Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03669/09
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:02/02/2010
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IRC
CONCEITO DE INDISPENSABILIDADE DO CUSTO
DEDUTIBILIDADE DAS DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO NOS TERMOS DO ARTº 41º NºS 1 AL. G) E 2
Sumário:I. - Nos termos do art. 23° do CIRC, só se consideram custos do exercício, os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora.

II. - O art° 17° n°1 do CIRC estabelece que uma das componentes do lucro tributável é o resultado líquido do exercício expresso na contabilidade, sendo este resultado uma síntese de elementos positivos (proveitos ou ganhos) e elementos negativos (custos ou perdas).

III. - É para definir o grupo dos elementos negativos que o art° 23° do CIRC enuncia, a título exemplificativo, as situações que os podem integrar consagrando um critério geral definidor face ao qual se considerarão como custos ou perdas aqueles que devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora.

IV. - É no conceito de indispensabilidade ínsito no artº 23º do CIRC que radica a questão essencial da consideração fiscal dos custos empresariais e que assenta o a distinção fundamental entre o custo efectivamente incorrido no interesse colectivo da empresa e o que pode resultar apenas do interesse individual do sócio, de um grupo de sócios, ou de terceiros, ou do seu conjunto e que não pode, por isso, ser considerado custo.

V. - Este, é uma despesa com um fim empresarial o que não quer dizer que tenha desde logo um fim imediata e directamente lucrativo, mas que tem, na sua origem e na sua causa, um fim empresarial, concedendo a lei à AT poderes bastantes para recusar a aceitação como custo fiscal de despesas que se não possam considerar compatíveis com as finalidades a prosseguir pela empresa.

VI. - Assim, a relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é ou não empresarial.

VII. -As despesas efectuadas com a força de vendas, pela natureza das mesmas - viagens, deslocações, estadias e refeições -integram o conceito de "despesas de representação", pelo que tinha a AT, como fez, de proceder à limitação da percentagem do custo fiscal legalmente admissível à face do artigo 41º, n.º 1, alínea g) do CIRC (na redacção dada pela Lei nº 39-B/94, de 27 de Dezembro, vigente à data do facto tributário), não aceitando a dedutibilidade de 20% do custo com as despesas de representação com os colaboradores da impugnante.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo:

I. – RELATÓRIO

A EXCELENTISSIMA REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Leiria na parte em que julgou procedente a impugnação deduzida por B...-Indústria Lusitana de Artigos Domésticos, Ldª, contra a liquidação adicional de IRC de 1996, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
“A) Visa o presente recurso demonstrar à evidência o desacerto dos supra citados excertos da douta decisão, a qual deriva não só da incorrecta percepção e valoração da factualidade, como também da errónea interpretação e violação do disposto no artigo 23° e alínea g) do n.°1 do artigo 41°, ambos do CIRC.
B) No caso das correcções efectuadas, inconforma-se a Fazenda Pública com os segmentos da decisão (e sua fundamentação) que estão na base decaimento parcial da Fazenda nos presentes autos impugnatório.
C) Temos assim duas correcções distintas com diferentes fundamentos a que importa conferir apreciação autónoma: a respeitante à não aceitação como custo fiscal nos termos do artigo 23° do CIRC dos valores dispendidos com pessoas não ligadas à impugnante e, por outro lado, a desconsideração enquanto custo fiscal de apenas 20% das despesas de representação da impugnante com monitoras e outros elementos vinculados à rede comercial da Tupperware.
1) Relativamente aos encargos com terceiros não admissíveis no âmbito do artigo 23° do CIRC:
D) Por via do RIT, a AF corrigiu os valores contabilizados pela impugnante enquanto custo fiscal, na justa medida em que as estadias, viagens, refeições respeitavam a pessoas sem qualquer vínculo com a impugnante, sem que esta tivesse efectuado qualquer prova da indispensabilidade desses encargos para a manutenção da fonte produtora ou para a formação de proveitos.
E) Considerou, no entanto, a douta sentença de que se recorre que tais encargos constituem custos para efeitos do disposto no artigo 23° do CIRC.
F) É com esta conclusão e com a fundamentação expressa no aresto de que se recorre que a Fazenda Pública não pode deixar de dissentir.
G) Estão, pelo exposto, em causa dois erros de julgamento, o primeiro ao dar como provados factos que não encontram suporte probatório bastante ou suficiente para que se pudesse dar como provada essa suposta factualidade e o segundo, ao abusivamente extrapolar dessa asserção absolutamente vaga, inócua e não concretizada, a subsunção dos encargos em causa ao preceituado no artigo 23° do CIRC.
H) Não foi produzida prova que, de forma minimamente concreta ou credível, permita estabelecer com fiabilidade que efectivamente as despesas tidas com cônjuges de colaboradores e outros terceiros que participaram nos eventos organizados pela impugnante tentam tido efectiva intervenção directa nos níveis de vendas presuntivamente alcançados pelos colaboradores ou que de algum modo mensurável, o resultado destes últimos tivesse sido alavancado por esses cônjuges ou terceiros que tivessem uma relação próxima com esses mesmos colaboradores.
l) Nem sequer se tendo provado quantos ou quem são os colaboradores em causa que gozaram do apoio desses mesmos cônjuges e terceiros sobre os quais as despesas de viagens, eventos e refeições foram custeadas pela impugnante.
J) Ou seja, em resumo não é sequer possível estabelecer uma ligação probatoriamente sustentada que todos (ou apenas alguns) esses terceiros não ligados à impugnante correspondem àqueles cônjuges e terceiros que, muitas vezes, apoiam os colaboradores da impugnante em tarefas essencialmente logísticas.
K) Não está aqui em causa que os colaboradores não tenham obtido determinados objectivos da impugnante que lhes davam acesso a tais eventos, porquanto a correcção efectuada por desconforme ao artigo 23° do CIRC apenas se focalizou (e bem) na desconsideração como custo fiscal dos encargos da impugnante para com terceiros.
L) Terceiros estes sobre a qual não foi feita prova de que, em concreto, tenham efectivamente colaborado com a força de vendas da impugnante na concretização de um qualquer objectivo estabelecido por esta.
M) Dizer-se simplesmente que muitas vezes sucede que os cônjuges e outras pessoas próximas dos colaboradores ajudam a embalar ou distribuir os produtos da empresa, é o mesmo que em termos probatórios nada se dizer.
N) Os testemunhos prestados nos autos permitem ou não dar resposta à seguinte questão?
- Quantos foram os cônjuges/terceiros beneficiados pelo pagamento de tais encargos pela impugnante que efectivamente contribuíram de forma activa e mensurável para o resultado obtido pelas monitoras/distribuidoras, etc, da impugnante?
O) Objectivamente, tal resposta não se consegue colher de prova efectivamente produzida nestes autos, independentemente da factualidade que erroneamente vem considerada na douta sentença como provada.
P) Não só não se colhe o número de tais supostos casos, como igualmente a prova produzida não é apta sequer a comprovar que tenha existido um cônjuge ou terceiro beneficiário que fosse nessas condições.
Q) Não basta dizer que, muitas vezes (sem explicitar concretizadamente quando, quantos ou quem), tais apoios no dia-a-dia ocorrem, para desde logo a AF se dar por convencida da indispensabilidade dos custos tidos com todos os terceiros que, sem qualquer vínculo, desses terceiros concorrem para aumentar os custos fiscais da impugnante.
R) E no caso dos autos, impunha-se à impugnante fazer prova não só da ocorrência de tais apoios, como numa segunda etapa, comprovar que sem esses apoios de supostos cônjuges e terceiros a manutenção da fonte produtora ou para a produção de proveitos.
S) A impugnante limitou-se a remeter cópia da lista de participantes fornecida à agência de viagens e os relativos aos critérios relativos às chefes de grupo.
T) Ou seja, uma vez mais se mostrando incapaz de comprovar a eventual contribuição de terceiros/familiares de monitores ou colaboradores no trabalho destes últimos.
U) Ora, perante a carência absoluta de prova a esse respeito, não estava a douta sentença em condições de dar como provados uma absoluta abstracção como aquelas que decorrem do teor de 13, e 20 dos factos provados.
V) E ainda, para mais, com base nessa falta de prova se apoiar para julgar os custos incorridos para com terceiros não vinculados à impugnante, devessem ser admitidos enquanto subsumíveis ao artigo 23° do CIRC,
W) E essa conclusão da douta sentença consubstancia um gritante erro ao, a partir dos versados pontos 13. e 20. de "Factos", concluir que tais factos consubstanciam por si só matéria bastante ou suficiente para que in casu a impugnante pudesse contabilizar as despesas de terceiros alheios a esta, ao abrigo do artigo 23° do CIRC.
X) Ora, inexistindo qualquer prova documental ou testemunhal no sentido de, concretamente, comprovar que os terceiros que viajaram ou tomaram parte em eventos custeados pela impugnante efectivamente contribuíram efectiva e activamente para o sucesso comercial dos colaboradores com vínculo comercial para com a impugnante, não podia o Tribunal assumir desapoiadamente tal decisão.
Y) É que se bem se entende o esquema de funcionamento da impugnante, esta trabalha com viagens e eventos de incentivo e motivação que visam maioritariamente premiar os colaboradores que mais de destacam comercialmente.
Z) Ora, extrapolar sem qualquer prova minimamente assente que os terceiros beneficiários que acompanharam esses colaboradores eram exactamente aqueles que ajudavam activamente esses colaboradores em tarefas logísticas é um verdadeiro "passo em falso" em que a douta sentença incorre.
AA) Uma vez que, prova alguma se efectuou que permita efectivamente identificar os eventuais terceiros beneficiários desses eventos correspondessem àqueles que efectivamente acabavam por prestar apoio aos colaboradores da impugnante.
BB) É que, um facto são os colaboradores da impugnante por via do seu desempenho beneficiarem de determinados eventos organizados e custeados pela impugnante, outro facto bem distinto é daí pretender inferir que os terceiros, cônjuges ou não, por via do sucesso comercial desses colaboradores, tenham tido obrigatoriamente qualquer intervenção que fosse na actividade desenvolvida por esses colaboradores.
CC) E foi esse o logro em que a douta sentença desde logo caiu.
DD) Numa enviesada e abusiva extrapolação de um facto relativamente a outro totalmente distinto, sem que para o efeito se consiga apoiar em qualquer prova demonstrativa deste último facto.
EE) Com o devido respeito que é muito e é sincero, andou mal a douta sentença ao actuar com alguma ligeireza na ponderação e apreciação desta questão da admissibilidade ou não dos encargos constantes do ponto 2.1. do RIT para efeitos do artigo 23° do CIRC.
FF) E foi essa ligeireza e falta de uma mediana exigência que fosse na apreciação da prova, que levou a que se considerassem dedutíveis e comprovadamente indispensáveis, ao abrigo do artigo 23° do CIRC, as despesas incorridas pela impugnante com terceiros cuja contribuição para efeitos da manutenção da fonte produtora ou da produção de proveitos, quando se comprova, pelo contrário, não se verificar essa mesma contribuição de terceiros, nem tão pouco estando comprovada a indispensabilidade de tais despesas para os fins constantes do normativo supra.
GG) Nestes termos e como foi referido na correcção a que supra nos reportamos, reitera-se o facto dos encargos suportados pelo impugnante não estarem minimamente justificados, ou seja, não se apresentam com carácter indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora, não sendo possível estabelecer uma ligação ou conexão entre estes e a manutenção da fonte produtora ou a realização dos proveitos.
HH) Pelo que, de acordo com o que prevê o nº 1 do art.°23° do CIRC, estava legalmente vedada a possibilidade da impugnante proceder à contabilização de tais encargos enquanto custo fiscalmente relevante.
II) Não está em causa qualquer tentativa da AF em cercear a livre gestão da impugnante, antes se estando perante um típico caso em que a legislação fiscal face à prova efectivamente produzida, não consente que determinado custo contabilístico seja tido também como custo fiscal nos termos do artigo 23° do CIRC.
JJ) Razão pela qual, não pode a correcção relativa à não dedutibilidade dos encargos com eventos, deslocações e viagens de terceiros não vinculados à impugnante, deixar de ser confirmada e desta forma ser revogada a douta sentença por Acórdão que julgue totalmente legal a correcção em apreço.
2) Relativamente aos encargos com colaboradores - artigo 41°. n.º 1, alínea g) do CIRC:
KK) Ao contrário da correcção a que supra vimos de reportar, a correcção cuja legalidade foi posta em crise pela douta sentença de que se recorre, respeita não a terceiros não vinculados à impugnante, mas sim às despesas de representação incorridas pela impugnante com os seus colaboradores, designadamente em viagens, estadias e refeições.
LL) A douta sentença incorre também neste caso em lapso de raciocínio ou quiçá em confusão entre os regimes do artigo 23° e o constante do artigo 41°, ambos do CIRC. Senão vejamos,
MM) O artigo 23° do CIRC delimita o critério segundo o qual determinados encargos contabilísticos podem ser tidos como custo fiscal.
NN) Já o artigo 41º do CIRC estabelece limitações à dedutibilidade de determinados custos já previamente admitidos pelo artigo 23° do CIRC.
OO) Ou seja, o artigo 41º do CIRC funciona como um segundo crivo relativamente a custos fiscais considerados admissíveis à luz do artigo 23° do CIRC.
PP) Já na perspectiva da douta sentença, as despesas com viagens, estadias e refeições dos colaboradores (monitores, chefes de grupo, etc.) só poderiam constituir despesas de representação se não fossem consideradas custos indispensáveis nos termos do artigo 23° do CIRC.
QQ) Nada mais erróneo, porquanto o RIT procedeu à correcção (ponto2.2.) nos termos do artigo 41º, n.° 1, alínea g) do CIRC, porquanto uma vez se estando perante custos com a força de vendas (monitores, chefes de grupo, etc.) estes constituíam despesas indispensáveis para a manutenção, da fonte produtora ou para a obtenção de proveitos nos termos do artigo 23° do CIRC.
RR) Isto é, a correcção do ponto 2.2. assumiu desde logo que as despesas caíam no âmbito do artigo 23° do CIRC e por isso mesmo não foram corrigidas nos termos deste normativo.
SS) Sucede, no entanto, que as despesas com a força de vendas, pela natureza das mesmas - viagens, deslocações, estadias e refeições -integram o conceito de "despesas de representação".
TT) Ora, em face dessa indesmentível natureza, não restava outra hipótese à face do princípio da legalidade a que a AF está vinculada, que não fosse o de proceder à limitação da percentagem do custo fiscal legalmente admissível à face do artigo 41º, n.º 1, alínea g) do CIRC (na redacção vigente à data do facto tributário).
UU) Assim, procedeu a AF à limitação da dedutibilidade fiscal do custo com as despesas de representação de acordo com o preceituado na alínea g) do n.°1 do artigo 41° do CIRC.
W) Ou seja, não aceitando a dedutibilidade de 20% do custo com as despesas de representação com os colaboradores da impugnante.
WW) Verifica-se deste modo e ao contrário do propugnado na douta sentença, que a AF aceitou efectivamente como custo indispensável para efeitos do artigo 23° as despesas de representação e, exactamente por força da natureza dessas mesmas despesas, sujeitou-as à limitação constante na alínea g) do n.° 1 do artigo 41 ° do CIRC.
XX) Aliás, se como defende a douta sentença, a AF não tivesse considerado como custo fiscal os encargos com despesas de representação com colaboradores, a AF teria ao invés de aplicar a alínea g) do n.°1 do artigo 41° do CIRC, de simplesmente accionar o artigo 23° do CIRC, desconsiderando totalmente enquanto custo fiscal os montantes com tais despesas com colaboradores da impugnante.
YY) O que equivaleria, aí sim, à correcção levada a efeito no ponto 2.1. do RIT, em que se desconsideraram fiscalmente a totalidade das despesas com viagens, estadias e refeições com terceiros sem vínculo à impugnante.
ZZ) A douta sentença ao considerar desconforme à legalidade tributária a correcção levada a efeito no ponto 2.2. do RIT violou frontalmente o dispositivo legal constante da alínea g) do n.°1 do artigo 41° do CIRJ, pelo que não pode a sentença deixar de ser revogada e substituída por Acórdão, que também neste segmento, reconheça a legalidade da correcção e julgue improcedente a presente impugnação.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência anulasse o segmento da decisão de que aqui se recorre, substituindo-a por outra que nos termos das conclusões que antecedem e que V. Ex.ªs melhor suprirão, julgue legais as sobreditas correcções efectuadas.”
A recorrida contra -alegou pugnando pela manutenção do julgado.
A EPGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.
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II. - FUNDAMENTAÇÃO:
2.1. - DOS FACTOS:
Na sentença fixou-se o seguinte probatório com base nos elementos junto aos autos:
“1. A impugnante foi submetida a uma acção de fiscalização interna referente ao exercício de 1996, no âmbito da qual foi elaborado o relatório junto a fls. 26 e segs. dos autos cujo conteúdo se dá por reproduzido.
2. Tais correcções foram efectuadas na sequência de correcções efectuadas pela DF de Lisboa.
3. No âmbito do relatório referido em 1. em apreço foram efectuadas as seguintes correcções:
a. Importâncias devidas pelo Aluguer de Viaturas sem Condutor no montante Esc. 2.180.363$;
b. Encargos não aceites como custo, relativos a estadias, viagens, alojamento, refeições, realização de espectáculos e passeios contabilizados nas contas de fornecimentos e serviços externos que respeitam a pessoas sem vínculo à empresa (normalmente cônjuges das comissionistas e monitoras) por não as considerarem indispensáveis para a realização de proveitos, no montante de Esc. 10.632.770$;
c. Despesas de Representação, referente a eventos com uma vertente social, com a finalidade de entretenimento e convívio entre as pessoas e o reconhecimento pelo trabalho desempenhado pelas comissionistas e promotoras, no montante de Esc. 4.607.452$
d. 20% dos Encargos Relacionados com Viaturas Ligeiras de Passagei­ros não foram aceites como dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, ao abrigo do disposto no Art.°41/4 do C IRC, no montante de 311.077$.
4. As correcções efectuadas pela administração fiscal totalizaram o montante de 17.731.662$.
5. A impugnante celebrou contratos de ALD com relação a viaturas que posteriormente eram atribuídas a chefes de grupo, em função de determinados objec­tivos de vendas (fls. 69 e segs. do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).
6. A manutenção das viaturas era da responsabilidade de cada chefe de grupo.
7. Os chefes de grupo não eram empregados da impugnante.
8. Em 1996 a impugnante exercia em exclusivo a venda directa dos seus produtos, não possuindo qualquer estabelecimento de venda ao público.
9. Para funcionamento da estrutura de vendas a impugnante dispunha de três directores regionais, abaixo dos quais exerciam funções 23 coordenadores distritais, sendo que só os directores regionais integravam os quadros da empresa.
10. Na mesma estrutura, seguiam-se os responsáveis por núcleos territoriais mas pequenos, após o que se encontravam as «monitoras» ou «demonstradoras». Estas encontravam-se sob controle do chefe de grupo, contactavam o cliente, após o que faziam as encomendas directamente à impugnante.
11. Uma vez recebida a mercadoria, eram as monitoras que procediam à respectiva distribuição pelos clientes.
12. Em todo este sistema eram propostos objectivos de venda a atingir.
13. É muito frequente, os cônjuges dos chefes de grupo ajudarem estes nas tarefas de separação, empacotamento e distribuição de encomendas pelos respectivos monitores.
14. No ano de 1996 era prática da impugnante não realizar acções de publicidade; a promoção e lançamento de novos produtos era preferencialmente feito no âmbito de três reuniões que decorriam ao longo de cada ano, como era o caso das sessões da primavera, a reunião de chefes de grupo, e do jubileu.
15. Estes eventos são constituídos por reuniões, por norma de dois três dias, onde os responsáveis da B...fazem apresentações de produtos, fornecem técni­cas de venda e apresentam os objectivos pretendidos alcançar, com apontamento dos mecanismos a utilizar.
16. Em tais reuniões participavam os responsáveis superiores e número significativo de chefes de grupo que atingissem determinados objectivos (fls. 86 e segs cujo conteúdo se dá por reproduzido).
17. Era, e é, prática da B...Portugal pagar ou comparticipar nas despesas com a estadia dos participantes em tais reuniões.
18. No ano de 1996, a impugnante pagou montantes relativos a viagens, nomeadamente a Macau e a Republica Dominicana, nas quais participaram directores e coordenadores distritais da B...Portugal.
19. Os participantes nas viagens eram pessoas que em determinados períodos tem­porais atingiam objectivos de venda anteriormente fixados pela B...Por­tugal, sendo que por ocasião dessas viagens podia acontecer a participação em reuniões e outros eventos de promoção de produtos da marca, podendo mesmo suceder que em tais casos estivessem envolvidos representantes de outros países que comercializavam produtos da B...(fls. 86 e segs. cujo conteúdo se dá por reproduzido).
20. Nestas viagens seguiram cônjuges de responsáveis e coordenadores, devido à sua participação na ajuda às monitoras nas tarefas de venda de produtos, nomea­damente entrega aos clientes.
21. É comum a esposa do Director Geral da B...acompanhar este, sendo prática da impugnante suportar as despesas feitas pela mesma em tais deslocações.
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Factos não provados
Com interesse para a decisão da causa nada mais se provou.
Designadamente não se provou que os contratos referentes aos veículos identifi­cados no mapa de fls. 38 fossem um contrato de «rent a car». A testemunha D...assumiu que eram contratos de ALD, o que está de acordo com o conteúdo dos documentos emitidos pela E..., juntos a fls. 69 e segs. do apenso.
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No tocante aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se nos seguintes meios de prova:
PROVA DOCUMENTAL. Os meios de prova documental que serviram para a convicção do tribunal estão referidos no «probatório» com remissão para as fls. do processo onde se encontram.
PROVA TESTEMUNHAL. Quanto a este meio de prova, relevaram os depoi­mentos das testemunhas inquiridas que confirmaram, no essencial, os factos articulados, com excepção do que acima se mencionou para os contratos de ALD.”
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2.2. – DO DIREITO:
Face à factualidade acabada de fixar, cabe agora aplicar o direito.
Assim, de acordo com as conclusões, que delimitam o perímetro recursório, as questões que se suscitam desdobram-se em duas vertentes, a saber:
A) Se os encargos com terceiros não admissíveis no âmbito do artigo 23° do CIRC; e
B) Se são dedutíveis os encargos com colaboradores nos termos do artigo 41° nº 1, alínea g) do CIRC.
Vejamos cada uma das situações em atenção ao caso concreto.
No que tange à dedutibilidade dos encargos promocionais com vendas no montante de 10.632.770$, tal como se refere na sentença, a administração fiscal não desconsidera os custos em razão da sua natureza (viagens, espectáculos, passeios) mas porque foram despesas realizadas com pessoas sem vínculo à empresa (normalmente cônjuges das comissionistas e monitoras) pelo que não são indispensáveis para a realização dos proveitos.
Para o Mº Juiz «a quo», a impugnante demonstrou que devido ao seu modo peculiar de venda, são mui­tas vezes os cônjuges das «comissionistas» que auxiliam nas tarefas de distribuição e embalamento, ou outras, destinadas à comercialização dos produtos vendidos pela impugnante, sendo o contributo destes «cônjuges» necessário ao desen­volvimento da actividade da impugnante e, não estando directamente correlacionado com a realização dos proveitos, no entanto o seu contributo implica o desenvolvimento dinâmico da fonte produtora não sendo, assim, indiferente para a realização dos proveitos, devendo tais despesas constituir custo fiscal.
Ainda segundo o Mº Juiz«a quo», embora o vínculo contratual seja entre a impugnante e «a comissionista» e não entre aquela e o cônjuge desta, não é pelo «vínculo» que se afere a indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos, mas sim pela aptidão destes para tal fim.
Foi com base nesta fundamentação que procedeu a impugnação no que tange às ajuizadas verbas.
Contra o assim fundamentado e decidido se insurge a recorrente FªPª dizendo, no essencial, que falta a prova que permita julgar os custos incorridos para com terceiros não vinculados à impugnante, como subsumíveis ao artigo 23° do CIRC.
Assim, ao considerar que os pontos 13. e 20. de "Factos" do probatório, em que se verteu, respectivamente, que é “…muito frequente, os cônjuges dos chefes de grupo ajudarem estes nas tarefas de separação, empacotamento e distribuição de encomendas pelos respectivos monitores” e “Nestas viagens seguiram cônjuges de responsáveis e coordenadores, devido à sua participação na ajuda às monitoras nas tarefas de venda de produtos, nomea­damente entrega aos clientes”, permitem concluir que tais custos são subsumíveis ao artigo 23º do CIRC, constitui um erro gritante em que a sentença incorreu pois, inexistindo qualquer prova documental ou testemunhal no sentido de, concretamente, comprovar que os terceiros que viajaram ou tomaram parte em eventos custeados pela impugnante efectivamente contribuíram efectiva e activamente para o sucesso comercial dos colaboradores com vínculo comercial para com a impugnante, não podia o Tribunal assumir desapoiadamente tal decisão.
É que, embora a impugnante trabalhe com viagens e eventos de incentivo e motivação que visam maioritariamente premiar os colaboradores que mais de destacam comercialmente, não se pode extrapolar sem qualquer prova minimamente assente que os terceiros beneficiários que acompanharam esses colaboradores eram exactamente aqueles que ajudavam activamente esses colaboradores em tarefas logísticas.
Sendo assim, não é possível estabelecer uma ligação ou conexão entre tais encargos e a manutenção da fonte produtora ou a realização dos proveitos e nem está em causa qualquer tentativa da AF em cercear a livre gestão da impugnante, antes se estando perante um típico caso em que a legislação fiscal face à prova efectivamente produzida, não consente que determinado custo contabilístico seja tido também como custo fiscal nos termos do artigo 23° do CIRC.
Em suma, para a recorrente FªPª, não pode a correcção relativa à não dedutibilidade dos encargos com eventos, deslocações e viagens de terceiros não vinculados à impugnante, deixar de ser confirmada e desta forma ser revogada a douta sentença por Acórdão que julgue totalmente legal a correcção em apreço.
A EPGA louva-se no entendimento da sentença de que a impugnante logrou fazer a prova da indispensabilidade das despesas apresentadas para a realização dos ganhos e a manutenção da fonte produtora, resultando toda a argumentação da FªPª infrutífera para fazer alterar o decidido.
Quid juris?
De acordo com o artigo 23°, n.° l, do CIRC consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
A essa luz, aceitando o Mº Juiz que cabia à impugnante provar que as questionadas verbas/despesas foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, logrando fazer a prova dessa indispensabilidade, deve a impugnação proceder.
No que concerne à comprovação de custos, (ao invés do que sucede em sede de IVA para efeitos de dedução de imposto em que só se admite a dedução do imposto mencionado em facturas ou documentos equivalentes que respeitem os requisitos formais do art. 35º, nº 5, do CIVA - cfr. art. 19º, nº 2, do CIVA), para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC, é viável, no caso de inexistência de documento de origem externa (nos casos em que este devesse existir), a prova dos custos através de documento interno, que deverá conter os elementos essenciais das facturas, desde que a veracidade da operação subjacente seja inequivocamente assegurada por outros meios de prova.(1)
Assim, sendo certo que era admissível a prova de um custo com base em prova testemunhal (que, «in casu», foi produzida), não é verdade que, sem mais, face ao disposto no art. 41° n° 1 al. h) do CIRC, a lei permita a dedução fiscal dos encargos não devidamente documentados, mesmo quando contabilizados como custos.
Nesse sentido, retenha-se que o lucro tributável para efeitos de tributação em IRC tem como suporte o resultado apurado na contabilidade (cfr. art. 17º, nº 1, do CIRC), a qual deverá, designadamente, estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade e reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo (als. a) e b) do nº 1 do art. 17º do CIRC); e estar organizada nos termos da lei comercial e fiscal e permitir o controlo do lucro tributável (nº 1 do art. 98º do CIRC).
Cumpridos que se mostrem tais requisitos, i. é, estando a contabilidade organizada, «presume-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes, salvo se se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte» (art. 78º do CPT, em vigor à data dos factos; cfr., hoje, o art. 75º da LGT).
Acresce que uma das regras de organização da contabilidade que assume maior relevo para o direito fiscal é a estabelecida na al. a) do nº 3 do citado art. 98º do CIRC, de acordo com a qual «Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de ser apresentados sempre que necessário».
Todavia, no que respeita às aquisições de bens e serviços, a regra geral é a de que os respectivos documentos justificativos sejam de origem externa, sendo essa origem que lhes confere a presunção de autenticidade.
Significa então que a falta do documento externo justificativo da operação contabilizada implica que esse lançamento contabilístico é fictício?
Na senda de Freitas Pereira no seu Parecer emitido no CEF nº 3/92, de 6/1/1992, publicado na CTF nº 365, págs. 343 a 352, «A inexistência de documento externo destinado a comprovar uma operação para a qual ele devia existir afecta necessariamente, e em princípio, o valor probatório da contabilidade e essa falta não pode ser suprida pela apresentação de um documento interno. É que o valor probatório de uma contabilidade assenta essencialmente nos respectivos documentos justificativos e, quanto aos que o devam ser, é a origem externa que lhes confere um carácter que se pode designar por presunção de autenticidade. Um documento de origem interna só pode substituir um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele reflectidos.
Assim, a falta de documento externo pode ser suprida por outros meios de prova que demonstrem de forma inequívoca a justeza do lançamento efectuado» os quais devem incidir «não só sobre a materialidade da operação em si mesma mas também sobre os demais elementos indispensáveis à quantificação dos respectivos reflexos».
No mesmo sentido se pronunciou Tomás de Castro Tavares in Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos, CTF nº 396, págs. 7 a 177): «ao comprador compete, pois, a prova da ocorrência do custo, com a determinação do seu efectivo montante. Para tal, não basta que evidencie um documento interno (por si mesmo realizado). Ao lado desse suporte terá de demonstrar, por qualquer outro meio, a existência e principais características da transacção. Nessa tarefa poderá carrear quaisquer meios de prova (testemunhas, documentos auxiliares, explanação da sua contabilidade), competindo ao juiz aquilatar sobre o preenchimento da prova. Deste modo, um custo não documentado assume efeitos fiscais se o contribuinte provar, por quaisquer meios ao seu dispor, a efectividade da operação e o montante do gasto».
Note-se, porém, na esteira do Acórdão do TCA de 15-06-2005, Recurso nº 563/05 que “A norma do art.º 41.º n.º1 do CIRC, sob a epígrafe Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais, dispunha na sua alínea h) que não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial.
A expressão «despesas confidenciais ou não documentadas», têm vindo a ser utilizadas em diplomas legais, normalmente, com o mesmo sentido e alcance. É assim, no art.º 27.º do Dec-Lei n.º 375/74, de 20 de Agosto (na redacção inicial e na introduzida pela Lei n.º 2/88, de 26 de Janeiro), art.º 89.º n.º3 da Lei n.º 101/89, de 29 de Dezembro e no art.º 4.º do Dec-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho (na redacção inicial e nas introduzidas pela Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro, pela Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro e pela Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro), sendo aquele primeiro diploma como o definidor do «regime das despesas não documentadas por parte das empresas».
Despesas confidenciais são despesas que, «como a sua própria designação indica, não são especificadas ou identificadas, quanto à natureza, origem e finalidade- Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 23.3.1994, recurso n.º 17 812.
Tratam-se de despesas que, pela sua própria natureza, não são documentadas- (2) Cfr. neste sentido Vítor Faveiro, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, Vol. II, pág. 602, nota.
No contexto destes diplomas, em face da referência cumulativa a despesas confidenciais e a despesas não documentadas, as primeiras serão aquelas relativamente às quais não é revelada a sua natureza, origem e finalidade, enquanto as segundas serão despesas relativamente às quais não existe prova documental, embora não haja ocultação da sua natureza, origem e finalidade. Todas elas, no entanto, serão despesas não comprovadas documentalmente e como tal, excluídas como custos para efeitos de determinação do lucro tributável.
Assim, na referida alínea h) do n.º1 do art.º 41.º do CIRC incluir-se-ão as despesas relativamente às quais não existem os documentos exigidos por lei, independentemente de ser revelada ou ocultada a sua natureza, origem e finalidade.
O encargo não estará devidamente documentado quando não houver a prova documental exigida por lei que demonstre que ele foi efectivamente suportado pelo sujeito passivo e a despesa será confidencial quando não for revelado quem recebeu a quantia em que se consubstancia a despesa-Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 5.7.2000, recurso n.º 24 632.
Mas, enquanto as despesas não documentadas mas não confidenciais, são susceptíveis de sobre elas ser produzida outro tipo de prova, designadamente a prova testemunhal para prova do bem fundado do seu lançamento na contabilidade (Cfr. neste sentido quanto a tal prova, o acórdão deste Tribunal de 25.3.2003, recurso n.º 7236/02,4), já quanto às despesas confidenciais, tal prova não faz qualquer sentido, porque desde logo perderiam essa qualidade, sendo certo que apenas estas últimas podem ser tributadas à taxa autónoma como despesas confidenciais.
Quanto à indispensabilidade dos custos, dispõe o art. 23º do CIRC, que os custos ou perdas relevam se forem indispensáveis para a realização de proveitos ou ganhos correspondentes, enunciando-se desde logo, nas diversas alíneas deste normativo, certas despesas que assim devem ser consideradas.
Do que vem dito decorre que um custo, para ser relevante fiscalmente, tem de ser afecto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa. Mas isso não quer dizer, como se salienta no aresto cuja fundamentação vimos seguindo, que essa relação é uma relação de causalidade necessária, uma genuína conditio sine qua non ou de resultados concretos obtidos com o acto, mas antes tendo em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da actividade económica, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados.
Sendo assim, a questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (arts. 78º do CPT e 75º da LGT) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível.
Daí, pois, que se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à AT o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade.
É que em tal desiderato, o encargo da prova deve recair sobre quem, alegando o facto correspondente, com mais facilidade, pode documentar e esclarecer as operações e a sua conexão com os proveitos (cfr. ac. do TCA, de 26/6/2001, Rec. nº 4736/01). Na esteira do Cons. Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado, 2ª edição, pág. 470), «o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Embora esta regra (art. 74°/1 LGT) esteja prevista para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo judicial tributário...».
No ponto, reputamos assaz pertinente e relevante para o esclarecimento do critério definidor da indispensabilidade, a transcrição da obra do Prof. Rui Duarte Morais in "Apontamentos ac IR", Almedina, 2007, pp. 83 e segs feita pelo Mº Juiz «a quo» e que de seguida se reproduz:
«Em primeiro lugar, há que atentar no elemento literal da norma, no significado da palavra indispensável. Indispensável não é aquilo que e "obrigatório ", mas o que e necessário.
Partir da ideia de obrigatoriedade para qualificar um determinado custo como fiscalmente dedutível redundaria em pouco mais que um exercício tautológico. Os encargos registados contabilisticamente como custos correspondem, nor­malmente, a obrigações vinculativas para a sociedade, cujo efectivo cumprimento pode ser exigido por terceiros. São, pois, obrigatórios. Só que o conteúdo da maioria de tais obrigações (excluindo as que tem fonte, directamente, na lei) resultou de decisões livremente tomadas pelo sujeito passivo, em contratos cujo conteúdo teve por bem assumir à luz do princípio da liberdade contratual ou em negócios unilaterais, também juridicamente vinculantes (sirva de exemplo a decisão de uma sociedade de, constatando os bons resultados obtidos num dado exercício, conceder prémios aos seus trabalhadores). Ou seja, identificar indispensabilidade com obrigatoriedade conduziria, em termos práticos, a pouco mais que afastar a dedutibilidade das meras liberalidades.
O elemento literal aponta, pois, para a necessidade dos custos.
Necessários para quê? Para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora, responde o n.°1 do art. 23°.
Tal frase tem que ser cuidadosamente ponderada.
A expressão manutenção da fonte produtora não pode ser entendida num sentido estático (de conservação da empresa tal como existe), mas sim num sentido dinâmico. As empresas visam o seu desenvolvimento, seu crescimento. As despesas incorridas com tal objectivo são, indiscutivelmente, custos fiscais. Pense-se, p. ex., nos encargos incorridos com a procura de novos produtos, de novos mercados, com a racionaliza­ção dos processos empresariais, com a aquisição de equipamentos mais modernos, com investigação, com a certificação de qualidade.
Recordemos que o art. 26. ° do Código da Contribuição Industrial condicionava a aceitação fiscal de um custo a dois requisitos, cumulativos: além de indispensável, tinha que ser razoável. A administração fiscal, perante um custo fiscalmente aceite, podia limitar o valor dedutível, excluindo a parte considerada exagerada, seguindo critérios próprios que, na altura, eram tidos como não sindicáveis pelos tribunais, em razão de se entender que tal decisão se inseria na discricionariedade técnica conferida pela lei à administração. (...)
O desaparecimento do requisito razoabilidade tem, a nosso ver, um significado importante, que não pode deixar de ser salientado. Se os custos são necessários, sendo também razoáveis. Ou, por outras palavras, se o custo deve ser havido por indispensável é, também, razoável o respectivo montante (...).
Os sujeitos passivos são, pois, livres nas suas escolhas, nomeadamente para decidirem como gerir as suas empresas, para decidirem quais (na sua espécie e mon­tante) os encargos por eles tidos por convenientes para a prossecução de determinada actividade económica. Temos, como princípio inerente à ideia de Estado Fiscal, a não interferência da administração na gestão das empresas. A invocação da regra da indispensabilidade dos custos nunca pode ser feita para fazer substituir o juízo de conve­niência e oportunidade dos encargos assumidos, tal como resultaram da decisão dos órgãos sociais, por um outro juízo, também de índole empresarial, feito pela adminis­tração fiscal ou pelos tribunais. Um custo não deixa de o ser (não deve deixar de ser considerado como tal para efeitos fiscais) pelo facto de, numa avaliação a posteriori, se revelar inútil ou ineficaz (p. ex., por não se mostrar gerador de proveitos) ou, simples­mente excessivo na óptica dos interesses fazendários. Até porque uma tal avaliação resultaria, muitas vezes, viciada pelo facto de, no momento em que é realizada, serem conhecidos factos novos, não presentes aquando da tomada da decisão pelo sujeito passivo.
Não podemos ter como boa a orientação de certa jurisprudência que recusa a aceitação fiscal de determinados custos porque não é possível estabelecer uma correla­ção directa com a obtenção de concretos proveitos. Levado ao extremo um tal entendimento, teríamos que os encargos com investigação só seriam fiscalmente dedutíveis quando tais pesquisas tivessem êxito, quando, em seu resultado, a empresa passasse a vender novos bens e serviços ou conseguisse a redução de outros custos. Na mesma lógica, também não seriam fiscalmente dedutíveis os encargos com outras formas de desenvolvimento da empresa p. ex., com a prospecção de novos produtos e mercados, sempre que tais iniciativas não viessem a ter seguimento, concretizando-se na obtenção de novos proveitos. Mesmo os custos resultantes de "erros " de gestão ou, tão só, de meras inflexões na orientação da empresa serão, por regra, dedutíveis. Assim, e, também aqui em sentido diferente do que já decidiram nossos tribunais, se uma empresem se vincula a um determinado negócio que decide não cumprir por, posteriormente, vir a entender não ser essa a melhor solução ou que se alteraram as circunstâncias que esti­veram na base do assumir tal decisão, a indemnização devida à outra parte deve, por regra, ser aceite como custo fiscal. (...)
O requisito "indispensabilidade ", porque está presente relativamente a todo e qualquer custo enquanto condição da sua aceitação fiscal, não pode ser referido à natureza do encargo, mas sim às circunstâncias em que o mesmo aconteceu. Se à assunção do encargo que origina o custo presidiu uma genuína motivação empresarial - no entendimento dos sócios e/ou gestores da sociedade, os únicos a quem cabe decidir do interesse social -, o custo e indispensável. Quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administrado­res, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc.), então tal custo não deve ser havido por indispensável».
Perante essa doutrina e na consideração de que decorre do estipulado no artº 23º do CIRC que é consagrado um critério geral definidor face ao qual se considerarão como custos ou perdas aqueles que, devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora sendo que, após a fixação desse critério, enuncia o preceito, a título exemplificativo, os custos ou perdas de maior projecção(2) , havendo dúvida em relação a certos "custos financeiros" directamente relacionados com a actividade normal da impugnante e que tais custos não são totalmente estranhos à mesma, tem de aceitar-se que existe, em tal situação, o nexo causal de "indispensabilidade" que deve existir entre os custos e a obtenção dos proveitos ou ganhos.
É que o IRC visa tributar o lucro da organização, o acréscimo patrimonial experimentado durante o período tributário (art. 17°. n°1 e art. 3°. n° l. al. a) e n° 2. do circ) em que são desconsideradas as entradas dos sócios por se tratarem de incrementos patrimoniais não produzidos pela empresa e as retiradas, as diminuições patrimoniais operadas em benefício dos sócios causa societatis, em virtude de não representarem custos ocasionados pela actividade da empresa.
Assim, dúvidas não podem sobrar de que face ao art. 23° do circ os custos fiscais, em regra, são os gas­tos derivados da actividade da empresa que apresentem uma conexão fáctica ou económica com a organização, que, tal como referem os recorrentes, não consubs­tanciem uma diminuição patrimonial ditada pela existência de uma participa­ção social da parte do seu beneficiário directo ou indirecto (atribuição causa societatis). Para os empresários em nome individual, o critério é a mesmo: só não cobram relevo fiscal os custos registados na parcela da actividade empresarial mas a ela alheios, sendo antes relativos à sua vida privada.
Deste modo e em atenção ao caso concreto, só se as operações económicas deixassem de radicar em razões empresariais, mas na ilícita concessão de vantagens a um terceiro ou de benefícios em favor do património pessoal do sócio ou de terceiro é que não cobrariam relevo fiscal.
Ainda que não se concorde inteiramente com a afirmação de que a relevância fiscal de um custo não depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou sequer da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), já se aceita que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é empresarial ou privada.
«In casu» e na situação que se analisa, importa aferir se os sócios ou terceiros beneficiaram o seu património pessoal em detrimento do empresarial, se antes geriram este último de forma adequada à tutela dos seus interesses.
Nesse sentido, patenteia o probatório que é muito frequente, os cônjuges dos chefes de grupo ajudarem estes nas tarefas de separação, empacotamento e distribuição de encomendas pelos respectivos monitores (ponto 13).
Ainda se deu como provado que no ano de 1996, a impugnante pagou montantes relativos a viagens, nomeadamente a Macau e a Republica Dominicana, nas quais participaram directores e coordenadores distritais da B...Portugal e que os participantes nas viagens eram pessoas que em determinados períodos tem­porais atingiam objectivos de venda anteriormente fixados pela B...Por­tugal, sendo que por ocasião dessas viagens podia acontecer a participação em reuniões e outros eventos de promoção de produtos da marca, podendo mesmo suceder que em tais casos estivessem envolvidos representantes de outros países que comercializavam produtos da B...(pontos 18 e 19 do probatório).
Ainda se apurou que nessas viagens seguiram cônjuges de responsáveis e coordenadores, devido à sua participação na ajuda às monitoras nas tarefas de venda de produtos, nomea­damente entrega aos clientes (ponto 20 do probatório).
Em tal desiderato, impõe-se considerar aqueles pagamentos como normais e imprescindíveis à manu­tenção da fonte produtora dada a manifesta e comprovadas adequação e conveniência à actividade e tutela da impugnante?
Tal factualidade não é de molde a convencer que, em abstracto, aqueles terceiros beneficiaram o seu património pessoal em detrimento do património empresarial e que, atenta a estrutura em que assenta a actividade da empresa, esses pagamentos se apresentam como normais e indispensáveis à fonte produtora e apre­sentam uma conexão económica adequada com a actividade da impugnante.
Ora, sendo certo que o art. 23° do CIRC não faz depender a dedutibilidade fiscal dos custos do seu carácter normal e que a impugnante explicou os motivos que justificaram aquelas despesas, as quais são idóneas e convenientes à tutela dos seus interesses, também o é que as testemunhas da impugnante se limitaram a afirmar que na sua actividade de venda é usual ocorrerem aquelas situações, mas, na verdade, não se prova se, em concreto, os terceiros efectivamente participaram naquelas tarefas nos locais referidos relacionados com a actividade de venda nos períodos e nos destinos em apreço, quais foram os cônjuges e a natureza das despesas realizadas.
Assim, não resulta da prova produzida, quais, como e onde tiveram intervenção na descrita actividade da impugnante, sendo o depoimento das testemunhas da impugnante vago, genérico e destituído de rigor, não tendo sido concludente relativamente à prova da indispensabilidade de tais custos, pelo que a Administração Tributária não estava obrigada a provar factos cujo ónus cabe à impugnante.
A Jurisprudência tem entendido que na questão atinente à dedutibilidade de custos cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora (Vide Acórdãos do TCA Sul de 18/01/2005 e de 05/05/2005. processo 00452/04), resultando a comprovação e indispensabilidade dos custos das circunstâncias de cada caso, de acordo com as práticas geralmente aceites, as provas existentes e os critérios de razoabilidade, dependendo a relevância fiscal de um custo da sua afectação à exploração, atendendo às normais circunstâncias do mercado, ao risco normal da actividade económica, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados.
Da fundamentação aduzida pela AT decorre ainda que somente não foram consideradas as despesas que, para além de não se mostrarem ser despesas da actividade e esfera da impugnante, também não permitiam estabelecer qualquer grau de conexão com a actividade da empresa suficientemente concretizado, a qual não logrou provar nem através de prova documental nem testemunhal que os terceiros tivessem participado nas operações em causa, relacionadas com a sua actividade.
A essa luz, a posição defendida pela Administração Tributária é consentânea e legal, pois não podem ser aceites como custos as despesas que não se mostrem minimamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora e, a aceitar-se a posição da impugnante, estaria aberta a porta para os empresários, com menos escrúpulos, em seu proveito deduzirem custos alheios e sem qualquer interesse ao escopo da sua actividade empresarial e em prejuízo da Fazenda Pública, sem qualquer possibilidade de controle pela Administração Tributária.
O que na realidade se verificou, nos presentes autos, foi a existência de despesas em relação às quais inexistem elementos reveladores da conexão entre as deslocações e estadas e a sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos, bem concluindo a AT em as não considerar custo fiscal pois, caso contrário, estava-se a criar a possibilidade de a sociedade, de forma propositada, contabilizar custos da esfera privada na sua escrita.
Assim, embora se concorde com o critério amplo defendido pela sentença, não se considera correcta a aplicação prática do critério em que ela assenta por conferir grande margem de discricionariedade ao sujeito passivo, margem essa que o legislador não quis atribuir, tendo, com a finalidade de evitar essa discricionariedade, criado obrigações e regras de obrigação contabilísticas rígidas (Art.° 23 e 115.° e segs do CIRC).
Ora, sendo no conceito de indispensabilidade ínsito no artº 23º do CIRC que radica a questão essencial da consideração fiscal dos custos empresariais e que assenta a distinção fundamental entre o custo efectivamente incorrido no interesse colectivo da empresa e o que pode resultar apenas do interesse individual do sócio, de um grupo de sócios, de terceiros ou do seu conjunto e que não pode, por isso, ser considerado custo.
Este, é uma despesa com um fim empresarial o que não quer dizer que tenha desde logo um fim imediata e directamente lucrativo, mas que tem, na sua origem e na sua causa, um fim empresarial, concedendo a lei à AT poderes bastantes para recusar a aceitação como custo fiscal de despesas que se não possam considerar compatíveis com as finalidades a prosseguir pela empresa - cfr. J. L. Saldanha Sanches, Os Limites do Planeamento Fiscal, pág. 214.
Do princípio estabelecido no analisado artº 23º do CIRC, i. é, da aceitação de encargos ou perdas que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos pretendendo-se com a mencionada alínea que na determinação do lucro tributável da empresa se aceitem encargos que não lhe digam respeito.
Em tal desiderato, impõe-se considerar aqueles pagamentos como anormais e não imprescindíveis à manu­tenção da fonte produtora dada a manifesta e comprovada falta de adequação e conveniência à actividade e tutela da recorrida.
A nosso ver, as questionadas verbas não podem ser aceites como custos fiscais, nenhuma tradução fiscal lhe pode ser assacada, ou por via dedução ao rendimento, ou por imputação (acréscimo) no preço de aquisição o que, em vista do artº 23º do CIRC, inculca que o que está em causa é a categoria de gastos acessórios.
Conclui-se, pois, que ao impugnante cabia o ónus da prova da indispensabilidade dos custos indicados para efeitos de determinação da matéria colectável em sede de IRC, e bem assim de que esses custos existem, sob pena da respectiva despesa não ser fiscalmente dedutível, e tal prova, manifestamente, não foi lograda pelo que, as despesas em causa terão de ser desconsideradas como custo fiscal.
Daí que procedam as conclusões do recurso sob análise.
*
Importa agora determinar se são dedutíveis os encargos com colaboradores nos termos do artigo 41° nº 1, alínea g) do CIRC.
Neste ponto, estão em causa despesas relacionadas com a organização de eventos com uma vertente social, com a finalidade de entretenimento e convívio entre as pessoas e o reconhecimento pelo trabalho desempenhado pelas comissionistas e promo­toras e que a administração fiscal considerou constituírem despesas de representação, pelo que 20% das mesmas não foram aceites como custos.
O Mº Juiz evocou o disposto no Art.° 41/3, aditado pelo Decreto - Lei n.° 67/93 de 10/3, em vigor em 1996, segundo o qual se consideram ”…despesas de representação, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pes­soas ou entidades”, para afirmar que deve haver viagens e passeios indispensáveis para a realização dos provei­tos, e como tal, integrantes dos custos a que se alude no artigo 23º do CIRC.
Explicitando melhor, acrescenta o Mº Juiz que pode dizer-se, então, que nem todas as viagens e passeios são despesas de representação e não o serão, desde logo, aquelas que constituam custos, passando o critério que as distingue por saber se são despesas necessárias para a reali­zação dos proveitos, ou não.
Da aplicação de tal critério feita na sentença resultará que, se forem despesas necessárias para a realização dos proveitos, então devem constituir custos; se não são despesas necessárias, então constituem despesas de representação.
Ora, da aplicação de tal critério ao caso concreto, concluiu o Mº Juiz que as ajuizadas despesas têm uma vertente social, mas são mais do que isso: constituem um prémio concedido aos colaboradores que se destacassem nos objectivos, servindo de incentivo para novos objectivos e, nessa conformidade, não se integram no «programa teleológico» da norma do Art.º 41/3 que não tem em vista tal desiderato de incentivo para novos objectivos.
Por tal facto, o Mº Juiz entende que as despesas em causa devem constituir custos fiscais e como tal aceites.
A recorrente FªPª dissente dessa qualificação por razões que inteiramente se acolhem.
Nesse sentido, há desde logo que fazer a seguinte precisão: a correcção de que tratamos agora respeita não a terceiros não vinculados à impugnante, mas sim às despesas de representação incorridas pela impugnante com os seus colaboradores, designadamente em viagens, estadias e refeições, não podendo, por isso, enquadrar-se no regime do artigo 23°, antes ficando abrangidas pelo regime do artigo 41°, ambos do CIRC.
Como já vimos, no artigo 23° do CIRC fixa-se o critério para efeitos de determinação dos encargos contabilísticos que podem ser qualificados como custo fiscal.
Por seu turno, no artigo 41º do CIRC estabelecem-se limitações à dedutibilidade de certos custos já previamente admitidos pelo artigo 23° do CIRC, o que vale por dizer que o artigo 41º do CIRC funciona como um segundo crivo relativamente a custos fiscais considerados admissíveis à luz do artigo 23° do CIRC.
Ou seja: há na sentença um vício de raciocínio na medida em que as despesas com viagens, estadias e refeições dos colaboradores (monitores, chefes de grupo, etc.) só poderiam constituir despesas de representação se não fossem consideradas custos indispensáveis nos termos do artigo 23° do CIRC.
Erro evidenciado pelo facto de a AT ter procedido à correcção (cfr. ponto 2.2. do Relatório) com fundamento no artigo 41º, n.° 1, alínea g) do CIRC, pois que estavam em causa custos gerados no âmbito das vendas (monitores, chefes de grupo, etc.) os quais, manifestamente, constituíam despesas indispensáveis para a manutenção da fonte produtora ou para a obtenção de proveitos nos termos do artigo 23° do CIRC e segundo a interpretação supra conferida.
Significa que a correcção do ponto 2.2. do RIT, assentou na consideração de tais despesas como custos fiscais de acordo com o critério de indispensabilidade ínsito no artigo 23° do CIRC, pelo que a correcção não se operou com base neste normativo por não ser questionável aquela natureza das mesmas.
Mas, visto que as despesas efectuadas com a força de vendas, pela natureza das mesmas - viagens, deslocações, estadias e refeições -integram o conceito de "despesas de representação", tinha a AT, como fez, de proceder à limitação da percentagem do custo fiscal legalmente admissível à face do artigo 41º, n.º 1, alínea g) do CIRC (na redacção vigente à data do facto tributário), não aceitando a dedutibilidade de 20% do custo com as despesas de representação com os colaboradores da impugnante.
Com efeito, nos termos do Artigo 41º do CIRC, na redacção dada pela
Lei nº 39-B/94, de 27 de Dezembro, vigorante ao tempo dos factos, sob a epígrafe “Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais” não eram “dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício: g) As despesas de representação, escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%.
E o nº 2 do mesmo normativo estabelecia que se consideravam “despesas de representação, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.”
Decorre desta normação que, muito embora e dum ponto de vista contabilístico, os encargos constantes deste preceito constituam uma diminuição do valor do património do sujeito passivo, o certo é que, para a Administração Fiscal aplicando correctamente a lei, não podem ser considerados como tal, pelo que o seu valor tem de ser obrigatoriamente acrescido ao lucro contabilístico dentro da limitação estabelecida.
Sendo assim, como é, a sentença errou quando considerou que a AF não aceitou como custo indispensável para efeitos do artigo 23° as despesas de representação quando é certo que a mesma AF, exactamente por força da natureza dessas mesmas despesas, as sujeitou, e bem, à limitação constante na alínea g) do n.° 1 do artigo 41 ° do CIRC.
A justeza da actuação da AT é atestada ainda por um argumento afortiori: se a AF não tivesse considerado como custo fiscal os encargos com despesas de representação com colaboradores, a AF teria, ao invés de aplicar a alínea g) do n°1 do artigo 41° do CIRC, de simplesmente accionar o artigo 23° do CIRC, desconsiderando totalmente enquanto custo fiscal os montantes com tais despesas com colaboradores da impugnante. Isso porque, como é patente, se assim não fosse, haveria fundamento para proceder à correcção nos mesmos termos em que se desconsideraram fiscalmente a totalidade das despesas com viagens, estadias e refeições com terceiros sem vínculo à impugnante.

Procedem, pois, as conclusões de recurso sob análise.

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3. –DECISÃO

Termos em que se judicia conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida e julgar improcedente a impugnação mantendo o acto tributário impugnado na ordem jurídica.

Custas pela recorrida em ambas as instâncias, fixando-se nesta a taxa de justiça em 5 Ucs.
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Lisboa, 02/02/2010
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Aníbal Ferraz) – Declaração de voto - Declarando, quanto á fundamentação, a desnecessidade da pronúncia sobre a matéria dos “encargos não devidamente fundamentados, digo, documentados e as despesas de carácter confidencial” e o não ataque isolado e específico ao fundamento do recurso consistente no apontar de erro no julgamento da matéria de facto.




1 - Nesse sentido se evoca o Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul de 18-01-2005, no Recurso nº 66/03, cuja fundamentação, data venia, se vai seguir de perto.
2 - O princípio rector do art° 17° n° l do CIRC estabelece que uma das componentes do lucro tributável é o resultado líquido do exercício expresso na contabilidade, sendo este resultado uma síntese de elementos positivos (proveitos ou ganhos) e elementos negativos (custos ou perdas).