimento de parte (não confessória) que foi utilizada pelo Tribunal a quo na citada alínea L) juntamente com os depoimentos prestados pelas testemunhas José .............. e João .............., nada obstando que não seja relevado em termos de direito probatório material.
Prosseguindo.
Sendo, naturalmente importante, a quebra da produção que atravessou o sector da construção civil a nível internacional e nacional no ano de 2009, é claramente insuficiente para afastar a presunção de culpa a que alude a alínea b) do artigo 24.º da LGT.
Efectivamente, importa desde logo ter em conta, que a dívida exequenda mais antiga exigida em execução fiscal reporta-se ao ano de 2008, e dentro destas as resultantes da falta de entrega de IVA e IRS.
Com isto queremos dizer que no respeita às dívidas exequendas provenientes de IVA, não foi feita qualquer prova de que se referem a imposto não entregue ao Estado liquidado em facturas cujo valor não veio a ser recebido de clientes, e de resto não resulta patente dos factos provados que o montante exigido na presente execução respeita aos créditos exigidos nos processos judiciais identificados nas alíneas L) e M) do probatório.
O que significa que, em princípio, o montante correspondente ao imposto a entregar ao Estado terá entrado na sociedade. E, se assim foi, por certo apenas circunstâncias muito excecionais poderiam justificar por que a sociedade não efetuou a entrega desse montante ao Estado e, assim, permitir que o recorrido, como gerente da sociedade, afastasse a presunção de culpa por essa falta de entrega.
Isso mesmo é expressamente assinalado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 07.12.2017, proferido no processo nº 01368/09.9BEBRG:
«No caso especial do IVA, bem como nos impostos retidos na fonte, a falta da sua entrega ganha particular gravidade, na medida em que se trata de impostos que traduzem um fluxo monetário na empresa que, ao não serem entregues nos cofres do Estado, estão a ser «desviados» do seu destino legal único, em proveito de «objectivos» alheios à sua finalidade.
Quando o gestor procede ao «desvio» da destinação das verbas recebidas (estamos a falar do IVA) não pode, assim, deixar de indiciar um comportamento censurável. E quanto mais censurável é o comportamento indiciado, mais esforço se exige na demonstração de factos positivos bastantes que contrariem aqueles indícios, sob pena de não afastar a presunção de culpa que a lei lhe atribui.
Como escreve Saldanha Sanches, «(…) No caso do IVA, a existência desse fluxo financeiro cria um forte indício de comportamento censurável que só em casos muito particulares pode ser objecto de uma demonstração de ausência de culpa por parte dos particulares. É uma demonstração difícil, mas não impossível, uma vez que a empresa não é o fiel depositário da quantia cobrada. Embora tenha o dever de entregar as quantias cobradas na aplicação do IVA no prazo previsto pela lei, a empresa pode considerá-las como uma receita normal, cabendo-lhe a devida diligência para que o pagamento seja feito. Pode haver justificação, pela verificação de um facto imprevisto e razoavelmente imprevisível, para que a entrega se não tenha verificado» (cfr. Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª edição, pp. 274)”.(…)
Note-se que, embora o não recebimento do IVA dos clientes não justifique que o mesmo não haja de ser entregue ao Estado (ao sujeito passivo de IVA compete, em conformidade com o Código daquele imposto, entregar o IVA resultante da diferença entre o imposto liquidado e o imposto dedutível, independentemente de o ter recebido ou não do cliente), é facto que pode e deve ser ponderado na avaliação da culpa do gerente pela falta de entrega do imposto ao Estado, designadamente se puder estabelecer-se uma conexão entre a falta de fundos da empresa e o não recebimento dos clientes. O que significa que, em princípio, o montante correspondente ao imposto a entregar ao Estado terá entrado na sociedade. E, se assim foi, por certo apenas circunstâncias muito excepcionais poderiam justificar por que a sociedade não efectuou a entrega desse montante ao Estado e, assim, permitir que o Oponente, como gerente da sociedade, afastasse a presunção de culpa por essa falta de entrega.
Mas, ainda que a sociedade originária devedora não tenha recebido dos seus clientes o IVA que havia de entregar ao Estado em 15/02/2002, tal não determinaria, por si só, o afastamento da culpa do Oponente pela falta de entrega do imposto. Para tanto, sempre haveria que provar-se factualidade que permitisse a conclusão de que a sociedade não tinha os fundos necessários à entrega do imposto e que o Oponente nenhuma responsabilidade tinha nessa situação» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Entendemos, pois na linha de pensamento do Acórdão transcrito que quanto às dívidas exequendas provenientes de IVA e IRS atendendo à natureza das mesmas se impõe um especial dever de diligência por parte do recorrido.
Para além disso, não podemos acompanhar a posição sufragada na sentença que partindo dos seguintes considerandos fácticos: «Desde logo, e relativamente às dívidas fiscais, foram celebrados acordos de pagamento em prestações das mesmas com a Administração Tributária, no final de 2009, em muitos dos processos de execução fiscal intentados, para vigorar durante todo o ano de 2010, tendo a sociedade liquidado pelo menos duas das prestações acordadas.
Em seguida, foram contatados alguns dos seus clientes, de modo a que os mesmos regularizassem a sua relação comercial; nos casos em que tal não se mostrou viável, foram intentadas diversas ações judiciais de modo a cobrar coercivamente os montantes que lhe eram devidos.
Entre 2008 e 2009 a sociedade reduziu em cerca de 47% o número de trabalhadores ao seu serviço, (…)
A fim de reduzir os custos fixos da empresa, aumentaram-se em 2009 os custos com os Fornecimentos e Serviços Externos – FSE, conforme quadro abaixo (tendo em conta a informação constante das IES/DA apresentadas): (…)
Por fim, de modo a dispor de mais liquidez, contratou-se uma linha de factoring com a Caixa .............. de quase € 250.000, ao mesmo tempo que negociou-se um alargamento das linhas de crédito concedidas, o que permitiu uma gestão de tesouraria mais folgada.», veio a concluir, nos seguintes termos: «A conduta adotada foi condizente com a atuação de um gerente diligente, que se preocupou com o futuro e respetiva sustentabilidade da sociedade L......, LDA, tentando que o negócio prosperasse e, ao mesmo tempo, que se mantivesse viável no curto prazo.
Além do mais, não era despropositado, em 2009 e 2010, acreditar que a sociedade conseguiria vingar economicamente, em virtude dos créditos que ainda poderiam ser recebidos e as perspetivas de encomendas que se projectavam.
Pelo que, transparece de tudo o que foi analisado que, até à data da renúncia (em finais de 2010) o Oponente tudo fez para não se acomodar a uma situação difícil que se ia avolumando.» veio a concluir, que sobre o recorrido: « (…) não deve (…) recair um juízo de censura na insuficiência patrimonial da sociedade L......, LDA para pagar as dívidas em causa no presente processo.».
Vejamos então as razões da nossa discordância quanto ao entendimento acabado de transcrever-se.
No caso vertente, pese embora tenha ficado provado a instauração de processos judiciais em 2009 e 2010, tendentes à recuperação de créditos em situação de incumprimento, respectivamente no montante de 4.771,08€ e 34.114,36€ [cfr. alíneas M) e N) do probatório], o certo é que ascendendo a dívida a clientes de curto prazo, em 2006, 2007, 2008 e 2009, aos montantes de 99.457,15€, 566,882,71€, 329.665,55€ e 511.671,97€ [cfr. alínea X) do probatório] as medidas adoptadas pelo recorrido ficaram aquém da actuação esperada de um gestor diligente. Tanto mais, quando é certo que a acção judicial visando o pagamento da quantia de 34.114,36€, foi instaurada em 10.02.2011, ou seja, após a renúncia do recorrido ao cargo de gerente [cfr. alínea W) do probatório] e a notificação para o exercício de audição prévia anterior à prolação do despacho de reversão [cfr. alínea CC) do probatório].
Por outro lado, não obstante ter ainda ficado provado a celebração de um contrato de factoring (em 8.10.2007) e um contrato de financiamento de médio e longo (em 02.03.2009) [cfr. alíneas R) e S do probatório] e que em meados de 2008 e 2009 a linha de factoring « de quase € 250.000, tendo o M.............. alargado as linhas de crédito» [cfr. alínea Q) do probatório] face a tal circunstancialismo, parece claro que houve, no mínimo, imprudência, na gestão das quantias recebidas por força das ditas operações financeiras.
Com efeito, se através do contrato de factoring a devedora originária vendeu à entidade bancária os créditos de curto prazo dos seus clientes e recebeu, em troca, o valor acordado na negociação realizada anteriormente, sempre ficou por explicar qual o destino dado a tais quantias.
De facto, tendo o Acordo do Plano Prestacional para pagamento de dívidas fiscais obtido despacho em 10.12.2009 (doc. identificado na al.K) do probatório -fls. 129-) e a data de limite de pagamento da primeira prestação ocorrido em 31.10.2010, a verdade é que das doze prestações integrantes do plano apenas duas foram pagas.
Ora, a culpa aqui em causa, como a jurisprudência tem vindo reiterada e uniformemente a afirmar deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. (entre muitos outros, vide Acórdão do STA de 12.03.2003, proferido no processo nº 01209/02, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Neste quadro, tudo ponderado, não se nega a relevância da crise económica no sector da construção civil no ano de 2009, na actividade da devedora originária, mas de per se, é como já afiramos insuficiente para afastar a presunção de culpa prevista na al.b) do artigo 24.º da LGT, pois que, face à amplitude do objecto social da devedora originária, sempre poderiam ter sido tomadas iniciativas visando a exploração de novos segmentos de mercados.
Ora, nenhuma concreta medida se mostrou tomada para fazer face à crise do mercado e, portanto contrariamente ao decidido em 1.ª Instância, somos a concluir que a prova produzida não permite extrair a conclusão que o recorrido logrou demonstrar que a insuficiência do património para satisfazer o pagamento das dívidas exequendas. Ou dito de outro modo, não provado que o não pagamento das dividas exequenda se ficou a dever fundamentalmente ou exclusivamente a causas externas ou excepcionais, ou que esse resultado danoso não se tenha ficado a dever à gestão por si exercida.
Esta conclusão é reforçada pelo próprio recorrido, na medida em que afirma no artigo 135.º da douta petição inicial «(…) a partir de meados de 2009 a situação começa a tornar-se insustentável e a Sociedade opta, quando a isso se vê obrigada, a pagara funcionários, colaboradores e fornecedores sem os quais a Sociedade seria forçada a fechar portas, em detrimento de outros fornecedores e do Estado.».
Vale isto por dizer mesmo atravessando uma conjuntura desfavorável, o recorrido optou pela continuidade laboral da empresa privilegiando outros pagamentos em prejuízo do cumprimento das obrigações fiscais.
Deste modo, não está minimamente provado que a falta de pagamento das prestações tributárias relativas a impostos não é imputável ao recorrido.
Pelo que nesta parte se decide pela procedência do recurso.
No que respeita responsabilização do pagamento pelas dívidas provenientes de Coimas a sentença para decidir no sentido em que decidiu usou a seguinte argumentação: « (…) analisando os fundamentos da reversão transcritos na alínea DD do probatório, nada é referido quanto à culpa do Oponente pela insuficiência patrimonial da devedora originária para pagar as coimas aplicadas.».
Segundo a recorrente « (…) contrariamente ao que foi doutamente vaticinado pelo respeitoso areópago a quo, não deverá ser considerado extinto o processo de execução fiscal, na medida em que se mostra provada a culpa do Oponente nos termos do artigo 8.º do RGIT.».
Nesta matéria constitui jurisprudência pacífica e uniforme do Supremo Tribunal Administrativo, entre muitos outros, a título de exemplo, o Acórdão de 27.09.2017, proferido no processo n.º 377/17, que « (…) o art. 8º do RGIT não consagra qualquer presunção de culpa e, por isso, recai sobre o autor do despacho de reversão o ónus de alegar a culpa do gerente pela insuficiência do património social e, sempre que essa alegação seja contestada em sede de oposição, recai sobre a Fazenda Pública o ónus de a provar, em conformidade com o disposto no artº 74º nº 1 da Lei Geral Tributária, segundo o qual «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque». (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Dito de outro modo, cabe à Fazenda Pública, enquanto exequente, alegar e demonstrar a verificação dos pressupostos que, lhe permitem reverter as dívidas relativas a coimas, contra o gerente da sociedade e, entre eles, a culpa pela insuficiência do património da sociedade para satisfazer os compromissos tributários.
Contudo, a exequente «(…) não está dispensada de alegar no despacho de reversão a factualidade com vista a integrar a culpa do gerente ou administrador a quem pretende responsabilizar pelo pagamento da dívida exequenda.» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30.05.2012, proferido no processo n.º 0775/10, disponível em www.dgsi)
Do que até agora se disse já se vê que secundamos a sentença quanto à questão ora em análise.
Efectivamente, analisado o probatório, constata-se que o despacho de reversão é absolutamente omisso quanto à matéria de facto que integra a culpa do revertido/gerente, o qual se pretende responsabilizar pelo pagamento da dívida exequenda proveniente de coimas.
De resto, nenhuma referência consta do despacho de reversão no que concerne à culpa da oponente na situação de insuficiência patrimonial ou de falta de pagamento das coimas, nem consta do mesmo a menção ao artigo 8.º, nº1 do RGIT, donde deriva que a Fazenda Pública se colocou na impossibilidade de fazer a prova da culpa no processo de oposição (neste sentido, vide: Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 23.03.2017, proferido no processo n.º7670/14, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Nem tão-pouco se pretenda sustentar, como a recorrente, que « Se mais não for, em relação à (prova) da culpa que resulta exigível do preceituado no art. 8.º do RGIT, cumpre desde já sublinhar que a mesma resulta, também, patenteada quanto à presunção de culpa que resulta inerente à natureza dos impostos (IVA, IRC, etc) devidos nos presentes autos.» [Conclusão 54.] uma vez que como já referimos supra, o normativo contido no artigo 8º do RGIT, não consagra qualquer presunção de culpa e, portanto, é sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar a culpa do revertido pela insuficiência do património social da originária devedora, pelo que lhe cabia alegar, em sede de acto de reversão, a culpa do gerente por essa insuficiência como pressuposto necessário da efectivação da sua responsabilidade subsidiária.
Consequentemente, tendo-se em conta que, no caso que nos ocupa, embora o Oponente tenha alegado factualidade com vista a provar que não teve culpa na insuficiência do património social para pagamento das dívidas de IVA, IRS, IRC e IS (dada a presunção de culpa contida na al. b) do artigo 24º da LGT) e que não conseguiu provar, não contende, de forma alguma, com a factualidade que a administração devia ter positivado no acto de reversão para evidenciar (e depois poder provar) que aquele tinha tido culpa nessa insuficiência, como pressuposto necessário da efectivação da sua responsabilidade à luz do artigo 8º do RGIT, isto porque, repetimos, nesta matéria, a administração não dispõe de presunção legal de culpa para efectivar essa responsabilidade. (Nesse sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09.03.2014, proferido no processo n.º 341/13, disponível me texto integral em www.dgsi.pt).
Assim sendo, atento o supra exposto, improcede o recurso nesta parte.
IV. CONCLUSÕES
I.O artigo 8º do RGIT não consagra qualquer presunção de culpa e, por isso, recai sobre o autor do despacho de reversão o ónus de alegar a culpa do gerente pela insuficiência do património social.
II.O facto de o oponente não ter conseguido ilidir a presunção de culpa que sobre si impendia pela insuficiência do património social para pagamento das dívidas de imposto não contende com o ónus que recaía sobre a Administração Tributária de alegar, logo no acto de reversão, a factualidade demonstrativa da culpa do oponente pela insuficiência do património social para satisfação das dívidas de coimas
V.DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento parcial ao recurso, revogar a sentença na parte respeitante às dívidas por IVA, IRS, IRC e IS, julgando a oposição improcedente na parte correspondente e, confirmar a sentença na parte relativa às dívidas por coimas e encargos com processos de contraordenação.

Custas a cargo de ambas as partes, proporção do decaimento.

**
Oficio junto a fls. 470 dos presentes autos: satisfaça, remetendo cópia certificada do presente acórdão.


Lisboa, 11 de Abril de 2019.
[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Catarina Almeida e Sousa]