Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:415/10.6BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2022
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:PRETERIÇÃO DE FORMALIDADES ESSENCIAIS
PRAZO DE INSPEÇÃO
TRIBUTAÇÃO DE RENDIMENTOS EMPRESARIAIS
PRO RATA TEMPORIS
METODOLOGIA INDIRETA
Sumário: I - Não resultando demonstrada a unicidade, interligação e dependência, dos procedimentos inspetivos, inexiste fundamento para a prolação de despacho de prorrogação, donde a aduzida violação por preterição de formalidade essencial, o mesmo sucedendo quanto à ultrapassagem do prazo legal de seis meses consignado no artigo 36.º do RCPIT, sendo que, de todo o modo, a ultrapassagem desse prazo não tem efeito invalidante da liquidação, podendo, tão-só, assumir, eventuais, reflexos e consequências em termos de caducidade do direito à liquidação.
II - Quaisquer rendimentos empresariais obtidos na atividade individual da Recorrente, não são passíveis de tributação em sede de IRC, na medida em que são enquadrados e qualificados como rendimentos empresariais e profissionais, porquanto decorrentes do exercício de uma atividade comercial, em conformidade com o plasmado nos artigos 3.º, nº 1, alínea a), e 4.º, nº1, alínea a), ambos do CIRS e bem assim do artigo 8.º, nºs 1 e nº4, alínea a) do CIRC.
III - Não tendo sido colocados em causa os elementos contabilísticos, a AT tinha ao seu dispor todos os recursos para apurar, direta e efetivamente, os rendimentos obtidos pela Recorrente sem fazer uso de uma operação presuntiva mediante apuramento de percentagem de lucro face à obtenção e aferição de uma imputação proporcional delimitada temporalmente à cessação da atividade.
IV - Se a AT parte de um facto conhecido, a existência de um lucro tributável declarado para efeitos de IRC, por reporte a um período de tributação anual, e depois mediante imputação pro rata temporis”, extrapola a existência, não demonstrada, de um conjunto de rendimentos profissionais afetos à Categoria B, encontra-se sob a veste de correções técnicas a adotar uma metodologia toda ela compaginada e conforme com a avaliação indireta sem fazer uso do procedimento a ela atinente, o que comina os atos impugnados de vício de violação de lei por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

P...(doravante Recorrente) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2009 5004999385, de 16 de dezembro de 2009, referente ao exercício de 2005, no montante de €93.001,27, determinando a anulação parcial do ato impugnado com a consequente reforma tendo por base o lucro tributável de € 217.349,60, em sede de rendimentos de categoria B, e no demais manter a correção efetuada.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“I. P...exerceu, em nome individual, até ao dia 17 de Novembro de 2005, a atividade comercial de «F...», pela qual vinha sendo tributada em IRS.

II. A mesma atividade foi continuada no mesmo estabelecimento comercial e com os mesmos ativos de que a ora Recorrente era titular, enquanto empresária em nome individual, em 18 de Novembro de 2005, agora sob a forma jurídica societária.

III. Constituiu, para o efeito, a sociedade por quotas S..., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LIMITADA.

IV. O capital desta sociedade, no montante de 150.000,00€ foi realizado pela totalidade dos ativos (imobilizado e transacionável) e passivos detidos em nome individual.

V. Esta operação de entrada da totalidade do ativo empresarial individual para a constituição de uma sociedade cujo capital ficou a pertencer na totalidade à primitiva proprietária, foi feita nos termos e com observância de todos os requisitos consagrados no artigo 38.º do Código do IRS.

VI. A ora Recorrente foi objeto de um procedimento externo de inspeção, constituído por duas fases, interligadas entre si, mas que constituem uma unidade e não podem, como pretende a administração, ser separadas ou cindidas.

VII. Em 13 de março de 2008, credenciados pelo Despacho n.° DI200801253, datado de 12 de março de 2008, dois inspetores tributários fizeram uma “visita”, no âmbito de um procedimento de inspeção, às instalações empresariais da ora Recorrente, tendo como objeto a “recolha de vários elementos de contabilidade, nomeadamente balancetes, extratos e documentos, bem como outras informações”.

VIII. Do resultado dessa “visita” nunca a ora Recorrente teve qualquer conhecimento nem foi notificada de relatório ou informação que tivesse sido produzido.

IX. Pelo ofício de 13 de fevereiro de 2009 dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Leiria foi anunciada “para muito curto prazo” a deslocação às instalações empresariais da ora Recorrente dos Técnicos de Inspeção Tributária tendo em vista uma ação inspetiva parcial, relativa a IRS e a IVA do ano de 2005.

X. Esse visita veio a iniciar-se em 9 de novembro de 2009, às 11:21, estando os inspetores de finanças credenciados pela Ordem de Serviço OI200801568, de 20 de outubro de 2008.

XI. E, segundo a nota de diligência n.° NDO200901033, enviada por carta registada, não assinada pela ora Recorrente nem por qualquer dos seus colaboradores, nomeadamente o técnico de contas, concluiu-se no dia 12 de novembro de 2009, às 11:22.

XII. A verdade, porém, é que constam como anexo ao Relatório da Inspeção vários dos documentos que foram fornecidos aquando da primeira visita, nomeadamente o Balanço a 30 de setembro de 2005 e 0 Balancete elaborado a 18 de novembro de 2005.

XIII. Que são elementos decisivos para a prova que aquele Relatório faz em juízo e fundamentam as “correções técnicas” efetuadas.

Existe, pois, uma iniludível ligação entre ambas as “visitas” que objetivamente se traduzem na unidade da ação inspetiva que as determinou.

Havendo uma sequência de inspeção iniciada com o procedimento de 13 de março de 2008, que se orientou para a análise de contabilidade da ora Recorrente de modo a que pudessem resultar correções à matéria tributável, impõe-se concluir que aquele procedimento não foi apenas de recolha de informação, antes tendo dado início à inspeção realizada ao sujeito passivo, a qual revestiu carácter externo.

E, como se concluiu no Acórdão do TCAS de 20-03-2012, Processo 43710;

E visto que não foi notificada ao sujeito passivo e se prolongou por período superior ao prazo previsto na lei (Art° 36 n° 2 RCPIT), sem qualquer despacho de prorrogação, tal configura um vício gerador de anulabilidade das liquidações baseadas em tal procedimento (Art° 135 do CPA)

Quanto ao apuramento de resultados da atividade, entende a ora Recorrente que, encerrado o exercício de 2005 já na titularidade de uma sociedade, não podia senão, como foi feito, ter-se apurado o lucro tributável em relação a todo o exercício em sede de IRC, ter-se pago, em autoliquidação, o imposto correspondente, tudo isto nos termos e previstos no Código do IRC e não já no Código do IRS.

Não concordando a Inspeção Tributária este entendimento, 0 que, sem conceder, se admite, tinha na sua disponibilidade 0 recurso aos métodos legais previstos na lei para determinar o lucro tributável em IRS com referência ao período em que a atividade foi exercida em nome individual: 0 método directo; ou o método indireto. Tudo nos termos do disposto no artigo 81.° da LGT.

XIX. Em vez disso, a Inspeção Tributária utilizou uma metodologia ilegal por violar, em primeiro lugar, o disposto no artigo 75.º da LGT na parte em que atribui a presunção de veracidade e boa fé aos dados e apuramentos inscritos na contabilidade ou escrita dos contribuintes, nas condições aí previstas.

XX. A Inspeção Tributária não questionou ou pôs em causa a veracidade dos elementos e dados contabilísticos relativos a todo 0 ano de 2005 e com base nos quais a sociedade constituída e que passou a titular a atividade apurou o lucro tributável daquele mesmo exercício.

XXI. Pelo contrário, “aproveitou” a matéria coletável tal como foi apurada pela sociedade, de onde se deduz que a aceitou integralmente como correta e exata, para a imputar temporalmente, denominando tal operação de “correção técnica”, o que manifestamente não condiz.

XXII. A metodologia utilizada pela Inspeção Tributária para quantificar o rendimento líquido da categoria B da ora Recorrente e do ano de 2005 é ilegal, em segundo lugar, por violação do disposto no artigo 81.º da LGT: podia, logo devia, ser calculada diretamente, segundo os critérios próprios do IRS, e não o foi.

XXIII. É o próprio Relatório que reconhece ter o Balancete feito a 18 de novembro de 2005, data da cessação da atividade em nome individual, os valores da contabilidade, nomeadamente proveitos e custos...

O lucro é uma diferença entre proveitos e custos: não se diga que não havia condições para apurar diretamente o rendimento líquido da categoria B segundo a contabilidade organizada da ora Recorrente.

A terceira ilegalidade da metodologia utilizada pela Inspeção Tributária decorre do facto de esta não ter provado, como lhe competia, que a contabilidade da ora Recorrente impossibilitava a comprovação e a quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria coletável, pressuposto do recurso ao método subsidiário, a avaliação indireta - art.° 87.°, n.° 1, al. b) da LGT.

O que a Inspeção Tributária fez não foram “correções técnicas” (não aceitar um custo, qualificar um proveito, desqualificar um benefício fiscal): a Inspeção Tributária utilizou, em toda a sua plenitude, o método indireto para determinar o rendimento coletável, sem ter feito prova da verificação do pressuposto que (até) o poderia justificar.

Embora se considere que a “imputação temporal linear” de um rendimento apurado num imposto segundo regras que não são totalmente idênticas às do outro imposto e numa atividade que releva de sazonalidade (precisamente na época em que ocorreu a separação) jamais se poderia considerar um critério “adequado e ajustado” ao fim visado.

Ora, como se reconheceu no Acórdão de 26/01/2006, Processo 381/04, TCAN, admitindo a IT que a contabilidade da ora Recorrente se encontrava bem organizada, teria de explicar, de forma clara, precisa e suficiente, os motivos por que entendia que ela não evidenciava os resultados efetivamente obtidos, designadamente se julgava que os proveitos e custos constantes do balancete em 18 de novembro de 2005 não refletiam com exatidão os resultados à data, face à concreta atividade desenvolvida.

Pelo que, como no mesmo Aresto se decidiu, “Caso a decisão de tributação por métodos indiciários não tenha bases suficientemente seguras e adequadas a objectivar a demonstração da prática de alguma das irregularidades previstas no art. 38º do CIRS, designadamente da prática de «erros ou inexactidões no registo das operações» ou da existência de «indícios seguros de que a contabilidade ou os livros de registo não reflectem a exacta situação patrimonial e 0 resultado efectivamente obtido», impõe-se anular a correspectiva liquidação adicional de IRS efectuada”.

Incorreu em erro de facto e de direito a, aliás, douta sentença ao sufragar todas as ilegalidades apontadas ao procedimento da inspeção tributária e à metodologia que utilizou, pelo que deve ser anulada com todas as legais consequências.

E não é aceitável que tenha integrado elementos que, ainda que alegados pela Fazenda Pública em desespero de causa e relacionados com o seu comportamento dual no que se refere, por um lado, ao que exige aos contribuintes e, por outro, ao que deve aos contribuintes, não eram sequer acessórios, e muito menos principais para a justa decisão da causa.

É evidente para todos - menos, até à entrada de um pedido de revisão na DF de Leiria feito pela contribuinte, para aquele Órgão - que a imputação da maior parte do lucro tributável apurado no IRC, cujo correspondente imposto se encontrava pago, a IRS, cuja correspondente liquidação fora entretanto efetuada e, por acaso, até já se encontrava paga (e mesmo que o não estivesse, estava a ser exigida é uma óbvia dupla tributação jurídica interna, que gera uma intolerável duplicação de coleta, uma “heresia fiscal” nas sibilinas palavras de RODRIGUES PARDAL que, por acaso, até foi Diretor-Geral da Direção-Geral dos Impostos, embora haja lá muita gente que desconhece o facto, e que, quando a Inspeção Tributária efetuou a “correção técnica” positiva, deveria, simetricamente, ter feito uma “correção técnica” negativa, pois assim estaria a ser, de facto, um “órgão de justiça”.

XXXIII. A, aliás, douta sentença recorrida viola o disposto nos artigos 32.º e 38.º do Código do IRS, o artigo 36.º do Regime Complementar do Procedimento Tributário, os artigos 11.º, 77.º, 81.° e 87.º da Lei Geral Tributária e a Recomendação n.° 94/1069/CE, de 7 de Dezembro de 1994» da Comissão Europeia.

NESTES TERMOS e nos que V. Ex.as doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser julgada procedente por provado e, em conformidade, deve a, aliás, douta sentença recorrida ser revogada e, consequentemente, deve a liquidação de IRS que foi objeto da impugnação original ser mandada anular, determinando-se igualmente a restituição à ora alegante da importância indevidamente liquidada e paga, acrescida de juros indemnizatórios nos termos legais e à taxa legal, assim se fazendo JUSTIÇA

Junta: Comprovativo do pagamento da taxa de justiça


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A Recorrida, devidamente notificada, não apresentou contra-alegações.

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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Com relevância para a decisão da causa dão-se como provados os seguintes factos:

1. A Impugnante P...exerceu, em nome individual, a atividade de “F... – Comércio a Retalho de Produtos Farmacêuticos”, girando sob a sigla comercial de “F...”, até 18 de novembro de 2005 – facto não controvertido.

2. Em 18 de novembro de 2005, a Impugnante celebrou, por escritura pública, no Cartório Notarial de Porto de Mós, “CONTRATO DE SOCIEDADE”, no âmbito do qual declarou:

“Que, não sendo sócia de qualquer sociedade unipessoal, celebra agora um contrato de sociedade unipessoal por quotas, que se regerá pela lei e pelas cláusulas seguintes:
1.º
A sociedade adopta a firma «F..., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA»
[...]
3.º
Tem por objeto o comércio a retalho de produtos farmacêuticos (F...);
5.º
1 – O capital social, integralmente realizado em dinheiro, é de CENTO E CINQUENTA MIL EUROS, e corresponde a uma só quota de igual valor nominal pertencente à sócia P….;
2 – A sócia realiza a sua quota com a transferência para a sociedade do estabelecimento denominado «F... » [...], constituído pela universalidade de bens, direitos e obrigações que o integram e respectivo alvará …, emitido pelo IMFARMED, datado de dezasseis de Janeiro de dois mil e um, reportados à data de tinta de Setembro findo;
3 – O valor do referido património totaliza um montante líquido de duzentos e noventa e dois mil seiscentos e cinquenta euros e treze cêntimos que excede em cento e quarenta e dois mil seiscentos e cinquenta euros e treze cêntimos o valor do referido capital, montante que fica afecto e será transferido para a conta de «Suprimentos».
[...]” – cfr. fls. 21 a 25 do PA apenso e fls. 51 e 55 dos autos (suporte físico).

3. Naquele dia 18 de novembro de 2005, a Impugnante cessou para efeitos fiscais a sua atividade de “F... – Comércio a Retalho de Produtos Farmacêuticos”, indicando como motivo “Art. 114 N.º 1 e)” e como “Cessionário do Estabelecimento” a sociedade F..., LDA. – cfr. fls. 19 e 20 do PA apenso e fls. 49 e 50 dos autos (suporte físico).

4. A Impugnante efetuou uma entrada adicional de capital em € 2.974,50 para arrendamento do capital social da sociedade F..., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA. – cfr. docs. de fls. 141 a 159 dos autos (suporte físico).

5. No balanço efetuado para avaliação do estabelecimento “F... ...”, emitido em 30 de setembro de 2005, foi apresentado um resultado líquido do exercício de 2005 até àquela data de € 145.509,63 – cfr. fls. 28 e 29 do PA apenso e fls. 58 e 59 dos autos (suporte físico).

6. A Impugnante apresentou, em 02 de agosto de 2006, declaração Modelo 3 de IRS referente ao exercício de 2005, em cujo Anexo C “RENDIMENTOS DA CATEGORIA B REGIME CONTABILIDADE ORGANIZADA”, respeitante à sua atividade de “F... – Comércio a Retalho de Produtos Farmacêuticos”, apresentou um Resultado Líquido do Exercício e um Lucro Tributável nulos (0,00), referindo no respetivo campo 13 que havia cessado atividade em 18 de novembro de 2005 – cfr. cópia da Modelo 3 de IRS quanto a rendimentos de 2005, constante do PA apenso.

7. A sociedade F..., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA., enquadrada no regime geral de tributação (contabilidade organizada), apresentou no dia 09 de maio de 2006, declaração Modelo 22 de IRC reportada ao exercício de 2005 (período de 01 de janeiro de 2005 a 31 de dezembro de 2005), na qual se apurou um lucro tributável de € 246.372,30 – cfr. fls. 42 a 45 do PA apenso e fls. 72 a 75 dos autos (suporte físico).

8. Por despacho do Chefe de Divisão dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Leiria, por subdelegação de competências do respetivo Diretor de Finanças, com o n.º DI200801253, datado de 12 de março de 2008, foi determinada a realização de ação de inspeção à Impugnante “nos termos dos n.º 4 e 5 art.º 46.º do RCPIT”, com o objetivo de “Consulta, recolha e cruzamento de elementos” – cfr. fls. 51 do PA apenso e doc. a fls. 78 dos autos (suporte físico).

9. A Impugnante foi notificada do despacho referido no ponto antecedente em 13 de março de 2008, pela aposição de assinatura no despacho referido no ponto anterior – cfr. fls. 51 do PA apenso e doc. a fls. 78 dos autos (suporte físico).

10. Com base na ordem de serviço n.º OI200801568, datada de 20 de outubro de 2008, emitida pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Leiria, a Impugnante foi alvo de uma ação de inspeção externa, de âmbito parcial (IRS e IVA), incidente sobre o exercício de 2005, iniciada em 09 de novembro de 2009 e concluída em 11 de novembro de 2009 – cfr. fls. 03 do PA apenso e docs. a fls. 80 e 81, 83 e 84 dos autos (suporte físico).

11. A Impugnante foi notificada em 16 de novembro de 2016 do projeto do relatório de inspeção para exercício do direito de audição – cfr. p. 07 do relatório de inspeção tributária constante do PA apenso.

12. Por petição escrita datada de 23 de novembro de 2009, a Impugnante exerceu o seu direito de audição sobre o projeto de relatório inspetivo – cfr. fls. 46 a 50 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

13. No dia 26 de novembro de 2009 foi emitido pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Leiria relatório de inspeção tributária relativo ao procedimento inspetivo referido no ponto 10. que antecede, onde ficou consignado na parte que ora importa, o seguinte:

I.2- Descrição sucinta das conclusões da acção de inspecção

Foram efectuadas correcções meramente aritméticas ao lucro tributável da categoria B, declarado pelo sujeito passivo no ano de 2005, nos seguintes montantes:
Descrição Valor
Lucro tributável declarado € 0,00
Correcção € 217.940,94
Lucro tributável corrigido € 217.940,94
IX. DIREITO DE AUDIÇÃO

O sujeito passivo foi notificado para exercer o seu direito de audição em 16 de Novembro de 2009.

Decorrido o prazo fixado, o sujeito passivo enviou por escrito o referido direito de audição, conforme documento anexo (anexo 6), que passaremos a analisar de seguida:

Pontos 1 e 2: Referiu a não compreensão de ter sido referida a data de início da presente Ordem de Serviço em 08 de Novembro de 2009, quando a sociedade teria sido visitada em 13 de Março de 2008. Mencionou ainda a duração do procedimento de inspecção referida no art.º 53 do RCPIT, de 6 meses prorrogada por 2 períodos de 3 meses, que não teria sido aplicada neste caso.

No tocante a este ponto, cabe-nos referir o seguinte:

- A presente ordem de serviço, com o n.º OI200801568, relativa ao procedimento de inspecção externa relativo ao ano de 2005, foi de facto iniciada em 08 de Novembro de 2009, conforme foi referido no Projecto de Relatório de Inspecção Tributária e conforme consta da cópia na posse do sujeito passivo. Não estão portanto ultrapassados os prazos definidos no art.º 53 do RCPIT.

A visita referida pelo sujeito passivo, em 13 de Março de 2008, foi efectuada ao abrigo do Despacho n.º DI200801253, cuja cópia se anexa (anexo 7), e destinava-se, conforme referido no quadro 4 do mesmo, à consulta, recolha e cruzamento de elementos e não ao presente procedimento de inspecção externa.

Temos assim que os prazos estabelecidos no art.º 53 do RCPIT foram cumpridos e os argumentos apresentados não acolhem.

Pontos 3, 4, 5, 6, 7 e 8: Referiu o motivo da emissão da Ordem de Serviço, na não declaração de qualquer lucro tributável na actividade exercida até 18 de Novembro de 2005, a cessação da actividade em 18 de Novembro de 2009 e a utilização dos elementos do estabelecimento para a realização do capital social da sociedade unipessoal propriedade do sujeito passivo, confirmando tal facto. Indicou ainda que tal operação terá sido efectuada ao abrigo do art.º 38 do CIRS, mencionando que tal articulado teria sido ignorado ou não teria tido qualquer aplicação, segundo a óptica dos Serviços de Inspecção. Segundo tais pontos, teria sido necessária uma fundamentação válida;

No tocante a estes pontos, cabe-nos referir o seguinte:

Verificou-se de facto que não foi declarado qualquer valor de lucro tributável para o ano de 2005, período onde exerceu a sua actividade, do início do ano até á data da cessação em 18 de Novembro de 2005.

A operação descrita, verificou-se de facto. No entanto, o actual art.º 38 do CIRS, acima referido, apenas é aplicável às operações descritas no seu n.º 1 (sublinhado nosso):

"1 - Não há lugar ao apuramento de qualquer resultado tributável por virtude da realização de capital social resultante da transmissão da totalidade do património afecto ao exercício de uma actividade empresarial e profissional por uma pessoa singular, desde que, cumulativamente, sejam observadas as seguintes condições:"

Sendo assim, a operação acima referida pelo sujeito passivo, cumpridas que terão sido as condições enumeradas nas alienas do n.º 1 e nos n.º 2 e 3 do art.º 38, é que não estará sujeita a tributação, operação essa realizada em 18 de Novembro de 2005. Será tal operação que estará excluída de tributação e não os ganhos obtidos no âmbito da cat. B de IRS, pelo sujeito passivo no período de 01 de Janeiro a 18 de Novembro de 2005.

Como foram estes os ganhos não declarados pelo sujeito passivo, tal articulado não poderia ser suporte para as correcções propostas, pelo que se mantém as correcções propostas.

Pontos 9, 10, 11 e 12: Indicou o preâmbulo do Dec. - Lei que aprovou o actual art.º 38 do CIRS, referindo que se pretendeu introduzir um regime de neutralidade nos empresários a nível individual, semelhante ao instituído para as fusões, cisões e entradas de activos. Referiu vários objectivos delineados, na criação do referido art.º 38 do CIRS e ainda o regime instituído no art.º 67 a 72 do CIRC, como suporte para a não inclusão no lucro tributável de IRS, dos lucros obtidos até 18 de Novembro de 2005 e sua tributação na esfera da sociedade em IRC;

No tocante a estes pontos, cabe-nos referir o seguinte:

No tocante ao preâmbulo do referido Dec.-Lei importa referir que no 2.º parágrafo se refere a instituição do regime de neutralidade fiscal com vista a facilitar a transformação da actividade em termos fiscais e não para obviar à tributação em IRS dos ganhos obtidos no âmbito deste imposto. São depois referidas as ditas semelhanças com os regimes de fusão, cissão e entrada de activos. Mas importa estabelecer que os artigos então aprovados e os actualmente existentes apenas se referem, única e exclusivamente, à operação de realização de capital social resultante da transmissão da totalidade do património afecto ao exercício de uma actividade empresarial e profissional por uma pessoa singular.

É o actual art.º 38 do CIRS que estabelece as condições para que a operação referida não esteja sujeita a IRS e só nos casos em que as condições estabelecidas nas suas alíneas sejam cumpridas. Sublinhamos que é a referida operação que não se encontra sujeita a IRS.

Os artigos 67 a 72 do CIRC não são aplicáveis nem à operação em cima referida, nem suportam o afastamento da tributação em IRS dos ganhos a este imposto sujeitos.

Esse articulado refere-se a operações entre sociedades que não é o caso acima referido.

Ponto 13: Refere o sujeito passivo que se as condições do art.º 38 não tivessem sido cumpridas, a alteração aos rendimentos poderia eventualmente existir;

No tocante a este ponto, cabe-nos referir o seguinte:

Mais uma vez se refere que as correcções propostas o foram devido à existência de rendimentos sujeitos a IRS e que não foram declarados no anexo C da Mod. 3 de IRS de 2005 e não a irregularidades detectadas na aplicação do art.º 38 do CIRS, daí este argumento não acolher.

Pontos 14, 15 e 16: É mencionada a entrega da declaração a que se refere a aI. e) do art.º 38 do CIRS, no sentido do cumprimento do disposto no art.º 77 do CIRC, na operação de realização de capital, sendo referido que tal remissão é prova da aplicabilidade do regime de neutralidade fiscal e que por tal facto os serviços de inspecção deveriam ter invocado a não aplicabilidade de tal regime para fundamentar as correcções propostas.

No tocante a estes pontos, cabe-nos referir o seguinte:

Conforme já referido anteriormente, a existência do regime de neutralidade fiscal na operação de realização do capital não foi posta em causa. Não se encontra é em nenhum do articulado referido, o suporte para a não tributação em IRS dos ganhos a este sujeitos obtidos entre 01 de Janeiro de 18 de Novembro de 2009, daí as correcções propostas.

Se foi considerado cumprido o art.º 38 do CIRS, não poderia ter sido invocado para as correcções propostas.

Mais uma vez importa referir que tal regime apenas se refere à operação de realização de capital social, daí os argumentos não acolherem.

Ponto 17: É indicado que os resultados referidos teriam de ser tributados em IRC pois faziam parte dos activos transmitidos.

No tocante a este ponto, cabe-nos referir o seguinte:

Os elementos transmitidos, constituídos por elementos activos e passivos, de cuja diferença resulta o valor transmitido, incorporam em si, os resultados obtidos até então, mas do activo não faz parte qualquer rubrica com a indicação resultados, como se poderá constatar a folhas 8 do anexo 8, pelo que o argumento não acolhe.

Pontos 18, 19, 20 e 21: É referido o art. 38 n.º 1 e ainda a aI. e) deste mesmo número, já acima referidos, e ainda a relação com o art.º 77 do CIRC. Menciona que este art.º 77 indica que os eventuais prejuízos fiscais, transitados e os apurados até à data, relativos à pessoa singular, poderiam ser deduzidos nos lucros tributáveis da nova sociedade. E daqui conclui que se os prejuízos anteriores transitam para a sociedade também os lucros transitam.

No tocante a estes pontos, cabe-nos referir o seguinte:

Mais uma vez se sublinha que o art.º 38 se refere apenas à operação de realização do capital e não à tributação dos lucros em sede de IRC.

O referido regime aplicável aos prejuízos, é apenas e expressamente referente a prejuízos e neste caso, sim, justifica-se tal articulado, no sentido de não obviar à transformação em sociedade. Se tal articulado não existisse, o sujeito passivo perderia o direito à dedução no âmbito da sociedade desses prejuízos e tal facto seria um obstáculo à transformação.

O facto de serem referidos os prejuízos apurados até á data da transformação é aliás um indicador de que se terão de apurar resultados nessa data, no âmbito do sujeito passivo de IRS.

Sendo assim tais argumentos não acolhem.

Pontos 22, 23, 24 e 25: É referido mais uma vez o art.º 68 do CIRC como sendo a base do regime do art.º 38 do CIRS. É indicado o n.º 1 do citado art.º 68 do CIRC, equiparando-se a operação acima referida à estabelecida entre sociedades. É ainda referida a Circular n.º 8/2004. Todos estes factos, segundo o sujeito passivo, suportariam a aplicabilidade do regime de transparência fiscal.

No tocante a estes pontos, cabe-nos referir o seguinte:

Tais articulados, são aplicáveis a operações realizadas entre sociedades. Equiparar o sujeito passivo de IRS a uma sociedade e aplicar estes articulados, não pode constituir fundamento para a sua aplicação ao caso concreto acima referido, tratado que está no art.º 38 do CIRS.

As realidades tributárias dum sujeito passivo de IRC e de IRS são substancialmente diferentes, nomeadamente em termos de taxas de tributação. E os articulados acima referidos são taxativos na identificação das entidades a que se aplicam, pelo que não poderemos aplicá-los ao caso concreto acima referido.

Sendo assim, tais argumentos não acolhem.

Ponto 26: E argumentado que o facto de se tratarem de pessoas jurídicas distintas, não é base para a tributação na esfera do empresário dos lucros apurados até à transferência, pois tais lucros teriam de ser retirados para o património particular;

No tocante a este ponto, cabe-nos referir o seguinte:

Conforme já referido anteriormente, para a sociedade são transmitidos valores activos e passivos sendo o valor do estabelecimento apurado pela diferença entre estes dois valores.

Os lucros contidos nesses elementos terão de ser tributados em IRS, dado que o sujeito passivo, para o art.º 38 do CIRS ser aplicável, terá de utilizar o valor dos bens transmitidos para a realização de capital social, isto é, irá obter uma quota que ficará em seu poder, no valor dos bens transmitidos e que incluirá os referidos lucros.

Ponto 27: Refere que o facto de ter existido a cessação de actividade foi para realização da operação com a sociedade acima referida e não para apuramento dos lucros da sua actividade;

No tocante a este ponto, cabe-nos referir o seguinte:

O facto de ter existido tal cessação não foi o facto determinante da tributação. Se tal cessação não tivesse existido, como poderia ter acontecido, os factos tributários existiriam na mesma, e em 18 de Novembro apenas teria existido a transferência dos bens acima referidos, operação esta não tributável por se enquadrar no art.º 38 do CIRS.

Os lucros teriam de ser apurados normalmente, dado terem sido obtidos por uma entidade sujeita a IRS, pelo que este argumento não acolhe.

Ponto 28: Refere novamente o enquadramento no regime de neutralidade fiscal da operação e menciona ainda as taxas de tributação como não tendo sido motivo para a não tributação em IRS da operação.

No tocante a este ponto, cabe-nos referir o seguinte:

Quanto ao enquadramento no regime referido já foi mencionado acima a consequência de tal enquadramento.

Quando à hipótese referente às tributações em IRS ou IRC dos lucros obtidos, tal facto não releva. O que temos é um lucro tributável, apurado por um sujeito passivo de IRS, no âmbito de uma actividade exercida, que não foram devidamente tributados em IRS, motivo pelo qual foram corrigidos.

Ponto 29, 30 e 31: Refere o art.º 3 n.º 4 do CIVA, como fundamento para a tese defendida, dada a existência de um regime de neutralidade, também em termos de IVA em que outro sujeito passivo assume a actividade nos mesmo termos e que será o fundamento para o regime de neutralidade.

No tocante a este ponto, cabe-nos referir o seguinte:

Conforme já referido anteriormente tal neutralidade apenas se refere à operação de transmissão em si. Mesmo em termos de IVA, as transmissões de bens efectuadas até Novembro foram entregues e pagas pelo sujeito passivo de IRS e a partir dessa data pela sociedade, apesar da existência do referido regime, aplicável à operação de transmissão em si.

Como tal, o referido argumento não acolhe.

Pontos 32, 33 e 34: Refere que se os lucros foram sendo gerados no âmbito individual, podiam encontrar-se investidos em imobilizado ou existências e assim interrogam como seriam tributados tais ganhos, por antecipação, eventualmente subvertendo princípios constitucionais.

No tocante a este ponto, cabe-nos referir o seguinte:

Conforme já referido acima, o art.º 38 do CIRS aplica-se única e exclusivamente à transmissão para realização de capital social.

Caso tal transmissão fosse efectuada fora do âmbito do art.º 38 do CIRS, teria de ser cumprido o estabelecido no art.º 58 do CIRS, aplicável por remissão do art.º 32 do CIRS. Assim tal operação teria de ser efectuada nos termos que seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

Assim sendo o valor do estabelecimento seria substancialmente superior uma vez que o valor de mercado deste tipo de estabelecimento é mais elevado que o dado no balanço efectuado.

E nesse caso, em 18 de Novembro de 2005, seriam alienados todos os bens, e seria apurado o lucro tributável, sujeito então a tributação em IRS, em condições similares a qualquer outra transmissão.

Com o art.º 38 do CIRS, é facultado ao sujeito passivo de IRS, considerar tal operação pelos valores que os bens tinham na sua contabilidade, evitando o cumprimento nomeadamente do art.º 58 do CIRC.

Assim em 18 de Novembro terá de ser apurado um lucro tributável, com base nos valores referidos, e efectuada uma tributação em IRS.

A diferença entre os bens activos e passivos entregues, terá como contrapartida no património pessoal do sujeito passivo uma quota de valor similar, que caso seja alienada no prazo de 5 anos, será tributada na categoria B de IRS, nos termos do art.º 38 n.º 3.

Sendo assim, estes argumentos não acolhem, tendo que deveria ter sido apurado um lucro tributável na data de cessação, ou caso esta não tivesse sido manifestada, no final do exercício.

Ponto 35: Invoca falta de fundamento legal para as conclusões obtidas no Projecto de Relatório de Inspecção Tributária;

No tocante a este ponto, cabe-nos referir o seguinte:

Com base nos argumentos acima apresentados, as conclusões obtidas no Projecto serão de manter.

Ponto 36: Refere eventuais preocupações de caducidade e menciona ainda exigência de sacrifícios patrimoniais na defesa do contribuinte e com um tributo que já teria sido pago, com base numa actividade que regime de neutralidade protegeria;

No tocante a este ponto, cabe-nos referir o seguinte:

Quanto a eventuais dados sobre caducidade não se detectam dados sobre esse facto.

Quanto à aplicabilidade do regime de neutralidade, conforme já foi por várias vezes acima referido, ele aplica-se apenas à transmissão do estabelecimento e não à tributação em IRS dos ganhos obtidos.

Importa ainda referenciar, no tocante à tributação efectuada pela sociedade acima referida, o prescrito pelo art.º 8 n.º 4 aI. a) do CIRC, que refere que no exercício de início de tributação, o período de tributação é constituído pelo período decorrido entre a data de início de actividade e o fim do exercício, pelo que não poderão incluir rendimentos obtidos fora desse período e por outro sujeito passivo e no âmbito de outro imposto.

Com base nestes factos, propomos a manutenção das conclusões do Projecto no presente Relatório de Inspecção Tributária.

Eis o que me cumpre informar e propor à consideração superior.

[...]” – cfr. fls. 03 a 17 (relatório de inspeção) do PA apenso e fls. 33 a 47 dos autos (suporte físico), cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

14. Sobre o relatório de inspeção referido no ponto antecedente recaiu despacho de concordância do Chefe de Divisão, por subdelegação de competências do Diretor de Finanças de Leiria, datado de 11 de dezembro de 2009 – cfr. fls. 03 do PA apenso e fls. 33 dos autos (suporte físico).

15. A Impugnante foi notificada do aduzido relatório de inspeção tributária e do despacho que sobre ele recaiu em 11 de dezembro de 2009 – cfr. fls. 01 e 02 do PA apenso e fls. 31 e 32 dos autos (suporte físico).

16. Com base das correções efetuadas ao lucro tributável de IRS da Impugnante referente ao exercício de 2005 em sede inspetiva, foi emitida, em 16 de dezembro de 2009, a liquidação n.º 2009 5004999385, no montante global de € 93.001,27 (juros compensatórios incluídos) – cfr. docs. a fls. 24 a 26 dos autos (suporte físico).

17. No dia 30 de dezembro de 2009, a Impugnante procedeu ao pagamento da liquidação referenciada no ponto antecedente – cfr. doc. a fls. 28 e 29 dos autos (suporte físico).

18. A presente impugnação judicial foi apresentada em 05 de março de 2010 – cfr. fls. 01 dos autos (suporte físico).

19. A sociedade F..., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA. apresentou, no dia 08 de março de 2010, junto da Direção de Finanças de Santarém, um pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRC reportada ao exercício de 2005 – cfr. p. 02 da informação n.º 65/2010, constante de fls. 125 a 129 dos autos (suporte físico).

20. Em 31 de março de 2010, a Divisão de Tributação e Cobrança da Direção de Finanças de Santarém prestou a informação n.º 65/2010, relativa ao pedido de revisão oficiosa mencionado no ponto antecedente, com o seguinte teor:

“O PEDIDO

1. A sociedade denominada F... , Sociedade Unipessoal, Lda. [...] veio apresentar em 8 de Março, nesta Direcção de Finanças, uma exposição relativamente à liquidação resultante ao exercício do ano de 2005, no sentido de que seja corrigida oficiosamente em virtude de terem surgido alterações derivadas da mudança de regime de tributação, nos termos previstos no art.º 86.º do Código do IRC, resultante da transmissão da totalidade do património;

[...]

OS FACTOS

5. Com efeito, neste exercício, resultaram as seguintes liquidações de IRC:

• Autoliquidação efectuada em 30-05-2006, no valor de € 3.549,43, conforme guia n.º 350022432740:

• Liquidação n.º 2006 2310289699, de 24-07-2006, no valor de € 66.551,92, paga em 25-08-2006, para correcção dos pagamentos por conta declarados, em sede de IRS, no valor de € 65.247,00 e respectivos juros moratórios;

6. No entanto, conforme Relatório de Inspecção Tributária da D.F. Leiria elaborado em 26-11-2009, foram efectuadas correcções meramente aritméticas ao lucro tributável da categoria B declarado pelo sujeito passivo P..., actual sócia-gerente desta sociedade, que exerceu a actividade em nome individual até à cessação de actividade ocorrida em 18-11-2005, a qual, porém, declarou lucro tributável nulo no anexo C da Mod. 3 de IRS pela actividade exercida até àquela data, os quais foram incluídos totalmente na declaração Mod. 22 de IRC da sociedade expoente.

7. Neste sentido, se reproduz, na íntegra, o conteúdo do ponto III 1.4 do citado Relatório:

[...]

8. Pelo que fica atrás exposto, não só no ponto 5 da informação quanto ao enquadramento fiscal declarado pelo contribuinte, mas também quanto ao pagamento do IRC efectuado pela totalidade do ano económico, verifica-se agora um facto novo, ou seja, a Administração Tributária procedeu à divisão proporcional de dias em 2005, resultando assim em dois enquadramentos distintos, o primeiro em sede de IRS e o segundo em IRC, tendo o sujeito passivo também já efectuado o pagamento do IRS, conforme o lucro tributável apurado no ponto anterior desta informação;

9. O sujeito passivo, tal como também refere nos pontos 4 e 5 da sua exposição e em resultado do fraccionamento efectuado, procedeu em 30/12/2009 ao pagamento do imposto de € 93.001,27, conforme liquidação n.º 2009 5004999385;

AS CONCLUSÕES

10. O regime previsto no art.º 78.º, consubstancia apenas a revisão do acto tributário (liquidação) pela entidade que o praticou, a favor do contribuinte, quer por iniciativa deste, quer por iniciativa da administração tributária;

11. Verifica-se, assim, a existência de uma dupla tributação parcial de rendimentos em 2005 na actividade do contribuinte, no período relativo ao enquadramento de IRC, de 1 de Janeiro a 18 de Novembro, pelo que será de elementar justiça proceder à correcção desta liquidação, o que, para o efeito, a forma adequada para o fazer é proceder à elaboração de Documento de Correcção Único (DCU), que é o que se propõe a V. Ex.ª, em vista da omissão verificada pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Leiria;

12. Neste sentido interessa referir o que ficou registado pelo Inspector Tributário no último parágrafo que transita da pág. 14 para a 15, no que respeita às conclusões obtidas no Projecto de Relatório que, quanto à apreciação do mesmo não provocou quaisquer rectificações em sede de IRC, como deveria ser o caso:

«Importa ainda referenciar, no tocante à tributação efectuada pela sociedade acima referida, o prescrito pelo art.º 8 n.º 4 aI. a) do CIRC, que refere que no exercício de início de tributação, o período de tributação é constituído pelo período decorrido entre a data de início de actividade e o fim do exercício, pelo que não poderão incluir rendimentos obtidos fora desse período e por outro sujeito passivo e no âmbito de outro imposto»” – cfr. fls. 125 a 129 dos autos (suporte físico), cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

21. Sobre a informação referida no ponto anterior recaiu despacho de concordância do Diretor de Finanças de Santarém, datado de 08 de abril de 2010 – cfr. fls. 125 dos autos (suporte físico).

22. Na sequência do deferimento do pedido de revisão de ato tributário formulado pela sociedade F... ..., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA., foi-lhe reembolsada a quantia de € 61.238,69, através do cheque n.º …., emitido em 10 de maio de 2010 – cfr. fls. 130 e 131 dos autos (suporte físico).


***

A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Inexistem factos não provados, com interesse para a solução da causa, atenta a causa de pedir. “


***

A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:

“A decisão da matéria de facto, efetuou-se com base nos documentos e informações oficiais constantes dos autos e no Processo Administrativo apenso, referidos em cada um dos pontos do elenco da factualidade dada como provada, que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal, em conjugação com a livre apreciação da prova.”


***

De harmonia com o disposto no artigo 662.º do CPC, conjugado com o disposto artigo 249.º do Código Civil, ex vi artigo 2.º alínea e), do CPPT, procede-se à retificação de um erro de escrita, constante do ponto 11) relativo à identificação da data da notificação do projeto de relatório de Inspeção Tributária, passando a aludida alínea a contemplar a seguinte redação:

11. A Impugnante foi notificada em 16 de novembro de 2009 do projeto do relatório de inspeção para exercício do direito de audição – cfr. p. 07 do relatório de inspeção tributária constante do PA apenso.



***

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

23. Foi emitida carta aviso pela Direção de Finanças de Leiria, com referência à Ordem de Serviço OI200801568, evidenciada em 10, e com o teor que infra se transcreve:

(cfr. fls. 80 dos autos);

24. Em resultado da ação de inspeção externa credenciada pela Ordem de Serviço OI200801568, e melhor identificada em 10), foi emitida nota de diligência com o seguinte teor:


«imagem no original»


«imagem no original»

(cfr. fls. 84 dos autos);


***

C) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação de IRS, referente ao ano de 2005, no montante de €93.001,27, que determinou a anulação parcial do ato impugnado com a consequente reforma tendo por base o lucro tributável de €217.349,60, em sede de rendimentos de categoria B, e no demais manter a correção efetuada.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.


Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre avaliar se a decisão recorrida padece de erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, competindo aferir, para o efeito:


¾ Se a decisão recorrida interpretou, erroneamente, a realidade fática atinente ao procedimento inspetivo, na medida em que sendo o mesmo uno e indivisível, inexistiu, por um lado, qualquer despacho de prorrogação da ação inspetiva, e por outro lado, foi preterido o prazo consignado no artigo 36.º, nº2 do RCPIT, com a consequente cominação de anulabilidade do ato de liquidação impugnado;


¾ O Tribunal a quo incorreu em erro, ao ter entendido que os rendimentos em questão foram auferidos enquanto entidade individual, donde, tributáveis em sede de IRS, e enquanto rendimentos da Categoria B;


¾ Secundando-se este entendimento, importa aferir se a decisão recorrida interpretou, erroneamente, a questão atinente à metodologia adotada pela AT, porquanto ajuizou, equivocamente, que o método de determinação dos rendimentos não enfermava de qualquer ilegalidade, quando o mesmo não tem qualquer fundamento legal enquanto método direto, não consubstanciando, rigorosamente, correções técnicas.


Apreciando.


A Recorrente defende que foi objeto de um único procedimento externo de inspeção, o qual foi constituído por duas fases, interligadas entre si, mas que constituem uma unidade, donde foram preteridas formalidades legais concatenadas com a duração máxima do período inspetivo (36.º do RCPIT) e com a inexistência de despacho de prorrogação que fundamente e legitime a continuidade da ação inspetiva.


Densifica, para o efeito, que a ação inspetiva foi credenciada mediante Despacho n.° DI200801253, datado de 12 de março de 2008, visando a “recolha de vários elementos de contabilidade, nomeadamente balancetes, extratos e documentos, bem como outras informações”, da qual nunca resultou qualquer correção, e emissão de relatório.


Concretizando, neste âmbito, que só ulteriormente, mediante ofício datado de 13 de fevereiro de 2009 foi anunciada a deslocação às instalações empresariais da ora Recorrente dos Técnicos de Inspeção Tributária tendo em vista uma ação inspetiva parcial, relativa a IRS e a IVA do ano de 2005, a qual se iniciou a 9 de novembro de 2009, e foi concluída a 12 de novembro de 2009, credenciada, para o efeito, pela Ordem de Serviço OI200801568, de 20 de outubro de 2008.


Concluindo, assim, que não tendo sido notificada do despacho de prorrogação e tendo sido ultrapassado o prazo consignado no artigo 36.º, nº2 do RCPIT, tal configura um vício de violação de lei, que determina a anulabilidade das liquidações em ordem ao regulado no consignado no artigo 135.º do CPA.


Apreciando.


Comecemos por atentar na fundamentação da decisão recorrida e que esteou a improcedência das arguidas preterições de formalidades essenciais.


O Tribunal a quo começa por evidenciar que “[o] procedimento inspetivo de 13 de março de 2008, ocorreu na sequência do despacho n.º DI200801253 do Chefe de Divisão dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Leiria, datado de 12 de março de 2008, destinado à consulta, recolha e cruzamento de elementos, nos termos dos n.ºs 4 e 5 do art. 46.º do RCPIT.”


Concretizando, depois, que “[t]al procedimento inspetivo não se pode confundir com a ação de inspeção externa efetuada com base na ordem de serviço n.º OI200801568, datada de 20 de outubro de 2008, no âmbito da qual a Impugnante foi sujeita a ação de inspeção externa, de âmbito parcial (IRS e IVA), incidente sobre o exercício de 2005, iniciada em 09 de novembro de 2009 e concluída em 11 de novembro de 2009 [ponto 10. do probatório], os quais materializam atos de natureza distinta e cuja teleologia imanente – e os resultados apurados – cumprem missões distintas: no primeiro caso a verificação de elementos, e no segundo o apuramento da situação tributária da Impugnante motivada pela ausência de lucro tributável em sede de IRS (categoria B) declarado para o exercício de 2005, apesar de ter exercido atividade até ao mês de novembro de 2005.”


Concluindo, assim, que “[n]ão existe qualquer relação de dependência ou prejudicialidade entre os dois procedimentos inspetivos referidos, não sendo a ação de inspeção externa uma mera continuação e conclusão do anterior procedimento de consulta, recolha e cruzamento de elementos, pelo que não se mostra preterida qualquer formalidade essencial no âmbito inspetivo, designadamente por violação do disposto nos artigos 53.º e 36.º do RCPIT, improcedendo, por isso, a alegação da Impugnante nesta parte. “


E, de facto, não se vislumbra que o juízo de entendimento do Tribunal a quo mereça qualquer censura, na medida em que analisou adequadamente o regime jurídico vigente realizando a devida transposição ao caso vertente.


Senão vejamos.


Comecemos por ter presente o quadro normativo aplicável ao caso sub judice.


Importa começar por convocar o disposto no artigo 54.º da LGT, o qual regulamenta o âmbito e a forma do procedimento tributário, dele se inferindo, desde logo, que o procedimento de inspeção é, efetivamente, um procedimento tributário o qual, segundo o nº5 desse mesmo normativo (atual nº6) se encontra regulado por diploma regulamentar próprio, especificamente, RCPIT.


Atentemos, então, no aludido diploma.


Ab initio, importa ter presente, mormente, em termos de ratio e finalidade o contemplado no preâmbulo do aludido diploma, particularmente os excertos que infra se transcrevem, do qual emerge que face à “[n]atureza da actividade inspectiva, a Administração não poderá estar subordinada a uma sucessão imperativa e rígida de actos. Porém, esta circunstância não prejudica a consagração de regras gerais de actuação visando essencialmente a organização do sistema, e consequentemente a garantia da proporcionalidade aos fins a atingir, da segurança dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários e a própria participação destes na formação das decisões, evitando a proliferação de litígios inúteis.


No respeito por estes princípios, a Lei Geral Tributária acolheu uma concepção da inspecção tributária harmónica com o moderno procedimento administrativo e as garantias dos cidadãos.


Assim, a natureza do presente diploma é essencialmente regulamentadora não se pretendendo alterar os actuais poderes e faculdades da inspecção tributária nem os deveres dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários que se mantêm integralmente em vigor.


No entanto, a melhor sistematização da acção fiscalizadora incrementará a sua eficiência e eficácia, bem como a segurança do procedimento de inspecção, tendo sido diminuída a margem de discricionaridade”.


Dispondo, assim, o artigo 2.º, nº1 do RCPIT, que: “[o] procedimento de inspeção tributária visa a observação das realidades tributária, a verificação do cumprimento das obrigações tributária e a prevenção das infrações tributárias”.


Preceituando, neste particular, os artigos 5.º a 11.º a matéria atinente aos princípios do procedimento de inspeção interna, os artigos 12.º a 14.º a regulação referente às classificações do procedimento de inspeção tributária, 0s normativos 16.º a 22.º a normação inerente à competência e garantias de imparcialidade, os preceitos 23.º a 27.º o planeamento e seleção, os artigos 28.º a 33.º a regulamentação dos atos de inspeção e as garantias do exercício da função inspetiva, os normativos 34.º a 43.º o local, horário dos atos de inspeção e prazo do procedimento, contemplando, in fine, e a partir do artigo 44.º ao 59.º a marcha do procedimento de inspeção e dos artigos 60.º a 64.º a conclusão e efeitos do procedimento de inspeção.


Face à matéria visada nos autos assume especial relevância o consignado no convocado artigo 36.º, do RCPIT, o qual sob a epígrafe de “início e prazo do procedimento de inspeção”, preceitua que:

“1 - O procedimento de inspeção tributária pode iniciar-se até ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos ou do procedimento sancionatório, sem prejuízo do direito de exame de documentos relativos a situações tributárias já abrangidas por aquele prazo, que os sujeitos passivos e demais obrigados tributários tenham a obrigação de conservar.

2 - O procedimento de inspeção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início.

3 - O prazo referido no número anterior poderá ser ampliado por mais dois períodos de três meses, nas seguintes circunstâncias:

a) Situações tributárias de especial complexidade resultante, nomeadamente, do volume de operações, da dispersão geográfica ou da integração em grupos económicos nacionais ou internacionais das entidades inspecionadas;
b) Quando, na ação de inspeção, se apure ocultação dolosa de factos ou rendimentos;
c) Nos casos em que a administração tributária tenha necessidade de recorrer aos instrumentos de assistência mútua e cooperação administrativa internacional;
d) Outros motivos de natureza excecional, mediante autorização fundamentada do diretor-geral dos Impostos.

4 - A prorrogação da ação de inspeção é notificada à entidade inspecionada com a indicação da data previsível do termo do procedimento.

5 - Independentemente do disposto nos números anteriores, o prazo para conclusão do procedimento de inspeção suspende-se quando, em processo especial de derrogação do segredo bancário, o contribuinte interponha recurso com efeito suspensivo da decisão da administração tributária que determine o acesso à informação bancária ou a administração tributária solicite judicialmente acesso a essa informação, mantendo-se a suspensão até ao trânsito em julgado da decisão em tribunal.”

Com relevo importa, ainda, chamar à colação o disposto no artigo 46.º do mesmo diploma o qual sob a epígrafe de “credenciação” estatui que:

“1 - O início do procedimento externo de inspeção depende da credenciação dos funcionários e do porte do cartão profissional ou outra identificação passada pelos serviços a que pertençam.

2 - Consideram-se credenciados os funcionários da Direcção-Geral dos Impostos munidos de ordem de serviço emitida pelo serviço competente para o procedimento ou para a prática do ato de inspeção, ou no caso de não ser necessária ordem de serviço de cópia do despacho do superior hierárquico que determinou a realização do procedimento ou a prática do ato.

3 - A ordem de serviço deverá conter os seguintes elementos:

a) O número de ordem, data de emissão e identificação do serviço responsável pelo procedimento de inspeção;

b) A identificação do funcionário ou funcionários incumbidos da prática dos atos de inspeção, do respetivo chefe de equipa e da entidade a inspecionar;

c) O âmbito e a extensão da ação de inspeção.

4 - Não será emitida ordem de serviço quando as ações de inspeção tenham por objetivo:

a) A consulta, recolha e cruzamento de elementos;

b) O controlo de bens em circulação;

c) O controlo dos sujeitos passivos não registados.

5 - O despacho que determina a prática do ato, quando não seja necessária a ordem de serviço, deve referir os seus objetivos e a identidade da entidade a inspecionar e dos funcionários incumbidos da sua execução.

6 - Nas ações de inspeção direcionadas a contribuintes não identificados previamente, nomeadamente nas situações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 4, o despacho conterá menção genérica dos contribuintes passíveis de controlo.

7 - As ações de inspeção que visem a mera consulta, recolha e cruzamento de elementos junto de sujeito passivo, de qualquer área territorial, com quem o sujeito passivo inspecionado mantenha relações económicas são efetuadas mediante entrega, por parte do funcionário, da nota de diligência que indica a tarefa executada.”

E bem assim o artigo 53.º do mesmo compêndio, o qual estatui que:

“1 - A prática dos atos de inspeção é contínua, só podendo suspender-se em caso de prioridades excecionais e inadiáveis da administração tributária reconhecidas em despacho fundamentado do dirigente do serviço.

2 - A suspensão não prejudica os prazos legais de conclusão do procedimento previstos no presente diploma.

3 - Em caso de suspensão, deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário o reinício do procedimento.”

Ora, visto o direito que releva para o caso dos autos, atentemos, então, se existe a arguida preterição de formalidades essenciais.


Do probatório resulta que por despacho do Chefe de Divisão dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Leiria, por subdelegação de competências do respetivo Diretor de Finanças, datado de 12 de março de 2008, foi determinada a realização de procedimento de inspeção à, ora, Recorrente “nos termos dos n.º 4 e 5 art.º 46.º do RCPIT”, visando a “Consulta, recolha e cruzamento de elementos”, do qual foi notificada em 13 de março de 2008.


Promanando, por seu turno, que foi emitida carta aviso validando a abertura de procedimento de inspeção externa, qualificado como parcial, e visando o exercício de 2005, credenciada depois pela Ordem de Serviço nº OI200801568, datada de 09 de novembro de 2009, que deu origem à nota de diligência NDO20091033, e do qual promanou o Relatório de Inspeção Tributária referido em 13), e competentes correções ao lucro tributável declarado.


Ora, atentando no aludido acervo não é possível concluir no sentido propugnado pela Recorrente, na medida em que a realidade fática não permite inferir a unicidade e interligação advogada pela Recorrente.


Desde logo, porque atentando no teor do despacho do Chefe de Divisão não se retira, tão-pouco, o âmbito e abrangência desse procedimento inspetivo, apenas existindo a menção genérica “exercício 2005” coartando a possibilidade do necessário nexo e indivisibilidade reclamado pela Recorrente.


Acresce, outrossim, e em sentido dissonante com a Recorrente-mormente do aduzido em XIII- que do teor do Relatório de Inspeção Tributária não resulta qualquer menção ao aludido despacho, nem tão-pouco, qualquer alusão que o suporte documental que legitimou as correções realizadas tenha sido obtido no âmbito do procedimento inspetivo evidenciado em 10).


Com efeito, atentando no teor do Relatório de Inspeção Tributária, particularmente, no item atinente à “credencial e período em que decorreu a acção”, o que se encontra, expressamente, patenteado é que “a presente acção de inspecção foi executada com base na Ordem de Serviço nº OI200801568, datada de 20 de Outubro de 2008, tendo sido iniciada em 09 de Novembro de 2009 e tendo a data de conclusão dos actos inspectivos sido em 11 de Novembro de 2009”.


Sendo, outrossim, adensado que “a presente acção de inspecção foi motivada por o sujeito passivo não ter apresentado qualquer lucro tributável para o ano de 2005, relativo à categoria B, apesar de ter exercido actividade até ao mês de Novembro.”, com a inerente explicitação de que a “Ordem de Serviço é de natureza parcial, IRS e IVA e abrange o ano de 2005.”


Logo, face ao probatório dos autos o que se retira é que ao abrigo do disposto no artigo 46.º, nºs 5 e 6, foi prolatado Despacho pelo Chefe de Divisão, por subdelegação da Direção de Finanças de Leiria que credenciou a realização de um procedimento com o objetivo de “consulta, recolha e cruzamento de elementos”.


E que mediante carta aviso descrita em 23), foi comunicado o início de procedimento de inspeção externa, qualificado como parcial, e visando o exercício de 2005, credenciada pela Ordem de Serviço nº OI200801568, datada de 09 de novembro de 2009, e que deu origem à nota de diligência NDO20091033, descrita, ora, em 24).


Logo, contrariamente ao sustentado pela Recorrente não resultou demonstrada a unicidade, interligação e dependência, não existindo a aduzida violação por falta de prolação de despacho de prorrogação, porquanto inexistia fundamento para o mesmo, e bem assim qualquer preterição dos convocados normativos 36.º e 53.º ambos do RCPIT.


De relevar, no entanto, que face à causa de pedir da Recorrente, mesmo que se equacionasse que o procedimento tivesse ultrapassado o prazo legal de seis meses tal ultrapassagem não tinha qualquer efeito invalidante da liquidação, podendo, tão-só, assumir, eventuais, reflexos e consequências em termos de caducidade do direito à liquidação.


De convocar, neste particular, o Acórdão do STA, prolatado no processo nº de 0709/14, datado de 25 de fevereiro de 2015 e demais jurisprudência nele citada, quer daquele Tribunal, quer do Tribunal Constitucional, extratando-se, designadamente, o seguinte:

“… O thema decidendum do presente Recurso é, tão-somente, determinar se a preterição de formalidades na acção de inspecção -ultrapassagem do prazo máximo de 6 meses para a conclusão do procedimento de inspecção a que se refere o n.º 2 do artigo 36º do RCPIT- de âmbito parcial gera a anulação dos actos tributários de liquidação emitidos.

Esta questão já não é nova, e como bem refere o Ministério Público no seu parecer, já este Supremo Tribunal, bem como o Tribunal Constitucional, tiveram oportunidade de se pronunciar quanto à mesma, tendo-se aí concluído que a ilegal prorrogação do prazo para a realização da inspecção parcial ou univalente não sequência necessariamente, a se, a ilegalidade da liquidação mas apenas a cessação do efeito suspensivo da própria inspecção, pelo que corre, então, desde o início, o prazo de caducidade da liquidação - artigo 46.º, n.º1, da Lei Geral Tributária.

(…) [O] Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre esta questão, na sua dimensão de respeito pelas normas e princípios constitucionais, tendo concluído que a interpretação normativa adoptada na sentença recorrida não fere os princípios da proporcionalidade, da igualdade, da justa repartição de custos entre o interesse público e os particulares, da confiança e da segurança jurídica.

(…)

Aliás, recentemente, o Tribunal, nesta mesma 3ª Secção, apreciou a eventual inconstitucionalidade de uma interpretação normativa que configurava os prazos de inquérito, em processo penal, como meramente ordenadores. Dessa feita, o Acórdão n.º 294/08, de 29 de Maio (disponível in www.tribunalconstitucional.pt), considerou precisamente que a configuração dos prazos de inquérito penal como meramente ordenadores não se encontra ferida de inconstitucionalidade, por desproporcionada, ainda que a única consequência da sua ultrapassagem redunde na possibilidade de aceleração processual do procedimento de inquérito (…)

Com efeito, a jurisprudência deste Tribunal tem realçado uma noção material de igualdade que pressupõe, necessariamente, um conceito de relação, segundo o qual há que tratar de modo idêntico as situações idênticas, mas de modo desigual as situações que se afiguram intrinsecamente desiguais (a mero título de exemplo, ver Acórdãos n.º 39/88, publicado in «Acórdãos do Tribunal Constitucional», 11º vol., pp. 233 e segs.; n.º 375/89, publicado in «Acórdãos do Tribunal Constitucional», 13º vol., tomo II, pp. 989 e segs., n.º 367/99, publicado in «Diário da República», IIª Série, de 09 de Março de 2000).
Ora, no caso concreto, é notório que o relevante interesse público, expressamente decorrente da Constituição (cfr. artigo 103º, n.º 1 da CRP), na obtenção de receitas fiscais, em respeito pela efectiva capacidade contributiva dos cidadãos permite ao legislador, dentro da sua margem de liberdade conformativa, estabelecer um regime de prazos mais favorável à administração tributária, precisamente de modo a que a igualdade horizontal - desta feita entre os vários contribuintes - possa ser devidamente respeitada.
Em situações de especial complexidade, pode revelar-se necessária a ultrapassagem dos prazos de tramitação legalmente previstos, prevalecendo o interesse público da obtenção de receitas destinadas a suportar as prestações sociais do Estado sobre o interesse individual dos contribuintes a uma célere definição da sua situação jurídico-tributária.
9. Por último, quanto à alegada violação do princípio da confiança e da segurança jurídica, decorrente da noção de Estado de Direito Democrático (artigo 2º da CRP), entende o Tribunal que aquele não foi posto em crise pela interpretação normativa alvo de apreciação nestes autos.

Se é verdade que os contribuintes gozam de um direito a que a sua situação jurídico-tributária fique definida num prazo razoável, não se vislumbra que a qualificação do prazo de 6 meses fixado pelo n.º 2 do artigo 36º do RCPIT como meramente ordenador seja susceptível de abalar esse mesmo direito. É que a decisão recorrida não se limitou a afirmar tal natureza meramente ordenadora, antes frisando que a consequência da sua ultrapassagem consistira na perda do benefício da suspensão do prazo de caducidade, pela administração tributária.

Assim, a recorrente manteve sempre o seu direito a uma definição em prazo razoável da sua situação jurídico-tributária, que é garantida quer pelo regime de caducidade do direito do Estado à liquidação do imposto (artigos 45º a 47º da LGT), quer ainda pelo regime de prescrição das dividas tributárias (artigos 48º e 49º da LGT). A interpretação normativa objecto de recurso nos presentes autos não padece assim, igualmente, de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da confiança e da segurança jurídica.”.

Também este Supremo Tribunal já se pronunciou sobre esta questão em diversos acórdãos, entre os quais o proferido no recurso n.º 0102/08, datado de 07/05/2008, onde se concluiu, tal como o TC, pela validade da interpretação feita pela sentença recorrida no tocante a esta questão.

Aí, escreveu-se com interesse: (…)

a única consequência da caducidade da inspecção, a se, é a cessação do efeito suspensivo da liquidação, “contando-se o prazo desde o seu início”.

E de tal contagem é que poderá resultar a ilegalidade da liquidação se houver excesso sobre o prazo de caducidade desta - em geral, 4 anos -, nos termos do artigo 45.º do mesmo compêndio legal, cfr., no sentido exposto, o recente acórdão do STA de 29 de Novembro de 2006 - recurso n.º 0695/06.” (destaques e sublinhados nossos).

Face a todo o exposto, e sem necessidade de quaisquer outros considerandos, improcedem as arguidas preterições de formalidades essenciais.


Prosseguindo.


Atentemos, ora, no vício atinente ao apuramento dos rendimentos na esfera societária, e bem assim na metodologia adotada pela AT.


Neste particular, defende a Recorrente que encerrado o exercício de 2005 já na titularidade de uma sociedade, não podia senão, como foi feito, ter-se apurado o lucro tributável em relação a todo o exercício em sede de IRC, donde, ter-se pago, em autoliquidação, o imposto correspondente, tudo isto nos termos previstos no Código do IRC e não já no Código do IRS.


Porém, não lhe assiste razão.


Comecemos por ter presente a factualidade que releva para os autos e contemplada no probatório não impugnado.

A Recorrente P...exerceu, em nome individual, a atividade de “F... – …”, até 18 de novembro de 2005, data em que constituiu a sociedade unipessoal com a denominação “F..., sociedade unipessoal, lda”, tendo cessado para efeitos fiscais a sua atividade individual, e indicando como motivo da cessação “Art. 114 N.º 1 e)” e como “Cessionário do Estabelecimento” a aludida sociedade.

Nessa conformidade, a Recorrente apresentou, em 02 de agosto de 2006, declaração Modelo 3 de IRS referente ao exercício de 2005, em cujo Anexo C “Rendimentos da categoria B regime contabilidade organizada”, respeitante à sua atividade de “F... – …”, apresentou um Resultado Líquido do Exercício e um Lucro Tributável nulos (0,00), com menção expressa no campo 13 da cessação da atividade a 18 de novembro de 2005.

Em resultado da aludida diretriz de atuação, a 09 de maio de 2006, a sociedade “F..., sociedade unipessoal, lda”, enquadrada no regime geral de tributação (contabilidade organizada), apresentou declaração Modelo 22 de IRC reportada ao exercício de 2005 (período de 01 de janeiro de 2005 a 31 de dezembro de 2005), com apuramento de lucro tributável de € 246.372,30.

Ora, face ao supra exposto, os visados rendimentos, contrariamente ao propugnado pela Recorrente, não poderiam ter sido declarados na esfera societária, uma vez que os mesmos não foram obtidos por um sujeito passivo de IRC, em conformidade com a delimitação legal consignada no artigo 2.º do CIRC.


Note-se que tal asserção é, desde logo, alicerçada pelo disposto no artigo 8.º, nºs 1 e nº4, alínea a) do CIRC, no qual se regulamenta que, não obstante o IRC se mostrar devido por cada exercício económico, que coincide com o ano civil, o certo é que o mesmo pode, no entanto, ser inferior a um ano, particularmente nas situações de “[i]nício de tributação, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se iniciam atividades ou se começam a obter rendimentos que dão origem a sujeição a imposto e o fim do exercício.”


In casu, quaisquer rendimentos empresariais obtidos na atividade individual da Recorrente, entenda-se com circunscrição temporal de 01 de janeiro a 18 de novembro de 2005, não são passíveis de tributação em sede de IRC, mas sim em sede de IRS, em conformidade com o consignado no artigo 1.º do CIRS, o qual estatui, expressamente, que o IRS incide sobre o valor anual dos rendimentos obtidos pela Categoria B, a título de Rendimentos empresariais e profissionais.


Com efeito, quaisquer rendimentos auferidos e decorrentes do exercício da sua atividade comercial que não societária, não podem ser declarados em sede de IRC, na medida em que são enquadrados e qualificados como rendimentos empresariais e profissionais, porquanto decorrentes do exercício de uma atividade comercial, em conformidade com o plasmado nos artigos 3.º, nº 1, alínea a), e 4.º, nº1, alínea a), ambos do CIRS.


De salientar, outrossim, que não logra provimento a alegação atinente ao artigo 38.º do CIRS, particularmente, a aduzida declaração de que tal era uma decorrência legal da aplicação do regime previsto no citado normativo, porquanto tal preceito legal em nada permite alicerçar tal conclusão. Com efeito, tal normativo reporta-se à “entrada de património para realização do capital de sociedade”, consagrando no seu nº1 que “[n]ão há lugar ao apuramento de qualquer resultado tributável por virtude da realização de capital social resultante da transmissão da totalidade do património afeto ao exercício de uma atividade empresarial e profissional por uma pessoa singular.”


Como é bom de ver, tal regulação não permite granjear o efeito propugnado pela Recorrente, ou seja, em nada poderá relevar em sede de omissão de rendimentos obtidos na esfera empresarial, coadunando-se, tão-só, com a própria entrada de património para realização do capital social, e só esta-verificadas as demais condições contempladas no citado normativo- pode legitimar uma exclusão de tributação, sendo certo que, tal realidade nunca foi objeto de análise e tributação, conforme resulta expresso do Relatório Inspetivo.


Noutra formulação, dir-se-á que as correções realizadas se fundaram na existência de rendimentos sujeitos a IRS e que não foram declarados no anexo C da Modelo 3 de IRS de 2005 e não a irregularidades detetadas na aplicação do artigo 38.º do CIRS.


E por assim ser, neste concreto particular, não assiste razão à Recorrente.


Questão diferente, e também convocada pela Recorrente, é se a metodologia adotada pela AT tem fundamento legal enquanto correção técnica, permitindo, nessa medida, apurar o rendimento real mediante a determinação da matéria coletável pela via direta, conforme reputado pela AT.


Neste conspecto, defende a Recorrente que a ilegalidade da metodologia utilizada pela Inspeção Tributária no apuramento do rendimento líquido da categoria B, decorre, desde logo, da violação do disposto no artigo 75.º da LGT, na medida em que a AT nunca põe em causa os elementos da contabilidade da Recorrente, na parte em que respeitavam ao exercício individual.


Acresce que se existiam elementos contabilísticos para apurar o lucro tributável obtido pela Recorrente, em nome individual, com base na sua contabilidade inexiste qualquer fundamento legal para realizar um apuramento mediante um método indireto ainda que assim o não tenha qualificado, em clara violação das regras do ónus da prova e bem assim do regime consignado nos artigos 81.º e 87.º da LGT.


O Tribunal a quo assim o não entendeu reputando que “[f]oi adotado pelos Serviços de Inspeção Tributária um critério de imputação proporcional correspondente ao período de tempo em que a Impugnante exerceu a atividade de “F... – Comércio a Retalho de Produtos Farmacêuticos” em 2005 (322 dias), tendo por premissa o lucro de tributável total declarado pela sociedade naquele ano.” Qualificando tal critério como “adequado e ajustado à tributação dos rendimentos do trabalho profissional em sede de IRS, o qual incide sobre a totalidade dos rendimentos auferidos pelo sujeito passivo num determinado ano (art. 1.º, n.º 1 do CIRS), sendo o único capaz de quantificar o lucro tributável obtido pela Impugnante entre 01 de janeiro a 18 de novembro de 2005.”


No entanto, assim o não entendemos, ajuizando, neste âmbito, que o Tribunal a quo não fez a melhor interpretação da factualidade em contenda, mediante a fundamentação contemporânea do Relatório de Inspeção Tributária, computando-se, efetivamente, que a metodologia adotada pela AT não encontra respaldo legal no método por si adotado e apelidado de direto.


Por forma a demonstrar o supra expendido, atentemos, então, na metodologia adotada pela AT.


A AT constatou mediante análise à declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC apresentada pela sociedade adquirente do estabelecimento, a asserção de um lucro tributável de €246.372,30.


Tendo depois concluído que esse valor corresponde a 364 dias do ano de 2005.


Extrapolando, ulteriormente, que desse total anual o período de 1 de janeiro a 18 de novembro de 2005, estava sujeito a IRS, como rendimento da categoria B, ou seja, 322 dias do total de 364.


Materializando, nessa decorrência, uma imputação proporcional (322/364) e obtendo, por essa via, a seguinte percentagem de lucro imputável à Recorrente 88,46%, que em termos de quantum perfez a quantia de €217.940,94 (246.372,30/88,46%).


Ora, tendo por base o apuramento supra expendido assiste razão à Recorrente, e isto porque não tendo sido postos em causa os elementos contabilísticos da Recorrente -bem pelo contrário, conforme resulta expresso do Relatório de Inspeção Tributária e do próprio apuramento do rendimento supra elencado-ajuizamos que, efetivamente, a AT tinha ao seu dispor todos os elementos para apurar, direta e efetivamente, os rendimentos obtidos pela Recorrente sem fazer uso de uma operação presuntiva mediante apuramento de percentagem de lucro face à obtenção e aferição de uma imputação proporcional delimitada temporalmente à cessação da atividade.


A AT parte de um facto conhecido, a existência de um lucro tributável declarado para efeitos de IRC, por reporte a um período de tributação anual, e depois mediante imputação “pro rata temporis”, extrapola a existência, não demonstrada, de um conjunto de rendimentos profissionais afetos à Categoria B.


No caso vertente, e conforme resulta expresso no RIT, foi colocado ao dispor da Inspeção Tributária, o balanço de P...a 30 de setembro de 2005, o balancete analítico de P..., a novembro de 2005, logo podia/devia apurar o rendimento líquido da Categoria B mediante a aferição de tais elementos conjugados com os devidos suportes contabilísticos, sejam documentos internos, sejam externos.


Não entendemos assim que o Tribunal a quo tenha feito a melhor interpretação da questão ao afirmar que “[o] critério adotado mostra-se, assim, adequado e ajustado à tributação dos rendimentos do trabalho profissional em sede de IRS, (…) sendo o único capaz de quantificar o lucro tributável obtido pela Impugnante entre 01 de janeiro a 18 de novembro de 2005.”


E isto porque, estando a Recorrente enquadrada na Categoria B, com contabilidade organizada, a AT, em ordem ao consignado no artigo 28.º, nº1, alínea b), do CIRS, deveria ter reportado o lucro tributável ao resultado líquido do exercício constante da demonstração de resultados líquidos, a que acrescem as variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo e não refletidas naquele resultado, conforme preceitua o artigo 17.º do CIRC.


A AT tinha, portanto, ao seu dispor todas as ferramentas técnicas para apurar, diretamente, podendo inclusive e mediante análise do balancete de abertura da sociedade e mediante confronto com o balanço e balancetes analíticos da esfera individual da Recorrente, fazer um expurgo de todos os movimentos da sociedade, obtendo aritmeticamente os rendimentos obtidos e provenientes da esfera individual. Não pode é, -conforme aduziu, desde logo, em sede de audição- estar a presumir que o lucro da sociedade é dela, quando, em bom rigor, esse lucro tributável pode estar influenciado por realidades não transponíveis para a esfera individual, mormente, variações patrimoniais que influenciam, justamente, o apuramento do lucro tributável.


De resto, como doutrina José Guilherme Xavier de Basto (1) “[e]mbora seguindo, no fundamental, as regras previstas no CIRC para a determinação do lucro tributável das sociedades comerciais e outras entidades colectivas, a determinação do rendimento colectável da categoria B, para os sujeitos passivos com contabilidade organizada, apresenta algumas especialidades ou adaptações, que constam do CIRS.”


Note-se, ademais, que mesmo que a Inspeção Tributária entendesse impossível através desses elementos realizar correções técnicas –o que, como visto, nunca foi invocado pela AT, nada atestando no sentido de que os balancetes não refletiam a situação patrimonial e inviabilizavam o apuramento dos rendimentos obtidos nem, tão-pouco, resulta dos elementos carreados aos autos- então poderia/deveria lançar mão da avaliação indireta.


Não pode é sob veste de correções técnicas adotar uma metodologia toda ela compaginada e conforme com a avaliação indireta -ainda que não apelide enquanto tal-sem fazer uso do procedimento a ela atinente.


Sobre a qualificação das correções já se pronunciou o STA, em Aresto proferido em 26 de abril de 2007, no âmbito do processo nº037/07, doutrinando no que para os autos releva que: “[c]omo é sabido, a matéria colectável pode ser fixada através de três tipos de correcção.


Na correcção aritmética, a matéria colectável é identificada pelo contribuinte na declaração periódica anual, pelo que a administração não precisa de se socorrer de qualquer método de avaliação – directo ou indirecto - para determinar o imposto devido: a administração tributária limita-se a corrigir erros de cálculo das declarações-liquidações, com o objectivo de garantir a exactidão das autoliquidações. (…)

Distintas desta são as correcções técnicas que a administração tributária faz à matéria tributável determinada no âmbito da avaliação directa, isto é, quando visa determinar o valor real dos rendimentos sujeitos a tributação sem recorrer a indícios ou presunções, mas à contabilidade do contribuinte.

É o que sucede com a qualificação de encargos como não dedutíveis para efeitos fiscais (cfr. artigo 41º, nº 1, do CIRC e ponto 1, alínea a), do probatório) ou de reintegrações e amortizações como custos ou perdas (cfr. artigo 23º, alínea g), do CIRS e ponto 1, alíneas b) e c) do probatório).

Estas correcções são também quantitativas, ainda que simultaneamente qualitativas: quantitativas porque alteram a matéria colectável, qualitativas porque esta alteração é mera consequência da diferente qualificação jurídica dada aos elementos que o contribuinte apresentou.

Por fim, as correcções podem ter ainda outra natureza, a de correcções quantitativas a se, o que acontece quando a administração tributária se socorre de métodos indirectos, alterando a matéria colectável com recurso a indícios, presunções ou outros elementos de que disponha.”

Ora, in casu, recorre-se, de facto, a elementos contabilísticos -da esfera societária-, para depois se extrapolarem, presuntivamente, rendimentos empresariais -na esfera individual- mediante apuramento de valor percentual e competente imputação proporcional. Logo, a AT ainda que apelidando de correções técnicas promove correções de índole presuntiva, o que, porém, só pode suceder quando se verifiquem os respetivos pressupostos legais, que se reconduzem, em regra, à circunstância de a contabilidade do sujeito passivo não oferecer credibilidade, o que não sucede, de todo, no caso vertente, bastando, tão-só, uma leitura atenta de todo o Relatório Inspetivo (2).


De relevar, in fine, que em nada releva neste e para este efeito, a revisão oficiosa contemplada em 20) do probatório, na medida em que na presente lide apenas se discute a legalidade do ato de liquidação de IRS, e este, como visto, padece de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, cominando, assim, o ato impugnado de anulabilidade.


Face a todo o exposto, procedem as alegações de recurso da Recorrente, não podendo, nessa medida, a decisão recorrida manter-se na esfera jurídica, devendo os atos impugnados ser anulados, com todas as legais consequências, concretamente, devolução da quantia indevidamente paga, e contemplada em 17) do probatório, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios, visto que se encontram preenchidos os requisitos contemplados no artigo 43.º da LGT, concretamente o pagamento da dívida e a demonstração de que o ato enferma de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT(3).


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, e em consequência julgar procedente a impugnação judicial, anular os atos tributários impugnados, com a consequente restituição da quantia indevidamente paga acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da nota de crédito.

Custas pela Recorrida.
Registe. Notifique.


Lisboa, 09 de junho de 2022

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Luísa Soares)



(1) IRS-Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora: 2007, pág.197.
(2) Neste sentido, vide, designadamente, Acórdãos do TCAS, proferidos nos processos nºs 7735/14, de 14.11.2019 e 08641/15, de 18.06.2015 e TCAN, prolatado no âmbito do processo nº 1469/18, de 11.11.2021.
(3) Vide, designadamente, Acórdão do STA proferido no processo nº 01610/13, de 12.02.2015.