Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:13563/16
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/06/2016
Relator:CONCEIÇÃO SILVESTRE
Descritores:CASO JULGADO
Sumário:Tendo como enquadramento uma acção declarativa de condenação e um processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias que foi tramitado e decidido como providência cautelar de intimação para adopção de uma conduta por parte da Administração e de um particular, não se verifica a excepção de caso julgado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

RELATÓRIO

VICENTE ………………. e mulher, MARIA ……………….., interpuseram recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal proferida no âmbito da acção administrativa comum que instauraram contra o MUNICÍPIO DE ……………., JOSÉ …………….. e mulher MARIA ……………. e MANUEL ……………. e mulher MARIA ……………………, a qual julgou procedente a excepção de caso julgado e absolveu os réus da instância.

As alegações de recurso que apresentaram culminam com as seguintes conclusões:
“a). O proc. n.º 101/07.4befun, apensos a estes foram, foi intentado pelos ora recorrentes pelo seu requerimento inicial de fls. 3 a 15 dos autos;
b). Em face do teor o dito requerimento inicial, os ora recorrentes intentaram, em sede principal, uma intimação para protecção de direitos liberdades e garantias, nos termos do disposto no art. 109º do CPTA, e como decorre dos arts. 1º a 28º e do primeiro conjunto de pedidos então formulados.
c). E, para além de tal causa de pedir e pedidos, formularam, de forma subsidiária, para o caso do Tribunal entendesse que os pressupostos previstos no art. 109º do CPTA se não verificavam em tal situação, diversamente quanto à verificação dos pressupostos previstos no art. 109º do CPTA em tal situação, formularam outra causa de pedir e outro acervo de pedidos.
d). Com efeito, nos arts. 29º a 43º de tal requerimento inicial invocaram causa de pedir conducente a providências cautelares, como no petitório, também de forma subsidiária, formularam os correspondentes pedidos.
e). Ora, em face de um requerimento inicial complexo, com diversas causas de pedir e diversos pedidos como aquele que deu lugar ao proc. n.º 101/07.4befun apenso, importa aferir, em concreto, qual foi a causa de pedir e pedidos conhecidos e decididos pelo Tribunal.
f). E sobre tal matéria nenhuma dúvida pode existir: o Tribunal a quo, no seu primeiro despacho proferido naqueles autos e datado de 20.3.2007, é expresso no seguinte que a situação "não cabe no art. 109º do CPTA", tendo determinado a citação e notificação ao abrigo dos art.s 117º CPTA e 131º/4 CPTA, ao abrigo da tramitação própria do processo cautelar.
g). Tal despacho veio a transitar em julgado e constituiu caso julgado formal.
h). Naquele proc. n.º 101/07.4befun, o Tribunal decretou provisoriamente as providências requeridas pelo despacho de fls. 68 a 72 dos autos e as manteve pelos despacho de fls. 160, tudo nos termos do disposto nos arts. 131º e 131º/6 do CPTA.
i). Toda a tramitação do proc. n.º 101/07.4befun foi a correspondente à do processo cautelar (como decorre nomeadamente da sentença cautelar) e não de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.
j). No proc. n.º 101/07.4befun a única pretensão dos recorrentes que foi apreciada e decidida foi tão somente a atinente às providências cautelares por si requeridas pedidas subsidiariamente e à causa de pedir cautelar plasmada nos arts. 29º e ss.do seu requerimento inicial.
l). E não o por si invocado em sede principal de intimação para protecção, liberdades e garantias (cfr. arts. 1º a 28º do RI) e nos correspondentes pedidos principais deduzidos, uma vez que o Tribunal foi claro na delimitação dos termos de tal litígio aquando da prolação do despacho de 20.3.2007 e na afirmação que o mesmo não se subsumia ao processo previsto no art. 109º do CPTA.
m). E assim sendo, como é de facto, se não alcança como o Tribunal a quo pôde ignorar tal circunstância e afirmar, como afirma no despacho recorrido, que o proc. n.º 101/07.4befun tem a natureza de processo principal de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.
n). É manifesto que o proc. n.º 101/07.4befun, teve e tem, em boa verdade, a natureza de simples processo cautelar, nos termos do aí expressamente decidido a fls. 37 dos autos, e como foi, de facto, tramitado e julgado.
o). E assim sendo assim é claro que não subsiste nenhuma excepção de caso julgado entre o decidido no processo cautelar e os presentes autos, pois que as tutelas jurisdicionais em apreço são claramente diversas: aquela instrumental, provisória e sumária e esta principal, definitiva e não sumária.
p). Sendo que aquela, pela sua própria natureza, pode e deve ser instrumental da tutela jurisdicional principal visada nestes autos principais, inexistindo, em termos próprios, qualquer repetição da mesma causa.
q). O Tribunal a quo, ao considerar que a natureza do proc. n.º 101/07.4befun era a de processo principal de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias e que ocorria excepção de caso julgado, incorreu em erro de julgamento.
r). Tendo infringido as normas dos arts. 89º/1 - al. i) do CPTA, 577º, al. i) e 620º/1 do CPC, razão pela qual deve ser revogado o despacho recorrido, com as legais consequências.”

Os recorridos não apresentaram contra-alegações.


O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
*

Tendo presentes as conclusões formuladas pelos recorrentes, a única questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a decisão recorrida errou ao considerar verificada a excepção de caso julgado.
*

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

É a seguinte a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal e que passamos a reproduzir:
A) Correu termos na 1ª Secção das Varas de Competência Cível e Criminal do Tribunal de Comarca do Funchal, o processo n.º 165/2001, tendo sido proferida sentença, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais (doc. n.º 1 junto à intimação n.º 101/07.4BEFUN);
B) No Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal correu termos a Intimação para protecção de direitos liberdades e garantias, n.º 101/07.4BEFUN, entrada a 19 de Março de 2007 e intentada pelos ora AA contra os ora RR, onde formularam, nomeadamente, o seguinte pedido:
“(…)
- a ED embargar as obras que os CI’s executam;
- a ED instaurar os processos de contra-ordenação aos CI’s pela realização das obras de construção, de demolição, de escavação e remoção do coberto vegetal sem qualquer licenciamento municipal;
- a ED ordenar a reposição do terreno no seu estado anterior;
- os CI’s interessados a cessarem, de imediato, com a execução material;
- (…).”
C) Da causa de pedir formulado na intimação identificada em B), salienta-se, em síntese:
Por sentença proferida no processo n.º 165/2001, da 1ª Secção das Varas de Competência Cível e Criminal do Tribunal de Comarca do Funchal, decidiu-se:
- declarar Vicente ……………….. e mulher Maria ……………….. proprietários do prédio urbano, localizado ao Sitio …………….., freguesia e concelho de Câmara ……………, a confrontar a Norte, Sul e Oeste com Maria ……………… e a Leste com José ……………, constituído por R/C, 1º andar e sótão, com a superfície coberta de 82m² e logradouro de 126m², inscrito na matriz predial urbana sob o artº ………… e descrito na Conservatória do registo Predial de Câmara de ......... sob o n.º …………;
- declarar José ……………….. proprietários do prédio urbano, constituído por um terreno destinado a construção, localizado ao Sítio do ……………, freguesia e concelho de Câmara de ........., com a área de 430m², a confrontar a Norte com o lote 3, a Sul com o lote 1, a Leste com o Novo Arruamento e a Oeste com Moisés ……………, inscrito na matriz sob o artº ……….. descrito na Conservatória do Registo Predial de Câmara de ........., sob o n.º ………………….
- condenar Vicente …………….. e mulher Lígia ……………. a desocupar, de imediato a porção de terreno que ocupavam como uma área de 120m² que os aí RR invocavam ter adquirido por cessão industrial imobiliária.
No dia 15 de Março de 2007 e, no âmbito do processo de execução para entrega de coisa certa a solicitadora de execução entregou a José ………. e Manuel …………….a totalidade do lote 2, com a área de 430m².
Em cuja área entregue foi incluída quase a totalidade do logradouro dos AA com a área de 126m², porquanto a área de 120m² que aqueles possuíam ao abrigo do contrato promessa celebrado com os primitivos donos, foi efectivamente entregue em Fevereiro de 2007, o que foi dado a conhecer no processo de execução.
Com a ilegal entrega pela Solicitadora de execução e até à data José Barros e Manuel Caldeira destruíram uma construção existente em parte sobre o logradouro dos AA, demoliram ferros, alpendre, depósito de água e vedações, arrancaram árvores de fruto, plantas, estátuas e parte da cobertura de acesso à moradia, e procederam as escavações.
José ……e Manuel ………… iniciaram uma construção e edificação de muros de partilha a Oeste e a Sul do seu prédio, ao lado da habitação dos AA e totalmente implantado no seu logradouro, estreitando-o e vedando-o.
A área efectivamente a entregar era de 120m².
Todas as obras nunca foram licenciadas, nem Barros e António ………….. são titulares de uma licença.
O Município de Câmara de ........., teve conhecimento das obras que estavam a ser executadas no logradouro e acesso à habitação do AA fez chegar informação de que José ………..e Manuel ……… estariam a cumprir a sentença e não poderiam intervir.
Com as obras executadas existe o sério risco de José ……….. e Manuel ………… vedarem o acesso ao prédio dos AA, impossibilitando-os de acederem à sua habitação.
(…).
D) Na sentença proferida no âmbito da intimação, identificada em B) foram dados como provados, nomeadamente, os seguintes factos:

«Texto no original»

(…)
E) Da decisão em 1ª instância, favorável aos ora AA foi interposto recurso para o TCA Sul que por acórdão de 6 de Março de 2008 revogou a decisão e, consequentemente indeferiu o pedido de intimação.
F) No acórdão do TCA Sul referido em E) vem assim fundamentado:
(…)
«Texto no original»

G) O Acórdão do TCA Sul transitou em julgado.
H) A 13 de Dezembro de 2007 foi interposta a presente acção.
I) A 29 de Setembro de 2008 o Município foi citado na presente acção.

2. Do Direito

Vem o presente recurso interposto da decisão do TAF do Funchal proferida em 22/06/2015 no âmbito da acção administrativa comum que os ora recorrentes instauraram contra o Município da Câmara de ........., José ………… e mulher e Manuel ………………. e mulher, a qual julgou “procedente a excepção de caso julgado” e, em consequência, absolveu os réus da instância.
Depois de fazer o enquadramento teórico da excepção em causa, concluiu o TAF do Funchal pela verificação da mesma com o discurso fundamentador que de seguida se transcreve:
“Importa, face ao exposto, averiguar se, se no caso vertente se verifica a tríplice identidade que caracteriza a excepção do caso julgado.
Quanto à identidade de sujeitos não suscitam dúvidas quanto à identidade de sujeitos entre a intimação e a presente acção.
Bem como se verifica identidade de pedidos e de causa de pedir. No que concerne pedido:
Nesta acção pedem os AA:

- condenar o Réu a, no prazo de 2 meses, embargar e ordenar a demolição das obras de construção civil executadas pelos CI’s e a reposição do terreno no seu estado anterior ao da realização das obras, na parte executada sobre o logradouro da moradia dos AA e, que, por isso não podem ser legalizadas;
- condenar o réu a aferir da legalização das demais obras de construção civil e da alteração do terreno realizadas pelos CI’s na área junto ao acesso automóvel, possuído pelos AA e, se a legalização não se mostrar possível, ordenar a completa demolição das ditas obras e a integral reposição do terreno no estado anterior ao da realização das obras;
- condenar o réu a instaurar processos de contra-ordenação pela execução de obras de construção, obras de demolição e de alteração do coberto vegetal do terreno sem prévio licenciamento;
- condenar os CI’s a não realizar quaisquer obras no prédio de que se intitulam proprietários sem prévio licenciamento municipal e a proceder, de imediato, à demolição das obras de construção civil – edificação de muros de vedação – executados sem licenciamento municipal e em prejuízo do logradouros, propriedade dos AA e da pose destes, que exercem sobre a parcela de terreno que serve de acesso automóvel e a repor o prédio tal qual estava no seu estado anterior ao da execução das obras.
Na intimação pediram os AA:
- a ED embargar as obras que os CI’s executam;
- a ED instaurar os processos de contra-ordenação aos CI’s pela realização das obras de construção, de demolição, de escavação e remoção do coberto vegetal sem qualquer licenciamento municipal;
- a ED ordenar a reposição do terreno no seu estado anterior;
- os CI’s interessados a cessarem, de imediato, com a execução material. Verifica-se existir efectivamente identidade de pedidos.
E, quanto à causa de pedir verifica-se ser a própria petição, um decalque da petição destes autos.
Como se sabe o processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é um processo principal e tendo o Tribunal decidido, verifica-se a excepção de caso julgado.
De todo o modo a questão fulcral sabe do âmbito dos tribunais administrativos como se salienta no Acórdão do TCA Sul, proferido no âmbito da intimação n.º 101/07.4BEFUN, a qual passa pela demarcação de extremas”.
Os recorrentes insurgem-se contra esta decisão, que entendem estar errada e ser violadora do disposto nos artigos 89º, n.º 1, al. i) do CPTA, 577º, al. i) e 620º, n.º 1 do CPC. É que, alegam, pese embora o processo n.º 101/07.4BEFUN tenha sido por si instaurado como intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, o certo é que o mesmo foi tramitado e decidido como providência cautelar. Assim, concluem os recorrentes que “não subsiste nenhuma excepção de caso julgado entre o decidido no processo cautelar e os presentes autos, pois que as tutelas jurisdicionais em apreço são claramente diversas: aquela instrumental, provisória e sumária e esta principal, definitiva e não sumária”.
A questão que se coloca é, pois, a de saber se o TAF do Funchal decidiu de forma correcta ao considerar que se verifica identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir entre a presente acção e o processo que correu termos no mesmo Tribunal sob o n.º 101/07.4BEFUN e, consequentemente, ao julgar procedente a excepção de caso julgado.
Vejamos então.
O artigo 619º, n.º 1 do CPC estabelece que “transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º”.
Por outro lado, nos termos do artigo 673.º do CPC, “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga”.
Como decorre destes preceitos, na abordagem do caso julgado importa ter em considerações duas vertentes distintas: uma diz respeito à excepção dilatória do caso julgado, a outra reporta-se à força e autoridade do caso julgado que resulta de uma anterior decisão que haja sido proferida, designadamente no próprio processo, sobre a matéria em discussão.
Está em causa o caso julgado material e o caso julgado formal, sendo que é do primeiro que aqui se trata.
O caso julgado visa garantir o valor da segurança jurí­dica e destina-se a evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior (cfr. artigo 580º, n.º 2 do CPC).
Para que ocorra a excepção dilatória do caso jul­gado, a lei exige a verificação da tríplice identidade a que se refere o n.º 1 do artigo 581º do CPC - isto é, identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir - e que os n.ºs 2, 3 e 4 explicitam nos seguintes termos:
“2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. (…).”
Isto posto, regressemos ao caso dos autos.
A questão em apreço tem como enquadramento a presente acção em confronto com o processo que correu termos no TAF do Funchal sob o n.º 101/07.4BEFUN.
Dúvidas não há de que se verifica identidade de sujeitos nas duas acções. Em ambas são autores Vicente ……………… e mulher, Maria …………….. e réus o Município de Câmara de ........., José …………. e mulher, Maria ………………. e Manuel ……………… e mulher, Maria ………………….
Mas haverá identidade quanto ao pedido e respectiva causa de pedir?
A essa questão o TAF do Funchal respondeu afirmativamente, referindo a esse propósito:
- “verifica-se existir efectivamente identidade de pedidos” ; e
- “quanto à causa de pedir verifica-se ser a própria petição [do processo n.º 101/07.4BEFUN] um decalque da petição destes autos”.
E concluiu: “o processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é um processo principal e tendo o Tribunal decidido, verifica-se a excepção de caso julgado”.
Esta conclusão estaria certa se o pressuposto de que partiu fosse verdade, isto é, se a sentença proferida no processo n.º 101/07.4BEFUN respeitasse a uma intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, já que, na verdade, os pedidos aí formulados são idênticos aos pedidos deduzidos nos presentes autos, como idêntica é a causa de pedir.
Acontece, porém, que, pese embora os autores, ora recorrentes, tivessem instaurado o dito processo n.º 101/07.4BEFUN como intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias e formulado o correspondente pedido, a verdade é que deduziram subsidiariamente pedido cautelar para o que alegaram os factos inerentes à respectiva causa de pedir (cfr. artigos 29º e seguintes da petição inicial).
E foi assim, isto é, enquanto processo cautelar, que o mesmo foi decidido.
Dúvidas não há de que assim sucedeu.
A sentença começa por referir expressamente que se trata de, e passamos a transcrever, “DECISÃO CAUTELAR”. Nessa conformidade, o que o TAF cuidou aí de apreciar foi de verificar se se mostravam preenchidos os requisitos previstos no artigo 120º do CPTA e, concluindo em sentido afirmativo, decretou as providências cautelares requeridas.
E porque assim é, impõe-se concluir que não há identidade de causa de pedir, nem de pedido, entre o presente processo e o processo n.º 101/07.4BEFUN.
Os pedidos aí formulados e que mereceram acolhimento na sentença proferida pelo TAF do Funchal (posteriormente revogada por Acórdão do TCAS de 6/03/2008), são, como referimos, pedidos cautelares, ao invés dos pedidos aqui em causa que correspondem a um processo principal (não cautelar).
Por outro lado, a causa de pedir naquele processo (enquanto processo cautelar) é manifestamente distinta da causa de pedir dos presentes autos.
Com efeito, na providência cautelar a causa petendi é constituída pelos requisitos enunciados no artigo 120º do CPTA (na redacção que tinha à data).
Assim é que, a providência só é concedida se o tribunal concluir que:
- Se verifica um vício/ilegalidade de tal forma notório que torna evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal; ou, caso tal não suceda,
- Se verifica o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal (no caso das providências conservatórias) ou seja provável que tal pretensão venha a ser julgada procedente (no caso das providências antecipatórias);
- Devidamente ponderado os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultam da sua concessão não se mostram superiores àqueles que podem resultar da sua recusa.
Atenta a natureza provisória, sumária e instrumental que caracteriza a tutela cautelar, a apreciação dos aludidos requisitos, e designadamente do requisito do fumus boni iuris, é feita pelo tribunal de forma perfunctória, não cabendo ao juiz cautelar antecipar o juízo final sobre a (i)legalidade da actuação da Administração, a qual há-de ser feita no processo principal.
E foi essa análise que o TAF do Funchal fez, concluindo pela verificação dos ditos requisitos, pelo que decretou as providências cautelares solicitadas pelos recorrentes, autores no dito processo n.º 101/07.4BEFUN. Essa decisão foi objecto de recurso jurisdicional, tendo vindo a ser revogada por Acórdão deste TCAS de 6/03/2008.
Concluímos, em face do exposto, que os pedidos e a causa de pedir que foram objecto de apreciação e decisão no aludido processo não são idênticos aos que constituem o presente processo e, por isso, não se verifica a excepção de caso julgado.
Deste modo, o TAF do Funchal errou no julgamento que fez, pelo que a decisão recorrida deve ser revogada e os autos remetidos à 1.ª instância para prosseguirem os demais termos.

*

SUMÁRIO (artigo 663º, n.º 7 CPC):

Tendo como enquadramento uma acção declarativa de condenação e um processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias que foi tramitado e decidido como providência cautelar de intimação para adopção de uma conduta por parte da Administração e de um particular, não se verifica a excepção de caso julgado.

DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e determinar a baixa dos autos ao TAF do Funchal para aí prosseguirem os seus ulteriores termos, caso a tal nada obstar.
Sem custas.

Lisboa, 6 de Outubro de 2016


_________________________
(Conceição Silvestre)


_________________________
(Carlos Araújo)


_________________________
(Paulo Pereira Gouveia)