Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1446/16.8BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:07/09/2020
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
IVA – FACTURAS FALSAS
Sumário:É ao contribuinte que cabe provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, ou seja, a efectiva existência das alegadas transacções. Ou dito de outra maneira, tendo a Administração Fiscal considerado não se terem efectivamente realizado as operações consubstanciadas em determinadas facturas, existentes na escrita do contribuinte, obstado à dedução do IVA que daquelas facturas consta, ao abrigo do disposto no artigo 19.º nº 3 do CIVA, cabe ao contribuinte, no processo em que impugne a actuação da Administração, a prova dos pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução. E a realidade, é que a impugnante/recorrente não conseguiu fazer essa prova, quer por prova documental, quer por prova testemunhal.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I.          RELATÓRIO

J….., LDª, com os sinais nos autos, veio, em conformidade com o n.º 3, do artigo 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 25 de outubro de 2018, a qual julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrente contra os atos de liquidação adicional de IVA do ano de 2010 no valor de € 57.514,82, e respetivas liquidações de juros compensatórios no montante de € 9.523,79, e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do Pedido. Mais aquela sentença fixou à ação o valor de € 67.038,61 (cf. artigos 296.º e 306.º, n.º 1 e 2, ambos do CPC, aplicável ex vi da al. e) do artigo 2.º do CPPT, e do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT) e condenou a Impugnante, aqui Recorrente, nas custas (art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável, ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT).

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:

a) Quando a prova produzida impuser decisão diversa, deve esse Tribunal Central Administrativo Sul, alterar a decisão proferida em 1ª Instância sobre a matéria de facto, alteração que ora se peticiona nos seguintes termos (n.º 1 e n.º 2 do artigo 662º do CPC, aplicável nos termos da al. e) do artigo 2º do CPPT).

b) b) O vício de insuficiência da decisão de facto é equacionável com base no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), parte final, do CPC, sendo de conhecimento oficioso e suscetível de implicar a ampliação daquela decisão, pelo que a sua eventual invocação pelo apelante não está sujeita aos requisitos impugnativos prescritos no artigo 640.º, n.º 1, do mesmo Código, os quais só condicionam a admissibilidade da impugnação, com fundamento em erro de julgamento, dos juízos probatórios concretamente formulados (vide, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22/03/2018, processo n.º 290/12.6TCFUN.L1.S1).

c) Considera o Recorrente incorretamente julgados, porque pela sua relevância para a decisão de mérito da causa, deveriam ter sido considerados como provados na douta Sentença recorrida, os seguintes factos:

1) A J….., Lda., pôs à disposição da inspetora tributária todos os elementos solicitados, tendo sido a própria sociedade que solicitou à banca, todos os cheques relativos ao pagamento das faturas em causa suportando os necessários custos;

2) Que os cheques foram emitidos para pagamento dos fornecimentos referidos nas faturas em causa, às empresas neles indicados;

3) Foi realizada uma reunião com o representante das empresas H….., Lda, G….., Lda. e G….., Lda., na qual participaram as Senhoras Inspetoras Tributárias, e na qual “o representante das empresas fornecedoras” confirmou a veracidade das operações descritas nas faturas;

4) As empresas H….., Sociedade Unipessoal, Lda, G….., Lda. e G….., Lda., constavam no portal das finanças como empresas ativas, à data dos factos. E,

5) Que as empresas H….., Sociedade Unipessoal, Lda, G….., Lda. e G….., Lda., forneceram materiais à J….., Lda.

d) O concreto meio probatório que impunha, que os factos referidos no ponto anterior tivessem sido considerados como provados, é quanto aos factos referidos, nos pontos 1, 2, 3 e 4, o depoimento da testemunha A….., inquirida em sede de audiência de julgamento, cujo depoimento foi claro e convincente, gravado em CD áudio, (confrontar a ata da audiência de julgamento), cujo depoimento foi parcialmente transcrito nas alegações.

e) Quanto aos factos referidos em 5), para além do depoimento da testemunha A….., o depoimento da J….., inquirida em sede de audiência de julgamento, gravado em CD áudio, (confrontar ata da audiência de julgamento), cujos depoimentos foram parcialmente transcritos nas alegações.

f) No que respeita à decisão que deve ser tomada sobre as questões de facto impugnadas, entende a Recorrente que devem, os pontos de facto acima referidos, serem considerados como provados, o que desde já se requer a V. Exas.

g) Salvo o devido respeito que é muito e melhor opinião, a douta Sentença recorrida preconizou uma incorreta apreciação da matéria de facto, da prova e fez uma errónea interpretação das normas jurídicas aplicáveis, pelo que, enferma de erro na apreciação da prova e de julgamento.

h) Tendo sido referido perentoriamente pela testemunha que as empresas em causa tinham fornecido bens, que tipo de bens tinham sido fornecidos, a forma como se desenrolava a operação e os locais onde foram utilizados parte dos mesmos,

i) A conclusão retirada na douta Sentença que a testemunha falou de modo genérico e até contraditório, fere as capacidades de observância do “homem médio”.

j) Não pode esperar-se que passados mais de 8 anos sobre os factos, se obrigue um funcionário de uma empresa, a apontar com rigor, “quantidades de materiais”, “concretas obras”, “nomes de responsáveis ou funcionários das firmas”.

k) Maior contradição se verifica relativamente à testemunha A….., referindo a douta Sentença que o mesmo “(…) não desempenhava as suas funções nas instalações da Impugnante, pelo que não presenciou quaisquer entregas nem a confirmação da receção por aquela dos materiais faturados (…)”.

l) Esta testemunha, referiu que esteve presente na reunião havida entre as inspetoras tributárias e o representante das empresas fornecedoras dos materiais, o que desde logo prova a existência da reunião que a douta Sentença dá como não provada, no n.º 3 dos factos não provados.

m) Para além de que, esta testemunha referiu que foram fornecidos todos os elementos à inspeção tributária, incluindo os cheques de todos os pagamentos efetuados às empresas em causa.

n) A douta Sentença desvaloriza o facto da Recorrente ter procurado esclarecer a situação e demonstrar a veracidade das operações com documentos bancários, considerando mais relevante as diligências efetuadas em sede de inspeção, que todos os cheques das três sociedades que foram depositados na mesma conta bancária do BPI.

o) Como poderia a ora Recorrente saber que todos os cheques teriam sido depositados na mesma conta?

p) A Recorrente só tomou conhecimento de que a conta onde os cheques foram depositados era a mesma, quando foi informada desse facto pela própria inspeção de finanças.

q) Foi por esse facto que fez os possíveis para tentar encontrar alguém que representasse os fornecedores, conforme lhe havia sido sugerido pela própria inspeção, e proporcionou a reunião havida entre aquele e as inspetoras tributárias.

r) Existe assim uma contradição insanável, na opinião da Recorrente entre o que foi testemunhado e as conclusões constantes da douta Sentença, não podendo deixar de invocar erro na seleção da matéria de facto relevante, não tendo sido levados ao probatório factos que se extraem do testemunho prestado por A….., que se fossem apreciados e devidamente valorados, levariam a concluir que os indícios apontados pela AT, não são suficientes para suportar o seu juízo sobre a falsidade das facturas relativamente às quais não aceitou a dedução do IVA nem os custos suportados pelas aquisições de materiais constantes nas mesmas.

s) Esta testemunha referiu que foi a própria Recorrente que despoletou a inspeção em causa, pois foi ela que deu a conhecer os fornecimentos em causa.

t) Não é de crer que, se a Recorrente estivesse conluiada com as empresas em causa, desse a conhecer tais fornecimentos e provocasse deliberadamente um procedimento de inspeção, o que contraria as regras da experiência.

u) “Existe uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em 1.ª instância e a efetuada em tribunal de recurso com base nas transcrições dos depoimentos. (…) o Tribunal superior – que está impedido de criticar a opção pela valoração da credibilidade de um determinado meio de prova – já tem o dever de analisar o depoimento prestado, em si mesmo considerado, e concluir, ou não, se a versão que apresenta é objetivável, ou seja, se qualquer um aceitaria o raciocínio explanado como compatível com o sentido comum. Pode assim concluir-se que o recurso em matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo Tribunal de recurso complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas, em plano diverso, uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo Tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considerou incorretamente julgados, e dos que, na base, para tanto, da avaliação das provas (provas, em suporte técnico ou transcritas quando as provas tiverem sido gravadas) – artigo 412º n.º 3 alínea b) do CPP, na perspetiva do recorrente, impunham decisão diversa da recorrida ou que se determinasse a renovação das provas” (vide, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14/03/2007, Processo n.º 07P21).

v) Entende assim a Recorrente, por todo o exposto, que ao Tribunal de recurso, se impõe a reapreciação da matéria de facto na parte questionada, o que se peticiona a V. Exas.

w) Os “indícios fundados” transcritos, a que a douta sentença faz referência, têm por base tão só factos relativos às empresas fornecedoras de materiais, levando à conclusão de que “não existia em 2010, uma estrutura produtiva associada àqueles fornecedores que produzisse quaisquer matérias primas e que as mesmas tivessem sido efetivamente fornecidas à sociedade ora Impugnante (...)”.

x) “(…) Para haver simulação seria necessário que a administração fiscal tivesse reunido elementos que relacionassem a utilizadora das facturas com o esquema de fraude, ou seja, que tivesse reunido indícios de que a utilizadora das facturas participou ou que sabia ou devia saber que os emitentes das facturas não são os verdadeiros fornecedores da mercadoria em apreço, na medida em que pode acontecer que a utilizadora de facturas falsas não saiba nem tenha possibilidades de saber da falsidade.

y) Com efeito, basta que um operador, obtendo as necessárias quantidades de mercadorias, munindo-se de um livro de facturas e abrindo uma conta bancária em nome do titular da factura, se desloque às instalações de um outro revendedor, ofereça as mercadorias, acorde um preço e desconte o cheque usado como meio de pagamento. A aceitar-se que o ónus da Fazenda Pública se basta com a recolha de indícios de falsidade relativamente aos emitentes das facturas levaria a que os utilizadores das facturas falsas, que não sabem que são falsas, não pudessem deduzir custos que efectivamente suportaram, sem que tivessem participado em qualquer esquema fraudulento.

z) Dir-se-á que, sempre tais utilizadores inocentes poderiam fazer prova da veracidade das transacções - na aplicação do quadro probatório acima fixado: à administração tributária cabe o ónus de demonstrar indícios da falsidade; cumprido tal ónus passa a caber ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das transacções.

aa) Mas facilmente se percebe que tal prova, nestas circunstâncias, de fraude a montante, que desconhece, será impossível para o utilizador das facturas provar o que quer que seja para além do que resulta da sua contabilidade, e que, não se deve esquecer, goza de presunção de veracidade. Se houve fraude e o utilizador das facturas desconhece não pode provar que as mercadorias foram adquiridas aos emitentes das facturas, porque não foram; nem pode provar que os adquiriu a outrem, porque para este utilizador de facturas a mercadoria foi comprada ao emitente, desconhecendo o real vendedor. O que pode fazer o utilizador das facturas nestas circunstâncias é tão-só esclarecer como é que as negociações se desenvolveram e com quem se desenvolveram» (vide, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Processo n.º 01603/05.2BEVIS).

bb) Este Acórdão é elucidativo porquanto permite compreender a perspetiva de quem é duplamente enganado, como sucede com a Recorrente, que para além de ter sido ludibriada e prejudicada por um grupo de empresas que lhe forneceu materiais, mas não cumpriu as suas obrigações declarativas e fiscais,

cc) É prejudicada fiscalmente, pois pretende a AT que as consequências das faltas cometidas por aquelas empresas recaiam sobre a Recorrente, pagando os impostos sem ter tido os consequentes proveitos.

dd) Tal só é possível pelo facto de a AT, não ter feito o que estava ao seu alcance para conhecer a verdade material.

ee) Os inspetores tributários têm poderes para desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes (artigos 28º, 29º e 30º do RCPITA).

ff) Por outro lado, a AT, através dos meios legais ao seu alcance poderia ter acedido à conta bancária onde foram depositados os valores pagos pela Recorrente, relativos às aquisições de materiais constantes das faturas em causa, (art.º 63º da LGT).

gg) E, por essa via, saber quem foram os verdadeiros autores da fraude, bem como tomar conhecimento da dimensão da mesma, porquanto não deve ter sido só a Recorrente a visada por este esquema fraudulento.

hh) É evidente a omissão da AT na busca da verdade material, bastando-se com a liquidação de impostos e atingindo objetivos de cobrança, esquecendo a legalidade e a justiça, violando-se assim o princípio do inquisitório.

ii) Ora, ao referir a douta Sentença que a AT cumpriu o seu dever, padece de erro de julgamento.

jj) Para decidir como decidiu, a douta Sentença deveria ter tomado posição sobre se era possível à Recorrente fazer mais do que fez para que a verdade material fosse conhecida e reposta.

kk) Se a AT que tem poderes de autoridade, possuindo um órgão de polícia criminal, refere que não conseguiu entrar em contacto com os responsáveis das empresas, invocando todo uma série de situações para concluir que nada pôde fazer, factualidade esta que a douta Sentença aceita, considera como boa e vasta.

ll) A AT no âmbito do procedimento tributário está sujeita ao princípio do inquisitório, encontrando-se vinculada a um especial dever de imparcialidade (art.º 58.º da LGT).

mm) Este dever de imparcialidade obriga a AT a procurar trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos seus interesses patrimoniais.

nn) O que não aconteceu e a douta Sentença não relevou, tendo por isso errado.

oo) Tanto mais que o o inspector tributário, no procedimento de inspecção tributária, pode utilizar, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, todos os meios de prova admitidos em direito (art.º 72.º da LGT).

pp) Poderia, inclusive, o procedimento de inspecção abranger, em simultâneo, as sociedades fornecedoras dos materiais, bem como os sócios e gerentes das mesmas ou quaisquer outras pessoas que tenham colaborado na prática das infracções fiscais, não sendo admissível, na senda do homem médio, que tal não tenha acontecido.

qq) Assim, salvo o devido respeito e melhor opinião, por todo o exposto, preconizou a douta Sentença recorrida uma errónea interpretação das disposições legais aplicáveis, pelo que padece de erro de julgamento de direito, não podendo, em consequência, permanecer na ordem jurídica, o que se requer a V. Exas.

Nestes termos, atentos o fundamento expendido, nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de V. Exa., deve o recurso interposto ser julgado procedente por provado, e em consequência, revogada a douta Sentença recorrida, com todas as consequências legais dai advindas.”


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A Fazenda Pública, notificada, não apresentou contra-alegações.


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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso, porquanto a sentença sob recurso “fez uma correcta análise da matéria fáctica assim como uma correcta subsunção jurídica da factualidade apurada, não padecendo dos vícios que lhe são imputados.”.


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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.

De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, as questões fundamentais a decidir são as de saber se a sentença recorrida padece de:

- erro na apreciação da prova, nomeadamente, por incorrecta apreciação da matéria de facto;

- erro de julgamento de direito, por errónea interpretação das normas jurídicas aplicáveis.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. De facto

A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:

A) A ora Impugnante é uma sociedade comercial por quotas que declarou o início de atividade a 01.06.2003, com a CAE 25120 – Fabricação de portas, janelas e elementos similares em metal, e na CAE secundária 25110 – Fabricação de estruturas de construções metálicas, encontrando-se enquadrada no regime geral de tributação relativamente ao IRC desde 01.01.2007 e, em IVA, no regime normal de periodicidade mensal desde 01.01.2015 – cf. ponto II.3.2.1 do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) a fls. 58 e sgts. do suporte físico dos autos, junto com o requerimento de 19.07.2018 (fls. 101 a 317 sitaf).

B) A ora Impugnante na sua atividade, trabalhos de serralharia, adquire e/ou transforma matérias primas como sejam ferro e outros materiais para incorporação no produto final, sendo que no período de tributação correspondente ao ano de 2010 a atividade centrou-se na venda de materiais e instalação de estruturas metálicas em farmácias – cf. ponto II.3.3 do RIT a fls. 58 e sgts. do suporte físico dos autos, e por acordo.

C) Em cumprimento da ordem de serviço n.º ….., foi ordenada, em relação à ora Impugnante, uma ação inspetiva externa e âmbito parcial (IRC e IVA), referente ao exercício de 2010 – cf. o RIT a fls. 58 e sgts. do suporte físico dos autos.

D) Em 04.12.2014, foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária, cujo teor e respetivos anexos aqui se dão por integralmente reproduzidos, de onde consta, nomeadamente, o seguinte:

“[…]

II.4.1 – ELEMENTOS EXTRAÍDOS DA BASE DE DADOS DA AT

No quadro seguinte, encontram-se evidenciados os dados extraídos da base de dados da AT, que resultam dos cruzamentos da declaração anual do exercício de 2010 (Anexo P) - mapa recapitulativo com identificação dos fornecedores, relativamente aos quais a J….., LDA declarou ter efetuado aquisições, constatando-se que estes sujeitos passivos não entregaram qualquer mapa recapitulativo, quer em relação a aquisições, quer a transmissões efetuadas:

Nº Identificação fiscal
Nome
VALOR
…..
H….. SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA.

191.635,00

…..
G….., LDA.

50.724,00

…..
….., LDA

95.679,00

II.4.2 - ELEMENTOS RELEVANTES DE ANÁLISE

Relativamente aos sujeitos passivos supra indicados foram efetuadas diligências, apurando-se o que a seguir se descreve:

II.4.2.1 - H…..SOCIEDADE UNIPESSOAL contribuinte …..

[…]

iv. Na deslocação à sede da sociedade, constatou-se que as instalações estão arrendadas desde o ano de 2008 à empresa S….., Lda. Contactado o proprietário daquelas instalações, a A….., Lda, na pessoa do sócio gerente, Sr. L….., foi apresentado o respetivo contrato de arrendamento àquela entidade, datado de 31/03/2008, informando o referido senhor que a H…..foi a anterior inquilina daquelas instalações, desconhecendo qualquer informação acerca do paradeiro da H…...

v. O Técnico Oficial de Contas (TOC) indicado na base de dados da AT é o Sr. G….., contribuinte ….., o qual informou, (i) ter sido responsável pela contabilidade até ao exercício de 2007, (ii) que a atividade da sociedade consistia na venda de equipamentos de segurança (extintores e sinalética) e manutenção de extintores e carretéis, sendo gerente, o Sr. p….., (iii) que renunciou ao cargo em 30/06/2008.

vi. No que respeita ao cumprimento das obrigações fiscais, constata-se que as últimas declarações fiscais de IRC entregues pela H….., nomeadamente a Mod. 22 e Anual de informação contabilística e fiscal (IES), a que se referem respetivamente, as alíneas b) e c) do nº 1 do art. 117 do CIRC, referem-se ao exercício de 2007, encontrando-se em falta, as dos períodos subsequentes; em sede de IVA, consta da base de dados da AT, a declaração periódica de IVA a que e se refere o art. 29° do CIVA, relativa ao período 200712T, encontrando-se em falta as relativas aos períodos seguintes.

vii. Nesta conformidade, foi notificada a H…..para a sede fiscal, a fim de proceder à entrega das declarações fiscais em falta, bem como fazer prova da entrega da regularização da contabilidade, através do ofício nº …..de 2013/11/06, o qual foi devolvido ao remetente.

viii. No domicílio fiscal do sócio, Sr. R….., o proprietário a habitação que aí reside desde o ano de 1999, informou não conhecer o referido senhor, não obstante receber com alguma regularidade correspondência postal com aquele nome.

ix. Dos dados da Segurança Social, não existe registo de quaisquer empregados por conta da H…...

x. Não foi detetada qualquer estrutura empresarial associada à H….., manifestada pela ausência de instalações (armazém, escritório ou outro), assim como equipamentos e trabalhadores.

xi. Do cruzamento da base de dados da AT, face à obrigação prevista na alínea e) do nº 1 do art. 29 do CIVA "...os sujeitos passivos devem... entregar um mapa recapitulativo com identificação dos sujeitos passivos seus clientes" não se constatam quaisquer transmissões de bens ou prestações de serviços declarados por outros sujeitos passivos à H….., isto é, não são conhecidas quaisquer aquisições de matérias-primas ou mercadorias por parte da H…...

II.4.2.2. G….., contribuinte …..

[…]

iii. Na sede da empresa, as instalações encontram-se encerradas sem qualquer indício de atividade, sendo que, o domicílio fiscal do sócio gerente, corresponde a um antigo escritório de contabilidade (identificado pela vizinhança na proximidade), encerrado há vários meses.

iv. O TOC indicado na base de dados da AT é o Sr. J….., contribuinte ….., que informou ter renunciado ao cargo em 31/07/2007.

v. Das declarações fiscais entregues pela G….., apenas consta para o exercício de 2008, o pagamento de rendimentos de trabalhado dependente, desconhecendo-se, a partir de então, quaisquer trabalhadores associados ao sujeito passivo.

vi. No que respeita ao cumprimento das obrigações fiscais, constata-se que não foram entregues as declarações Mod 22 e Anual de informação contabilística e fiscal, a que se referem respetivamente, as alíneas b) e c) do nº 1 do art.º 117 do CIRC, e as declarações periódicas de IVA que se refere o art.º 29º do CIVA, a partir do exercício de 2007.

vii. Não foi detetada qualquer estrutura empresarial e operacional (armazém, escritório, ou outro) associada ao sujeito passivo, não lhe sendo reconhecidos quaisquer trabalhadores a seu cargo.

viii. Do cruzamento da base de dados da AT, face à obrigação prevista na alínea e) do nº 1 do art. 29 do CIVA "... os sujeitos passivos devem... entregar uma mapa recapitulativo com identificação dos sujeitos passivos seus clientes" não se constatam quaisquer transmissões de bens e ou prestações de serviços declaradas por outros sujeitos passivos à G…...

II.4.2.3 - G….., LDA contribuinte …..

iii. o gerente que consta da base de dados da AT e da certidão permanente é o Sr. A….., contribuinte ….., com o qual não foi possível estabelecer contacto.

iv. Na morada a que corresponde a sede da empresa, sita na Rua ….. (a mesma morada indicada como domicilio fiscal do sócio gerente da G…..), as instalações encontram-se atualmente encerradas, sem indício de qualquer atividade, correspondendo a um antigo escritório de contabilidade, segundo a vizinhança local.

v. A TOC indicada na base de dados é a Sra. A….., contribuinte …..a qual informou desconhecer o paradeiro quer do sócio gerente quer da empresa há vários anos, tendo renunciado ao cargo em 2012/04/23.

vi. Do cruzamento das declarações anuais da base de dados da AT dos mapas recapitulativos de clientes, não constam quaisquer operações declaradas por outros sujeitos passivos, isto é, não são conhecidas quaisquer aquisições de bens por parte da G…...

II-5. DA ANÁLISE À CONTABILIDADE DA J….., LDA NO EXERCÍCIO DE 2010

Analisada a contabilidade do exercício de 2010, constata-se que a mesma reflete na

conta de terceiros fornecedores, a H….., Lda. (conta 22.1.1.1.00232), a G….., Lda. (conta 22.1.1.1.00273) e G….., Lda. (conta 22.1.1.1.00 86).

As operações associadas a estes fornecedores, encontram-se refletidas na contabilidade,

na conta 312 Compras de matérias-primas e reconhecido no custo das mercadorias

apurado, sendo deduzido o respetivo IVA mencionado nos documentos de suporte das

operações.

A seguir, evidencia-se por fornecedor, os documentos de suporte às operações

registadas:

1) H…..SOCIEDADE UNIPESSOAL contribuinte …..

Os documentos que titulam as operações registadas são faturas cujo emitente é a H

….., LDA.

As faturas indicam a morada de Parque Industrial …..; são processadas por computador conforme

menção expressa, indicando como local de carga "nosso armazém" e descarga

"instalações do cliente".

Em anexo, cópias das faturas - ANEXO II de 27 páginas.

No quadro seguinte, evidenciam-se as faturas da H…..e os valores registados na

contabilidade da J….., LDA.

[…]

Na contabilidade, a conta deste fornecedor encontra-se saldada, tendo os fluxos financeiros associados recibos. Solicitou-se à J….., LDA, comprovativos dos pagamentos (cheques/transferências bancárias), tendo sido apresentado cópias dos chegues frente e verso a seguir evidenciados, sendo que, relativamente aos restantes, foram apresentadas apenas algumas cópias de cheques/frentes. Refira-se que, por amostragem, se constatou na análise ao extrato da entidade bancária, terem sido descontados os montantes selecionados, desconhecendo-se no entanto quais o(s)respetivo(s} beneficiário(s). Em anexo, extrato do fornecedor, cópia dos recibos e cheques apresentados - ANEXO II de 43 páginas:

Nº cheque
Data Emissão
Valor
…..
15-11-2010
9.014,50 €
…..
12-11-2010
8.167,50 €
…..
12-11-2010
6.506,77 €
…..
12-11-2010
6.292,00 €
…..
12-11-2010
4.743,20 €
…..
12-11-2010
7.550,40 €
…..
15-11-2010
5.384,50 €
47.658,87

O verso dos cheques contém carimbo de identificação da H….., LDA, tendo sido

na sua totalidade depositados na conta nº …..do BPI.

2) G….., contribuinte …..

Os documentos que titulam as operações registadas são faturas cujo emitente é a G….., Lda.

As faturas indicam a morada de Rua …..; são processadas por computador conforme menção expressa, indicando como local de carga "nossas instalações" e descarga "instalações do cliente".

Em anexo, cópias das faturas - ANEXO IV de 9 páginas.

No quadro seguinte, evidenciam-se as faturas da G….. e os valores regista os na contabilidade da J….., LDA.

[…]

Na contabilidade, encontram-se registados os pagamentos efetuados a este fornecedor, tendo os fluxos financeiro associados recibos. Solicitou-se à J….. LDA, comprovativos dos pagamentos (cheques/transferências bancárias), tendo sido apresentado cópias dos cheques frente e verso a seguir evidenciados, sendo que, relativamente aos restantes, foram apresentadas apenas algumas cópias de cheques/frentes. Refira-se que, por amostragem, se constatou na análise ao extrato da entidade bancária, terem sido descontados os montantes selecionados, desconhecendo-se no entanto quais o(s)respetivo(s) beneficiário(s). - Em anexo, extrato do fornecedor, cópia dos recibos e cheques apresentados - ANEXO V de 17 páginas.



O verso dos cheques contêm carimbo de identificação da G….., LDA e foram todos depositados na conta nº ….. (a mesma indicada para a H….., LDA) do banco BPI.

3) G….. LDA, contribuinte …..

Os documentos que titulam as operações registadas são faturas cujo emitente é a G….., Lda.

As faturas indicam a morada de Rua …..; são processadas por computador conforme menção expressa, indicando como local de carga “nossas instalações" e descarga "instalações do cliente".

Anexam-se cópias das faturas - ANEXO VI de 14 páginas.

No quadro seguinte, evidenciam-se as faturas da G….. e os valores registados

na contabilidade da J….., LDA.

[…]

Na contabilidade do exercício, encontram-se refletidos apenas uma parte dos movimentos de pagamentos efetuados a este fornecedor, tendo os fluxos financeiros associados recibos. Solicitou-se à J….. LDA, comprovativos dos pagamentos (cheques/transferências bancárias), tendo sido apresentado cópias dos cheques frente e verso a seguir evidenciados, sendo que, relativamente aos restantes, foram apresentadas apenas algumas cópias de cheques/frentes. Refira-se que, por amostragem, se constatou na análise ao extrato da entidade bancária, terem sido descontados os montantes selecionados, desconhecendo-se no entanto quais o(s)respetivo(s) beneficiário(s). – Em anexo, extrato do fornecedor, cópia dos recibos e cheques apresentados - ANEXO II de 13 páginas:


Os cheques contêm carimbo de identificação da G….., LDA e foram todos depositados na conta nº ….. (a mesma indicada para a H….., LDA E G….., LDA) do Banco BPI.

Em face do exposto, conclui-se a existência de fortes indícios de que as operações descritas nas faturas não correspondem a operações reais, uma vez que:

Não sendo conhecida qualquer tipo de relação entre a H….., G….. E G….., ou qualquer um dos seus representantes, constata-se que todos os cheques emitidos àquelas empresas pela J….. LDA foram depositados na mesma conta bancária.

Por outro lado, de todas as tentativas de contacto junto dos eventuais emitentes das faturas que se encontram referenciadas neste projeto de relatório, no sentido de confirmar ou não, o fornecimento das mercadorias, não foi detetada relativamente a cada um deles qualquer estrutura empresarial, por forma a comprovar o exercício da atividade, nem encontrado qualquer um dos responsáveis.

Salienta-se ainda que, relativamente à H….. e G….., a descrição dos produtos evidenciados nas faturas, não se coaduna com a atividade em que se encontram enquadrados os referidos sujeitos passivos.

Além disso, no âmbito das diligências que precederam a abertura do presente procedimento inspetivo, ao abrigo do princípio da colaboração previsto no art. 59 da LGT e art. 9 do RCPITA, foi ouvido em Termo de declarações, o sócio gerente da J….., Lda, Sr. J….., sobre as questões(i) Como conheceu a H….., Lda, declarou passando a transcrever-se "que apareceu na sua empresa um comercial que se lembra apenas do nome A….." (ii) Conheceu o(s) gerente(s), empregado(s) da H….., Lda?, "declarou não se lembrar do nome dos empregados ...", (iii) O material que consta das faturas era entregue em que locais? "declarou que era entregue nas instalações da empresa." ANEXO VIII de 2 páginas.

No decorrer do presente procedimento, para além do já referido neste relatório, não foram apresentados pela J….., LDA quaisquer outros elementos que permitissem esclarecer, relativamente aos emitentes das faturas, de que forma as negociações se desenvolveram e com que pessoas, para além das declarações e informações prestadas pelo sócio gerente, que são genéricas e vagas.

III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE

ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

Face ao que se encontra exposto no ponto anterior e que aqui se dá por integra mente reproduzido, conclui-se que, parte dos valores registados na contabilidade da J….., LDA, que concorreram para a matéria tributável apurada no exercício de 2010, não titulam operações reais, p lo que os mesmos devem ser desconsiderados em sede de IRC e IVA.

III.1 – Correção proposta em sede de IRC – gastos que não concorrem para a obtenção de proveitos

Os montantes registados como gastos do exercício de 2010 que ascenderam globalmente a €280.524,26, não são aceites nos termos do nº 2 do artº 23º do CIRC, isto porque, "Não são aceites como gastos as despesas ilícitas; designadamente as que decorram de comportamentos que fundadamente indiciem a violação da legislação penal portuguesa, mesmo que ocorridos fora do alcance territorial da sua aplicação."

Assim, propõe-se uma correção ao resultado líquido do exercício no montante de €280.524,26, pelo que o valor da matéria coletável corrigida será de €328.681,85, conforme evidenciado no quadro seguinte:


APURAMENTO DO RESULTADO TRIBUTÁVEL

RÚBRICAS
DECLARADO
CORREÇÕES
Corrigido
RESULTADO LÍQUIDO
33.952,25
280.524,26
314.476,51
Acréscimos à mat. Tributável
14.205,34
Deduções à mat. Tributável
0,00
LUCRO TRIBUTÁVEL
48.157,59
328.681,85

III.2 – Correção proposta em sede de IVA – Correção aritmética em sede de IVA

Com base nos fundamentos invocados nos capítulos II e III.1 do presente relatório, relativamente às operações tituladas por faturas cujas operações se conclui não corresponderem a transações reais, nos termos do n.º 3 do artigo 19.º do CIVA "Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente" pelo que, foram indevidamente deduzidas as importâncias, nos seguintes períodos:

PERÍODO
VALOR
1003T
6.015,00 €
1006T
21.189,31 €
1009T
3.556,56 €
1012T
26.052,95 €
TOTAL
57.514,82 €

[…]

IIIV – DIREITO DE AUDIÇÃO

Foi o sujeito passivo notificado para exercer o direito de audição sobre o projeto de correções do relatório de inspeção tributária, nos termos previstos no art° 60° e LGT e art. 60° do CP1TA, pelo ofício nº …..de 04/12/2014, não tendo o mesmo sido exercido.

[…]” – cf. o RIT a fls. 76 e sgts. do suporte físico dos autos.

E) Atos impugnados: Na sequência das conclusões da ação de inspeção identificada em D) foram emitidas as seguintes liquidações adicionais de IVA e liquidações de juros compensatórios, no valor total de € 67.038,61:

Período
N.º Liquidação de IVA
Valor (€)
Liquidação JC
Valor JC (€)
2010 03T
…..
6.015,00
…..
1.108,08
2010 06T
…..
21.890,31
…..
3.814,31
2010 09T
…..
3.556,56
…..
584,25
2010 12
…..
26.052,95
…..
4.017,15
Total
57.514,82
9.523,79

– cf. fls. 40 a 47 do processo de reclamação graciosa apenso.

F) Em 29.04.2015 a Impugnante deduziu Reclamação Graciosa que veio a ser indeferida por decisão proferida em 28.10.2015 – cf. fls. 1 a 14 e 60 a 63 do processo de reclamação graciosa apenso.

G) Da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa foi apresentado Recurso Hierárquico que veio a ser indeferido por despacho de 29.08.2016, notificado à ora Impugnante em 08.09.2016 – cf. processo de recurso hierárquico apenso.

H) Em 09.12.2016 foi a presente impugnação apresentada via SITAF – cf. fls. 1 a 3 do SITAF.


****


No que respeita a factos não provados, refere que, com relevância para a decisão do mérito da causa não ficaram provados os seguintes:

1) Que as faturas emitidas pelas sociedades “H….., Sociedade Unipessoal, Lda.”; “G….., Lda.”, e “G….., Lda.” e contabilizadas pela ora Impugnante, correspondam a mercadorias efetivamente vendidos a esta no decurso no exercício de 2010.

2) Que os cheques cujas cópias foram apresentadas pela ora Impugnante com vista a demonstrar o efetivo pagamento das faturas dos fornecedores identificados em 1) tenham sido sacados por aquelas sociedades.

3) Que tenha sido realizada uma reunião com “o representante das empresas H….., Sociedade Unipessoal, Lda., G….., Lda., e G….., Lda.”, na qual participou a Senhora Inspetora Tributária e na qual “o representante das empresas fornecedoras confirmou a veracidade das operações descritas nas faturas” – cf. artigos 10.º a 19.º da petição inicial.”


****

A convicção do Tribunal para a decisão da matéria de facto provada assentou “no exame dos documentos que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório, bem como na posição assumida pelas partes nos respetivos articulados.”.

Já quanto aos factos não provados, refere a sentença recorrida que tal resultou “de não ter sido apresentada prova idónea com vista à sua confirmação, nem documental, nem o depoimento das testemunhas.”.


****


II.2. De Direito

Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou totalmente improcedente a presente impugnação judicial e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido, tendo concluído «pela manutenção dos atos de liquidação adicional de IVA relativos ao exercício de 2010, e correspondentes liquidações de juros compensatórios, ora impugnados, confirmando não ser dedutível, nos termos do n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, o IVA referente à faturação emitida pelas sociedades “H….., Sociedade Unipessoal, Lda.”; “G….., Lda.”, e “G….., Lda.” no exercício de 2010 por não se mostrar comprovado terem sido efetivamente realizadas as operações ali refletidas.»

Inconformada, a impugnante veio apresentar recurso da referida decisão invocando que quando a prova produzida impuser decisão diversa, deve esse Tribunal Central Administrativo Sul, alterar a decisão proferida em 1ª Instância sobre a matéria de facto, alteração que ora se peticiona nos seguintes termos (n.º 1 e n.º 2 do artigo 662º do CPC, aplicável nos termos da al. e) do artigo 2º do CPPT). O vício de insuficiência da decisão de facto é equacionável com base no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), parte final, do CPC, sendo de conhecimento oficioso e suscetível de implicar a ampliação daquela decisão, pelo que a sua eventual invocação pelo apelante não está sujeita aos requisitos impugnativos prescritos no artigo 640.º, n.º 1, do mesmo Código, os quais só condicionam a admissibilidade da impugnação, com fundamento em erro de julgamento, dos juízos probatórios concretamente formulados (vide, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22/03/2018, processo n.º 290/12.6TCFUN.L1.S1). Considera o Recorrente incorretamente julgados, porque pela sua relevância para a decisão de mérito da causa, deveriam ter sido considerados como provados na douta Sentença recorrida, 5 factos que indica, tendo como concreto meio probatório a prova testemunhal, cujos depoimentos, na parte relevante, transcreve nas alegações de recurso.

Assim, considera o Recorrente incorretamente julgados, porque pela sua relevância para a decisão de mérito da causa, deveriam ter sido considerados como provados na douta Sentença recorrida, os seguintes factos:

1) A J….., Lda., pôs à disposição da inspetora tributária todos os elementos solicitados, tendo sido a própria sociedade que solicitou à banca, todos os cheques relativos ao pagamento das faturas em causa suportando os necessários custos;

2) Que os cheques foram emitidos para pagamento dos fornecimentos referidos nas faturas em causa, às empresas neles indicados;

3) Foi realizada uma reunião com o representante das empresas H….., Sociedade Unipessoal, Lda, G….., Lda. e G…..o, Lda., na qual participaram as Senhoras Inspetoras Tributárias, e na qual “o representante das empresas fornecedoras” confirmou a veracidade das operações descritas nas faturas;

4) As empresas H….., Sociedade Unipessoal, Lda, G….., Lda. e G….., Lda., constavam no portal das finanças como empresas ativas, à data dos factos. E,

5) Que as empresas H….., Sociedade Unipessoal, Lda, G….., Lda. e G….., Lda., forneceram materiais à J….., Lda.

Julgamos, pois estarmos perante a impugnação da matéria de facto, nomeadamente, por erro na apreciação da prova.

Vejamos.

«Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).

Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).

O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).

Tal ónus rigoroso deve considerar-se mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7205/13).»

[1]

No caso em apreço a recorrente, que pretende a ampliação da matéria de facto, cumpriu com o ónus que lhe é imposto pelo art. 640º do CPC.

Entende a recorrente que, da prova produzida, resultam efectivamente provados os factos que indica na alínea c) das conclusões de recurso.

Mas não tem razão.

Ouvidos os depoimentos de A….. e de J….., temos de concluir que em nada favorecem a posição da recorrente.

A testemunha J….., funcionário da impugnante desde 2006, ao contrário do que alega a recorrente, no seu depoimento não foi convincente, depôs de modo genérico, não disse espontaneamente o nome de nenhuma das empresas fornecedoras que estão em causa nos autos, e só após o Tribunal indicar os nomes das mesmas confirmou que eram fornecedores o “G…..”, sendo que dos outros não se lembrava bem.

Deste modo, de forma alguma, a testemunha depôs de forma a provar o facto pretendido aditar como facto nº 5.

Quanto à testemunha A….., TOC da sociedade impugnante, do mesmo modo, não soube dizer o nome de nenhuma das empresas fornecedoras que estão em causa nos autos, tendo sido a Mma. Juíza a quo a referi-los, tendo também o depoente deixado claro que não desempenhava funções nas instalações da impugnante pelo que não presenciou entregas ou recepção de materiais facturados pelas referidas empresas. Quanto à hipotética reunião havida com o representante das empresas H….., G….. e G….., para além de nem ter citado os nomes das empresas como supra referido, falou de uma reunião havida com as duas inspectoras tributárias, sem citar qualquer nome das pessoas ou sociedades que estiveram presentes, tendo usado expressões como “alguém ligado à empresa” e “o Senhor”.

Deste modo, de forma alguma, o depoimento da referida testemunha foi de forma a provar os factos pretendidos aditar como factos nºs 1 a 5, sendo que os factos nº 1 e 4, são irrelevantes para a boa decisão da causa.

Importa, ainda referir que «no que concretamente diz respeito à produção de prova testemunhal, refira-se que se a decisão do julgador estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).»[2]

Deste modo, nada tendo provado a recorrente, nada há a ampliar ou alterar ao probatório, nesta sede.

Concluindo, não vislumbra o Tribunal ad quem que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento da matéria de facto, assim sendo forçoso julgar improcedente este alicerce do recurso.

Vem, ainda, a recorrente invocar erro de julgamento de direito, por errónea interpretação das normas jurídicas aplicáveis.

Vejamos o quadro jurídico aplicável.

Está em causa o direito à dedução do IVA de facturas que a AT considera que são simuladas ou fictícias, ou seja, que não titulam qualquer operação ou transacção.

O IVA assenta numa estrutura de entrega e respectiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir.
O IVA funciona, pois, pelo método indirecto subtractivo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus
outputs, o imposto liquidado nos respectivos inputs.

Como determina o 2.º parágrafo, do n.º 2, do artigo 1.º, da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro), “[e]m cada operação, o IVA, calculado sobre o preço bem o serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.”

O direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto, devendo garantir a sua principal característica que é a neutralidade. No entanto, o exercício desse direito obedece a requisitos objectivos e subjectivos.

O exercício do direito à dedução do imposto tem por requisitos objectivos o facto de o imposto suportado dever constar de factura passada na forma legal (35.º, n.º 5, do CIVA), de se tratar de IVA português, e não se tratar de uma despesa excluída do direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 21.º do CIVA, e como requisitos subjectivos exige-se que o sujeito passivo tenha direito à dedução do IVA, e que os bens e serviços deverão estar directamente relacionados com o exercício da actividade em causa.

Por outro lado, “não confere direito à dedução de IVA o «imposto que resulte de operação simulada», constante de vulgarmente chamadas “facturas falsas” – de acordo com o n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA.” – Acórdão do STA de 27/02/2008, proc. n.º 01062/07 (actualmente, dispõe o n.º 3 do art. 19.º do CIVA na Redacção do D.L.nº 197/2012, de 24 de Agosto, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2013 que “[n]ão pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura”).


Nessas situações em que as facturas (ou documentos equivalentes) são emitidas na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto reflectirem não tiveram lugar, é à AT que cabe o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua actuação, considerando o princípio da legalidade administrativa.

Por outro lado, ao contribuinte cabe provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, ou seja, a efectiva existência das alegadas transacções (cfr. Acórdãos do STA de 30/04/2003, proc. n.º 0241/03, de 24/04/02, proc. n.º 102/02, de 17/04/02, proc. n.º 26.635, de 09/10/02, proc. n.º 871/02 e de 14/11/01, proc. n.º 26.015).

Na verdade, o art. 75.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) estabelece uma presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita: “[p]resumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”.

O que significa que, se a AT não demonstrar a falta de correspondência com a realidade do teor das declarações, contabilidade e da escrita, estas são consideradas verdadeiras (nesse sentido, cfr. Diogo Leite de campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4.ª ed., Vislis, 2012, p. 664).

Para tanto, é suficiente que a AT demonstre a existência de “indícios fundados”, não se impondo a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam.

São suficientes indícios fundados para fazer cessar a presunção de veracidade a favor do contribuinte, prevista no art. 75.º da LGT, ou seja os indícios devem ser objectivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais, de forma a ver legitimada a sua actuação.

Quando haja cessação da presunção de veracidade da contabilidade, nesses casos, cabe ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art. 19.º do CIVA.

Com efeito, no Acórdão do Pleno do Contencioso Tributário (CT) do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 07/05/2003, proc. n.º 01026/02 escreveu-se que “[t]endo a Administração Fiscal, por considerar não se terem efectivamente realizado as operações consubstanciadas em determinadas facturas, existentes na escrita do contribuinte, obstado à dedução do IVA que daquelas facturas consta, ao abrigo do disposto no artigo 19.º nº 3 do CIVA, cabe ao contribuinte, no processo em que impugne a actuação da Administração, a prova dos pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.”


Saliente-se que, não basta ao contribuinte criar dúvida, ainda que fundada, pois o disposto no art. 100.º do CPPT não se aplica quando cessa a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita, uma vez que, nesses casos, o ónus da prova cabe ao contribuinte, e nessa medida, existindo dúvida tem de ser processualmente valorada contra este, por ser quem tem o ónus da prova (nesse sentido, cfr. Acórdão do STA de 24/10/2007, proc. n.º 0479/07, Ac. do TCAN de 30/10/2014, proc. n.º 00390/05.9BEBRG, Ac. do TCAS de 22/01/2015, proc. n.º 06240).

Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário-anotado e comentado, Vol. II, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, p. 133, escreve ainda que “[o] alcance inequívoco da cessação da presunção nestas situações, é o de determinar que, quando elas ocorrem, será sobre o contribuinte que recai o ónus da prova dos factos declarados ou inscritos na sua contabilidade ou escrita sobre que existem dúvidas probatórias. (…) será de concluir que, nos casos em que se verificar uma destas situações em que no procedimento tributário é atribuído o ónus da prova ao contribuinte, as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas para efeitos de, nos termos daquele nº1, justificarem a anulação do acto”.

 Em suma, cessando a presunção prevista no art. 75.º da LGT, cabe ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art. 19.º do CIVA, e deste modo, não há lugar à aplicação do disposto no art. 100.º do CPPT, porquanto a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário, que deve ser decidida contra a AT, apenas existe nos casos em que seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação.


Passemos, então, ao caso dos autos.

No presente caso,  resulta da matéria de facto provada, que a AT considerou que as faturas emitidas pelas sociedades “H….., Sociedade Unipessoal, Lda.”; “G….., Lda.”, e “G….., Lda.” no ano de 2010, cujos custos de pagamentos a fornecedores a ora Impugnante contabilizou para efeitos de apuramento do IRC, deduzindo o respetivo IVA, não correspondiam a efetivas operações no âmbito da sua atividade com base em factos indiciários, porque os elementos contabilísticos da ora Impugnante, cruzados com a informação detida pela AT em relação àqueles fornecedores, e bem assim, o resultados das diversas diligências efetuadas pelos serviços de inspeção tributária, permitiram apurar, além do mais, que:

(i) não sendo conhecido qualquer tipo de relação entre as três sociedades fornecedoras em causa, ou qualquer dos seus representantes, apurou-se, de facto, com relevância indiciária da falsidade das operações tituladas nas faturas em causa, que todos os cheques emitidos àquelas empresas pela ora Impugnante foram depositados na mesma conta bancária do BPI, com o n.º …..;

(ii) não foi detetada qualquer estrutura empresarial relativamente a nenhum dos fornecedores em causa, nem encontrado qualquer um dos responsáveis, ou o “representante das empresas fornecedoras”;

(iii) relativamente à H….. e G….., a descrição dos produtos evidenciados nas faturas, não se coaduna com a atividade em que se encontram enquadrados os referidos sujeitos passivos;

(iv) no decorrer da inspeção a ora Impugnante não esclareceu, relativamente aos emitentes das faturas, de que forma as negociações se desenvolveram e com que pessoas, o que resulta evidente, desde logo, das declarações genéricas e vagas prestadas pelo sócio gerente;

(v) a sociedade H…..não cumpria com as suas obrigações acessórias, designadamente, a entrega das declarações Modelo 22 desde 2007, e dos dados da Segurança Social não existe registo de quaisquer empregados;

(vi) a sociedade G….. também não entregava declarações fiscais de IRC desde 2007 e das declarações entregues apenas consta para o exercício de 2008, o pagamento de rendimentos de trabalho independente, desconhecendo-se desde então a existência de trabalhadores ao serviço da empresa;

(vii) que também a sociedade G….. não cumpria com as suas obrigações acessórias desde 2010, ou seja, relativamente a factos tributários e operações referentes a 2009, sendo que a única Declaração Mod 10/Anexo J que foi entregue reportava-se ao exercício de 2008, dele constando apenas um trabalhador, precisamente o sócio e gerente, T…..;

(viii) que em relação às três sociedades não foi possível qualquer contacto com os seus responsáveis, sócios ou TOCs: relativamente aos três fornecedores em causa, e em comum (quase em jeito de perfil) ocorreu a renúncia dos respetivos TOCs em momento anterior ao exercício ora em análise; desconhece-se o paradeiro das empresas decorrente da constatação de contratos de arrendamento cessados, nuns casos, e instalações encerradas noutros, factos confirmados por testemunhas, nuns casos, atuais arrendatários, e, nas demais situações pela própria vizinhança, desconhecendo-se igualmente o paradeiro dos respetivos gerentes (que a Impugnante insiste em afirmar que reuniu – “o responsável das empresas” – com a Sra. Inspetora Tributária).

A conjugação desta factualidade, levou à conclusão de que não existia, em 2010, uma estrutura produtiva associada àqueles fornecedores que produzisse quaisquer matérias primas e que as mesmas tivessem sido efectivamente fornecidas à sociedade ora Impugnante para incorporação nas suas obras, designadamente de montagem de farmácias.

Alega a recorrente [conclusões de recurso w) a cc)] que os “indícios fundados” transcritos, a que a douta sentença faz referência, têm por base tão só factos relativos às empresas fornecedoras de materiais, levando à conclusão de que “não existia em 2010, uma estrutura produtiva associada àqueles fornecedores que produzisse quaisquer matérias primas e que as mesmas tivessem sido efetivamente fornecidas à sociedade ora Impugnante (...)”. Este Acórdão é elucidativo porquanto permite compreender a perspetiva de quem é duplamente enganado, como sucede com a Recorrente, que para além de ter sido ludibriada e prejudicada por um grupo de empresas que lhe forneceu materiais, mas não cumpriu as suas obrigações declarativas e fiscais; É prejudicada fiscalmente, pois pretende a AT que as consequências das faltas cometidas por aquelas empresas recaiam sobre a Recorrente, pagando os impostos sem ter tido os consequentes proveitos.

Segundo julgamos perceber a recorrente invoca que os “indícios fundados” apresentados pela AT têm por base tão só factos relativos às empresas fornecedoras de materiais, e que a recorrente foi ludribiada e prejudicada por aquele grupo de empresas que lhe forneceu os materiais mas não cumpriu as declarações fiscais.

Mais uma vez, a recorrente não tem razão.

O que está aqui em causa não são tão só os factos relativos às empresas fornecedoras, mas também, e sobretudo, a recorrente não conseguir provar que os materiais em causa lhe foram fornecidos pelas referidas empresas.

Desde há muito que na Jurisprudência se escreve que «Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.»[3]

Pelo que as referências a factos relativos às empresas fornecedoras de materiais não só são legais como habituais em situações como a que estamos a apreciar.

Por outro lado, parece a requerente querer demonstrar que o fornecimento dos materiais está provado e que só por factos relativos às empresas fornecedoras este processo existe.

Com o devido respeito, nada mais errado.

Como supra vimos, é ao contribuinte que cabe provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, ou seja, a efectiva existência das alegadas transacções.

Ou dito de outra maneira, tendo a Administração Fiscal considerado não se terem efectivamente realizado as operações consubstanciadas em determinadas facturas, existentes na escrita do contribuinte, obstado à dedução do IVA que daquelas facturas consta, ao abrigo do disposto no artigo 19.º nº 3 do CIVA, cabe ao contribuinte, no processo em que impugne a actuação da Administração, a prova dos pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.

E a realidade, é que a impugnante/recorrente não conseguiu fazer essa prova, quer por prova documental, quer por prova testemunhal.

Vejamos o que se escreveu na sentença recorrida sobre esta matéria:

«De facto, a Impugnante não logrou provar concretamente, ou em números médios, ou aproximados, que materiais foram entregues por cada um dos fornecedores em apreço; em que obras/locais os mesmos foram aplicados, em que datas, quais os concretos meios de pagamento dos bens faturados, uma vez que veio a apurar-se que os cheques que, alegadamente, serviram para o respetivo pagamento foram, afinal, todos depositados na mesma conta do banco BPI, não resultando, deste modo, demonstrada a relação jurídica subjacente (o fornecimento de matérias primas), quer em sede de inspeção, quer no âmbito da reclamação graciosa ou do recurso hierárquico, quer agora, no âmbito da presente impugnação.

Acresce que, nenhuma das testemunhas arroladas pela Impugnante esclareceu o Tribunal, sem margem para dúvidas, que concretos materiais aquelas sociedades, “H….., Sociedade Unipessoal, Lda.”; “G….., Lda.”, e “G….., Lda.”, forneceram à ora Impugnante, em que quantidades e em que datas e para concretização quais obras. A este propósito, recorde-se que a segunda testemunha ouvida, o TOC, não se encontrando a desempenhar as funções para as quais foi contratado nas instalações da sociedade, nem, muito menos, nas obras desta, não tinha qualquer conhecimento direto sobre os factos. A primeira testemunha, funcionário da Impugnante, não soube, com objetividade e segurança, identificar quais as sociedades fornecedoras da ora Impugnante no exercício em apreço, que materiais eram entregues/fornecidos por cada uma, em que quantidades ou a que obras se destinavam, tendo o seu depoimento sido demasiado inseguro e genérico, de tal modo que não criou no tribunal a convicção da efetiva realização dos fornecimentos refletidos nas faturas desconsideradas pela AT para efeitos de custos.

Recaindo sobre a Impugnante o ónus de demonstrar a veracidade das relações jurídicas (fornecimentos) subjacentes às faturas que suportam a contabilização dos custos que influenciaram negativamente a matéria coletável, deverão contra si recair as consequências da falta de prova, não se aplicando, no caso, como defende, o art.º 100.º do CPPT.

Termos em que se impõe concluir pela manutenção dos atos de liquidação adicional de IVA relativos ao exercício de 2010, e correspondentes liquidações de juros compensatórios, ora impugnados, confirmando não ser dedutível, nos termos do n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, o IVA referente à faturação emitida pelas sociedades “H….., Sociedade Unipessoal, Lda.”; “G….., Lda.”, e “G….., Lda.” no exercício de 2010 por não se mostrar comprovado terem sido efetivamente realizadas as operações ali refletidas.»

Concorda-se inteiramente com o excerto da sentença recorrida acabado de trancrever.

Na realidade, a recorrente não logrou provar concretamente, ou em números médios, ou aproximados, que materiais foram entregues por cada um dos fornecedores em apreço; em que obras/locais os mesmos foram aplicados, em que datas, quais os concretos meios de pagamento dos bens faturados, uma vez que veio a apurar-se que os cheques que, alegadamente, serviram para o respetivo pagamento foram, afinal, todos depositados na mesma conta do banco BPI.

Invoca, ainda, a recorrente [conclusões de recurso dd) a pp)] que tal só é possível pelo facto de a AT, não ter feito o que estava ao seu alcance para conhecer a verdade material. Os inspetores tributários têm poderes para desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes (artigos 28º, 29º e 30º do RCPITA). Por outro lado, a AT, através dos meios legais ao seu alcance poderia ter acedido à conta bancária onde foram depositados os valores pagos pela Recorrente, relativos às aquisições de materiais constantes das faturas em causa, (art.º 63º da LGT). E, por essa via, saber quem foram os verdadeiros autores da fraude, bem como tomar conhecimento da dimensão da mesma, porquanto não deve ter sido só a Recorrente a visada por este esquema fraudulento. É evidente a omissão da AT na busca da verdade material, bastando-se com a liquidação de impostos e atingindo objetivos de cobrança, esquecendo a legalidade e a justiça, violando-se assim o princípio do inquisitório.

Nestas alegações continua a recorrente a pretender colocar-se à margem da fraude.

Ao invés de tentar provar o que lhe competia e o que levaria à procedência da acção - provar que materiais foram entregues por cada um dos fornecedores em apreço; em que obras/locais os mesmos foram aplicados, em que datas, quais os concretos meios de pagamento dos bens facturados – a recorrente numa tentativa de inverter o ónus da prova, procura defender-se alegando que a AT não fez o que lhe competia na descoberta da verdade, violando, assim, o princípio do inquisitório.

Ora, como supra já referimos, à AT cabe o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua actuação, considerando o princípio da legalidade administrativa.

Mas é ao contribuinte que cabe provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, ou seja, a efectiva existência das alegadas transacções, o que no caso concreto, não aconteceu.

Termos em que improcede o presente fundamento de recurso.

Pelo exposto, a sentença recorrida não enferma do invocado erro de julgamento,
e nessa medida, improcedem as conclusões do presente recurso.


***


III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe e notifique.

Notifique, também, o DIAP – 3ª Secção de Sintra, Inquérito, Proc. 619/14.2IDLSB.


                                                                Lisboa, 9 de Julho de 2020


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                     [Lurdes Toscano]

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                   [Maria Cardoso]

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                 [Catarina Almeida e Sousa]


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[1] Acórdão do TCAS de 10/07/2015, Proc. 08473/15, disponível em www.dgsi.pt
[2] Acórdão do TCAS de 25/06/2019, Proc. 2459/14.0BESNT, disponível em www.dgsi.pt
[3] Acórdão do TCAS de 26/06/2014, Proc. 07141/13, disponível em www.dgsi.pt