Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:491/08.1BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:05/08/2019
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:MAIS-VALIAS IMOBILIÁRIAS;
IRS;
REGIME TRANSITÓRIO;
LOGRADOURO DE PRÉDIO URBANO.
Sumário:I. O momento temporal relevante para efeitos de determinação da aplicação do regime transitório constante do art.º 5.º do DL n.º 442-A/88, de 30 de novembro, é o do início da vigência do CIRS e o do fim da vigência do CIMV.
II. Estando apenas demonstrado que o prédio foi considerado terreno para construção em 2000 e decorrendo da prova que, por referência a 01.01.1989, o mesmo consubstanciava-se num logradouro, é de aplicar a norma de exclusão constante do regime transitório mencionado em I.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 16.11.2012, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por A... (doravante Recorrida ou impugnante), que teve por objeto o indeferimento do recurso hierárquico que versou sobre o indeferimento da reclamação graciosa que, por seu turno, teve por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), relativa ao ano de 2002.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“I - No âmbito da ação inspetiva, apuraram os serviços que, “à data da transmissão (07/01/2002), o prédio alienado corresponde a um” lote de terreno para construção urbana, tendo presente o declarado pelo sujeito passivo na declaração mod. 129 entregue em 23/08/2000”.

Verifica-se ainda que dois dias depois da compra foi emitido em nome da empresa adquirente, Sociedade Construções E..., Lda, o alvará de licença de construção n.° 17/02, para a construção de 12 fogos, com a área total de 210 m2, o que comprova a apetência para a construção do imóvel transmitido em 07/01/2012” (destacado nosso).

II - O regime transitório da categoria “G”, previsto no n.° 1 do art.° 5.°, do Decreto-Lei n.° 442-A/88, de 30 de Novembro, não tem aplicação na situação em apreço, pois os ganhos obtidos devidos por aquela alienação já estavam sujeitos a tributação nos termos do disposto no art.° 1.° do CIMV, caso se verificassem antes da entrada em vigor do CIRS.

III - A tributação dos ganhos obtidos pela ora impugnante, resultantes da transmissão em 2002, do prédio urbano omisso na matriz, constituído por terreno para construção, posteriormente inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de P..., Concelho de P..., sob o artigo 7..., está correcta e é legal, pois os mesmos constituem rendimento da Categoria “G" (mais-valias), tal como dispõe o art.° 10.° do CIRS, devendo por isso manter-se na ordem jurídica a liquidação ora impugnada

IV - A Sentença ora recorrida fez uma incorrecta interpretação do o regime transitório previsto no artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 442-A/88 de 30 de Novembro, que aprovou o CIRS”.

A Recorrida não contra-alegou.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser dado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 289.º, n.º 2, do CPPT) vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

Há erro de julgamento em virtude de a norma de exclusão constante do regime transitório previsto no art.º 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, não ser aplicável?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

A) Em 31-05-1979, a ora Impugnante e D...adquiriram um prédio rústico, sito na C..., freguesia de P..., concelho de P..., com a área de 5.000m2, pelo valor de 100.000$00 (cfr. anexo 3 do relatório de inspecção tributária a fls. não numeradas do PAT);

B) Em 23-05-1983, D...entregou uma declaração modelo 129 para inscrição de um prédio urbano composto por três pavilhões destinados a aviários com a área coberta de 810m2, dando origem ao artigo urbano 3… da freguesia de P..., concelho de P... (cfr. anexo 4 do relatório de inspecção tributária a fls. não numeradas do PAT);

C) Em 15-04-1987, D...entregou nova declaração modelo 129 para modificação do prédio participado em 1983, na qual, para além dos três pavilhões, declarou-se outro armazém para arrecadação de farinhas com a área de 400m2, gerando o artigo urbano 3… da freguesia de P..., concelho de P... (cfr. anexo 5 do relatório de inspecção tributária a fls. não numeradas do PAT);

D) Na sequência do trânsito em julgado em 2-02-1987 da sentença da separação de pessoas e bens por mútuo consentimento da Impugnante e D..., por escritura de partilhas outorgada pelo Cartório Notarial de P..., em 9-06-1987, foi partilhado o prédio urbano sito na C…, freguesia de P..., Concelho de P..., tendo-lhe sido atribuído o valor de 7.500.000$00, divido em duas partes iguais de 3.750.000$00, cada uma constituindo a meação de cada outorgante; foi o prédio urbano adjudicado à Impugnante, que entregou o excesso de 3.750.000$00 a D...(cfr. anexo 6 do relatório de inspecção tributária a fls. não numeradas do PAT);

E) Em 23-08-2000, a Impugnante entregou uma nova declaração modelo 129 para inscrição na matriz de um "lote de terreno para construção urbana", com a área de 1167m2 proveniente do artigo urbano 3968, tendo dado origem ao artigo urbano 7... da freguesia de P..., concelho de P... (cfr. anexo 7 do relatório de inspecção tributária a fls. não numeradas do PAT);

F) Em 7-01-2002, foi outorgada escritura pública de «compra e venda e mútuo com hipoteca» entre a Impugnante celebrou com a «Sociedade de Construções E..., Limitada», da qual consta que a Impugnante «(…) vende à representada dos segundos outorgantes, livre de quais ónus e encargos, pelo preço de trezentos e trinta e nove mil trinta e oito euros e trinta e um cêntimos, que já recebeu, o seguinte imóvel: - lote de terreno para construção urbana, situado na C..., freguesia de P..., concelho de P..., com a área de mil cento e sessenta e sete metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial de P... sob o número QUATRO MIL CENTO E OITENTA E NOVE DA DITA FREGUESIA DE P... (...)» (cfr. anexo 2 do relatório de inspecção tributária a fls. não numeradas do PAT);

G) Em cumprimento da ordem de serviço n.º 012006…, foi realizada uma inspecção interna de âmbito parcial à situação tributária da Impugnante em sede de IRS no ano fiscal de 2002 (cfr. relatório de inspecção a fls. não numeradas do PAT);

H) Em 24 de Novembro de 2006, foi elaborado o relatório de inspecção final de inspecção tributária, no qual se encontra vertido, por extracto, o seguinte:

«(…)

1.3 - DESCRIÇÃO SUCINTA DAS CONCLUSÕES DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO

As correcções totais propostas têm por base os factos referidos no item III deste relatório e traduzem-se na fixação de rendimentos do sujeito passivo, e será efectuada nos termos da alínea b) do nº 2 do artigo 65º do Código do IRS:

-Ano 2002:




(…)

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECCÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

No âmbito do procedimento de inspecção, foi o sujeito passivo notificado para apresentar a declaração de IRS do ano de 2002 nos termos do nº 3 do artigo 65º do Código do IRS através do envio para o seu domicilio fiscal do ofício nº 27070 de 04.09.2006 desta Direcção de Finanças (registo CTT nº RS 8522… 0 PT] (anexo 1).

Até à presente data verifica-se que não foi entregue por parte do sujeito passivo qualquer declaração de IRS para o ano fiscal de 2002. Porém, estes Serviços de Inspecção têm conhecimento de factos que obrigavam a entrega da mesma nos termos do artigo 57º do Código do IRS.

III -1 -Mais-Valias (categoria G do IRS):

III - 1.1 - Alienação:

=> prédio urbano actualmente inscrito na matriz sob o artigo 7..., da freguesia de P..., concelho de P... (cód. 150803)

Em 07.01.2002, o sujeito passivo supra identificado vendeu à Sociedade de Construções E..., Lda, NIPC 50…, a totalidade do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 7..., da freguesia de P..., concelho de P..., pelo valor declarado de 339.038,31 €, através de escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca realizada no Cartório Notarial de P... (anexo 2).

III – 1.2 - Aquisição

Em 30.05.1979, A...(sujeito passivo em análise) e seu marido à data, D...adquiriram um prédio sito na C..., freguesia de P..., concelho de P..., com a área de 5000m2, pelo valor de 498,80€ (100.000$00) (anexo 3).

Em 23.05.1983 foi entregue pelo Sr. D...uma declaração mod. 129 para inscrição de um prédio urbano composto por 3 pavilhões destinados a aviários com a área coberta de 810m2 (fls. 1 a 4 do anexo 4), pavilhões estes que foram construídos no terreno de 5000m2 adquirido em 1979, e que deu origem ao artigo urbano 3582 da freguesia de P..., concelho de P... (fls. 5 e 6 do anexo 4).

Em 15.04.1987, foi entregue pelo Sr. D...uma nova declaração mod. 129 para modificação do prédio participado em 1983, sendo composto agora por um armazém para arrecadação de farinhas com a área de 400m2, e por 3 pavilhões destinados a aviários com a área coberta de 810m2; a área coberta ascende assim a 1210m2 (400+810), tendo ainda sido acrescida uma área descoberta de 3790m2, totalizando o prédio uma área de 5000m2 (fls. 1 a 4 do anexo 5), ou seja a mesma área adquirida inicialmente pelos sujeitos passivos em 1979, tendo esta última mod. 129 dado origem ao artigo urbano 3968 da freguesia de P..., concelho de P... (fls. 5 e 6 do anexo 5).

Em 09.06.1987 por escritura de partilha no Cartório Notarial de P... (anexo 6), e na sequência de trânsito em julgado em 02.02.1987 da sentença de separação de pessoas e bens por mútuo consentimento entre A...e D..., foi partilhado o prédio urbano sito na C..., tendo-lhe sido atribuído o valor de 37.409,84 €. Esse valor foi divido em duas partes iguais de 18.704,92€ cada uma, constituindo cada uma delas a meação de cada sujeito passivo. Pela partilha o prédio foi adjudicado na totalidade a A..., tendo portanto nesta data adquirido a meação a D...pelo valor de 18.704,92€, com o pagamento do imposto municipal de SISA sobre esse valor, a título de tornas, pelo valor que levava em excesso, através do conhecimento de SISA nº 568/1… de 08.06.1987 do Serviço de Finanças de P....

Em 23.08.2000 foi entregue por A...uma nova declaração mod. 129 para inscrição de um "Lote de terreno para construção urbana” com a área de 1167m2 proveniente do artigo urbano 3… (anexo 7). Esta declaração deu origem ao artigo urbano 7... da freguesia de P..., concelho de P..., artigo este que foi alienado e referido no item III -1.1 deste relatório.

Concluí-se assim que o sujeito passivo em análise (A…) adquiriu:

- 2500m2 em 30.05.1979 por 249,40€

- 2500m2 em 09.06.1987 por 18.704,92€

Para efeitos de determinação do valor de aquisição, será considerada que a área alienada de 1167m2 foi adquirida em dois momentos: 50% em 30.05.1979 e 50% em 09.06.1987.

50% x 1167m2 = 583,5m2

2500m2 —- 249,40 €

583,5m2 — X X = 58,21€

2500m2 —- 18,704,92 €

583,5m2 - X X = 4.365,73 €

Tendo presente o cálculo proporcional, em 30.05.1979 os 583,5m2 foram adquiridos por 58,21, e em 09.06.1987 os 583,5m2 foram adquiridos por 4.365,73€.

III - 1.3 - Natureza do Imóvel:

À data da transmissão (07.01.2002), o prédio alienado corresponde a um "lote de terreno para construção urbana", tendo presente o declarado pelo sujeito passivo na declaração mod. 129 entregue em 23.08.2000 (anexo 7).

Verifica-se ainda que dois dias depois da compra foi emitido em nome da empresa adquirente, Sociedade Construções E..., Lda, o alvará de licença de construção nº 17/02, para a construção de 12 fogos, com a área total de 2104m2 (anexo 8), o que comprava a apetência para construção do imóvel transmitido em 07.01.2002. Atendendo ao facto do prédio ter sido adquirido antes de 01.01.1989, importa referir que de acordo com o artigo 5º do D.L. nº 442-A/88, de 30 de Novembro "... os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.- 46373 de 9 de Junho de 1965,... só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código”.

O artigo 1.º, n.º 1 do Código Imposto Mais Valias (CIMV), refere que "... o imposto de mais-valias incide sobre os ganhos realizados através... da transmissão de terreno para construção, qualquer que seja o título por que se opere, quando dele resultarem ganhos não sujeitos aos encargos de mais-valias...".

Como terreno para construção, não aproveita assim a exclusão de tributação prevista no artigo 5º do D.L. nº 442-A/88 de 30 de Novembro, e portanto a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis por parte do sujeito passivo consubstancia rendimentos da Categoria "G" (mais-valias), como dispõe o artigo 10º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de Novembro:

"1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis...

3 - Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1...

4- O ganho sujeito a IRS é constituído:

a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição,..."

III - 1.4 - Conclusões:

O cálculo da mais-valia é o seguinte:


“Texto integral com imagem”

1 Portaria nº 553/02 de 03/06

2 Portaria nº 553/02 de 03/06

Face aos rendimentos obtidos, o sujeito passivo estava obrigado à entrega da declaração modelo 3 de IRS, com o respectivo anexo G nos termos do artigo 57º do Código do IRS. Como até à presente data não efectuou entrega, propõe-se as seguintes correcções, nos termos da aliena b) o nº 2 do art 65º do Código do IRS -Ano 2002

(…)» (cfr. relatório de inspecção a fls. não numeradas do PAT).

I) Sobre o relatório de inspecção tributária referido na alínea que antecede foi exarado parecer, em 24-11-2006, com o seguinte teor:

«Confirmo as conclusões e correcções efectuadas.

O sujeito passivo foi primeiramente notificado para apresentar a declaração Mod. 3 em falta e, posteriormente, para exercer o direito de audição, nos termos do artº 60º da LGT e artº 60º do RCPIT, todavia, até à presente data, não exerceu esse direito, nem entregou a referida declaração.

Assim, foi fixado rendimento líquido, de 164.106,53€, face ao apuramento da mais-valia omitida, resultante da alienação onerosa do imóvel descrito no item III - 1.1 do Relatório/Conclusões.» (cfr. relatório de inspecção tributária fls, não numeradas do PAT);

J) Em 27.11.2006, foi exarado despacho pelo Chefe de Divisão A..., por subdelegação do D. F. adjunto, do qual consta o seguinte:

«Concordo.

- Remeta-se o Auto de Notícia ao Núcleo de Investigação Criminal desta Direcção de Finanças, para os devidos efeitos.

- Remeta-se uma cópia da presente informação à Divisão de Tributação para conhecimento e na sequência da comunicação interna n.º 191/06 de 24.10.2006

- Notifique-se o S. Passivo conforme dispõe o art. 62º do R.C.P.I.T. e artº 77º da Lei Geral Tributária.

- Proceda-se em conformidade.» (cfr. relatório de inspecção tributária a fls. não numeradas do PAT);

K) Na sequência das correcções efectuadas, foi emitida a liquidação adicional de IRS n.º 2006 500…, datada de 5-12-2006, com o montante de imposto a pagar no valor de € 69.436,62 (cfr. fls. anexo 1 da decisão de reclamação graciosa a fls não numeradas do PAT);

L) Em 14-05-2007, a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação identificada na alínea supra (cfr. informação oficial e projecto de decisão da reclamação graciosa a fls. 64 e seguintes do PAT);

M) Em 11-10-2007, a reclamação graciosa apresentada pela Impugnante foi indeferida por decisão do Inspector Tributário J…, por delegação de competências do Director de Finanças de Setúbal (cfr. fls. 80 e 81 do PAT);

N) Em 4-12-2007, a Impugnante apresentou recurso hierárquico do despacho de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRS n.9 2006 500… do ano de 2002 (cfr. fls. 2 e seguintes do processo de recurso hierárquico apenso);

O) O recurso hierárquico foi rejeitado por despacho da Directora de Serviços de IRS, por subdelegação, em 31-01-2008, exarado sobre a informação n.º 260/08 dos serviços (cfr. fls. 10 e seguintes do processo de recurso hierárquico apenso)”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Inexistem outros factos não provados com relevância para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A convicção deste Tribunal fundou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nos documentos, não impugnados, juntos aos autos pela Impugnante, e, ainda, nos documentos constantes do processo administrativo tributário, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se em aditar a seguinte matéria de facto provada:

P) Na declaração mencionada em C) o seu signatário indicou ser a mesma apresentada para inclusão do logradouro com a área de 3.790 m2 (cfr. anexo 5 do relatório de inspeção tributária a fls. não numeradas do PAT).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Entende a Recorrente existir erro de julgamento em virtude de, na sua perspetiva, não estar a situação em apreciação abrangida pela norma de exclusão constante do art.º 5.º do DL n.º 442-A/88, de 30 de novembro.

Vejamos.

Em causa está a alienação, em 2002, de prédio urbano, que, nessa data e desde 2000, estava inscrito na matriz como terreno para construção e que fora adquirido pela Recorrida parte em 1979 e parte em 1987.

Com efeito, como decorre da matéria de facto provada em 1.ª instância e não impugnada, a Recorrida, num primeiro momento, juntamente com o seu marido, adquiriu um prédio rústico, em 1979 [cfr. facto A)]. Em 1983, foi feita a inscrição de prédio urbano, composto por 3 pavilhões destinados a aviários, tendo, em 1987, sido feita nova alteração, com a declaração de armazém para arrecadação de farinhas, bem como a menção à existência de logradouro [cfr. factos B), C) e P)]. Foi nesta sequência de declarações que o prédio em causa, adquirido como rústico, deu origem ao prédio urbano, inscrito na matriz respetiva sob o artigo 3…, num primeiro momento, e 3…, num segundo momento. Na sequência de separação de pessoas e bens, ocorrida em 1987, o prédio foi adjudicado à Recorrida [cfr. facto D)].

Foi em momento ulterior, concretamente em 2000, que foi requerida, pela Recorrida, a inscrição na matriz de lote de terreno para construção, proveniente, por destacamento, do artigo urbano 3…, dando origem ao artigo matricial urbano 7... da freguesia de P..., concelho de P... [cfr. facto E)], tendo sido este objeto de alienação em 2002 e dado origem ao presente litígio.

Como não é controvertido e já mencionado, a aquisição do prédio em causa na esfera jurídica da Recorrida ocorreu em dois momentos: uma parte em 1979 e a outra em 1987, ou seja, em ambos os casos antes da entrada em vigor do Código do IRS (CIRS).

Cumpre, antes de mais, atentar no regime transitório constante do art.º 5.º do DL n.º 442-A/88, de 30 de novembro.

Assim, nos termos de tal regime só seriam sujeitos a IRS (categoria G) aqueles rendimentos resultantes da alienação onerosa de bens que tivessem sido adquiridos após a entrada em vigor do CIRS (isto é, 1 de janeiro de 1989), no caso de se tratar de ganhos que não fossem sujeitos ao pretérito imposto de mais-valias.

Ou seja, caso um bem tivesse sido adquirido antes de 1 de janeiro de 1989 e alienado já na vigência do CIRS, o mesmo não estaria sujeito a tributação pela Categoria G, caso o não estivesse face ao Código do Imposto de Mais-Valias (CIMV).

Cumpre, pois, verificar o âmbito de incidência do IMV.

Nos termos do art.º 1.º do pretérito CIMV, aprovado pelo DL n.º 46 373, de 09 de junho de 1965:

“1. O imposto de mais-valias incide sobre os ganhos realizados através dos atos que a seguir se enumeram: 1.º Transmissão onerosa de terreno para construção, qualquer que seja o título por que se opere, quando dela resultem ganhos não sujeitos aos encargos de mais-valia previstos no artigo 17.º da Lei n.º 2 030, de 22 de junho de 1948, ou no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 41 616, de 10 de maio de 1958, e que não tenham a natureza de rendimentos tributáveis em contribuição industrial…”.

No seu § 2 era facultado um conceito de terreno para construção, entendendo­-se como tal “… os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo”.

Assim, como resulta deste enquadramento legal, resulta que nem todos os rendimentos resultantes da alienação de prédios urbanos estavam sujeitos a imposto sobre as mais-valias(1), sendo que o estariam os ganhos decorrentes de alienação de terrenos para construção.

Para tal efeito, eram terrenos para construção:

a) Os situados em zonas urbanizadas;

b) Os compreendidos em planos de urbanização; e

c) Os assim declarados no título aquisitivo.

Resulta, assim, desde logo que não é qualquer prédio urbano que tem a virtualidade de ser considerado como terreno para construção para efeitos de IMV(2).

Como tal, desde logo, terreno para construção é um conceito distinto de terreno suscetível de ser considerado como terreno para construção(3).

Por outro lado, como é jurisprudência pacífica nesta matéria, é elemento fundamental, para efeitos de aplicação ou não aplicação da mencionada norma de exclusão, a definição do momento temporal relevante para aferição dos pressupostos de facto da tributação.

Tal momento situa-se no dia 31.12.1988, último dia de vigência do CIMV. Assim, a eventual ocorrência de factos modificativos do conteúdo do direito de propriedade que sejam ulteriores não relevam para efeitos de afastamento da aplicação da norma de exclusão(4).

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

Como decorre do probatório, dos títulos aquisitivos nada resultava, em termos de se considerar o prédio em causa como sendo terreno para construção, à data da entrada em vigor do CIRS. Aliás, do título aquisitivo decorre que o prédio era, à época em que a Recorrida e o marido o adquiriram, um prédio rústico. Ulteriormente, como já referido, o mesmo passou a urbano, por força da construção dos edifícios já mencionados, com logradouro. À data do trânsito em julgado da sentença de separação de pessoas e bens, portanto, ainda em momento anterior ao da entrada em vigor do CIRS, o prédio já tinha a natureza de urbano, com edificações e logradouro. Em momento algum, porém, resulta desse título aquisitivo que se tratasse de terreno para construção.

Resta, pois, aferir o outro critério constante do § 2.º do art.º 1.º, do CIMV, i.e., a sua qualificação como tal, por estar, eventualmente, situado em zona urbanizada ou compreendido em planos de urbanização.

Ora, a este respeito há que atentar, desde logo, na posição assumida pela administração tributária (AT) em sede de RIT, para efeitos de aferição dos pressupostos de facto que fundam a liquidação em crise.

Do mesmo resulta que a AT fundou a sua posição no facto de, em 2000, a Recorrida ter apresentado declaração modelo 129, para inscrição de um lote de terreno para construção urbana, proveniente do artigo urbano 3968, sendo considerado como facto relevante para efeitos de preenchimento dos pressupostos de facto a situação à data da transmissão (07.01.2002) e não a sua situação a 31.12.1988. É ainda referido o alvará de licença de construção n.º 17/02, emitido em nome da sociedade que adquiriu o imóvel, como evidenciador da apetência para construção do mesmo.

Ora, como já referido e não é controvertida, sendo aliás assim considerada em sede de RIT, a aquisição do terreno ocorreu em dois momentos, ambos anteriores a 1989. Atentando nos demais elementos constantes do probatório e que, aliás, são os considerados no próprio RIT, o prédio em causa, por referência a 31.12.1988, era um prédio urbano, composto de armazém, três pavilhões destinados a aviários e logradouro (área descoberta). Só posteriormente, mais de 11 anos depois, concretamente em 2000, é que houve um facto modificativo, concretamente a apresentação da já referida declaração 129, para efeitos de desanexação de parte do terreno e sua inscrição como terreno para construção, que deu origem a um artigo matricial autónomo. Por outro lado, a menção ao alvará de licença de construção n.º 17/02 em nada acrescenta quanto à configuração do imóvel como terreno para construção nos termos exigidos no CIMV.

Ou seja, reportando-nos ao relatório que fundamenta a liquidação impugnada, o mesmo incorreu em vício invalidante, na medida em que não atentou na natureza do prédio à data do fim da vigência do CIMV (31 de dezembro de 1988), decorrendo, aliás, dos elementos coligidos que, até 2000, o mesmo era um mero logradouro. Como referido pelo Tribunal a quo, foram desconsideradas quaisquer ocorrências relevantes que tenham antecedido a venda, não tendo a AT sequer logrado aferir a natureza do prédio se não por referência a 2000 e 2002.

Ou seja, face aos elementos constantes do RIT, a conclusão no mesmo extraída decorre de elementos relativos a momentos ulteriores ao da entrada em vigor do CIRS, o que implica que não tenham sido demonstrados os pressupostos de facto da tributação nos termos exigíveis, não resultando, pois, sequer alegado que, a 31.12.1988, se tratasse de prédio situado em zona urbanizada ou compreendido em plano de urbanização, decorrendo, ademais, da factualidade assente que nessa altura o mesmo era um mero logradouro.

Como tal, não assiste razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 08 de maio de 2019

(Tânia Meireles da Cunha)

(Anabela Russo)

(Patrícia Manuel Pires)


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(1) V., a este propósito, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 23.06.2005 (Processo: 00149/04): “Tendo os impugnantes adquirido em 1975 um prédio urbano, cuja transformação em terreno para construção é posterior à transmissão económica que efectuaram em 1991, não pode deixar de concluir-se pela ilegalidade da liquidação adicional de IRS, por violação do disposto no art. 5º nº1 do DL nº 442-A/88, de 30 de Novembro, assim tendo de proceder a impugnação”.

(2) V., a este propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09.11.2005 (Processo: 0733/05): “O art. 1º do CIMV determinava a incidência do imposto de mais-valias sobre os ganhos realizados pela transmissão onerosa de terrenos para construção, considerando como tal os situados em zonas urbanizadas ou abrangidas por planos de urbanização já aprovados, bem como os assim declarados no título aquisitivo. O que se pretendia tributar com tal imposto, no dizer do preâmbulo do código, eram só “as valorizações ocasionais”, os “ganhos trazidos pelo vento”, isto é, os anormais ganhos que a transmissão dos terrenos para construção traziam para o beneficiário e que eram exteriores à sua actividade. Como referia Galhardo Simões, citado no acórdão nº 21702 deste Supremo Tribunal Administrativo, este tipo de imposto elege, como capacidade contributiva economicamente relevante, os ganhos de capital realizados através dos factos taxativamente eleitos no artigo, deixando de fora outros casos de ganhos de capital. O que o legislador pretendeu tributar foram os ganhos resultantes da construção urbana que, pela sua grande expansão, subiam consideravelmente e com grande rapidez. Por isso se tem entendido em variados acórdãos que o termo “construção” sobre que o imposto incide só abrange as destinadas a fins habitacionais, comerciais ou industriais. E que por isso os ganhos obtidos pela transmissão do terreno destinado à construção de edifícios escolares não estava sujeito ao imposto de mais-valias pois não seria o facto de o terreno estar situado em zona urbanizada ou com plano de urbanização já aprovado que majoraria o seu preço e determinaria tal tributação”.

(3) V. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.01.2012 (Processo: 0529/11).

(4) V. os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.01.2012 (Processo: 0529/11), de 02.07.2014 (Processo: 01396/13), de 10.09.2014 (Processo: 01381/13) e de 08.07.2015 (Processo: 0584/15) e ampla jurisprudência no mesmo citada.