Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1581/13.4BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/28/2018
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
ILICITUDE
ACTO MÉDICO
Sumário:i)A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por actos de gestão pública assenta nos pressupostos de idêntica responsabilidade prevista na lei civil – artigos 483º a 510º e 562º a 572º, do Código Civil – com as especialidades resultantes das normas próprias relativas à responsabilização de entes públicos previstas actualmente na Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2008, de 17 de Julho (anteriormente no Decreto-Lei n.º 48051).

ii)Assim, a efectivação desta responsabilidade pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos (cfr. artigo 483º do Código Civil):
a) O acto voluntário de um órgão ou seu agente, no exercício das suas funções e por causa delas, que pode revestir a forma de acção ou omissão;
b) A ilicitude, que advém da ofensa, por esse facto, de direitos ou de disposições legais que se destinam a proteger interesses alheios;
c) A culpa, como nexo de imputação ético-jurídico que liga o facto à vontade do agente, que na forma de mera culpa se afere pela diligência que teria naquelas circunstâncias um funcionário ou agente típico. Pressupõe uma censura de ordem jurídica ao comportamento do lesante;
d) O dano, prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica do lesado. Só havendo direito a indemnização, no caso desta última, quando o dano, pela sua gravidade, avaliada segundo um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos, mereça a tutela do direito (cfr. artigo 496º, nº 1 do Código Civil);
e) O nexo de causalidade entre o facto (acto ou omissão) e o dano, a apurar segundo a teoria da causalidade adequada (cfr. artigo 563º do Código Civil), que pressupõe que os danos se apresentem como consequência normal, provável e típica do facto ilícito.

iii) Nada vindo provado que seja susceptível de determinar um comportamento ilícito por parte dos serviços clínicos do ora Recorrido, nenhuma violação das legis artis vindo sequer evidenciada, o pedido indemnizatório fundado em responsabilidade civil por acto ilícito tem necessariamente que improceder.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Aurora ………….. propôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa contra o Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto, IP., acção administrativa comum, na qual peticionou a condenação do R. ao pagamento da quantia de EUR 766.000,00, acrescida de juros vincendos, a título de indemnização por responsabilidade civil com fundamento na violação das legis artis médicas e que levaram à sua cegueira na sequência de intervenção cirúrgica efectuada nos serviços do R. (transplante da córnea ao olho esquerdo).

Por sentença de 29.06.2016 a acção foi julgada totalmente improcedente e o R, absolvido do pedido.

Nas alegações do recurso interposto a A., ora Recorrente, conclui do seguinte modo (conclusões após aperfeiçoamento, na sequência de despacho do relator):

1. A sentença nas suas páginas 12 e 13 refere que “a A. imputa ao R. conduta ilícita na realização do transplante de córnea ao olho esquerdo ocorrida no dia 21.2.2007, nas instalações e com médicos do quadro do R. Contudo, acerca de tal ilicitude, a A. alega um único artigo concretamente, o artº 8º da p.i."

2. Discorda-se desta análise, uma vez que foi dado como provado que a Ré foi operada (transplante da córnea ao olho esquerdo no dia 21.2.2007, nas instalações e com médicos do quadro da Ré).

3. Sendo falsa tal asserção.

4. A ilicitude do Réu decorre do fato do artigo 8º da p.i., conjugado com os factos dos artigos 13º, 15º, 16º, 17º e 18º também da p.i.

5. O Réu fez crer a Autora que tudo estaria bem, artigo 13º da p.i..

6. Como decorrência da intervenção cirúrgica do Réu, a Autora viu nascer uma úlcera dentro do seu olho esquerdo (artigo 15º da p.i.).

7. Úlcera que veio a rebentar (artigo 16º da p.i.).

8. Viu nascer um abecesso dentro do olho (artigo 17º da p.i.).

9. Como consequência de tudo isto a Autora veio a cegar do olho esquerdo (artigo 18'2 da p.i.).

10. Não obstante estes factos, a sentença na sua página 13, conclui "É quanto nos basta concluir que a A não alegou qualquer facto constitutivo da ilicitude da conduta imputada ao R., ocorrida em 21.2.2007".

11. Temos opinião contrária a esta conclusão.

12. No sentido de aferir a culpa do Réu vejamos: a intervenção cirúrgica efetuada pelo Réu realiza-se à 21.2.2007.

13. No ponto 13 dos factos provados: aí se diz que "o diagnóstico constante do boletim no Período constante de 21.2.2007 a 2.3.2007 refere a rejeição do enxerto da córnea".

14. Ponto 29, factos provados, em 26.3.2007 recorreu à urgência do Hospital de S.João por hipernia.

15. Ponto 33, factos provados, "Em 12.4.2007 recorreu à Urgência do Hospital de São João por queratite intersticial infecciosa e veio a ser transferida no mesmo dia para os serviços do R. onde foi internada e medicada, recuperando da situação querática."

16. Pontos 34 e 35, factos provados "foi observado que apresentava abecesso na córnea dadora."

17. Nos registos clínicos enviados pelo Hospital S. João do Porto, que deram entrada no tribunal a 13 de Dezembro de 2013, com o registo 361967, vem referido: "Recorreu ao SU em 12 de Abr 2007 por dores no OE desde ontem. Tem antecedentes de transplante de córnea efectuado em Inst. Gama Pinto em 21 Fev. 07. Tem dores oculares com úlcera de córnea no OE. A doente não tem visão útil no ol.d.. Tem edema de córnea. Não se conseguiu medir tensão ocular por irregularidades das miras. Interna-se para fazer protocolo de úlceras de córnea. Foi-lhe explicado da gravidade da situação não voltou".

18. Do exposto resulta o dano ocasionado a Autora pela deficiente intervenção cirúrgica realizada pelo, Réu. Sobre o assunto refere a jurisprudência, "II- Age com culpa, violando o dever objetivo de cuidado, o médico cujo procedimento clínico fica aquém do standard técnico/científico da actuação exigível ao profissional médio, nas circunstâncias do caso concreto." In Acórdão de 13-03-2012 do S.T.A., do Juiz Conselheiro Políbio Henriques.

19. No sentido de aferir a culpa do Réu vejamos: No ponto 68, factos provados," No dia 16.2.20011 na consulta de oftalmologia

20. No ponto 13 dos factos provados, aí se diz que "o diagnóstico constante do boletim no período de 21.2.2007 a 2.3 .2007 refere a rejeição do enxerto da córnea".

21. Ponto 29, factos provados, em 26.3.2007 recorreu à urgência do Hospital de São João por hipernia.

22. Ponto 33, factos provados, "Em 12.4.2007 recorreu à Urgência do Hospital São João por Queratíte intersticial infecciosa e veio a ser transferida no mesmo dia para os serviços do R. onde foi internada e medicada, recuperando da situação querátíca."

23. No ponto 68, factos provados, "No dia 16.2.2011 na consulta de oftalmologia do Hospital Egas Moniz, a A. referiu que o OE era o único do qual tinha qualquer visão, tendo perdido a visão AV em dezembro p.p. (rebentou todo, uma úlcera e uma bolha) cf.dos autos .

24. Ao apreciar deficientemente os factos supra referidos, a sentença viola o artigo 615º,nº 1, d) do C.P.C..

25. Factos que contrariamente ao expendido na sentença, demonstram a ilicitude imputada ao R., ocorrida em 21.2.2007.

26. Reúne a presente ação todos os pressupostos da responsabilidade extracontratual, ou seja:

1º O facto voluntário do Réu (intervenção cirúrgica efetuada por este).

2º O facto do agente é ilícito (intervenção cirúrgica, transplante da córnea que não é de risco elevado).

3º O dano (no caso concreto traduzido na cegueira da Autora) .

4º O nexo de causalidade entre o facto ilícito praticado pelo Réu e o dano sofrido pela Autora.

27. A Ré juntou aos autos a 29 Nov 2013 a tradução de um documento, sobre o transplante da córnea, que diz que a mesma não é uma intervenção cirúrgica de grande risco.

28. Não se pronuncia pela não junção pela Ré da ressonância magnética e a ecografia pélvica efetuada a Autora pelo Réu, viola também o artigo 615º,nº 1, d) do C.P.C.

29. Não se pronuncia pela não junção pela Ré da ressonância magnética e a ecografia pélvica efetuada a Autora pelo Réu, violando também o artigo 615º,nº 1, d) do C.P.C.

30. A Mmª Juíza não realiza o depoimento de parte, embora a Autora tenha justificado as suas faltas ao mesmo, com atestados médicos onde invoca razões de saúde.

31. Em nossa modesta opinião a Meritíssima devia ter lançado mão, a comunicação direta do tribunal com o depoente.

32. Não o fazendo privou a Autora de se pronunciar sobre os relatórios que o Réu juntou e aqueles que não juntou.

33. Tornando nulo todo o processado desde a notificação de parte até a sentença, incluindo esta, violando o disposto no artigo 195, nº 1 do C.P.C..

34. A este propósito refere o Acórdão de 04-02-2016, 1ª Secção do S.T.A., Juíza Conselheira Ana Paula Portela:

"I- Resulta do princípio do contraditório que o Juiz não deve decidir qualquer questão, de facto ou de direito, mesmo que conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre ele se pronunciarem, para que se possa assegurar a sua participação efetiva no desenvolvimento do litígio.

II- (…) a audição de partes, é suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, pelo que constitui nulidade processual secundária (art. 195º,nº 1 do C.P.C.).

35. De tudo isto resulta que a cegueira da Autora não resulta, como o Réu invoca, das repetidas intervenções fora das instalações deste.

36. Infecção essa que decorre da deficiente assistência que lhe foi prestada, e do fato de não lhe ter sido ministrada a medicação adequada.




O Recorrido, Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto, contra-alegou pugnando pela manutenção da sentença recorrida.


O Ministério Público foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA.

Após vistos legais, importa apreciar e decidir.



I. 1. Questões a apreciar e decidir:

Apesar do deficiente cumprimento do determinado quanto ao aperfeiçoamento das conclusões de recurso – a função das conclusões é definir o objecto do recurso, através da identificação abreviada dos fundamentos ou razões jurídicas, já desenvolvidas nas alegações -, é possível identificar as razões de discordância da Recorrente relativamente ao decidido, o que se traduzirá em apreciar:

- Se a sentença do Tribunal a quo é nula por omissão de pronúncia acerca da junção de documentos efectuada pelo R.;

- Se o Tribunal a quo incorreu em nulidade processual ao não realizar o depoimento de parte requerido; e

- Se o Tribunal a quo errou ao considerar não existir fundamento para responsabilidade civil, por falecimento do pressuposto da ilicitude.



II. Fundamentação

II.1. De facto

Na sentença recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto:

1- A A. reside no ……….., ……, Morreira, ….. B……., cf. doc. de fls 169, 256 e fls 407 dos autos em suporte de papel;

2- A A. indicou na p.i. a seguinte residência “E……..– . ., Largo do Rato 1250-999 Lisboa;

3- A A. foi observada pela primeira vez nos serviços do R. em março de 2000, altura em que foi observado que:

“Enxerto de córnea transparente OD e OE. O enxerto do OD está levemente descentrado e verifica-se ter sido submetida a cirurgia refractiva de astigmatismo do OE. Astigmatismo irregular.

Apresentava na altura acuidade visual de <1/10 no OD e 3/10 no OE com cilindros de cerca de 10 dioptrias em ambos os olhos.” cf. relatório médico de 11.7.2007, a fls 48 do processo instrutor e resumo clínico da 1.ª consulta a fls 239 do p.a.;

4- Na 1.ª consulta a A. disse querer repetir a cirurgia refractiva, tendo-lhe sido dito que tal cirurgia não se realizava nos serviços do R., cf. fls 239 v.º;

5- Na consulta do dia 5.9.2001 foi registado que a A. “teve úlcera OD há 1 mês.”, cf. fls 240 do p.a.;

6- A A. pediu ao R. que elaborasse relatório sobre a possibilidade de cura da sua situação clínica em Portugal ou em qualquer outro país (cf. fls 231 do p.a.), constando do relatório de 3.5.2001, junto a fls 224 do p.a. “que não há cura, nem em Portugal, nem em qualquer outro país.”

7- Na consulta do dia 2.6.2005 foi registado que a A. “Está a fazer rejeição córnea OE.”, cf. fls 240 v.º do p.a.;

8- Em 22.5.2006 as visões eram de : AVOD<1/10 e AVOE 2/10, cf. relatório médico de 31.5.2006, a fls 209 do p.a.;

9 - Continuou a ser seguida nos serviços do R., desde a 1.ª consulta, cf. processo instrutor;

10- Em abril de 2006 fez início de rejeição do enxerto do OE, que estabilizou com terapêutica, mas resultando queratite bolhosa na porção inferior da córnea, tendo sido proposto novo transplante a esse olho, cf. relatório médico de 11.7.2007, a fls 48 do processo instrutor;

11- A A. foi operada nos serviços do R. no dia 21.2.2007, de queratoplastia penetrante OE, tendo na altura 44 anos de idade, cf. relatório médico de 10.4.2007, a fls 54 do processo instrutor, registo da observação clínica de fls 244 do p.a. e registo da cirurgia de fls 249 do p.a.;

12- Tinha sido previamente transplantada a OD há cerca de 20 anos e OE há 10 anos, ambos por queratocone, cf. relatório médico de 10.4.2007, a fls 54 do processo instrutor;

13- O diagnóstico constante do boletim de admissão e alta do internamento ocorrido no período de 21.2.2007 a 2.3.2007 refere rejeição do enxerto córnea, cf. fls 34 v.º do processo instrutor e fls 95 do p.a., ou seja, a A. rejeitou o enxerto feito naquele olho há 10 anos atrás;

14- No dia 21.2.2007 foram administrados à A. os fármacos constantes de fls 99 do p.a.;

15- No diário de enfermagem do dia 22.2.2007 consta que pelas 18h foi feito o tratamento ocular prescrito, cf. fls 105 do p.a.;

16- No diário de enfermagem do dia 23.2.2007 (M) consta que mantém o tratamento ocular prescrito, cf. fls 105 v.º do p.a.;

17- No diário de enfermagem do dia 24.2.2007 (M) consta que foi feito o tratamento ocular prescrito, cf. fls 106 do p.a.;

18- No diário de enfermagem do dia 25.2.2007 (M) consta que foi feito o tratamento ocular prescrito, cf. fls 107 do p.a.;

19- No diário de enfermagem do dia 26.2.2007 (M) consta que foi feito o tratamento ocular prescrito, cf. fls 108 v.º do p.a.;

20- No diário de enfermagem do dia 27.2.2007 (T) consta que foi feito o tratamento ocular prescrito, cf. fls 109 do p.a.;

21- No diário de enfermagem do dia 28.2.2007 (M) consta que foi feito o tratamento ocular prescrito, cf. fls 109 v.º do p.a.;

22- No diário de enfermagem do dia 1.3.2007 (M) consta que foi feito o tratamento ocular prescrito, cf. fls 110 do p.a.;

23- No diário de enfermagem do dia 2.3.2007 (M) consta que foi feito o tratamento ocular prescrito, cf. fls 110 v.º do p.a.;

24- O tratamento prescrito consta das folhas de Terapeutica de fls 155 e 173 do p.a.;

25- Após a intervenção cirúrgica de 21.2.2007, até à alta ocorrida em 2.3.2007, A. foi observada nos dias 22, 23, 26, 27 e 28.2.2007 e nos dias 1 e 2 .3.2007, cf. 178, 178 v.º, 179, 179 v.º do p.a. conjugados com fls 244 v.º, 246 e 246 v.º do p.a.;

26- No dia da alta, foram-lhe prescritos medicamentos, cf. fls 244 v.º;

27- No diário de enfermagem do dia 2.3.2007 consta que a A. “levou 38 comprimidos de Ciclosporina que tinha sido adquirida pelo IOGP propositadamente para a doente”, cf. fls 110 v.º do p.a.;

28- Teve alta no dia 2.3.2007, continuando a ser seguida na consulta externa, com evolução favorável, atingiu acuidade visual corrigida de 4/10 no dia 21.3.2007, cf. relatório médico de 10.4.2007, a fls 54 do processo instrutor, bem como os boletins de admissão e de alta de fls 34-35 do processo instrutor;

29- Em 26.3.2007 recorreu à urgência do Hospital de São João (cf. fls 96 do p.a.) por hiperémia OE e baixa acuidade visual, tendo sido diagnosticado uveíte no OE e feita a respectiva terapêutica. cf. relatório médico de 10.4.2007, a fls 54 do processo instrutor;

30- Foi reinternada nos serviços do R. no dia 27.3.2007, a situação estabilizou e teve alta no dia 4.4.2007, com indicação de consulta a 11.7.2007 cf. relatório médico de 10.4.2007, a fls 54 do processo instrutor;

31- O diagnóstico constante do boletim de admissão e alta do internamento ocorrido no período de 27.3.2007 a 4.4.2007 refere uveíte e abcesso da córnea, cf. fls 32 v.º do processo instrutor;

32- Em 4.4.2007 tinha redução de acuidade visual para 1/10, cf. relatório médico de 11.7.2007, a fls 50 do processo instrutor;

33- Em 12.4.2007 recorreu à Urgência do Hospital de São João por queratite intersticial infecciosa e veio a ser transferida no mesmo dia para os serviços do R. onde foi internada e medicada, recuperando da situação querática, cf. relatório médico de 11.7.2007, a fls 50 do processo instrutor e fls 254 a 258 v.º do mesmo p.a.;

34- Em 12.4.2007, a consulta da Urgência do Hospital de São João registou o seguinte:

« Texto no original»

35- Em 12.4.2007, foi observado que apresentava abcesso na córnea dadora correspondente a um ponto, cf. fls 254 do p.a. e depoimento de parte do R.;

36- Em 14.4.2007, foi observado que apresentava melhorias sendo a inflamação mais superficial, cf. fls 254 v.º do p.a. e depoimento de parte do R.;

37 - Em 4.6.2007 a VOE era de 0,2, cf. fls 258 v.º do p.a.;

38- Teve alta a 6.6.2007, sendo reobservada em 19.6.2007 com situação oftalmológica estável e acuidade visual do OE de 3/10 com lente de +2 00 +3 00 (180º) cf. relatório médico de 11.7.2007, a fls 50 do processo instrutor;

39- O diagnóstico constante do boletim de admissão e alta do internamento ocorrido no período de 12.4.2007 a 6.6.2007 refere abcesso da córnea, cf. fls 30 v.º do processo instrutor e observação clínica realizada no dia 13.4.2007;

40- Esteve sem queixas e com acuidade visual mantida de junho 2007 a 13.3.2008, altura em que foi observado que apresentava catarata no olho esquerdo, cf. fls 258 v.º a 261 do p.a.;

41- Em 8.7.2008 foi proposta à A. cirurgia da catarata ao OE sob anestesia geral, cf. fls 261 v.º do p.a.;

42- A A. recusou a intervenção sob anestesia geral e deixou de comparecer às consultas nos serviços do R. entre 25.9.2008 até 30.4.2009, cf. fls 261 v.º e 266 do p.a. e recusa em prestar declarações;

43- Na consulta de 30.4.2009, nos serviços do R. foi verificado que a A. tinha sido operada a catarata do OE há 1 mês e a catarata do OD há 1 semana, em local e por cirurgião que não revelou, cf. fls 266 v.º do p.a.;

44 - Em 16.6.2009 a VOE s/c era de 0,4, cf. fls 266 v.º do p.a.;

45 - Em 8.7.2009 a VOE s/c era de 0,5?, cf. fls 266 v.º do p.a.;

46 - Em 10.9.2009 a VOE s/c era de 0,5?, cf. fls 270 do p.a.;

47 - Em 1.10.2009 a VOE s/c era de 0,63, cf. fls 270 do p.a.;

48 - Na consulta de 10.12.2009 a A. apresentou queixas de dificuldade visual e mal estar OE, cf. fls 270 do p.a.;

49 - Em 21.1.2010 a VOE s/c era de 0,4, cf. fls 270 v.º do p.a.; 50 - Em 18.2.2010 a VOE s/c era de 0,4, cf. fls 270 v.º do p.a.;

51- Em 18.3.2010 a VOE s/c era de 0,3, sendo que a A. não deixou fazer a medição da TO, cf. fls 270 v.º do p.a.;

52- Na consulta de 28.6.2010, a A. disse ter feito laser (Capsulotomia Yag laser) do OE há 6 semanas, em local e por cirurgião que não revelou, sendo a VOE, s/c, de 0,20 cf. fls 272 do p.a.;

53- Na consulta de 6.5.2010, a A. disse ter feito laser do OE há pouco tempo, cf. fls 272 do p.a.;

54- Na consulta de 29.7.2010, foi observado “Córnea + descompensada. Tem indicação para enxerto lamelar posterior que não executamos no IOGP”, tendo sido, na altura, sido indicados 3 hospitais que a realizavam mas que a A. recusou por querer ir para o Hospital de Santa Maria, cf. fls 272 v.º;

55- Na consulta do dia 6.12.2010, a A. apresentou queixas de dores no OE e baixa de acuidade visual. Foi observada úlcera da córnea com uma lc. A lc. cobre a córnea mas fez prega. Sem secreção. Úlcera em fase de cicatrização. Mudo a lc. mas fez prega, embora mais pequena.”, cf. fls 274 do p.a.;

56- Na consulta do dia 17.12.2010, a A. apresentou queixas de picadas. Lacrimeja e prurido. Foi observada queratite bolhosa com úlcera em fase de cicatrização, cf. fls 274 do p.a.;

57- Na consulta do dia 20.12.2010, a A. apresentou queixas de picadas. Foi observado que mantém queratite bolhosa inferior com úlcera já cicatrizada, cf. fls 274 e 274 v.º do p.a.;

58- Na consulta do dia 5.1.2011 foi observada a cicatrização da lesão corneana, mas que mantém queratite bolhosa, cf. fls 274 v.º do p.a.;

59- Na mesma consulta de 5.1.2011, a A. recusou receber a carta com a marcação da consulta nos HUCoimbra para a próxima 2.ª feira, dia 10.1.2011 para ser transplantada e recusa sair das instalações do IOG, dizendo para ser chamada a polícia pois quer ir ao Juiz de Instrução do tribunal. Pede novo relatório médico alegando que perdeu o anterior, cf. fls 274 v.º do p.a.;

60- Na consulta do dia 13.1.2011 foi observado que o enxerto do OE estava turvo, a A. mais calma e colaborante mas mantendo ameaças, cf. fls 276 do p.a.;

61- Na consulta do dia 20.1.2011 a A. manteve a ameaça de se queixar a tribunal superior, tendo sido informada de que inexiste equipa médica da subespecialidade que a acompanha clinicamente, estando a ser tratada a transferência da doente para o H Sta Maria, de acordo com o seu pedido, cf. fls 276 v.º do p.a.;

62- Na consulta do dia 27.1.2011 a A. foi informada de que inexiste equipa médica da subespecialidade que a acompanha clinicamente, estando a ser tratada a transferência da doente para o H Sta Maria, de acordo com o seu pedido, cf. fls 276 v.º e 277 do p.a.;

63- O HSta Maria veio a recusar o pedido de transferência que lhe foi dirigido pelo R., cf. docs 1 a 6 juntos com a contestação;

64- Em janeiro de 2011 os médicos da consulta de córnea do R. solicitaram ao respectivo Conselho de Administração dispensa de acompanhamento da A. por se ter quebrado a relação de confiança médico/doente após ter sido apresentada pela A., denúncia criminal na PSP que veio a ser arquivada (acordo);

65- No dia 3.2.2011 a A. recusa ser acompanhada no HSM mostrando agressividade, cf. fls 277 do p.a.;

66- No dia 10.2.2011, a A. refere ter ido à urgência do HSJosé na passada 6.ª feira, onde lhe propuseram um transplante da membrana amniótica. Foi, de novo, informada de que não poderia continuar a ser seguida nos serviços do R. por falta de recurso humanos da subespecialidade, cf. fls 277 v.º e 278 do p.a.;

67- No dia 17.2.2011 referiu em consulta que foi à urgência do HSJosé no dia 10.2.2011. Foi informada de que tem aceitação no HS.João – equipa da córnea, Dr. Raúl Moreira, no dia 24.2.2011, 9h. Foi lida alta a carta à A. que não recebeu bem a orientação, cf. fls 278 do p.a.;

68- No dia 16.2.2011, na consulta de oftalmologia do Hospital Egas Moniz, a A. referiu que o “OE era o único olho do qual ainda tinha qualquer visão, tendo perdido AV em dezembro p.p. (rebentou todo, uma úlcera e uma bolha), cf. fls 189 dos autos em suporte de papel;

69- No dia 21.2.2011, na consulta de oftalmologia do Hospital Egas Moniz, a A. insiste em que quer fazer um novo transplante, cf. fls 190 dos autos em suporte de papel;

70- No registo da consulta de oftalmologia do Hospital Egas Moniz do dia 4.4.2011 consta “OE extinto”, cf. fls 192 dos autos em suporte de papel;

71- No dia 14.8.2012 na consulta de oftalmologia do Hospital Egas Moniz a A. foi proposta para PK com anestesia geral , após lhe ter sido explicado mais uma vez, o risco e a pouca probabilidade de recuperação da acuidade visual (AV), cf. fls 193 dos autos em suporte de papel;

72- No dia 16.8.2012 ocorreu a queratoplastia penetrante do OE sob anestesia geral, no Hospital Egas Moniz, cf. fls 195 dos autos em suporte de papel;

73- Teve alta no dia 23.8.2012, sendo a AV de movimentos de mão a 10cm, cf. fls 195 dos autos em suporte de papel;

74- A última consulta no Hospital Egas Moniz ocorreu no dia 11.11.2013, cf. fls 206 dos autos em suporte de papel;

75- O Hospital Egas Moniz esclareceu que a queratoplastia penetrante do OE realizada no dia 16.8.2012.

« Texto no original»

76– A A. foi seguida na consulta da Córnea no Hospital de Santo António, Porto, desde 1993 por queratocone bilateral e miopia alta, já com antecedentes de cirurgia do OE. O OD é sujeito a queratoplastia penetrante em 24.9.1996, cf. fls 96 dos autos em suporte de papel. Na última observação em 3.8.2005 a visão do OD era inferior a 1/10 e de 1/10 no OE por astigmatismo pós cirúrgico elevado, os enxertos apresentavam-se transparentes, cf. fls 80 dos autos em suporte de papel;

77- A A. foi operada ao OE por estigmatismo em 29.2.93, no Hospital de Santo António, Porto cf. fls 98 dos autos em suporte de papel;

78- A partir do mês de março/2000, a A. marcou e teve consultas da córnea no Hospital de Santo António, Porto, nos dias 31.3.2000, 29.5.2000, 8.6.2000, 9.8.2000, 18.12.2000, 25.9.2001, 3.10.2002, tendo faltado a várias consultas, cf. fls 91- 94dos autos em suporte de papel;

79- A A. não apresentou declarações de IRS anteriores ao ano de 2011, cf. doc. de fls 255 dos autos de suporte de papel;

80- A A. auferiu duas pensões no ano de 2011, uma no montante global de €3 223,32 e outra no valor total de €4 103,40, cf. declaração de IRS relativa ao não de 2012, junta a fls 259-259 v.º dos autos em suporte de papel;

81- A A. auferiu duas pensões no ano de 2012, uma no montante global de €3 223,36 e outra no valor total de €4 775,82, cf. declaração de IRS relativa ao não de 2011, junta a fls 257-258 dos autos em suporte de papel;

82- A A. foi notificada para prestar depoimento de parte, mas não compareceu, cf. atas de fls 321-322, atas de 20.1.2015, 7.10.2015, do processo em suporte de papel não numerado.

Factos não provados Não ficou provado que:

1– A úlcera e abcesso no olho esquerdo tenham surgido em maio de 2007 e rebentado nesse mesmo mês;

2– A A. cegou do olho esquerdo em inícios de julho de 2007;

3– A A. trabalhava como mulher-a-dias para a Dona Maria da Costa, na casa desta, auferindo €600,00 mensais.

No tribunal a quo foi exarada a seguinte motivação da decisão sobre a matéria de facto:

A convicção do tribunal quanto aos factos não provados assentou na prova documental junta aos autos e ao p.a. e da prova de factos contrários, designadamente, as medições da visão do OE posteriores a maio de 2007. Quanto ao alegado trabalho como mulher-a-dias, a alegada empregadora tem o nome da mãe da A., sendo que a A. não apresenta quaisquer descontos para a segurança social.



II.2. De direito

Comecemos por tentar dar um fio condutor ao alegado pela Recorrente que permita conhecer das questões que nos vêm colocadas no recurso interposto.

Em primeiro lugar, pretende a Recorrente que a sentença recorrida é nula, uma vez que “[n]ão se pronuncia pela não junção pela Ré da ressonância magnética e a ecografia pélvica efetuada a Autora pelo Réu, violando também o artigo 615º,nº 1, d) do C.P.C. Ou seja, entende que se verifica uma nulidade por omissão de pronúncia por ausência de conhecimento acerca de um meio de prova.

Ora, e admitindo que o vício assacado à sentença seria susceptível de consubstanciar uma nulidade decisória – que não é - certo é que para sustentar essa conclusão, a Recorrente nada alega de concreto para além do que refere em 18.º e 19.º da sua alegação de recurso: “18º- A sentença ao não se pronunciar pela não junção aos autos da ressonância magnética – onde consta a infecção – e a ecografia pélvica, efectuada pela demandada a Autora, viola também o artigo 615º, nº1 1 d) do CPC. // 19º- Deixa de apreciar o que devia apreciar, enfermando de nulidade.

Com efeito, não só o meio de prova não é minimamente identificado, como nada é concretizado por referência a este, nem sequer do mesmo ensaia a Recorrente retirar qualquer efeito útil de um eventual sentido probatório para a decisão. Donde, não se mostrar possível conhecer da existência de nulidade secundária.

Com o que improcede o recurso nesta parte.

Em segundo lugar, vejamos se há nulidade processual por não ter sido produzido o depoimento de parte da Autora.

Avança a Recorrente que a não realização do depoimento de parte da Autora – cuja falta foi justificada – privou esta de se pronunciar sobre os relatórios que o Réu juntou e aqueles que não juntou, fundamentais para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.

Salvo o devido respeito esta alegação é inoportuna e esquece o que ocorreu em Juízo.

Com efeito, veja-se o que consta da acta de audiência das partes, realizada em 20.01.2015, a fls. 415-418:

“(…) iniciou-se a diligência pelas 14,15 horas, tendo seguidamente pela sr.ª funcionária sido informado que a Autora telefonou para a 2.ª UO, tendo falado com a Sra. Escrivã-Direito a dar conhecimento que se encontrava no Hospital e depois justificaria a falta. // Seguidamente, pelo Ilustre Mandatário da Autora, após suspensão da sessão, para poder contactar telefonicamente a A., foi solicitada a palavra e tendo-lhe sido concedida, por este, no seu uso, foi dito que: «Não obstante a verificada falta da Autora, e dado que acabou neste momento, 14:45 horas, de contactar a mesma através do nº ………………….., a fim de saber se a mesma iria comparecer, uma vez que se encontrava nas Urgências do Hospital de São José a fim de ser observada e que não desejava a suspensão da audiência por motivo da sua falta, tendo interesse na mais célere resolução do caso e que posteriormente faria chegar ao Mandatário a declaração necessária com vista à justificação da sua falta nos termos legais (…). Face ao exposto requer a prossecução imediata da audiência.[sublinhados nossos]”

Ou seja, pelo I. Advogado representante da A. foi requerida a prossecução imediata da audiência, ficando naturalmente prejudicada a audição da parte, sendo que não foi sequer requerida sua audição em momento posterior. Nenhuma nulidade se verificou, portanto.

Pelo que, também nesta parte improcede o recurso.

Em terceiro lugar, atentemos no erro de julgamento que vem imputado à sentença recorrida, por nesta se ter considerado não existir fundamento para responsabilidade civil, por falta de preenchimento do pressuposto da ilicitude. Do que nos é dado perceber, tal adviria de uma errada valoração da matéria de facto.

Neste capítulo, comece por se deixar estabelecido que a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo não vem sujeita a qualquer impugnação, pelo que tem esta que se dar por devidamente estabilizada.

Continuando, afirma a Recorrente que foi dado como provado que a Autora foi operada (transplante da córnea ao olho esquerdo) no dia 21.02.2007, nas instalações e com médicos do quadro da Ré e que “os factos constantes dos artigos 6º a 12º deste recurso demonstram, que contrariamente ao expendido na sentença, é evidente ilicitude imputada ao Réu”. Essa dita factualidade - ponto prévio - é da sentença e não do recurso e traduz-se no acervo probatório que toma por referência o historial clínico relevante contemporâneo daquela intervenção cirúrgica. Ou seja:

7- Na consulta do dia 2.6.2005 foi registado que a A. “Está a fazer rejeição córnea OE.”, cf. fls 240 v.º do p.a.;

8- Em 22.5.2006 as visões eram de : AVOD<1/10 e AVOE 2/10, cf. relatório médico de 31.5.2006, a fls 209 do p.a.;

9 - Continuou a ser seguida nos serviços do R., desde a 1.ª consulta, cf. processo instrutor;

10- Em abril de 2006 fez início de rejeição do enxerto do OE, que estabilizou com terapêutica, mas resultando queratite bolhosa na porção inferior da córnea, tendo sido proposto novo transplante a esse olho, cf. relatório médico de 11.7.2007, a fls 48 do processo instrutor;

11- A A. foi operada nos serviços do R. no dia 21.2.2007, de queratoplastia penetrante OE, tendo na altura 44 anos de idade, cf. relatório médico de 10.4.2007, a fls 54 do processo instrutor, registo da observação clínica de fls 244 do p.a. e registo da cirurgia de fls 249 do p.a.;

12- Tinha sido previamente transplantada a OD há cerca de 20 anos e OE há 10 anos, ambos por queratocone, cf. relatório médico de 10.4.2007, a fls 54 do processo instrutor;

13- O diagnóstico constante do boletim de admissão e alta do internamento ocorrido no período de 21.2.2007 a 2.3.2007 refere rejeição do enxerto córnea, cf. fls 34 v.º do processo instrutor e fls 95 do p.a., ou seja, a A. rejeitou o enxerto feito naquele olho há 10 anos atrás;

14- No dia 21.2.2007 foram administrados à A. os fármacos constantes de fls 99 do p.a.;

15- No diário de enfermagem do dia 22.2.2007 consta que pelas 18h foi feito o tratamento ocular prescrito, cf. fls 105 do p.a.;

16- No diário de enfermagem do dia 23.2.2007 (M) consta que mantém o tratamento ocular prescrito, cf. fls 105 v.º do p.a.;

17- No diário de enfermagem do dia 24.2.2007 (M) consta que foi feito o tratamento ocular prescrito, cf. fls 106 do p.a.;

18- No diário de enfermagem do dia 25.2.2007 (M) consta que foi feito o tratamento ocular prescrito, cf. fls 107 do p.a.;

19- No diário de enfermagem do dia 26.2.2007 (M) consta que foi feito o tratamento ocular prescrito, cf. fls 108 v.º do p.a.;

20- No diário de enfermagem do dia 27.2.2007 (T) consta que foi feito o tratamento ocular prescrito, cf. fls 109 do p.a.;

21- No diário de enfermagem do dia 28.2.2007 (M) consta que foi feito o tratamento ocular prescrito, cf. fls 109 v.º do p.a.;

22- No diário de enfermagem do dia 1.3.2007 (M) consta que foi feito o tratamento ocular prescrito, cf. fls 110 do p.a.;

23- No diário de enfermagem do dia 2.3.2007 (M) consta que foi feito o tratamento ocular prescrito, cf. fls 110 v.º do p.a.;

24- O tratamento prescrito consta das folhas de Terapeutica de fls 155 e 173 do p.a.;

25- Após a intervenção cirúrgica de 21.2.2007, até à alta ocorrida em 2.3.2007, A. foi observada nos dias 22, 23, 26, 27 e 28.2.2007 e nos dias 1 e 2 .3.2007, cf. 178, 178 v.º, 179, 179 v.º do p.a. conjugados com fls 244 v.º, 246 e 246 v.º do p.a.;

26- No dia da alta, foram-lhe prescritos medicamentos, cf. fls 244 v.º;

27- No diário de enfermagem do dia 2.3.2007 consta que a A. “levou 38 comprimidos de Ciclosporina que tinha sido adquirida pelo IOGP propositadamente para a doente”, cf. fls 110 v.º do p.a.;

28- Teve alta no dia 2.3.2007, continuando a ser seguida na consulta externa, com evolução favorável, atingiu acuidade visual corrigida de 4/10 no dia 21.3.2007, cf. relatório médico de 10.4.2007, a fls 54 do processo instrutor, bem como os boletins de admissão e de alta de fls 34-35 do processo instrutor;

29- Em 26.3.2007 recorreu à urgência do Hospital de São João (cf. fls 96 do p.a.) por hiperémia OE e baixa acuidade visual, tendo sido diagnosticado uveíte no OE e feita a respectiva terapêutica. cf. relatório médico de 10.4.2007, a fls 54 do processo instrutor;

30- Foi reinternada nos serviços do R. no dia 27.3.2007, a situação estabilizou e teve alta no dia 4.4.2007, com indicação de consulta a 11.7.2007 cf. relatório médico de 10.4.2007, a fls 54 do processo instrutor;

31- O diagnóstico constante do boletim de admissão e alta do internamento ocorrido no período de 27.3.2007 a 4.4.2007 refere uveíte e abcesso da córnea, cf. fls 32 v.º do processo instrutor;

32- Em 4.4.2007 tinha redução de acuidade visual para 1/10, cf. relatório médico de 11.7.2007, a fls 50 do processo instrutor;

33- Em 12.4.2007 recorreu à Urgência do Hospital de São João por queratite intersticial infecciosa e veio a ser transferida no mesmo dia para os serviços do R. onde foi internada e medicada, recuperando da situação querática, cf. relatório médico de 11.7.2007, a fls 50 do processo instrutor e fls 254 a 258 v.º do mesmo p.a.;

34- Em 12.4.2007, a consulta da Urgência do Hospital de São João registou o seguinte:

« Texto no original»

35- Em 12.4.2007, foi observado que apresentava abcesso na córnea dadora correspondente a um ponto, cf. fls 254 do p.a. e depoimento de parte do R.;

36- Em 14.4.2007, foi observado que apresentava melhorias sendo a inflamação mais superficial, cf. fls 254 v.º do p.a. e depoimento de parte do R.;

37 - Em 4.6.2007 a VOE era de 0,2, cf. fls 258 v.º do p.a.;

38- Teve alta a 6.6.2007, sendo reobservada em 19.6.2007 com situação oftalmológica estável e acuidade visual do OE de 3/10 com lente de +2 00 +3 00 (180º) cf. relatório médico de 11.7.2007, a fls 50 do processo instrutor;

39- O diagnóstico constante do boletim de admissão e alta do internamento ocorrido no período de 12.4.2007 a 6.6.2007 refere abcesso da córnea, cf. fls 30 v.º do processo instrutor e observação clínica realizada no dia 13.4.2007;

40- Esteve sem queixas e com acuidade visual mantida de junho 2007 a 13.3.2008, altura em que foi observado que apresentava catarata no olho esquerdo, cf. fls 258 v.º a 261 do p.a.;

41- Em 8.7.2008 foi proposta à A. cirurgia da catarata ao OE sob anestesia geral, cf. fls 261 v.º do p.a.;

42- A A. recusou a intervenção sob anestesia geral e deixou de comparecer às consultas nos serviços do R. entre 25.9.2008 até 30.4.2009, cf. fls 261 v.º e 266 do p.a. e recusa em prestar declarações;

43- Na consulta de 30.4.2009, nos serviços do R. foi verificado que a A. tinha sido operada a catarata do OE há 1 mês e a catarata do OD há 1 semana, em local e por cirurgião que não revelou, cf. fls 266 v.º do p.a.;

Ora, de toda esta factualidade o que é possível extrair é antes que a A. foi operada nos serviços do R. e após o transplante registou uma melhoria da acuidade visual (cfr. 11, 14 a 28 do probatório); que a uveíte no OE foi diagnosticada e medicada no H. São João (idem, 29); que entre 27.03.2007 e 4.04.2007 foi reinternada nas instalações do R. com uveíte e abcesso da córnea do OE, tendo sido tratada e estabilizada a acuidade visual (idem, 30, 31 e 32); que foi tratada nos serviços do R. e verificou uma melhoria do OE (idem, 33 e 35 a 39).

Malogradamente em 13.03.2008, ou seja, 1 ano e três semanas após a intervenção cirúrgica nos serviços do R., a A. e ora Recorrente, veio a apresentar catarata no OE (cfr. 40 do probatório), o que constitui uma nova patologia.

E perante a “nova” situação clínica detectada, o Réu propôs à A. a cirurgia da catarata sob anestesia geral (cfr. 41 do probatório), o que por esta foi recusado (idem, 42), deixando de comparecer às consultas nos serviços do R. entre 25.09.2008 até 30.04.2009 (ibidem).

Perante esta sucessão de facto, terá que se acompanhar o Recorrido quando afirma que “é evidente que não se pode extrair que se tenha verificado qualquer ato ilícito por parte dos técnicos do Réu que tudo fizeram de acordo com a legis artis.// O que na verdade se pode extrair é que a A. já tinha feito um enxerto ao OE que acabou por ser rejeitado, voltando a fazer outro nas instalações do Réu, verificando-se uma sucessão de patologias que em nada estão relacionadas com a intervenção cirúrgica realizada, antes se devendo às próprias características da A., às quais o Réu é alheio já que são inatas.

Nesta medida, nada vindo provado que seja susceptível de determinar um comportamento ilícito por parte dos serviços do Réu, ora Recorrido, o pedido indemnizatório fundado em responsabilidade civil por acto ilícito está necessariamente votado ao insucesso. Em boa verdade, de todo este complexo factual não pode concluir-se que houve por parte dos serviços do R. uma actuação, desde logo, ilícita e, consequentemente, culposa.

E assim sendo, uma vez que os requisitos de que depende o dever de indemnizar decorrente da responsabilidade civil, são cumulativos, a inverificação de um deles implica a irrelevância da eventual ocorrência dos restantes. Sendo que, importa deixar referido, também não se vislumbra, da análise concatenada que fazemos da matéria de facto provada, não só inexiste facto ilícito e culpa, como não é será possível dar como provada a existência de um nexo de causalidade entre o facto e os resultados danosos que vêm evidenciados nos autos (cegueira do OE).

A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por actos de gestão pública assenta nos pressupostos de idêntica responsabilidade prevista na lei civil – artigos 483º a 510º e 562º a 572º, do Código Civil – com as especialidades resultantes das normas próprias relativas à responsabilização de entes públicos previstas actualmente na Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2008, de 17 de Julho (anteriormente no Decreto-Lei n.º 48051).

Assim, a efectivação desta responsabilidade pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos (cfr. artigo 483º do Código Civil):

a) O acto voluntário de um órgão ou seu agente, no exercício das suas funções e por causa delas, que pode revestir a forma de acção ou omissão;

b) A ilicitude, que advém da ofensa, por esse facto, de direitos ou de disposições legais que se destinam a proteger interesses alheios;

c) A culpa, como nexo de imputação ético-jurídico que liga o facto à vontade do agente, que na forma de mera culpa se afere pela diligência que teria naquelas circunstâncias um funcionário ou agente típico. Pressupõe uma censura de ordem jurídica ao comportamento do lesante;

d) O dano, prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica do lesado. Só havendo direito a indemnização, no caso desta última, quando o dano, pela sua gravidade, avaliada segundo um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos, mereça a tutela do direito (cfr. artigo 496º, nº 1 do Código Civil);

e) O nexo de causalidade entre o facto (acto ou omissão) e o dano, a apurar segundo a teoria da causalidade adequada (cfr. artigo 563º do Código Civil), que pressupõe que os danos se apresentem como consequência normal, provável e típica do facto ilícito.

Ora, como se disse já, nada vindo provado que seja susceptível de determinar um comportamento ilícito por parte dos serviços do Réu, ora Recorrido, o pedido indemnizatório fundado em responsabilidade civil por acto ilícito não pode proceder. Tal como decidido no tribunal a quo.

Razões pelas quais tem este recurso que improceder.





III. Conclusões

i) A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por actos de gestão pública assenta nos pressupostos de idêntica responsabilidade prevista na lei civil – artigos 483º a 510º e 562º a 572º, do Código Civil – com as especialidades resultantes das normas próprias relativas à responsabilização de entes públicos previstas actualmente na Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2008, de 17 de Julho (anteriormente no Decreto-Lei n.º 48051).

ii) Assim, a efectivação desta responsabilidade pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos (cfr. artigo 483º do Código Civil):

a) O acto voluntário de um órgão ou seu agente, no exercício das suas funções e por causa delas, que pode revestir a forma de acção ou omissão;

b) A ilicitude, que advém da ofensa, por esse facto, de direitos ou de disposições legais que se destinam a proteger interesses alheios;

c) A culpa, como nexo de imputação ético-jurídico que liga o facto à vontade do agente, que na forma de mera culpa se afere pela diligência que teria naquelas circunstâncias um funcionário ou agente típico. Pressupõe uma censura de ordem jurídica ao comportamento do lesante;

d) O dano, prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica do lesado. Só havendo direito a indemnização, no caso desta última, quando o dano, pela sua gravidade, avaliada segundo um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos, mereça a tutela do direito (cfr. artigo 496º, nº 1 do Código Civil);

e) O nexo de causalidade entre o facto (acto ou omissão) e o dano, a apurar segundo a teoria da causalidade adequada (cfr. artigo 563º do Código Civil), que pressupõe que os danos se apresentem como consequência normal, provável e típica do facto ilícito.

iii) Nada vindo provado que seja susceptível de determinar um comportamento ilícito por parte dos serviços do Réu, ora Recorrido, nenhuma violação das legis artis vindo sequer evidenciada, o pedido indemnizatório fundado em responsabilidade civil por acto ilícito tem necessariamente que improceder.




IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.


Custas pela Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido.

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2018


____________________________
Pedro Marchão Marques

____________________________
Helena Canelas

____________________________
Cristina Santos