Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2734/05.4BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/07/2020
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA / CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E DECISÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
INEXIGIBILIDADE
MUDANÇA DE DOMICÍLIO FISCAL
ÓNUS DA PROVA DA NOTIFICAÇÃO
Sumário:I - A contradição a que a lei impõe o efeito inquinatório da sentença, como nulidade, é a oposição entre os fundamentos e a decisão, tal como estabelece o artigo 615º, nº 1, alínea c) do CPC.
II - Tal nulidade verifica-se quando a elaboração da sentença é viciosa, ou seja, quando os fundamentos evidenciados pelo julgador conduziriam inelutavelmente a uma decisão de sentido contrário ou, no mínimo, de sentido diferente.
III - A dívida só pode ser exigida coercivamente depois de ter sido facultada ao responsável pelo seu pagamento a possibilidade de a pagar voluntariamente e num determinado prazo para esse efeito.
IV - A definição do domicílio fiscal assume um papel relevantíssimo nas relações jurídicas tributárias, já que se apresenta, desde logo, como referencial essencial para o exercício de direitos e para a constituição de obrigações
V - É a AT, enquanto exequente, que tem o ónus de demonstrar que efectuou a notificação de forma correcta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos, ou seja, que cumpriu as formalidades com vista à interpelação do devedor para pagamento
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I– RELATÓRIO

F... deduziu oposição às execuções fiscais nºs 3..., 3... e apensos, instauradas para cobrança coerciva de dívidas de IRS de 2000, IVA de 2000 e 2001 e coimas.

O Tribunal Tributário de Lisboa julgou:

i) nula por erro na forma do processo, no tocante valia da citação levada a cabo na pessoa de terceiro, Mandatário Forense, relativamente ao correspondente pedido absolvendo da instância a Fazenda Pública;

ii) procedente por provada no tocante aos fundamentos opositivos de falta de notificação dos atos e de caducidade do direito de liquidar os tributos, em consequência do que se determina a sua extinção.

Inconformada, a FAZENDA PÚBLICA, veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«1. In casu, bastaria que fosse dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos arts. 13.º, 36.º, 38.º, 43° do CPP tributário; art. 19.º, 45.º, 46.º, 59º e 99.º da LG Tributária; art. 712,º do CP Civil (art. 662.º do NCP Civil/2013) assim como ao teor dos documentos n.º 4, documento n.º 5, documento n.º 6, documento n.º 7, documento n.º 8 (juntos pelo Oponente no seu petitório); ao teor dos respectivos registos postais dos CTT que dizem respeito a cada um daqueles documentos (numerados de 1 a 8), os quais também constam dos autos, conjugadamente com a mais recente jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, para além de todo o restante acervo probatório documental junto ao processo sub judice,

2. Para que, perfunctoriamente, se pudesse aquilatar pela improcedência da Oposição aduzida pelo Recorrido/Oponente, maxime, para que melhor se pudesse aferir pela improcedência de qualquer declaração de falta de notificação dos actos e de caducidade do direito de liquidar os tributos.

3. Pelo que, a Recorrente, com o devido respeito, conclui não ter razão o Tribunal a quo, que julgou num determinado sentido que perante a matéria de facto dada como assente, e com os elementos constantes dos autos, mormente da prova documental do processo executivo junto aos autos, não tem a devida correspondência com o modo como as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão a quo deveriam ter sido interpretadas e aplicadas.

4. Outrossim, o sobredito (errada valoração da prova produzida e considerada assente) foi como que causa adequada para que fosse preconizada pelo Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do direito ao caso vertente.

5. Consequentemente, consta do aresto a quo o dispositivo com o seguinte segmento decisório:

- “Com fundamento no todo expendido, jugamos esta oposição de F... à execução fiscal n.º 3... e apensos referidos na decisão...

- "a) …

b) procedente por provada no tocante aos fundamentos opositivos da falta de notificação dos actos e da caducidade do direito de liquidar os tributos, em consequência do que se determina a sua extinção" (vide pág. 16 do douto aresto a quo).

6. A predita vicissitude, preconizada pelo respeitoso Tribunal a quo, foi mutatis mutandis, causa adequada, para que fosse alvitrada pelo respeitoso areópago recorrido, uma errada valoração do acervo probatório documental constante dos autos, e consequentemente, a errada interpretação e aplicação do direito aos factos do caso vertente.

7. A MATÉRIA DADA COMO ASSENTE, consta dos itens 1 ao 13 DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO do douto aresto recorrido, mormente de fls. 5 a 8 do mesmo, e para os quais se remete e se dão aqui por integralmente vertidos por razão de economia processual.

8. Sendo que, no que em concreto diz respeito à temática recorrida e a sindicar pelo respeitoso areópago ad quem, tem particular relevância a factualidade dada como provada nos itens 1 e 2 da matéria dada como provada. E, assim vai asseverado, pelas razões que infra se postulam:

9. No caso vertente, o Tribunal a quo preconizou uma errada valoração da prova documental que foi junta aos autos, ao invés, a prova documental que o Tribunal teve em consideração para elencar e fixar a matéria de facto dada como provada, se tivesse sido devidamente valorada, sindicada e sopesada nunca teria servido para formar a convicção do respeitoso Tribunal a que tal como sucedeu no caso em apreço.

10. E assim vai asseverado, mormente no que concerne aos documentos n.º 4, 5, 6, 7, e 8 juntos pelo Opoente a instruir o seu petitório.

11. E tudo assim vai dito, porquanto o respeitoso Tribunal a quo erradamente deu como facto assente o constante no item 2 matéria de facto dada como provada, ao dar como assente e sem mais, que o Oponente em 2001 teria comunicado à Administração Tributária Portuguesa por cinco vezes a predita alteração!

12. E as cinco vezes que o Tribunal a quo deu como provado que o Opoente comunicou a alteração do seu domicílio fiscal para Espanha, consubstanciaram-se nas missivas alegadamente enviadas pelo Oponente em 14 de Marco de 2001 e 24 de Outubro de 2001 ao Serviço de Finanças de Llsboa-6, à Direcção-Geral do Impostos, em 18 de Outubro de 2001, à Direcção de Serviços de Cobrança de Imposto sobre o Valor Acrescentado, em 18 de Outubro de 2001 à 1.ª Direcção de Finanças de Lisboa.

13. Todavia, salvo o devido respeito, o respeitoso Tribunal a quo não fez uma correcta valoração e interpretação dos documentos supra mencionados, até porque:

14. - O referido documento n.º 4 mais não é do que a missiva propriamente dita, alegadamente da autoria do Opoente, com o desígnio de comunicar a alegada "alteração do domicilio fiscal" datada de 14 de Marco de 2001, todavia,

15. o registo postal dos CTT que está subjacente ao envio efectivo daquela missiva, o qual está datado de 23.03.2001. informa que quem preencheu e tratou do envio da predita missiva não foi o Opoente!

16. Pois que, do referido registo postal dos CTT (n.º RR...SPT, junto aos autos), referente ao envio daquela carta, consta como remetente da mesma a Sociedade de Advogados "U...", como morada no A... 1050-094 Lisboa, e tendo como destinatário o mencionado Serviço de Finanças de Lisboa-6.

17. No que concerne ao documento n.º 5 e 6, o quais mais não são do que duas missivas, alegadamente da autoria do Oponente, referente à mesma temática da alegada comunicação da "alteração do domicilio fiscal" do Opoente para Espanha, datadas de 20 de Abril de 2001 e 24 de Outubro de 2001, respectivamente.

18. Todavia, o registo postal dos CTT que está subjacente ao envio efectivo daquela missiva datada de 20 de Abril de 2001, informa-nos que quem preencheu e tratou do envio da predita missiva, poderá ter sido o Opoente...ou não!

19. Pois que, do referido registo postal dos CTT (n.º RR…PT, junto aos autos), referente ao envio daquela carta, consta como remetente, o nome do Opoente, não obstante e incompreensivelmente, a morada que consta do referido registo postal, mais uma vez, não é a do Opoente: mas sim a morada da Sociedade de Advogados "U...", mormente a da P… A… em Lisboa.

20. No que diz respeito ao documento n.º 6. o mesmo, também constitui uma carta da alegada autoria do Opoente, datada de 24 de Outubro de 2001, cujo teor se reporta à mesma temática anteriormente referida.

21. Não obstante, a somar-se às anteriormente referidas, mais uma vicissitude emerge, é que, no registo postal dos CTT (com o n.º RR…PT, junto aos autos) referente ao efectivo envio da referida missiva, consta como remetente o nome do Opoente, e como morada do mesmo consta a Av. D… em Lisboa.

22. Ou seja, consta uma morada atinente ao remetente, aqui Opoente, que não coincide e nada tem que ver com a morada/domicilio que estava adstrito ao Oponente, pelo menos, até à alegada alteração do domicílio fiscal para Espanha. Aliás, tal como se infere do item 1.º da factualidade dada como provada do aresto a quo.

23. Sendo que, até àquele período a morada do Opoente terá sido a Rua do E… em Lisboa e não a Av. D… em Lisboa.

24. Respeitantemente ao documento n.º 7 supra mencionado, o mesmo, constitui mais uma missiva da alegada autoria do Opoente, cujo teor se relaciona com a temática que tem que ver com a alegada "alteração do domicílio fiscal" do Opoente.

25. Não obstante, uma análise perfunctória ao teor da predita missiva, constatamos que mais uma vez, do registo postal dos CTT (com o n.º RR…PT, junto aos autos) relativo ao envio da missiva em apreço, consta como remetente o Opoente, todavia a morada que lá consta indicada como sendo a do Opoente, é a Av. D... em Lisboa e não a Rua do E... em Lisboa.

26. Por último no que respeita ao documento n.º 8 supra referido, datado de 24 de Outubro de 2001, o mesmo constitui mais uma missiva, cujo teor tem que ver novamente com a temática da alegada "alteração do domicílio fiscal do Opoente".

27. Não obstante, analisado o teor da referida missiva, desde logo, se constata que foi aposta como morada do destinatário a Rua da A… em Lisboa.

28. Todavia, o registo postal dos CTT (com o n.º RR…PT, junto aos autos) que comprova o envio da missiva, tem aposto como morada do destinatário, uma morada absolutamente distinta da que consta da carta que lhe está subjacente: Av. E… em Lisboa. E como se não bastasse, consta como morada do remetente, o aqui Opoente, a já referida Av. D… em Lisboa.

29. Ora, em face de todo o supra exposto, e evidenciadas que ficam tamanhas vicissitudes factuais, é caso, para, sempre salvaguardado o devido respeito, lançar o repto: Qual o itinerário cognoscitivo e valorativo que foi objectivamente trilhado pelo areópago a quo para desconsiderar todas aquelas vicissitudes factuais e, ainda assim, ter dado como facto provado o constante do item 2 dos factos assentes?

30. É que, se mais não for, das referidas cinco vezes, que em 2001, o Opoente terá comunicado à Administração tributária a sua alegada alteração do domicilio fiscal para Espanha, atente-se e saliente-se, com especial apelo à acostumada atenção do respeitoso areópago ad quem,

31. de que todas elas abraçaram vicissitudes e discrepâncias factuais que não poderiam ter passado despercebidas ou sido sequer desvalorizadas na formação da convicção do tribunal a quo quanto à fixação da matéria dada como assente, desta feita, ficando condicionada a (errada) interpretação e a (errada) aplicação que foi preconizada, pelo Tribunal recorrido, do direito aos factos.

32. Efectivamente, consta dos autos acervo documental que são reveladores de que, das cinco vezes constantes do item 2 da factualidade dada como provada do aresto a quo, umas vezes foi o nome do Opoente que constou do Registo dos CTT de envio das alegadas cartas de comunicação da alegada alteração do domicilio fiscal, outras vezes foi a Sociedade de Advogados "U...",

33. numa das vezes, e incompreensivelmente, é aposta como morada do Opoente a da Sociedade de Advogados "U...! E tudo assim acontecendo à data a que se reportam os factos da presente contenda; mormente em 2001!

34. Atente-se que, inclusivamente é o próprio Opoente que em todas as comunicações que diz ter feito à Administração Fiscal, pelo menos nas famigeradas cinco vezes que diz ter informado a aqui recorrente da sua alegada alteração do domicílio fiscal, foi o próprio Opoente que terá sempre feito constar nessas Comunicações com a Administração Fiscal moradas, diferenciadas, todas elas em Portugal e nenhuma em Espanha!

35. Efectivamente, em nenhum dos registos dos CTT referente ao envio das missivas da alegada comunicação da alteração do domicílio Fiscal do recorrido consta como morada do remetente, uma qualquer morada em território Espanhol!

36. Assim sendo, e como é natural que assim suceda, a morada de resposta, que qualquer destinatário de boa fé tem como referência, é a morada que consta indicada relativamente a quem nos envia uma carta e que consta do Registo Postal dos CTT em situação semelhante à dos autos.

37. Pelo que, do supra escalpelizado se poderá afirmar que falhou o dever de colaboração/cooperação do contribuinte com a Administração Fiscal (art. 59.º da LGT), e por conseguinte, neste capitulo imprimem-se as consequências a retirar do princípio da auto-responsabilidade das partes, in casu, do recorrido.

38. Aliás, o facto de assim ter sido preconizado pelo Opoente, talqualmente consta dos autos e do acervo documental supra sindicado, do facto de o Recorrido se fazer valer da falta de notificação dos actos sub judice, e se lastimar pelo facto de tais actos terem sido enviados pela Recorrente para a morada antiga do Opoente, quase que configura um certo abuso de direito (art. 334.º do CCivil ex vi art 2.º, al. d) da LG Tributária), na sua vertente de venire contra factum propium.

39. Outrossim, de todos os registos postais dos CTT, juntos aos autos e supra apontados, ressalta às evidências, que o local indicado como sendo o do "centro dos interesses" do Opoente, é Lisboa.

40. E por isso, é que na informação de fls. 149 dos autos, lavrada nos termos do art. 208.º, n.º 1 do CPP Tributário, datada de 10 de Novembro de 2005, é assumido pela Administração Fiscal que o Opoente continuava tendo o domicílio fiscal em Portugal! (cfr. fls 10 do aresto a quo).

41. É premente desde já salientar que, o douto Tribunal a quo, formou também a sua convicção, aliás, conforme resulta da fundamentação de direito do aresto sub judice, com base em factualidade que não consta da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida.

42. E assim vai referido, porquanto, em nenhum item do acervo factual dado como provado, consta que "...o pecado do Opoente parece ter sido o de não fazer as tais declarações num «impresso de modelo oficial» ". Pelo que, também aqui se vislumbra um erro de julgamento, manifestado na contradição entre fundamentação da matéria de direito com a fundamentação da matéria de facto.

43. DOS FACTOS NÃO PROVADOS do aresto a quo consta que, com relevo, não resultou provado:

- "1. Qual o tratamento dado pela administração Tributária às diferentes comunicações do Opoente, referidas no ponto. 2 da matéria de facto provada.

2. Que as liquidações, ou as decisões em matéria contraordenacional, de que resultam as dividas e as sanções exequendas, respectivamente, tenham sido objecto de notificação, pela Administração tributária, na pessoa do Opoente, para além do consignado ficou no ponto 12. da matéria de facto provada.

3. Que o Opoente haja nomeado representante fiscal em Portugal, ao mudar-se para Espanha."

44. Revertendo ao caso sub judíce, com o devido respeito, somos a concluir encontrar-se o julgamento da matéria de facto, inscrito na sentença, inquinado por défice instrutório, porquanto existe a possibilidade séria de a produção da prova em falta implicar o estabelecimento de outro, sobretudo, mais alargado cenário factual,

45. capaz de, pela sua amplitude, esclarecer melhor todos os acontecimentos, com repercussão no sentido da decisão do mérito da causa e,

46. No melhor dos rigores, no âmbito dos poderes consignados nos art. 13° do CPP Tributario e 99° da LG Tributária competia ao areópago a quo realizar, com outra dimensão e profundidade para tanto exigível às vicissitudes inerentes ao caso vertente, as diligências para apuramento da situação concreta e só após isso conhecer da mencionada questão da falta de notificação dos actos e da caducidade do direito a liquidar os tributo.

47. Não o tendo feito, como, com o devido respeito, se infere que não fez, verifica-se insuficiência de instrução determinante de anulação da decisão tal como se prevê no art. 712 do CPCivil (actual art.662° do NCPCIVIL/2013).

48. Trata se aqui da consagração do princípio da oficialidade e do principio da investigação ou do inquisitório, que consiste na atribuição do poder de ordenar as diligências que entender necessárias para a descoberta da verdade, pelo que,

49. a falta de realização oficiosa das diligências instrutórias úteis para o conhecimento dos factos alegados ou de factos susceptíveis de serem conhecidos também oficiosamente constituí um erro de julgamento porquanto se traduz numa errada não aplicação do preceito legal que a impõe.

50. Aliás, de recordar que o próprio princípio da investigação, traduz o poder/dever que o Tribunal tem de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições das partes, os factos sujeitos a julgamento, criando assim as bases para decidir, princípio este vigente no processo judicial tributário.

51. E tudo assim vai sufragado, porquanto, atento o supra exposto quanto à matéria de facto dada como provada no aresto sub judice, dadas as vicissitudes escalpelizadas atinentes às alegadas comunicação (5 vezes) do Opoente à Recorrente da sua "alegada alteração do domicílio",

52. era premente que o Tribunal a quo "fosse mais longe" e não tivesse descurado a "confusão" referente às diferentes moradas manifestadas pelo Opoente nas suas comunicações com a Administração tributária...

53. E mais ainda: Não seria de concluir que afinal, ao contrário do que é asseverado pelo tribunal a quo, o Opoente tinha nomeado representante fiscal em Portugal quando se terá mudado para Espanha?

54. É que, como se verificou dos documentos supra escalpelizados, já em 2001, e nessas alegadas vezes que o Opoente teria comunicado à Recorrente a sua alegada "alteração de domicilio", não era o Opoente que constava como remetente dos registos de envio de algumas dessas missivas, nem tão pouco era a sua morada que lá constava daqueles registos!

55. Ao invés era a Sociedade de Advogados "U..." que constava como remetente e como morada indicada era •a Praça D… A… em Lisboa.

56. Então... a referida Sociedade de advogados era representante fiscal do Opoente?

57. Para aquela actuação, em nome do Opoente, à data dos factos (2001), não eram necessários poderes especiais?

58. Afinal, existiam os tais poderes especiais conferidos pelo Opoente à "U..."?

59. De salientar que dos próprios autos, mormente do petitório resulta como que uma "confissão" por parte do Opoente no sentido de que o mesmo, tinha um representante em Portugal.

60. Aliás, facto esse que consta; ab initio, no douto aresto a quo (vide fls. 1 da sentença recorrida), "Na sua petição de fls4-20 expõe que foi o seu representante em Portugal citado em seu lugar..."

61. Assim sendo humildosamente se crê que, muito mais deveria ter sido diligenciado pelo Tribunal a quo no sentido do melhor apuramento dos factos em concreto, fazendo jus ao princípio da investigação, o qual assume especial relevância em matéria Tributária, pois que lhe está subjacente a prossecução do interesse publico.

62. O exame crítico das provas tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo.

63. Assim a exigência normativa do exame critico das provas torna insuficiente a referência àquilo em que o tribunal se baseou, tomando-se necessário saber o porquê, a razão de ser da formação da convicção do tribunal! O que, in casu, e no melhor dos rigores não se verificou.

64. Pelo que, a aqui Recorrente, com o devido respeito, conclui não ter razão o Tribunal a quo, que julgou num determinado sentido que perante a matéria de facto dada como assente, o acervo probatório não devidamente valorado (prova documental elencada) conjugada com demais elementos constantes dos autos, não tem a devida correspondência com o modo como as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão a quo, deveriam ter sido interpretadas e aplicadas.

65. Assim sendo é significativa a ausência de exame critico da prova por parte do Tribunal a quo, de molde a perceber-se com critérios de razoabilidade as razões que estão subjacentes à falta e/ou errada valoração dos documentos supra identificados e, bem assim, de qual o itinerário cognoscitivo e valorativo que foi trilhado pelo areópago a quo para se decidir pela não verificação da famigerada falta de notificação dos actos e da caducidade do direito de liquidar os tributos.

66. Decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou corretamente a prova produzida no caso sub judice, fazendo, por isso, errada aplicação das normas legais supra vazadas.

67. Por conseguinte, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados, assim como não considerou, nem valorizou, como deveria e se impunha a prova documental que faz parte dos autos em apreço,

68. concomitantemente, tendo sido preconizada uma manifesta contradição entre a matéria de facto dada como provada e a respectiva fundamentação de direito que assola o aresto a quo, talqualmente supra se explanou.

69. REITERA-SE: Efectivamente, da matéria dada como assente pelo Tribunal a quo não se vislumbra factualidade que pudesse desvirtuar o considerado pela Administração Tributária quanto à vexata quaestio do caso vertente… Ao invés, atenta a matéria dada como assente, e a errada e/ou falta de valoração de prova documental que foi junta aos autos, cimentam a posição assumida e defendida pela Administração Fiscal. Até porque se vislumbra contradição entre a fundamentação constante do aresto a quo e os factos dados como assentes.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais.

Concomitantemente,

Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro acto da administração pública, fazer justiça é um acto místico de transcendente significado, o qual poderá desde já, de uma forma digna, ser preconizado por V.as. Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada JUSTIÇA!»


*

O Recorrido, devidamente notificado para o efeito, optou por não contra-alegar.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público ofereceu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso jurisdicional.

*

Vem agora o processo submetido à conferência para decisão.



*

II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1. O Opoente, F..., espanhol, economista, com o número de identificação fiscal português 2…, foi [ou: também foi] contribuinte residente em Portugal nos anos de 1998, 1999 e 2000, sendo que pelo menos na parte final desse período o seu domicílio se situou na Rua E… Lisboa, na área do Serviço de Finanças de Lisboa 6.

2. Em 2001, porém, alteraria o seu domicílio fiscal para Espanha, o que comunicou à Administração Tributária portuguesa por cinco vezes, com efeitos retrotraindo a 1 de janeiro desse ano: em 14 de março de 2001 àquele Serviço de Finanças, em 20 de abril de 2001 e em 24 de outubro de 2001 à Direção-Geral dos Impostos, em 18 de outubro de 2001 à Direção de Serviços de Cobrança de Imposto sobre o Valor Acrescentado, em 18 de outubro de 2001 à 1ª Direção de Finanças de Lisboa, tendo inclusive na missiva dirigida à Direção-Geral dos Impostos instruído a sua comunicação com cópia dos impressos de declaração de residência fiscal em Espanha e mesmo com certidão emitida pelas autoridades competentes do Reino de Espanha a comprová-lo.

3. Mais tarde, no Serviço de Finanças de Lisboa 6 seriam sucessivamente instaurados os processos de execução fiscal n.083... [processo principal], de 2 de junho de 2002, 3..., de 12 de novembro de 2003, 3…, de 6 de fevereiro de 2004 e 3…, de 21 de abril de 2004, sendo Executado o Opoente, por diferentes dívidas suas de impostos e seu acrescido, bem como para execução coerciva de coimas e encargos incorridos nos respetivos processos de ilícito de mera ordenação social tributária.

4. Nesses processos, apesar de instaurados, portanto, nos anos de 2002 a 2004, para citação do Opoente o Órgão de Execução Fiscal tomou-o como residindo no que fora o seu citado domicílio fiscal em Lisboa, na área daquele Serviço e para aí dirigiu a correspondência necessária aos termos dos processos, maxime a sua citação.

5. Ao ter conhecimento do que se passara, em 7 de janeiro de 2005 o Opoente pediu ao Órgão de Execução Fiscal fosse reconhecida a nulidade da sua citação para aqueles processos, o que lhe foi indeferido.

6. Sobre tanto, na Reclamação de Atos do Órgão de Execução Fiscal com o n°1364/05.5BELSB, deste Tribunal, foi proferida sentença de 8 de julho de 2005, transitada pacificamente no dia 25 seguinte, em que foi declarada a nulidade da citação.

7. Nessa sequência, o Órgão de Execução Fiscal citou o Opoente na pessoa do seu Ilustre Mandatário Forense em Portugal, a 21 de setembro de 2005, e a 24 de outubro de 2005 o Opoente apresentou a petição na origem dos presentes autos.

8. Os mencionados processos executivos visam a cobrança coerciva das seguintes dívidas e sanções pecuniárias:

a. no nº3..., dívida proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares do ano de 2000, no montante de €59.529,66, bem como o seu acrescido, sendo que o prazo de pagamento voluntário daquela dívida terminara a 28 de novembro de 2003;

b. no nº3..., uma coima de €99,66 e custas do respetivo processo e acrescido destas - sanção cujo prazo de cumprimento voluntário terminara a 19 de fevereiro de 2003 e que fora motivada pela falta de apresentação de declarações periódicas, para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, quanto aos dois últimos trimestres de 2000;

c. no nº3…, dívida proveniente de Imposto sobre o Valor Acrescentado do ano de 2001, no valor de €1.496,40, bem como do seu acrescido, sendo que o prazo de pagamento voluntário daquela dívida havia terminado a 28 de novembro de 2003;

d. no nº3…, uma coima de €378,27 e custas do respetivo processo, e acrescido destas - sanção cujo prazo de cumprimento voluntário terminara a 11 de março de 2004, motivada pela omissão de apresentação de declarações periódicas, para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, quanto aos trimestres de 2001.

9. O Opoente apresentou a declaração para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, modelo 3, relativa ao ano de 2000, no dia 28 de setembro de 2001, indicando como domicílio aquele que tivera em Portugal, sendo que a dívida exequenda a esse título resulta da liquidação nºS 1…, elaborada em 8 de janeiro de 2002, com base nessa declaração (cujo termo do prazo de pagamento voluntário fora fixado a 25 de fevereiro de 2002).

10. O Opoente enviou as suas últimas declarações periódicas para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, relativamente aos dois últimos trimestres de 2000, em 14 de janeiro de 2002.

11. Nos autos principais, à exceção da citação referida no ponto 7., toda a correspondência dirigida ao Opoente foi-o para a referida morada e domicílio fiscal que tivera em Portugal (e mesmo essa citação, efetuada em terceira pessoa, refere esse domicílio).

12. Outrossim, as notificações das decisões em matéria de ilícito de mera ordenação social tributária tinham sido para aí dirigidas, do mesmo modo que o fora a nota de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares de 2000.

13. A cessação de atividade do Opoente, em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado, foi efetuada oficiosamente em 20 de dezembro de 2003, com efeitos a 31 de dezembro e 2001.

Porém, com relevo para a decisão da causa, não resultou provado:

1. Qual o tratamento dado pela Administração Tributária às diferentes comunicações do Opoente, referidas no ponto 2. da matéria de facto provada.

2. Que as liquidações, ou as decisões em matéria contraordenacional, de que resultam as dívidas e as sanções exequendas, respetivamente, tenham sido objeto de notificação, pela Administração Tributária, na pessoa do Opoente, para além do que consignado ficou no ponto 12. da matéria de facto provada.

3. Que o Opoente haja nomeado representante fiscal em Portugal, ao mudar­se para Espanha.

A convicção sobre a matéria de facto provada formou-a o Tribunal com base na análise da documentação junta a fls.47-63, relativa às diferentes comunicações do Opoente à Administração Tributária portuguesa e documentação com que a instruiu e sua receção nos destinatários [pontos 1.-2.]; os atos, termos e notificações/citações efetuados dos autos principais resultam da análise do seu teor, extratado a fls.83-176 [pontos 3.-8., 11. e 13.], aí se integrando cópia da decisão judicial proferida no citado processo de Reclamação de Atos do Órgão de Execução Fiscal com o nº1364/05.5BELSB. Nesse acervo probatório se inclui o referido acerca do modo de notificação das decisões condenatórias e da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, pois que dos elementos que instroem os autos principais se extrai igualmente onde e como foram levados a efeito os atos notificativos desses conteúdos, sendo que especificamente acerca da notificação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares tal resulta do teor da nota respetiva, anexa ao que instruiu a citação em segundo lugar levada a cabo, de fls.164-165 [ponto 12.]. A apresentação das duas últimas declarações de Imposto sobre o Valor Acrescentado referidas resulta do seu teor, de fls.64-68, em cotejo com a informação lavrada nos autos principais, constante de fls.149 dos autos [ponto 11.].

Para além de a documentação citada não oferecer dúvida sobre a sua fidedignidade, ela é extraída dos próprios autos executivos, ou elaborada pela própria Administração Tributária, merecendo assim ser meio de prova dos factos que consigna, fazendo todos prova plena dos factos aí consignados, como documentos públicos que são sobre atos das próprias autoridades que os exaram, arts.369º nº1, 370ºnº1 e 371º nº1, todos do Código Civil. A demais documentação, com origem no próprio Opoente, não mereceu contestação, está certificado o seu envio ou apresentação à Administração Tributária, ou ele é corroborado, no caso das declarações de Imposto sobre o Valor Acrescentado referidas, pela informação lavrada, acima citada, de fls.149, pelo que igualmente mereceu acolhimento como prova dos factos nela vertidos, ao abrigo do disposto nas normas citadas em conjugação com os disposto no art.373º nº1, 374ºnº1 e 376º nº1, todos também do Código Civil, cfr. ainda art.34ºn.05 l e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Já os factos que mereceram um juízo negativo sobre a sua ocorrência/concretização, ficaram a devê-lo à total ausência de prova sobre eles, cumprido de resto dizer que naquela informação de fls.149, ou na informação lavrada nos termos do art.208º nº1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, esta de 10 de novembro de 2005, para estes autos elaborada, é assumido que o Opoente continuava tendo o domicílio fiscal em Portugal, na indicada morada.»



*




Estando documentalmente suportado, adita-se ao probatório o seguinte circunstancialismo de facto (artigo 662º do CPC)


13 – A liquidação de IRS de 2000, emitida com o nº 5…, em 08/01/20, foi remetida para F..., através de correio registado com o nº 000…, para a Rua E… Lisboa (cfr. fls. 164 e 165 dos autos);


14 – Tal objecto postal foi devolvido ao remetente com a indicação “mudou-se sem deixar nova morada 23/1/02” (cfr. fls. 165 dos autos).

- De Direito

Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo TT de Lisboa na parte em que aí se decidiu julgar “procedente por provada no tocante aos fundamentos opositivos de falta de notificação dos atos e de caducidade do direito de liquidar os tributos, em consequência do que se determina a sua extinção”.

Recorde-se que, subjacente à dívida exequenda, estão dívidas de IRS (2000), IVA (2000 e 2001) e coimas fiscais.

Vejamos, então, as questões que nos vêm dirigidas.

Ainda que de forma algo enviesada, nas conclusões da alegação de recurso defende a Fazenda Pública que a sentença encerra uma contradição, especificando tratar-se de uma alegada “contradição entre a matéria de facto dada como provada e a respectiva fundamentação de direito”.

Urge clarificar o seguinte. A contradição a que a lei impõe o efeito inquinatório da sentença, como nulidade, é a oposição entre os fundamentos e a decisão, tal como estabelece o artigo 615º, nº 1, alínea c) do CPC.

Porém, para que tal ocorra não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) sem a gravidade de uma nulidade da sentença. Como escreve Amâncio Ferreira «a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento» (A. Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pg. 56).

A contradição entre os fundamentos e a decisão, prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC, verifica-se quando a elaboração da sentença é viciosa, ou seja, quando os fundamentos evidenciados pelo julgador conduziriam inelutavelmente a uma decisão de sentido contrário ou, no mínimo, de sentido diferente.

Ora, no caso, nada disto se passa. No caso, face aos factos provados, a sentença concluiu pela falta de notificação das liquidações de imposto e de coimas subjacentes à dívida exequenda e, como tal, pela inexigibilidade das dívidas correspondentes. Por seu turno, e resultante de tal falta de notificação, a sentença pôde concluir, também, pela verificação do fundamento de oposição previsto na alínea e) do 204º do CPPT, face ao decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação do IRS e do IVA. Nessa medida, o TT de Lisboa julgou a oposição procedente.

Quer isto dizer que a sentença pode até ter decidido erradamente (o que será analisado em sede de erro de julgamento) mas não é contraditória, pois a decisão de procedência da oposição é consentânea com a conclusão sobre a verificação dos apontados fundamentos.

Avançando.

Em termos pouco precisos, mas a propósito da factualidade considerada provada, sustenta a Recorrente, Fazenda Pública, a falta de apreciação crítica da prova, sustentado que, no caso, não se percebe o porquê, a razão de ser da formação da convicção do tribunal.

“Analisando, agora, a questão do exame crítico da prova, dir-se-á que a nulidade em causa (não especificação dos fundamentos de facto da decisão) abrange não só a falta de especificação dos factos provados e não provados, conforme exige o artº.123, nº.2, do C.P.P.T., igualmente podendo nela enquadrar-se a falta de exame crítico da prova, requisito previsto no actual artº.607, nº.4, do C.P.Civil (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.358; ac.S.T.A-2ª.Secção, 12/2/2003, rec.1850/02; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 5/11/2015, proc.8773/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/12/2015, proc.6439/13).

Na realidade, a fundamentação de facto da decisão judicial deve incluir, não só a indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz, como a sua apreciação crítica, sendo caso disso, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido em que o foi e não noutro. Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto, tudo dependendo do meio probatório em causa. Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios. Já quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos face aos quais essa apreciação seja necessária (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.321 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 15/4/2009, rec.1115/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 5/11/2015, proc.8773/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/12/2015, proc.6439/13)” – cfr. acórdão TCA, de 28/09/17, processo nº 105/17.9BCLSB.

Voltando ao caso concreto, conforme se retira do exame da decisão recorrida constante de fls. 299 e ss do presente processo e das referências supra exaradas à fundamentação da decisão de facto constante da mesma, deve julgar-se improcedente a alegação da falta de exame crítico da prova, apreciação esta que, no caso, se revela pautada por critérios de razoabilidade, permitindo avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo.

O que sucede – isso sim – é que o Recorrente discorda do julgamento da matéria de facto.

Com efeito, lidas e relidas as conclusões, devidamente conjugadas com o corpo das alegações, temos que a Recorrente se insurge contra o julgamento da matéria de facto provada, referindo-se na conclusão 8ª aos factos provados a que correspondem os nºs 1 e 2.

Não obstante esta indicação, a leitura do articulado de recurso permite concluir, sem dúvida, que a Recorrente efectivamente apenas se insurge contra o facto provado a que corresponde o nº2 do probatório, pois em nenhum momento densifica em que medida o circunstancialismo correspondente ao nº1 dos factos provados (“O Opoente, F..., espanhol, economista, com o número de identificação fiscal português 226 937 445, foi [ou: também foi] contribuinte residente em Portugal nos anos de 1998, 1999 e 2000, sendo que pelo menos na parte final desse período o seu domicílio se situou na Rua Embaixador Teixeira Sampaio 10-1, em [1350-402] Lisboa, na área do Serviço de Finanças de Lisboa 6”) se mostra erradamente fixado.

Vejamos, então, o que se nos oferece dizer a este propósito, lembrando que o referido nº 2 se reporta à alteração do domicílio fiscal do oponente para Espanha, às diversas comunicações feitas às autoridades fiscais portuguesas sobre tal alteração, no ano de 2001, com indicação dos documentos que instruíram tais comunicações.

Sustenta o Recorrente que o Tribunal a quo não podia ter dado como assente que o Oponente, em 2001, comunicou à Administração Tributária, por cinco vezes, a alteração do seu domicílio para Espanha. Para a Fazenda Pública tal circunstancialismo de facto, assim fixado, resulta de uma errada apreciação e valoração da prova documental, concretamente dos documentos nºs 4 a 8 juntos à p.i - cfr. conclusões 10 a 35.

No essencial, defende a Representação da Fazenda Pública que as apontadas 5 comunicações evidenciam inúmeras “vicissitudes e discrepâncias factuais que não poderiam ter passado despercebidas ou sido sequer desvalorizadas na formação da convicção do tribunal a quo quanto à fixação da matéria dada como assente”, sublinhando ainda a Recorrente que “umas vezes foi o nome do Opoente que constou do Registo dos CTT de envio das alegadas cartas de comunicação da alegada alteração do domicílio fiscal, outras vezes foi a Sociedade de Advogados "U...” e, bem assim, que “numa das vezes, (…), é aposta como morada do Opoente a da Sociedade de Advogados "U...!”, sendo que “inclusivamente é o próprio Opoente que em todas as comunicações que diz ter feito à Administração Fiscal, (…), foi o próprio Opoente que terá sempre feito constar nessas Comunicações com a Administração Fiscal moradas, diferenciadas, todas elas em Portugal e nenhuma em Espanha!”. Remata a Fazenda Pública colocando em evidência que “em nenhum dos registos dos CTT referente ao envio das missivas da alegada comunicação da alteração do domicílio Fiscal do recorrido consta como morada do remetente, uma qualquer morada em território Espanhol!”

Vejamos, então, tendo presente que na sentença, na motivação dos factos provados, se refere o seguinte: “A convicção sobre a matéria de facto provada formou-a o Tribunal com base na análise da documentação junta a fls.47-63, relativa às diferentes comunicações do Opoente à Administração Tributária portuguesa e documentação com que a instruiu e sua receção nos destinatários [pontos 1.-2.]”

Deve dizer-se, desde já, que ao longo do processo jamais a AT afirmou não ter recebido as 5 comunicações a que se reporta o ponto 2 dos factos provados.

Dito isto, e vistos atentamente os cinco documentos (Doc. 4 a 8 junto da p.i) que estão subjacentes à fixação do circunstancialismo a que respeita o nº2 dos factos provados, conclui-se que nenhum erro foi cometido pelo Tribunal a quo na valoração do mesmo.

Efectivamente, a fls. 47, 56, 61, 63 e70, constam cinco diferentes cartas, datadas de 14 de Março, 20 de Abril, 24 de Outubro, 18 de Outubro e 24 de Outubro, de 2001, dirigidas, respectivamente, ao 6º Bairro Fiscal de Lisboa, à Direcção Geral dos Impostos (Abril e Outubro), à Direcção de Serviços de Cobrança do IVA e à 1ª Direcção de Finanças de Lisboa, todas identificando como remetente, no cabeçalho, o ora Recorrido, F..., assinadas com a indicação do seu nome, com morada em L... Cartagena, Espanha, comunicando a mudança de residência fiscal para Espanha, com efeitos a 1 de Janeiro de 2001.

Em tais comunicações foi solicitado “às autoridades fiscais portuguesas o correspondente averbamento da minha qualidade de não residente em Portugal” (cfr. fls. 56), salientando-se que na sequência da mudança de residência para Espanha “resolvi o contrato de aluguer da minha antiga morada em Lisboa, na Rua B..., número 10 e que, portanto, a dita morada não constitui o meu domicílio de comunicações desde 1 de Janeiro de 2001. Não posso assim garantir a recepção das comunicações emcaminhadas para a minha antiga morada. Peço respeitosamente por isso que encaminhem qualquer comunicação para o meu novo domicílio em Espanha supra mencionado “ (cfr. fls.61 e 70).

Saliente-se que, com as duas primeiras comunicações, foram remetidos documentos apresentados e emitidos pelas Autoridades Tributárias de Espanha relativos à residência fiscal do Oponente em Espanha, no ano de 2001 (fls. 49 a 53, 58 e 59).

Em qualquer dos casos, as comunicações foram remetidas por correio registado (a primeira indicada, dirigida ao Serviço de Finanças/ 6º Bairro Fiscal, foi acompanhada de AR), surgindo o remetente constante do talão de aceitação como a Sociedade de Advogados U..., sita no A…, ou o F..., com essa mesma morada, ou o F..., com morada correspondente a Av. D…, Lisboa.

Apreciado o teor dos 5 apontados documentos, não há como não corroborar o que consta do ponto 2 dos factos provados, o qual extrai, sem erro, o que consta nos documentos 4 a 8 juntos com a p.i. Reforce-se que, relativamente à carta remetida ao 6º Bairro Fiscal, em Março de 2001, o respectivo A/R, devidamente assinado e datado, foi devolvido ao remetente (cfr. fls. 55).

Diga-se, ainda, que se, independentemente daquilo que consta dos documentos, há inobservância de outras regras por parte do Oponente, como parece implícito das palavras da Recorrente, designadamente quanto a uma alegada violação de deveres de colaboração/cooperação por parte do Oponente ou até uma actuação conformadora de abuso de direito, isso já serão aspectos cuja análise não se confunde com a sucessão de acontecimentos que ficou – e bem – a constar do ponto 2 do probatório.

Em suma, mantém-se o número 2 dos factos provados, tal como consignado na sentença.

Avancemos para a questão seguinte: saber se a sentença errou ao considerar que os actos subjacentes à dívida exequenda (de liquidação de imposto e de aplicação de coimas) não foram notificados ao oponente e, nessa medida, a dívida correspondente mostra-se inexigível.

Tal como resulta da sentença, está em causa a exigibilidade da dívida exequenda (IRS de 2000, IVA de 2000 e 2001 e coimas), ou seja, a susceptibilidade de cobrança coerciva das mesmas, sabido que a cobrança em processo executivo depende de as dívidas serem exigíveis.

Como diz ANSELMO DE CASTRO, «A acção executiva pressupõe, por definição, o estado de incumprimento da obrigação o qual normalmente transparece do próprio título executivo» (A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 53.). “Daí que a certidão de dívida que há-de constituir o título executivo e servir de base à instauração do proferido no processo de execução fiscal só possa ser extraída na sequência da falta de pagamento voluntário (cf. art. 88.º, n.ºs 1 e 4, do CPPT)” – cfr. Ac. do STA, de 16/01/19, processo nº 11/16.4 BEAVR.

Portanto, e como resulta dos artigos 84º e 88º do CPPT, a dívida só pode ser exigida coercivamente depois de ter sido facultada ao responsável pelo seu pagamento a possibilidade de a pagar voluntariamente e num determinado prazo para esse efeito.

Ora, é esta possibilidade de pagamento voluntário da dívida que o Oponente, aqui Recorrido, sempre negou ter acontecido, entendimento que este foi acolhido na sentença e com o qual a Fazenda Pública não concorda.

Comecemos por dar nota daquilo que ficou dito pelo TT de Lisboa a propósito da notificação dos actos de liquidação e das decisões de aplicação de coimas e que, nos termos já avançados, permitiu ao Tribunal concluir pela inexigibilidade da dívida exequenda.

Assim, lê-se na sentença, além do mais, o seguinte:

“(…)

Nos termos do art. 19ºnº2 da Lei Geral Tributária e 43º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, os contribuintes, ou meramente interessados em quaisquer procedimentos, são obrigados a indicar o seu endereço à Administração Tributária, sob pena de a arguição do endereçamento erróneo das comunicações que aquela lhes dirija não poder ser-lhe oposta, por isso que a mudança de domicílio é ineficaz enquanto não for comunicada à Administração Tributária, citados arts. 19ºnº3 e 43ºnº2. O que bem se compreende, dada a posição e função fundamental da sua localização, para a Administração Tributária, e tanto para a aferição de certos pressupostos de tributação que dependam da localização do domicílio do contribuinte, quer desde logo e antes de mais para a questão básica da necessidade de comunicação regular da Administração Tributária com eles, como ocioso é dizer.

No caso presente, em função da matéria de facto provada, é ocioso dizer que, com ou sem «impresso de modelo oficial», o Opoente cumpriu aquele seu dever, sendo que a Administração Tributária não só não lhe indicou como deveria, em seu entender, melhorar, através daquele impresso, essa comunicação, como pura e simplesmente ignorou o seu conteúdo e incumpriu o seu dever, nos termos do art.19ºnº6 citado. E se o fez em geral, fê-lo com especiais e deletérios efeitos no âmbito dos autos principais, onde tal não nunca colheria, cfr. citado art.43ºnº2, II parte. Volvamos porém a momento anterior ao processo executivo.

dividas de imposto - notificação da liquidação, exequibilidade, caducidade

Como resulta da matéria de facto provada, a dívida proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, relativa ao ano de 2000, decorre da liquidação elaborada com base na declaração do Opoente, de 28 de setembro de 2001, elaborada a 8 de janeiro de 2002, e com prazo de pagamento a terminar em 25 de fevereiro seguinte. Todos esses acontecimentos ocorrem já depois da comunicação do Opoente, de haver alterado a sua domiciliação.

Tendo sido tentada a notificação da liquidação na morada de pretérito portuguesa, sob a comunicação de alteração de domicílio, daí decorre que, nos termos do art.36º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o ato notificativo levado a efeito pela Administração Tributária, que nos seus termos seguiu o disposto no art.38ºnº3 do mesmo diploma, é inoperante e, como tal, a liquidação permaneceu por notificar ao seu destinatário, o Opoente, carecendo por isso de eficácia.

(…)

Como também resulta da matéria de facto provada, a dívida proveniente de Imposto sobre o Valor Acrescentado, relativa a 2001, decorre de liquidação elaborada oficiosamente, com base na omissão de declarações periódicas do Opoente nesse sentido, em conjugação com o facto de não ter expressamente encerrado a sua atividade para esses efeitos. A atuação da Administração Tributária reconduziu-se, por isso, a ato de liquidação que assentou na simples aplicação de critério definido na lei.

(…)

Tendo sido tentada a notificação da liquidação na morada de pretérito portuguesa, sob a comunicação de alteração de domicílio, daí decorre que, nos termos do art.36º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o ato notificativo levado a efeito pela Administração Tributária, que nos seus termos seguiu o disposto no art.38ºnº3 do mesmo diploma, é inoperante e, como tal, a liquidação permaneceu por notificar ao seu destinatário, o Opoente, carecendo por isso de eficácia.

(…)

Como resulta da matéria de facto provada, as contraordenações a que se referem as coimas irrogadas ao Opoente censuram factos situados em 2000 e nos primeiros meses de 2001 num caso, no outro situados em 2001 e primeiros meses de 2002, consoante os trimestres a que se referem as omissões e os termos dos respetivos prazos de envio das declarações periódicas omitidas.

Embora se não saiba quando foram essas decisões tomadas, sabemos contudo que os prazos de cumprimento voluntário foram tidos como terminando a 19 de fevereiro de 2003 num caso e em 11 de março de 2004 no outro.

Assim, uma vez mais, daí decorre que as notificações dessas decisões condenatórias, tendo sido enviadas para a morada de pretérito do Opoente, já sob a sua comunicação de alteração de domicílio para Espanha, nos termos do art.36º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aqui aplicável ex vi do disposto no art.70ºnº2 do Regime Geral das Infrações Tributárias, tomam tais atos notificativos, que nos seus termos seguiram o disposto no art.38ºnº3 do citado Código de Procedimento e de Processo Tributário, inoperantes e, como tal, as decisões permaneceram por notificar ao seu destinatário, o Opoente, carecendo por isso de eficácia.

(…) - os atos notificativos levados a cabo nesses processos de contraordenação mostram-se absolutamente ineficazes, incapazes por isso de produzirem quaisquer efeitos jurídicos, tendo ainda presente o disposto no art.46°, in integrum, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, aplicável a este propósito sob a remissão do art.3° corpo e alínea b) do Regime Geral das Infrações Tributárias.

Não tendo, pelo modo descrito, cobrado eficácia os atos de liquidação dos tributos, nem definitivado as decisões condenatórias sob execução, resulta cogente concluir esses atos carecem de eficácia (…)”.

Vejamos, então, tendo presente que, à data dos factos que aqui importa considerar, o artigo 19º da LGT dispunha nos seguintes termos:

1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:

a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;

b) Para as pessoas colectivas, o local da sede ou direcção efectiva ou, na falta destas, do seu estabelecimento estável em Portugal.

2 - É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária.

3 - É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.

4 - Os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem como os que, embora residentes no território nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional.

5 - Independentemente das sanções aplicáveis, depende da designação de representante nos termos do número anterior o exercício dos direitos dos sujeitos passivos nele referidos perante a administração tributária, incluindo os de reclamação, recurso ou impugnação.

6 - A administração tributária poderá rectificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor.

A definição do domicílio fiscal assume um papel relevantíssimo nas relações jurídicas tributárias, já que se apresenta, desde logo, como referencial essencial para o exercício de direitos e para a constituição de obrigações.

Relativamente às pessoas singulares, a lei remete para o local da residência habitual, que corresponderá ao local onde habitualmente se localiza o centro da vida do sujeito passivo.

A obrigatoriedade de estabelecer e comunicar um domicílio fiscal para cada pessoa singular (mas também colectiva) justifica-se obviamente pela necessidade de se garantir um contacto permanente e fiável entre AT e os contribuintes, como, desde logo, em matéria de notificações das liquidações de impostos.

Com refere J. Maria Pires, in LGT anotada e comentada, Almedina, 2015, anotação ao artigo 19º, págs. 155 e ss “O domicílio fiscal é, por conseguinte, mais do que um simples elemento de recolha obrigatória junto da administração tributária, desenvolvendo-se, em seu torno, um feixe de relações com a administração tributária. É através do domicílio fiscal que se consumam determinados actos jurídico-tributários. Desde logo, dar a conhecer ao sujeito passivo o resultado das liquidações dos impostos e das avaliações realizadas pela administração tributária, assim como conceder um prazo para o exercício dos direitos face aos actos praticados pela administração. Do mesmo modo o domicílio fiscal dos contribuintes é muito importante na determinação da competência dos órgãos da administração tributária e também dos tribunais.

(…) A concretização da notificação do sujeito passivo no seu domicílio fiscal traduz-se no acto jurídico que permite sindicar a actuação da administração tributária, nos casos em que ela é legalmente admissível. A ausência de notificação do sujeito passivo consubstanciaria uma restrição inadmissível do direito de impugnação e recurso das decisões proferidas pela administração, previsto no n° 5 do artigo 268° da CRP. Daí que se exija, por um lado, a comunicação obrigatória do domicílio fiscal e, por outro, se determine a ineficácia da mudança de domicílio fiscal enquanto não for comunicada pelo sujeito passivo à administração tributária”.

Também o CPPT, no artigo 43º, se reporta à obrigação de participação de domicílio para os interessados que intervenham ou possam intervir em quaisquer procedimentos ou processos nos serviços da administração tributária.

A lei permite à AT rectificar oficiosamente o domicílio fiscal, com base nos elementos que tenha ao seu dispor e que venha a ter conhecimento.

Com isto dito, regressemos ao caso que nos ocupa para salientar o seguinte: independentemente do domicílio fiscal do Oponente e/ou da alteração comunicada, não há qualquer evidência documental nos autos quanto à comunicação (ou sua tentativa) ao Oponente das decisões de aplicação de coimas subjacentes à dívida exequenda, bem como das liquidações de IVA.

Com efeito, percorrido todo processo, inexiste qualquer elemento atinente a tais notificações, sendo que a Recorrente nada refere em sentido contrário, nem impugna a matéria de facto não provada, concretamente o ponto 2.

Portanto, e relativamente à dívida exequenda na parte que tem subjacente as liquidações de IVA de 2000 e 2001 e, bem assim, as coimas, não resulta que a AT alguma vez tenha – ao menos – tentado interpelar o Oponente, ainda que, fruto de contingências várias, tal interpelação não tivesse surtido efeito.

Assim sendo, e tendo presente que é a AT, enquanto exequente, que tem o ónus de demonstrar que efectuou a notificação de forma correcta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos, ou seja, que cumpriu as formalidades com vista à interpelação do devedor para pagamento, é claro para nós que, inexistindo evidência das comunicações em causa, estamos perante uma situação de ineficácia/ inexigibilidade que constitui fundamento de oposição, enquadrável na alínea i) do n.º 1 do artigo 204º do CPPT.

Portanto, quanto a esta parte da dívida exequenda (IVA e coimas), ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente com aquela que consta da sentença, deve o juízo de procedência do fundamento correspondente à inexigibilidade confirmar-se.

Portanto, nesta parte, improcedem as conclusões da alegação de recurso e mantem-se o decidido.

Vejamos, agora, o que dizer relativamente à dívida de IRS do ano de 2000.

Ora, subjacente à dívida de IRS de 2000 está a liquidação emitida na sequência da apresentação da declaração Mod. 3 pelo Oponente.

O que se verifica é que tal liquidação, que deveria ter sido notificada por carta registada (cfr. 139º, nº 3 do CIRS, na redacção à data aplicável), foi assim remetida para a morada correspondente à Rua E… Lisboa, em Janeiro de 2002, tendo tal objecto postal sido devolvido ao remetente com a indicação “mudou-se sem deixar nova morada, 23/01/02”.

Ora, considerando a matéria de facto que resultou apurada, a verdade é que, em Janeiro de 2002, já a AT sabia, pois tal já lhe havia sido comunicado por diversas vezes, durante o ano anterior, que a Rua E… Lisboa, não correspondia ao domicílio fiscal do Oponente, F....

Com efeito, por diversas vezes ao longo de 2001, o Oponente comunicou à AT a sua mudança de residência para Espanha, esclarecendo, inclusive, que “resolvi o contrato de aluguer da minha antiga morada em Lisboa, na Rua E… e que, portanto, a dita morada não constitui o meu domicílio de comunicações desde 1 de Janeiro de 2001. Não posso assim garantir a recepção das comunicações emcaminhadas para a minha antiga morada. Peço respeitosamente por isso que encaminhem qualquer comunicação para o meu novo domicílio em Espanha”. Mais. Em todas as comunicações efectuadas, a que alude o ponto 2 dos factos provados, foi indicada a sua morada em Espanha, a qual correspondia à L…, Cartagena, Espanha. Foi, além do mais, junto documento emitido pelas autoridades espanholas atestando a residência fiscal em Espanha do Oponente, em 2001.

Apesar disto, não apenas a AT, em Janeiro de 2002, remeteu a liquidação de IRS para a morada que sabia não ser já do contribuinte, como também, devolvida a carta, com a expressa indicação “mudou-se”, nada mais fez. De resto, a inércia da AT foi mais longe, pois, em Novembro de 2005, quando foi prestada a informação nos autos, ao abrigo do artigo 208º do CPPT, a situação cadastral do contribuinte mantinha-se inalterada, com o domicílio fiscal na Rua E…, em Lisboa (cfr. fls. 120 dos autos).

Ora, tal como o TT de Lisboa decidiu, esta comunicação de mudança de residência fiscal, não pode deixar de ser oponível à AT e, assim sendo, a falta de notificação da liquidação de IRS repercute--se inelutavelmente na inexigibilidade da dívida exequenda correspondente.

Diga-se, de resto, que, do ponto de vista dos deveres de colaboração entre a Administração e os contribuintes e numa perspectiva de boa-fé e confiança das relações entre os mesmos, as comunicações efectuadas com a indicação da mudança de domicílio não podiam ter sido ignoradas, estando na disponibilidade da AT a rectificação do domicílio do contribuinte, bem como a notificação do mesmo para o cumprimento de outras obrigações, caso o entendesse necessário.

Nada tendo feito, ignorando sucessivamente cinco diferentes comunicações de mudança de domicílio fiscal, não pode a AT pretender que o Tribunal considere notificada a liquidação (devolvida) de IRS que, em parte, está subjacente à dívida exequenda.

Nesta conformidade, entende este Tribunal, e sem necessidade de considerações muito mais aturadas, que a conclusão retirada pela sentença, no sentido da (também) inexigibilidade da dívida de IRS, é de manter, pois a liquidação em causa não foi notificada ao Oponente por razões que não lhe podem ser imputadas.

Por fim, deve dizer-se que não se desconsidera o alegado no presente recurso a propósito do nº 1 do artigo 13º do CPPT e do nº 1 do art.º 99.º da LGT, preceitos que consagram o princípio da investigação ou do inquisitório, que consiste no poder de o juiz ordenar as diligências que entender úteis e necessárias para a descoberta da verdade material.

Assim, o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigure úteis para conhecer a verdade material relativamente aos factos alegados, no entanto não pode substituir-se às partes realizando ele a prova que as partes tinham que produzir. O princípio do inquisitório tem por objetivo superar insuficiências de alegação e de prova das partes, movendo-se dentro dos limites fixados dos factos alegados e do conhecimento oficioso.

Ora, no caso, não se vê, nem a Recorrente densifica suficientemente, em que medida existe a possibilidade séria de a produção de prova em falta (que prova?) implicar o estabelecimento de outro, sobretudo, mais alargado cenário factual, pois, como se vê, o circunstancialismo necessário à decisão mostra-se já adquirido. De resto, e a propósito do apontado nas conclusões 52 a 58, é o Oponente que afirma que não foi nomeado representante fiscal, sendo certo que os termos das comunicações a que se reporta o ponto 2 dos factos provados se mostram suportados documentalmente nos autos.

Em suma, não estando demonstrada a notificação das liquidações de IRS, IVA e das decisões de aplicação das coimas, tal constitui fundamento válido de oposição à execução fiscal, subsumível à alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, uma vez que a cobrança coerciva só é possível desde que demonstrada a impossibilidade da cobrança voluntária.

Tanto basta, pois, para, nos termos expostos, confirmar o juízo adoptado pelo TT de Lisboa, quanto à verificação da inexigibilidade da dívida exequenda e, como tal, quanto à procedência da oposição, mostrando-se desnecessário o conhecimento do outro fundamento de oposição atinente à caducidade.

Há, assim, que julgar improcedentes as conclusões da alegação de recurso e negar provimento ao recurso.


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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 07/05/20


Catarina Almeida e Sousa

Hélia Gameiro

Benjamim Barbosa.