Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07902/14
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2016
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:LEGITIMIDADE PROCEDIMENTAL ACTIVA - REVERSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL - COMPENSAÇÃO
Sumário:I - Independentemente de contra o impugnante se ter concretizado a reversão no processo instaurado para cobrança da dívida compensada de IRC de 2006 é manifesto o seu interesse directo e legítimo, nos termos do n°1 do art°9°, do CPPT, na pretensão anulatória do acto de compensação feito com créditos provenientes de reembolso que não são da sociedade originária devedora mas dele, impugnante, que alegadamente pagou as correspondentes dívidas como executado por reversão no processo de execução fiscal respeitante às anteriores liquidações de IRC dos anos de 2000, 2001, 2002 e 2003.
II - Verificada, pois, a legitimidade do contribuinte, não pode a entidade administrativa, no caso, a Administração Tributária, deixar de apreciar o mérito da sua pretensão.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:A FAZENDA PÚBLICA, vem recorrer da sentença de fls. 44 a 51 do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial que Fernando… deduziu do indeferimento do recurso hierárquico que interpôs na sequência da decisão de indeferimento liminar, por falta de legitimidade do reclamante, da reclamação graciosa apresentada pedindo a restituição do montante de €1.515,51 aplicado na compensação da dívida de IRC de 2006.

Nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:


«I. Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da análise aos autos não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida.

II. Face à prova produzida deveria o Tribunal a quo ter dado como provado a ilegitimidade do sujeito passivo, pois é evidente, que à data do pagamento ainda não tinha sido efectivada a reversão contra o devedor subsidiário.

III. No nosso ordenamento jurídico, é entendimento unânime da doutrina e jurisprudência que não há legitimidade dos responsáveis subsidiários antes de efectivada a reversão.

IV. Com efeito, estipula o artigo 9° do CPPT que a legitimidade deriva da operação da reversão, ou seja, é necessário que seja accionado o instituto da reversão, contra o devedor subsidiário, para que este se revista de legitimidade no procedimento tributário.

V. Ora, no caso em apreço, a reversão não foi ordenada contra o sujeito passivo, pelo que nos termos da lei, o recorrido enferme de ilegitimidade.

VI. Deste modo, deveria determinar-se a improcedência da impugnação pela convicção da ilegitimidade do recorrido, formada a partir do exame crítico das provas.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a ilegitimidade do recorrido. Porém, V. Exas. decidindo farão a costumada JUSTIÇA».

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O Recorrido contra-alegou sem, no entanto, formular conclusões.
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O Ministério Público, junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso (cfr. fls.95/97 dos autos).

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Colhidos os Vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1. De Facto

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:


1. Foi aplicado o montante de 1.515,51€ na compensação da dívida de IRC, relativa a 2006, da sociedade "Electro, Lda." (cf.fls.8, 9 e 18 do apenso de reclamação e fls. 6 do apenso de recurso hierárquico);

2. O montante aplicado na compensação resulta de créditos provenientes de restituição, em sede de reclamação administrativa, de valores pagos e relativos a anteriores liquidações de IRC dos anos de 2000, 2001, 2002 e 2003 para que havia sido instaurado o processo executivo fiscal n.° (cf. fls.11 do apenso de reclamação);

3. O impugnante reclamou administrativamente, pedindo a restituição do montante de 1.515,516 aplicado na compensação da dívida de IRC de 2006, alegando que foi ele quem na qualidade de executado por reversão no processo de execução n° pagou as dívidas da sociedade que originaram o crédito aplicado naquela compensação (cf.fls. 4 e 7 do apenso de reclamação);

4. Essa reclamação, que tomou o n.° e foi instaurada em 27/01/2010, foi liminarmente indeferida por despacho do Sr. Chefe de Divisão, de 08/10/2010, por falta de legitimidade do reclamante para pedir a restituição de créditos da sociedade aplicados na compensação da dívida de IRC de 2006, por não ter operado reversão contra ele no processo executivo fiscal n°, instaurado para a sua cobrança (cf.fls.27 do apenso de reclamação);

5. Da decisão de reclamação graciosa foi interposto recurso hierárquico, que mereceu despacho de indeferimento de 26/10/2011, da Sra. Directora de Serviços, em suma, sancionando o entendimento de que "...não tendo o sujeito passivo sido alvo de reversão relativamente à empresa "Electro", de 2006, aquele não possuía legitimidade para a interposição da reclamação graciosa, pelo que se corrobora o indeferimento que recaiu sobre a mesma" (cf.fls.6 dos autos);

6. Da decisão de recurso hierárquico foi o impugnante notificado por ofício n.°, de 17/11/2011 (doc.1 junto à petição inicial, a fls. 5 dos autos);

7. A petição de impugnação judicial deu entrada no tribunal em 13/02/2012, conforme carimbo aposto a fls.2.

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A título de factualidade não provada consignou-se na sentença recorrida que: «Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante».

E, em sede de fundamentação da matéria de facto exarou-se na decisão recorrida que: «Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos e apenso instrutor, com destaque para a assinalada».

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II.2. De Direito


Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.

De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, a única questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se o impugnante, ora recorrido, tem legitimidade procedimental activa pelo que a Administração Tributária não pode deixar de apreciar o mérito da sua pretensão.




A sentença recorrida tem a seguinte fundamentação jurídica:

«Tanto quanto se alcança da petição inicial que deu origem aos presentes autos, o impugnante, invocando a qualidade de responsável subsidiário da sociedade "Electro, Lda.", pretende a restituição da quantia aplicada na compensação da dívida da sociedade relativa a IRC de 2006.

Invoca que na origem dos créditos da sociedade que serviram para compensar a dívida de IRC de 2006, está a restituição, em reclamação administrativa, de valores pagos relativos a liquidações de IRC de 2000, 2001, 2002 e 2003, mas que tais valores foram na realidade pagos por ele, impugnante, em prestações, na qualidade de responsável subsidiário, revertido na execução fiscal n°, nessa medida, a ele deveriam ter sido devolvidos e não à sociedade ou destinados a compensação.

De acordo com o disposto no n°1 do art°9°, do CPPT, "Têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido".

Estabelece o seu n°3 que "A legitimidade dos responsáveis subsidiários resulta de ter sido contra eles ordenada a reversão da execução fiscal ou requerida qualquer providência cautelar de garantia dos créditos tributários".

Pois bem. A Administração tributária não conheceu do mérito da reclamação administrativa em que impugnava o acto de compensação de dívida, decisão confirmada em recurso hierárquico, no pressuposto entendimento da falta de legitimidade activa do impugnante para o procedimento tributário, nos termos do n°3 do art°9.°, do CPPT.

Não acompanhamos esse modo de ver.

Com efeito, o impugnante pretende ver apreciada a legalidade do acto de compensação da dívida de IRC de 2006 com créditos resultantes de reembolso em reclamação administrativa de dívidas da responsabilidade originária da sociedade "Electro" que ele alegadamente pagou na qualidade de executado por reversão.

O princípio geral em matéria de legitimidade procedimental activa, é o da titularidade da respectiva relação material controvertida aferida essa titularidade de acordo com a alegação feita pelo contribuinte.

E assim sendo, independentemente de contra ele se ter concretizado a reversão no processo instaurado para cobrança da dívida compensada de IRC de 2006 da sociedade (o n°) é manifesto o seu interesse directo e legítimo, nos termos do n°1 do art°9°, do CPPT, na pretensão anulatória do acto de compensação feito com créditos provenientes de reembolso que não são da sociedade originária devedora mas dele, impugnante, que alegadamente pagou as correspondentes dívidas como executado por reversão no processo n°.

O pressuposto procedimental da legitimidade é condição necessária para obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da pretensão formulada, e nada tem que ver com as condições de procedência do pedido ou pretensão formulada pelo contribuinte, que a Administração tributária decidirá.

Verificada, pois, a legitimidade do contribuinte, não pode a entidade administrativa, no caso, a Administração tributária, deixar de apreciar o mérito da sua pretensão.

O que significa que a decisão de recurso hierárquico que confirmou a decisão de reclamação graciosa de omitir pronúncia sobre o mérito da reclamação com fundamento na ilegitimidade procedimental activa do impugnante, não pode manter-se na ordem jurídica por inquinada do vício de violação de lei, recaindo sobre a Administração tributária o dever de conhecer do mérito do pedido.»

Invoca a recorrente que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da análise aos autos não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida. Face à prova produzida deveria o Tribunal a quo ter dado como provado a ilegitimidade do sujeito passivo, pois é evidente, que à data do pagamento ainda não tinha sido efectivada a reversão contra o devedor subsidiário. No nosso ordenamento jurídico, é entendimento unânime da doutrina e jurisprudência que não há legitimidade dos responsáveis subsidiários antes de efectivada a reversão. Com efeito, estipula o artigo 9° do CPPT que a legitimidade deriva da operação da reversão, ou seja, é necessário que seja accionado o instituto da reversão, contra o devedor subsidiário, para que este se revista de legitimidade no procedimento tributário. Ora, no caso em apreço, a reversão não foi ordenada contra o sujeito passivo, pelo que nos termos da lei, o recorrido enferma de ilegitimidade. Deste modo, deveria determinar-se a improcedência da impugnação pela convicção da ilegitimidade do recorrido, formada a partir do exame crítico das provas [conclusões I. a VI ].

Vejamos.

Segundo julgamos perceber, toda a questão se prende com o facto de, no processo de execução fiscal nº , respeitante a IRC de 2006, não ter chegado a haver reversão da dívida contra o responsável subsidiário – o impugnante Fernando – dado que o referido processo foi extinto por pagamento, através de compensação, pelo que findou antes da conclusão da reversão.

Salvo o devido respeito, toda esta questão levantada pela AT é uma falsa questão.

O impugnante e recorrido Fernando na sequência do processo de reversão fiscal que decorreu da falta de pagamento das liquidações emitidas à sociedade “Electro Lda.”, para os anos de 2000, 2001, 2002 e 2003, efectuou o pagamento dessas dívidas.

Na sequência da anulação das liquidações dos anos supra referidos, a AT utilizou parte daqueles montantes para pagamento da dívida emergente da liquidação de IRC do exercício de 2006, dívida ora em crise.

Daí que no processo de execução fiscal nº , respeitante a IRC de 2006, não ter chegado a haver reversão da dívida contra o responsável subsidiário, dado que o referido processo foi extinto por pagamento, através de compensação, pelo que findou antes da conclusão da reversão.

Perante este quadro factual julgamos que pouco importa se no processo de execução fiscal nº , respeitante a IRC de 2006 o impugnante chegou a ser citado por reversão.

A realidade é que o pagamento foi feito através de compensação, tendo em conta a anulação das liquidações dos anos de 2000, 2001, 2002 e 2003.

O impugnante não foi ouvido no acto de compensação, nem pagou voluntariamente a liquidação respeitante a IRC de 2006.

Aliás, se bem atentarmos no processo administrativo apenso aos presentes autos constatamos que ao longo de todo o processo o impugnante é considerado parte legitima activa no procedimento. Veja-se, a título de exemplo, a Informação do Serviço de Finanças de de fls. 22, a Informação da Divisão de Justiça Administrativa proferida na Reclamação Graciosa nº , fls. 20 a 22, onde se escreveu claramente que “A recorrente tem legitimidade no procedimento nos termos do art. 9º do CPPT.”


«Têm legitimidade no procedimento tributário os sujeitos passivos das relações tributárias (art. 65.° da LGT), que são as pessoas singulares ou colectivas, os patrimónios e as organizações de facto ou de direito que estão vinculados ao cumprimento de prestações tributárias, seja como contribuintes directos, substitutos ou responsáveis (art. 18.°, n.° 3, da LGT).»(1)

Conforme sentença recorrida “O princípio geral em matéria de legitimidade procedimental activa, é o da titularidade da respectiva relação material controvertida aferida essa titularidade de acordo com a alegação feita pelo contribuinte.

Deste modo, e independentemente de contra o impugnante se ter concretizado a reversão no processo instaurado para cobrança da dívida compensada de IRC de 2006 (o n°) é manifesto o seu interesse directo e legítimo, nos termos do n°1 do art°9°, do CPPT, na pretensão anulatória do acto de compensação feito com créditos provenientes de reembolso que não são da sociedade originária devedora mas dele, impugnante, que alegadamente pagou as correspondentes dívidas como executado por reversão no processo n°.

Verificada, pois, a legitimidade do contribuinte, não pode a entidade administrativa, no caso, a Administração tributária, deixar de apreciar o mérito da sua pretensão.

Improcedem, assim, na totalidade as conclusões do presente recurso.

III- Decisão


Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul,
em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe e Notifique.



Lisboa, 9 de Junho de 2016





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[Lurdes Toscano]





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[Ana Pinhol]





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[Jorge Cortês]



(1)Anotação nº 5 ao artigo 9º do CPPT, Anotado e Comentado, Jorge Lopes de Sousa, 1º Vol., 6ªEdição.