Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:728/14.8BECTB-A
Secção:CT
Data do Acordão:06/04/2020
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:CUMULAÇÃO ILEGAL DE PEDIDOS;
DESPACHO SANEADOR;
PEDIDO DE REVISÃO;
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
Sumário:I. No processo judicial tributário, ao contrário do que sucede no processo judicial administrativo (cfr. art. 5.º do CPTA), não é possível na Acção Administrativa, a cumulação de pedidos a que correspondam formas processuais diferentes, nos termos previstos no art. 97.º do CPPT;

II. À impugnação dos actos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação, como sucede no caso de erro sobre os pressupostos de facto e de direito da autoliquidação de IVA, corresponde a forma processual impugnação judicial nos termos do art. 97.º, n.º, alínea d);

III. À impugnação ou condenação à prática de acto administrativo legalmente devido relativamente a outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do ato de liquidação, como sucede no caso de impugnação de acto de indeferimento, por intempestividade, do pedido de revisão interposto ao abrigo do art. 78.º da LGT, corresponde a forma processual Acção Administrativa - art. 97.º, n.º 1, alínea p);

IV. Na Acção Administrativa em que se impugna o acto de indeferimento, por intempestividade, do pedido de revisão interposto ao abrigo do art. 78.º da LGT e se peticiona a sua anulação, é ilegal da cumulação com o pedido de condenação da AT à prática do acto de devido, quando este comporte, como sucede nos autos, a apreciação da legalidade da autoliquidação de IVA.
Votação:Com 2 declarações de voto
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO

O MUNICÍPIO DA GUARDA, com os demais sinais nos autos, vem recorrer do despacho saneador proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou procedente a excepção de cumulação ilegal de pedidos suscitada pela Fazenda Pública nos autos de acção administrativa especial visando a anulação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de IVA por si apresentado e a condenação da Fazenda Pública a reconhecer o direito do Autor a deduzir o IVA respeitante à autoliquidação do ano de 2007, no valor de 22.322,38€, com o consequente reembolso desse montante, acrescido de juros indemnizatórios.

O Recorrente apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:
«A. Segundo jurisprudência administrativa reiterada, a determinação do meio processual adequado - impugnação judicial ou acção administrativa - está dependente do conteúdo do acto impugnado (no caso sub judice, dos actos de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa) comportar ou não a apreciação da legalidade de liquidações, sendo irrelevante o facto de tal acto se inserir no procedimento de liquidação de imposto;
B. Deste modo, e seguindo exemplos de casos já julgados pelos tribunais administrativos superiores, os pedidos de reconhecimento de direito à dedução devem ser objecto de acção administrativa especial para impugnar actos de indeferimento destes mesmos pedidos;
C. Se o acto de indeferimento do pedido supra identificado não tiver apreciado a legalidade das liquidações de IVA, este actos administrativo deve ser impugnado através do meio processual de acção administrativa especial;
D. Para o efeito, o exercício do direito à dedução, nos termos do n.° 2 do artigo 98 ° do Código do IVA, incide sobre um momento posterior à liquidação;
E. Deste modo, um acto administrativo de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa onde se requeira o reconhecimento do direito à dedução do IVA, que não aprecie a legalidade dos correspondentes actos de liquidação de IVA, tem como meio processual adequado a acção administrativa;
F. No caso sub judice, a decisão de indeferimento em apreço só analisou as questões alusivas à (in)tempestividade do pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Recorrente e à inexistência de qualquer erro na autoliquidação;
G. Entendeu a AT na decisão de indeferimento em apreço, que inexistia qualquer erro na autoliquidação, por considerar que a questão em causa era relativa ao foro do exercício do direito à dedução de IVA, concluindo pela intempestividade do pedido apresentado pelo Recorrente;
H. No despacho saneador, o Tribunal a quo reconhece expressamente que a AT não apreciou o mérito do pedido de revisão da autoliquidação de IVA, não tendo analisado a legalidade da autoliquidação em causa;
I. Neste contexto, e considerando as normais legais em vigor e a jurisprudência administrativa aplicável, e não tendo a decisão de indeferimento apreciado a legalidade da autoliquidação de IVA realizada pelo Recorrente, o Tribunal a quo deveria, no seu despacho saneador aqui recorrido, ter julgado a acção administrativa especial como meio processual adequado para apreciar o pedido de reconhecimento do direito à dedução de IVA;
J. Nos termos do n.º 1 do artigo 71. ° do CPTA, o Tribunal a quo tem poderes para apreciar o pedido do Recorrente ao reconhecimento do direito sub judice;
K. Em suma, face ao exposto, considera o Recorrente que, mal andou o Tribunal a quo em não considerar a acção administrativa especial como o meio processual adequado para apreciar o pedido em apreço.

NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS SUPRIRÃO, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER DADO COMO PROCEDENTE E, EM RESULTADO, DETERMINAR-SE A ANULAÇÃO PARCIAL DO DESPACHO SANEADOR RECORRIDO, DEVENDO O PROCESSO SEGUIR COMO ACÇÃO ADMINSITRATIVA ESPECIAL PARA TODOS OS PEDIDOS APRESENTADOS PELO RECORRENTE NESTA ACÇÃO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.»

A Recorrida apresentou contra-alegações e formulou as seguintes conclusões:
«A) O saneador, a fls..., ao ter julgado procedente a excepção da ilegal cumulação de pedidos deduzida pela R., ora recorrida e, em consequência, ao ter absolvido a mesma quanto ao pedido de reconhecimento do direito a deduzir IVA, no valor de €22.322,38, com o consequente reembolso desse montante acrescido de juros indemnizatórios, fez uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos, pelo que, deve ser mantido.
B) Conforme resulta da informação n° 2149, de 07/08/14, da DSIVA que fundamenta por remissão a decisão de indeferimento do recurso hierárquico, o recurso, bem como, o pedido de revisão oficiosa viriam a quedar-se pela questão da apreciação dos pressupostos legais que permitiriam, ou não, ao então A., e ora recorrente obter a revisão do acto de autoliquidação de IVA, nos termos dos artigos 78° da LGT e 78° e 98° do CIVA.
C) Tendo-se concluído pela não aplicação ao caso quer do art. 78° da LGT quer do art. 98°n° 2 do CIVA. E pela intempestividade do pedido de revisão face ao previsto no n° 6 do art. 78° do CIVA.
D) Assim, é por demais evidente que o indeferimento do pedido de revisão oficiosa e o do subsequente recurso hierárquico formulados pelo então A., e como resulta da matéria de facto dada como provada pelo saneador, a fls., tiveram como fundamento a falta de um pressuposto formal: o da tempestividade do pedido.
E) E a procedência de tal vício importou a desnecessidade de apreciação, de fundo, da pretensão material do ora recorrente.
F) Isto é, o ora recorrente nunca viu ser apreciada, de fundo, a sua pretensão material, a decisão de indeferimento da AT quedou-se pela verificação dos pressupostos legais que, in casu, permitiriam, ou não, a revisão dos actos tributários e, deste modo, a AT, não determinou se o então A. reunia os pressupostos legais para proceder à revisão da autoliquidação deduzindo o montante de IVA incorrido na aquisição de recursos de utilização mista, isto é, na aquisição de bens e serviços afectos quer a operações que conferem o direito à dedução do imposto, quer a operações que não conferem esse mesmo direito.
G) Ora, conforme se deliberou no Ac. do STA, de 06/11/08, in proc. n° 0357/08, a forma processual de reacção contra o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa pode ser a impugnação judicial ou a acção administrativa especial, consoante a decisão comporte, ou não, a apreciação da legalidade do acto de liquidação.
H) Deste modo, a acção administrativa especial só será o meio adequado para a impugnação do acto ora impugnado, desde que seja unicamente apreciado o controle da verificação dos pressupostos para a aplicação do regime de revisão do acto tributário, no caso em concreto.
I) Neste sentido, veja-se, igualmente, o que se deliberou no Ac.do STA de 03/05/17, Proc. n° 035/16.
J) A esta conclusão não obsta o deliberado os Acórdãos do TCA Sul de 9/06/16, proc. 08374/15 e do STA de 25/06/09, Proc. n° 0194/09, invocados pelo recorrente.
K) Efectivamente em nenhum deles esteve em causa a análise de um indeferimento de um pedido de revisão oficiosa, mas antes, a análise do indeferimento de um pedido de autorização para dedução de IVA, formulado nos termos do n° 7 do art. 71° do CIVA, na redacção anterior à Lei n° 39-A/05.
L) Pelo que, tratando-se de situações de facto distintas não é aqui invocável tal jurisprudência, devendo, em consequência manter-se o saneador, a fls..., que fez uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos.
Por outro lado:
M) O Tribunal, a quo também decidiu, e bem, que não pode substituir-se à AT e determinar o conteúdo do acto a praticar pela mesma condenando a AT a rever o acto tributário de liquidação e a decidir de acordo com a pretensão do ora recorrente. Isso mesmo resulta dos arts. 71° n° 2 e 95° n° 5 do CPTA.
N) Efectivamente, em face do conteúdo da pronúncia da AT, a mesma não analisou se o recorrente detinha os pressupostos legais para efectuar a revisão da autoliquidação procedendo à dedução do IVA incorrido na aquisição de recursos de utilização mista.
O) Assim, uma eventual condenação da AT reconhecendo essa dedução relativamente à autoliquidação de 2007, implicaria uma valoração própria da actividade administrativa, e porque, nesta matéria, não é identificável uma única solução como a legalmente possível, não pode o Tribunal a quo proceder a essa condenação.
P) Até porque, a análise de um pretenso direito substantivo às deduções que o recorrente pretende regularizar depende de um procedimento inspectivo a realizar pela AT, donde, não se pode considerar que os documentos constantes do processo, são suficientes para determinar da existência desse eventual direito.
Q) Não se vê, pois, como poderia o Tribunal a quo condenar a AT a proceder à anulação da liquidação, sendo certo que existe uma forma de processo própria para a apreciação de tal liquidação, cfr. Ac. do STA de 03/05/17, Proc. 035/16 e prescindindo de uma confirmação acerca do montante do imposto objecto do pedido
R) Donde, também por esta via, sempre devida a absolvição da recorrida da instância, por ilegal cumulação de pedidos, quanto ao pedido de reembolso de IVA respeitante ao ano de 2007, no valor de €22.322,38.
Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas, deve ser negado provimento ao recurso e ser mantido o saneador, a fls., que absolveu a ora recorrida da instância quanto ao pedido de condenação da AT a proceder ao reembolso do imposto, dado que o mesmo fez uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos.»
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Foram os autos a vista da Magistrada do Ministério Público que emitiu parecer no sentido no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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A questão invocada pelo Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir, consiste em aferir se o despacho recorrido enferma de erro de julgamento de direito, na parte em que decidiu que se verifica a cumulação ilegal de pedidos.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

É o seguinte o teor do despacho saneador:
«Ao abrigo do disposto no artigo 87. °-B, n.º 2, conjugado com o estatuído no artigo 87.º-A, n° 1, alínea d), ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, decide-se dispensar a realização da audiência prévia, passando, de imediato, a proferir despacho saneador ao abrigo do disposto no artigo 88°, n° 1, do CPTA.
Notifique.
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DESPACHO SANEADOR
O MUNICÍPIO DA GUARDA, melhor identificado nos autos, «notificado em 11 de Setembro de 2014, pela Informação n.º 2149, do despacho de indeferimento subscrito conjuntamente pelo Director-Geral e pelo Subdirector-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante AT, relativo ao pedido de revisão oficiosa de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) por si submetido (cf. Documento 1), vem intentar contra o

MINISTÉRIO DAS FINANÇAS,

nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 97.º, n.º 1, alínea p), e n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e artigos 10.º, n.ºs 2 e 4, 46.º e 66.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA"),

ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL

que visa a anulação do acto de indeferimento praticado por órgão pertencente à AT e ao Ministério das Finanças», peticionando, a final, a procedência da presente acção «e, em consequência:
a) Ser anulado o acto de indeferimento do recurso hierárquico apresentado no âmbito do indeferimento do pedido de revisão oficiosa em matéria de IVA, praticado pelo Director- Geral da AT notificado ao A. em 11 de Setembro de 2014, por padecer de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito;
b) Ser a AT condenada a reconhecer o direito ao A a deduzir o IVA respeitante ao ano de 2007, no valor de € 22.322,38, com o consequente reembolso pelo órgão competente da AT desse montante, acrescido de juros indemnizatórios;
c) Subsidiariamente ao pedido (II), ser o Ministério das Finanças condenado a apreciar, através dos seus órgãos competentes, o mérito do pedido de revisão oficiosa indeferido pelo Director-geral da AT, em prazo razoável nunca superior a dois meses.».
Para tanto, o Autor invoca em síntese que o acto de indeferimento impugnado padece de vícios de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito.
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Regularmente citado, veio o Réu contestar a presente acção, defendendo-se por excepção invocando cumulação ilegal de pedidos e por impugnação, defendendo a improcedência da presente acção.
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O Digno Magistrado do Ministério Público foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 85.º do CPTA.
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Notificado o Autor do teor da contestação, veio o mesmo apresentar Resposta pronunciando-se no sentido da improcedência da matéria de excepção aduzida pelo Réu.
***
Aqui chegados, cumpre, pois, apreciar e decidir.
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SANEAMENTO PROCESSUAL
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da hierarquia, da matéria e do território.
O processo é o próprio e não enferma de nulidade que o invalide no seu todo.
As partes são legítimas, têm personalidade e capacidade judiciárias e encontram-se devidamente representadas.
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i.) DA CUMULAÇÃO ILEGAL DE PEDIDOS
O Réu defende a ocorrência da excepção da cumulação ilegal de pedidos, dizendo que o pedido na condenação da AT a reconhecer ao Autor o direito a deduzir o IVA respeitante no ano de 2007, no valor de € 22.322,38, não pode ser objecto de uma decisão condenatória nesta acção administrativa especial, uma vez que a AT não apreciou o mérito do pedido, ou seja, não determinou se o ora A. reunia os pressupostos legais para poder proceder à dedução do montante de IVA incorrido na aquisição de recursos de utilização mista, pelo que, não pode, por isso, o Tribunal substituir-se à AT e determinar o conteúdo do acto a praticar pela mesma, condenando a AT a rever o acto tributário de liquidação e a decidir de acordo com a pretensão do Autor.
Mais refere que a acção administrativa especial só será o meio processual adequado para a impugnação do acto ora impugnado, desde que seja unicamente apreciado o controle da verificação dos pressupostos para a aplicação do regime de revisão do acto tributário, no caso em concreto, mas já não para o pedido de condenação da AT a proceder à anulação da liquidação de IVA por dedução em excesso do mesmo imposto.
Termina peticionando a absolvição da instância.
Vejamos, então.
Cumpre, antes de mais, chamar à colação a matéria fáctica que importa para decidir a excepção em causa:
1) Em 30-12-2011, o ora Autor apresentou pedido de Revisão Oficiosa «da (auto)liquidação de IVA efectuada em excesso nas declarações periódicas deste imposto, relativas ao ano de 2007, e consequente pagamento de prestação tributária em excesso, no valor de € 22.322,38» - cfr. procedimento de revisão do acto tributário junto ao processo administrativo apenso;
2) Por despacho de 20-11-2013, foi indeferido o pedido mencionado em 1), por motivo de extemporaneidade do mesmo, tendo por base a informação exarada em 07-11-2013, da qual consta, além do mais, o seguinte:
«V. DA CONCLUSÃO
139. A revisão oficiosa de uma liquidação de IVA não pode prejudicar a imperatividade das normas em que fixam os prazos para o exercício do direito à dedução.
140. As regras do instituto da revisão oficiosa não podem prevalecer face às previstas no CIVA para o exercício do direito à dedução, caso contrário estas ficariam esvaziadas de conteúdo e, consequentemente, de eficácia.
141. Deixa de existir o direito à dedução se o requisito formaI da tempestividade não for observado.
142. O Requerente não tem liberdade de escolher, dentro do prazo a que se refere o nº 2 do artigo 9 8º do ClVA, o momento para concretizar o direito à dedução do imposto.
143. Só nos casos em que o CIVA não estabelece um prazo especial, é que o direito à dedução pode ser efetuado no prazo previsto no nº 2 do artigo 9 8º do CIVA.
144. Estando, no caso em análise, já ultrapassados os prazos para o exercido do direito à dedução estabelecidos nos artigos 22º e 23º do CIVA e confirmando-se que os documentos de suporte relativos às operações passivas em causa foram registados na contabilidade do Requerente em devido tempo, apenas se pode admitir a correção do imposto deduzido com base no nº 6 do artigo 78º do CIVA.
145. O nº 6 do artigo 78º do CIVA estabelece um prazo especial para o exercício do direito à dedução de dois anos para as regularizações a favor do sujeito passivo, que depois de ultrapassado conduz à preclusão desse direito.
146. Tendo o Requerente apresentado, em dezembro de 2011, o pedido de revisão oficiosa onde solicita a dedução “adicional” de imposto suportado em 2007, mostra-se ultrapassado o prazo para o exercício desse direito.
147. Por outro lado, conforme o referido nos pontos 96 e 97 da presente informação, a DIT apurou que o Requerente não teve em consideração o estabelecido no Ofício - Circulado nº 30103, de 23 de abriI de 2008, dado que não utilizou qualquer critério de imputação (limitando-se a aplicar uma percentagem de dedução ao imposto suportado), constatando ainda que as operações em causa não conferem o direito à dedução pelo facto de terem sido realizadas no âmbito do exercício de poderes de autoridade.
148. Em face do exposto, deve o presente pedido, salvo melhor opinião, ser indeferido.»,
3) O ora Autor foi notificado do indeferimento mencionado no ponto anterior, através do ofício n.º 21536, datado de 26-11-2013 - cfr. resulta do procedimento de pedido de revisão oficiosa junto ao processo administrativo apenso;
4) Em 27-12-2013, o ora Autor apresentou Recurso Hierárquico, peticionando a anulação de indeferimento do pedido de revisão oficiosa por si deduzido e que fosse considerado como dedutível o montante de € 22.332,38 com referência ao ano de 2007 — cfr. resulta do procedimento de recurso hierárquico junto ao processo administrativo apenso;
5) Em 19-06-2014, foi proferida Informação da qual constava, além do mais, o seguinte:
«(...)
2 - Apreciação do Recurso Hierárquico
2.1. Considerações Gerais
19. O indeferimento do pedido apresentado fundou-se no incumprimento do prazo de dois anos previsto no n.º 6 do art.º 78.º do CIVA, mas também no desrespeito da doutrina administrativa veiculada no ofício-circulado n.º 30.103, de 2008-04-23, no que concerne ao regime de dedução de imposto relativa a bens de utilização mista, como decorre da leitura dos pontos 95. e 96. do despacho recorrido.
20. Da análise da petição de recurso apresentada, verifica-se que o Recorrente omite qualquer censura dirigida a esta última causa de indeferimento do requerimento apresentado. Assim sendo, o recurso hierárquico do pedido de revisão improcede necessariamente, pois o incumprimento das normas de apuramento do imposto suportado na aquisição de bens de utilização mista é, só por si, razão suficiente para indeferimento do pedido de revisão.
21. De qualquer modo, não deixará de se demonstrar a improcedência da argumentação aduzida pelo Recorrente no que concerne aos requisitos procedimentais da regularização de imposto por si almejada.

2.2. Erro na Autoliquidação e Imputabilidade aos Serviços
22. O que vem alegado é que, no âmbito de uma revisão dos métodos de dedução aplicados em 2007, o Recorrente verificou que autoliquidou IVA em excesso, porque não procedeu a dedução de IVA a que tinha direito. Todavia, não se configura, nesta situação, a existência de um erro na autoliquidação, designadamente para efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 78.º da LGT.
23. Ora, o Recorrente é sujeito passivo misto, o que, nos termos do n.º 1 do art.º 23.º do CIVA, significa que efetua simultaneamente operações tributáveis que conferem o direito à dedução e operações isentas que não conferem esse direito. Como tal apenas pode exercer o direito à dedução do imposto suportado nas aquisições que se destinem às operações que conferem direito à dedução, isto é, as operações tributáveis.
24. Sendo assim, torna-se necessário, face ao conjunto de todas as operações, determinar o montante do imposto que é dedutível e o que não é dedutível, podendo fazê-lo pelo método da percentagem da dedução (pro rata) ou pelo método da afetação real.
25. Estes são princípios elementares da aplicação do IVA a sujeitos passivos mistos, os quais já eram conhecidos pelo Recorrente. No entanto, no ano de 2007, o Recorrente optou por não utilizar qualquer dos métodos de dedução previstos pelo CIVA, seja calcular a percentagem da dedução de imposto suportado em bens de utilização mista, seja optar pela afetação real.
26. O que é uma opção legítima e comum entre sujeitos passivos mistos. De facto, por vezes (como é o caso) as percentagens de dedução de imposto são tão baixas que tais sujeitos passivos optam por não deduzir qualquer imposto relativo a esses bens, evitando assim os custos administrativos, económicos, técnicos e logísticos necessários ou inerentes à indagação do imposto passível de dedução.
27. Essa é uma opção que se encontra no âmbito da autonomia de atuação permitida peto imposto e é materializada na autoliquidação efetuada peto sujeito passivo. Desta forma, na situação em apreço, não é legítimo que o Recorrente venha invocar que ocorreu um erro quando optou por não deduzir IVA que podia eventualmente deduzir.
28. Acresce que, contrariamente ao afirmado peto Recorrente, o direito à dedução não pode ser configurado como um “poder-dever", mas sim como um direito do sujeito passivo, o qual pode ser exercido ou não, consoante a opção consubstanciada na (auto)liquidação de imposto por si realizada.
(...)
31. Em caso algum pode ser admitido que existe um erro na autoliquidação (e logo imputável aos serviços) numa situação em que, como no caso em apreço, o sujeito passivo simplesmente não utilizou qualquer dos métodos de dedução relativa a bens de utilização mista. Ou seja, casos em que nem sequer está em causa o cálculo da percentagem de dedução.
32. O mesmo se aplica, no que concerne ao método de afetação real, nas situações em que o sujeito passivo optou por não calcular o grau de utilização de recursos utilizados em atividades tributadas e não tributadas.
33. Desta forma, contrariamente ao invocado pelo Recorrente, estão corretos os métodos de dedução utilizados (ou omitidos), não tendo sido invocada qualquer circunstância que permita enquadrar a atuação do sujeito passivo num contexto de erro. Pelo contrário, as autoliquidações realizadas consubstanciam uma opção consciente e legítima do sujeito passivo.
34. O erro invocado pelo Recorrente não pode ser justificado pela legislação à data vigente. Se é certo que o regime de dedução relativa a bens de utilização mista veio a ser clarificado na redação do art.º 23. º do CIVA resultante da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, também é certo que tal interpretação já vinha sendo veiculada e transmitida pela Administração Tributária com base no regime legal anteriormente vigente.
(...)

2.3. O Prazo do Direito à Dedução do Art.º 98.º, n.º 2 e o Direito à Regularização do Art.º 78.º n.º 6 do CIVA
36. O Recorrente pretende demonstrar que a sua pretensão pode ser conseguida no prazo de quatro anos a contar do ano de imposto, invocando para tanto que esse é o prazo do direito à dedução previsto no n.º 2 do art.º 98.º do CIVA e que, ainda se assim não fosse, é legítimo o pedido de revisão das autoliquidações realizadas, no mesmo prazo, ao abrigo do n.º 1 do art.º 78.º da LGT
(...)
6 9. Em suma, no que concerne à legalidade do ato impugnado, não sendo aplicável às situações de regularização de imposto o prazo de quatro anos previsto no n.º 2 do art.º 98º do CIVA, constatando-se que os documentos de suporte ao imposto, que o Recorrente pretende regularizar, estão e foram registados na contabilidade, o direito reivindicado só poderia ser exercido, e seria efectivamente admitido, na melhor das hipóteses, com recurso ao mecanismo no n.º 6 do art.º 78.º do CIVA No entanto, o pedido teria de ser apresentado no prazo de dois anos, o que não aconteceu.

2.4. A Regularização de Imposto através da Revisão dos Atos Tributários do Art.º 78.º da LGT
70. Como exposto, o segundo argumento aduzido no sentido da aplicação do prazo de quatro anos à pretensão do Recorrente passa pela subsunção da situação em apreço no n.º 1 do art.º 78.º da LGT, relativo à revisão oficiosa dos atos tributários.
71. Tendo -se concluído que, no caso em apreço, não existe um erro na autoliquidação, nem um erro imputável aos serviços, nunca poderia a pretensão do Recorrente ser acolhida com base na revisão de imposto plasmada no n.º 1 do artº 98.º do CIVA e no n.º 1 do art.º 78.º da LGT.
(...)
78. Por outro lado, como resulta detalhadamente do despacho recorrido, o pedido de revisão do ato tributário de autoliquidação não pode sobrepor-se às normas reguladoras dos direitos à dedução e à regularização deste imposto. Por outras palavras, um sujeito passivo que nos termos do CIVA já não pode regularizar o IVA autoliquidado, não pode atingir o mesmo resultado através da revisão oficiosa prevista no n.º 1 do art.º 78.º da LGT e no n.º 1 do art.º 98.º do CIVA.
79. Na realidade, o regime procedimental da revisão oficiosa (art.º 78.° da LGT) não pode proceder à extensão dos prazos de caducidade impostos pelo CIVA para a regularização de imposto. Nestes casos, a ser admitido o meio procedimental utilizado, a pretensão terá de improceder por caducidade do direito de regularização.
80. De facto, a ter acolhimento a pretensão do Recorrente, a revisão do ato tributário passaria a constituir e, em grande parte, substituir os mecanismos de dedução e regularização de imposto tão laboriosamente plasmados no CIVA.
81. Assim, a revisão oficiosa do imposto não pode prejudicar a imperatividade das normas que estabelecem prazos especiais para o exercício do direito de regularização. Sob pena destas normas ficarem desprovidas de qualquer efeito prático, perderem a sua razão de ser e daquele direito, na prática, poder ser exercido, em muitas situações, pelo mecanismo da revisão oficiosa no prazo de quatro anos fixado no n.º 1 do art.º 78.º da LGT.
(...)».
6) Com base na informação antecedente, foi, em 02-09-2014, proferido despacho de indeferimento do recurso hierárquico - cfr. resulta do procedimento de recurso hierárquico constante do processo administrativo apenso;
7) Desse indeferimento foi o ora autor notificado em 11-09-2014 - cfr. resulta do procedimento de recurso hierárquico constante do processo administrativo apenso;
8) Em 10-12-2014, o ora Autor apresentou junto deste TAF a presente acção administrativa especial — cfr. resulta de fls. 1 dos autos.
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Com interesse, nada mais se provou.
***
A matéria de facto dado como provada resulta dos documentos juntos aos autos bem como os que constam do processo administrativo apenso, designadamente do procedimento de revisão oficiosa dos actos tributários e do procedimento de recurso hierárquico.
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Aqui chegados, importa, desde já, referir que assiste razão ao Réu.
Com efeito, a Administração Tributária ainda não se debruçou sobre o mérito do pedido de revisão oficiosa dos actos tributários [de IVA], apresentado pelo Autor.
Isto porque, quer no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, quer no âmbito do subsequentemente procedimento de recurso hierárquico, entendeu que não estavam reunidos os requisitos formais para a tal pretendida apreciação [de fundo] do pedido de revisão.
Segundo consta da decisão de indeferimento vertida no procedimento de revisão oficiosa, tal pedido de revisão foi formulado já fora de prazo, indeferindo-o, assim, por intempestividade.
Sendo que, na decisão do recurso hierárquico foi determinado manter-se o decidido no pedido de revisão, isto é, mantendo a decisão de indeferimento, por extemporaneidade.
É, pois, contra estas decisões que o Autor vem intentar a presente acção administrativa especial, peticionando, ab initio, a sua anulação.
Considerando que as decisões de indeferimento decorrem de razões puramente formais, não tendo a Administração Tributária conhecido do mérito do pedido de revisão oficiosa formulado pelo Autor, a procedênda desta acção apenas poderá determinar a anulação das mesmas, com a consequência daí adveniente de a Administração Tributária ficar obrigada a conhecer [de mérito] o pedido de revisão apresentado, o que deverá fazer nos prazos legais estabelecidos para finalização de procedimentos administrativos, sob pena de, ultrapassados, o contribuinte presumir o seu indeferimento tácito e procurar junto dos tribunais a solução que até esse momento não foi conseguida junto da Administração Tributária.
Mais, não pode o tribunal ir, sob pena de, por um lado, imiscuir-se na esfera privativa da Administração Tributária [o da apreciação dos procedimentos de natureza administrativa] e, por outro lado, de apreciar um pedido para o qual o meio processual utilizado não é o adequado.
É que se a Administração Tributária tivesse conhecido do mérito do pedido de revisão indeferindo-o, o meio processual idóneo seria a impugnação judicial, por estar intimamente ligado à apreciação da legalidade de um acto tributário de liquidação. 
Como não foi este o caso, sendo, ao invés, indeferido por motivos puramente formais [o da intempestividade], o meio processual adequado será a utilizada acção administrativa especial ao abrigo do disposto no artigo 9 7°, n.º 1, alínea p), do CPPT, claro está que, limitado à apreciação se a Administração Tributária andou (bem ou mal) ao decidir pelo indeferimento dos despachos recorridos [o vertido no procedimento de revisão oficiosa e no de recurso hierárquico] e com as consequências que já dissemos anteriormente.
Procede, assim, a excepção invocada pela Fazenda Pública.
***
DO VALOR DA ACÇÃO
A Autora, na petição inicial, indica como valor da acção o de € 22.322,38.
Entretanto, o Réu vem contestar o valor fixado, dizendo que não está em causa processo em que o seu valor seja determinável pelo que, nos termos do artigo 34.º, do CPTA o valor da acção deve ser considerado superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo, isto é, deve ser corrigido para € 30.000,01.
Acontece que, ainda que a presente acção não contenda directamente com a apreciação de uma liquidação, subjacente a esta acção está um pedido de reconhecimento e restituição do IVA entregue em excesso.
Com efeito, em caso de procedência da presente acção, isto é, considerando que o pedido de revisão foi tempestivamente apresentado [é isso que se discute aqui], a Administração Tributária ficará obrigada a conhecer do mérito do pedido de revisão oficiosa relativo ao reconhecimento e restituição do IVA entregue em excesso, que o Autor calculou no valor de € 22.322,38, decidindo aqueles serviços se tal pedido de restituição é (ou não) devido.
Pelo que, temos que concluir que, ao contrário do que afirma o Réu, existe aqui um valor patrimonial determinável [correspondente ao valor de IVA calculado pelo Autor como tendo sido entregue em excesso], não sendo, por isso, de aplicar o critério supletivo previsto no artigo 34.º, do CPTA.
Posto isto, decide-se ficar a causa o valor de € 22.322,38.
***
Analisados os autos e decidida a matéria de excepção aduzida, impera concluir que a matéria de facto controvertida com relevo para a decisão encontra-se documentalmente fixada, não se determinando a abertura de um período de produção de prova [cfr., a contrario, alínea c) do n.º 1 do artigo 87.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos].
No entanto, e uma vez que as partes não renunciaram à apresentação de alegações escritas, notifique-se a Autora para, querendo, apresentar alegações escritas no prazo de 20 dias e, depois, a Entidade Demandada, para o mesmo efeito, nos termos do n. º4 do artigo 91° do CPTA.» (…)”
****
Conforme resulta dos autos, o Recorrente interpôs acção administrativa especial junto do TAF de Castelo do despacho de indeferimento do recurso hierárquico, que por sua vez foi interposto do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IVA de 2007.

A decisão de indeferimento do recurso hierárquico, que confirma o entendimento vertido no despacho que indeferiu o pedido de revisão, assentou, em síntese, no entendimento de que a situação em causa não consubstancia um erro imputável aos serviços que permita a revisão oficiosa do acto de autoliquidação ao abrigo do disposto no art. 78.º, n.º 2 da LGT. Com efeito, analisa-se a questão invocada de “erro na autoliquidação” à luz das regras do IVA, concluindo que, não existe erro, mas tão-somente uma opção do sujeito passivo ao não utilizar os métodos de dedução disponíveis na lei, não estando sequer em causa o erro no cálculo de percentagem de dedução.

Por outro lado, entende-se naquela decisão que não se verifica o requisito temporal para a revisão oficiosa por iniciativa da administração tributária, porque o sujeito passivo já não poderia regularizar o IVA nos termos do n.º 6 do art. 78.º do CIVA que prevê um prazo de dois anos, mais se entendendo não ser aplicável no caso dos autos o prazo de quatro anos previsto no art. 98.º, n.º 1 do CIVA.

Ou seja, a decisão de indeferimento do recurso hierárquico assentou na não verificação dos requisitos previstos no art. 78.º da LGT, entendendo-se, por um lado, que a situação em causa não consubstancia um erro imputável aos serviços, e por outro lado, que não estava reunido o requisito temporal para que se pudesse conhecer das questões suscitadas no pedido de revisão.

Por outras palavras, a decisão apenas se pronúncia sobre a não verificação dos requisitos previstos no art. 78.º da LGT para a apreciação do pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IVA, não se emite pronuncia sobre o mérito do pedido de revisão oficiosa que consistia em saber se o contribuinte tem, ou não, o direito de deduzir o IVA conforme pretendia.


Neste contexto, a decisão ora recorrida entendeu que não tendo a decisão impugnada conhecido do mérito do pedido de revisão oficiosa, assentando o indeferimento em motivos formais (intempestividade) então, o Tribunal não pode conhecer de parte do pedido, nomeadamente, o pedido de condenação da AT a reconhecer ao A. o direito de deduzir o IVA respeitante ao ano de 2007, sob pena de “imiscuir-se na esfera privativa da Administração Tributária [o da apreciação dos procedimentos de natureza administrativa] e, por outro lado, de apreciar um pedido para o qual o meio processual utilizado não é o adequado.”, e nessa medida entendeu haver cumulação ilegal de pedidos. Sublinhe-se, contudo, que a presente acção administrativa especial sempre seguirá os seus termos porque subsiste o pedido principal de anulação do acto de indeferimento do recurso hierárquico do acto de indeferimento do pedido de revisão da autoliquidação de IVA de 2007.

O Recorrente não se conforma com o decidido, invocando erro de julgamento de direito, porque entende que a acção administrativa especial é o meio adequado para a apreciação do pedido de “condenação da AT a reconhecer o direito ao A. a deduzir o IVA respeitante ao ano de 2007, no valor de 22.322,38€, com o consequente reembolso pelo órgão competente da AT desse montante, acrescido de juros indemnizatórios”.

Mas sem razão.

Na verdade, o que releva neste caso é o facto de a decisão de indeferimento de recurso hierárquico não se pronunciar sobre a pretensão material do requerimento de pedido de revisão formulado pelo A. ao abrigo do art. 78.º da LGT. A AT não se pronuncia se o A. tem, ou não, direito à dedução de IVA de 2007, matéria que contende com a legalidade da autoliquidação, e que a proceder terá por consequência a sua anulação (total ou parcial). Efectivamente, a decisão administrativa apenas analisa os requisitos legais de admissibilidade do pedido de revisão, concluindo que não se encontravam reunidos, e com este fundamento indefere o recurso hierárquico da decisão de indeferimento do pedido de revisão.

É verdade que no despacho de indeferimento de recurso hierárquico se faz apelo a normas substantivas do código do IVA, porém, sempre, e somente, para efeitos da verificação dos requisitos de admissibilidade do pedido de revisão oficiosa. Repare-se que o fundamento do indeferimento do pedido de revisão oficiosa não é a não estarem reunidos os pressupostos de facto e/ou de direito para a dedução do IVA de 2007, mas antes, a não verificação dos requisitos previstos no art. 78.º da LGT para a apreciação dos fundamentos do pedido de revisão oficiosa, porque, por um lado, a situação em causa não consubstancia um erro imputável aos serviços, e por outro lado, não estava reunido o requisito temporal para a revisão oficiosa.

Ora, são estes dois fundamentos da decisão de indeferimento de recurso hierárquico que contendem com a admissibilidade do meio gracioso impugnatório, que poderão ser objecto de apreciação pelo tribunal. Contudo, o tribunal não poderá emitir pronúncia na presente acção administrativa especial sobre o mérito do pedido de revisão oficiosa, porque essa matéria contende com a legalidade da autoliquidação que apenas poderá vir a ser sindicada em sede de impugnação judicial.


Por outras palavras, ao pedido de anulação do acto de indeferimento do recurso hierárquico que não conheceu do mérito do pedido de revisão corresponde a presente forma processual (acção administrativa especial) e ao pedido de condenação formulado pelo A. corresponde uma forma processual diferente (impugnação judicial), e nessa medida, verifica-se uma cumulação ilegal de pedidos.

Advirta-se, desde logo, que a jurisprudência que o Recorrente cita nas alegações de recurso não é aplicável ao caso dos autos, desde logo porque quer no acórdão do TCAS de 09/06/2016, proc. n.º 08375/15, quer acórdão do STA de 25/06/2009, proc. n.º 0196/09, não estava em causa o indeferimento do pedido de revisão.

Com efeito, no acórdão do STA de 25/06/2009, proc. n.º 0196/09 versa sobre a decisão que recaiu sobre um pedido de autorização de dedução extraordinário de IVA autónomo. Ou seja, naquele processo não estava em causa a legalidade de qualquer liquidação ou autoliquidação de IVA, mas tão-somente um pedido autónomo de autorização de dedução extraordinária. Já nos presentes autos, estamos perante um indeferimento de pedido de revisão por intempestividade, em que a questão material a apreciar é o erro na autoliquidação que foi efectuada pelo A. em 2007, com o fundamento da alteração do método critério percentual (prorata), nos recursos de utilização mista.

Aliás, resulta do requerimento do pedido de revisão que o A. pretende a “revisão oficiosa da (auto)liquidação de IVA efectuada em excesso, no valor de 22.322,38€”. Portanto não se trata de um pedido autónomo de autorização de dedução de IVA, mas a invocação de um erro na autoliquidação de IVA que foi efectuada em 2007.

A questão substantiva suscitada no pedido de revisão (mas que não foi conhecida) contende efectivamente com a legalidade da liquidação, pois a pretensão do A. é que a AT reconheça o erro e aceite alterar o critério percentual (prorata), nos recursos de utilização mista, relativamente à autoliquidação de IVA de 2007, o que a ser aceite, implica a anulação (parcial) dessa autoliquidação, na parte em que resulte imposto a pagar inferior ao autoliquidado.

Por outras palavras, a aceitação pela AT da pretensão do A. pressupõe que se reconheça que a autoliquidação enferma de erro sobre os pressupostos de facto e de direito. E tanto assim é que o A. pretende com base nesse “erro” ser reembolsado a parte do imposto pago indevidamente nessa autoliquidação, e ainda que lhe sejam pagos juros indemnizatórios, conforme vem peticionado na p.i. Estamos, pois, no âmbito da discussão da legalidade da autoliquidação, cujo meio próprio de sindicância contenciosa é a impugnação judicial (art. 97.º, n.º 1, alínea d) do CPPT).



Destarte, verifica-se uma cumulação ilegal de pedidos porque se está a cumular um pedido a que corresponde a forma processual acção administrativa especial (art. 97.º, n.º 1, al. p)) com um pedido a que corresponde uma diferente forma processual, a impugnação judicial (art. 97.º, n.º 1, al. d)), “não se podendo fazer valer na mesma forma processual ambos os pedidos”, tal como decidido no acórdão do STA de 03/05/2017, proc. n.º 035/16, cuja jurisprudência aqui subscrevemos.

Efectivamente, sobre esta questão de saber se o tribunal deve conhecer do mérito do pedido de revisão (legalidade da liquidação) quando a administração tributária indeferiu o pedido com fundamento na sua intempestividade já foi decidida pelo nosso Supremo Tribunal Administrativo em sentido idêntico ao que aqui sufragamos, em situação em tudo idêntica a dos autos. Efectivamente, no acórdão do STA de 03/05/2017, proc. n.º 035/16, entendeu-se o seguinte:
“O recorrente instaurou a presente acção administrativa especial formulando dois pedidos:
1- Anulação de ato administrativo - quanto ao indeferimento do pedido de revisão com fundamento na sua intempestiva apresentação;
2- Condenação à prática de ato administrativo devido, em substituição, do acto praticado.
A formulação do segundo pedido usa a terminologia do direito administrativo, mas claramente se refere à impugnação do acto tributário de autoliquidação da contribuição sobre o setor bancário a que o recorrente terá procedido, mas com erro.
Os actos de liquidação de tributos são actos administrativos que os tribunais não podem criar, limitando-se, no contencioso tributário, a poderes de anulação, remetendo para a autoridade tributária a concretização dos actos de liquidação.
O art.º 97.º do Código de Processo e Procedimento Tributário é uma norma tributária que define as regras processuais a que deve submeter-se a apreciação jurisdicional das diversas pretensões formuladas pelos contribuintes em matéria tributária, indicando ainda, que o recurso contencioso fará aplicação das normas processuais do direito administrativo.
Se do art.º 97.º do Código de Processo e Procedimento Tributário pudesse decorrer que os contribuintes não podiam atacar a legalidade dos actos de liquidação, nomeadamente de autoliquidação, em certas circunstâncias, dúvidas não haveria que afrontaria directamente a Constituição da República Portuguesa. Mas do art.º 97.º decorre que os contribuintes dispõem de dois meios processuais, os recursos contenciosos, agora acções administrativas, para reagirem contra a ilegalidade dos actos administrativos em matéria tributária que não comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação e a impugnação judicial para atacarem os actos de liquidação que entendam feridos de ilegalidade.
O recorrente contra a decisão de indeferimento do pedido de revisão terá que usar o meio que utilizou. Para aferir da legalidade/ilegalidade do acto de liquidação haverá que utilizar o processo de impugnação judicial. Pode exercer todos os seus direitos, mas como as regras de direito processual e material são muito diversas haverá de fazer valer cada um desses direitos que entende violado, seguindo a forma processual respectiva. Sem qualquer violação de preceitos constitucionais poderá, usando os meios adequados obter uma tutela jurisdicional efectiva vendo apreciados os direitos que entende violados, mas, em sede própria.
A evolução que tem vindo a ser implementada ao nível do direito administrativo não tem completa transposição para o direito tributário vigente, pelo menos na medida que pretende o recorrente. Mesmo num processo de impugnação de um acto de liquidação o tribunal tem apenas o poder legal de, verificando uma ilegalidade do acto tributário, anular esse acto sem poderes de determinar que acto deverá praticar a administração tributária, ou, sequer, determinar que deverá ser praticado um novo acto tributário.
Porque a acção administrativa adequada a fazer valer o primeiro pedido formulado se rege pelas normas processuais administrativas ao passo que o processo de impugnação judicial de acto de liquidação se rege, preferencialmente pelas regras o Código de Processo e Procedimento Tributário, não é possível nem fazer valer no mesmo processo os dois pedidos, nem convolar este processo em processo de impugnação judicial de acto de liquidação. O Tribunal recorrido entendeu que o processo era o próprio para um dos pedidos formulados e fez seguir o processo para apreciação desse pedido, sem tomar posição quanto ao pedido típico do processo de impugnação judicial.
Este recurso vem interposto desta decisão interlocutória que não retirou a consequência devida do erro na forma de processo que diz existir quanto ao segundo pedido formulado pelo recorrente o que se espera venha a ocorrer após as alegações escritas, permitindo que o recorrente formule, no processo adequado, a sua pretensão de anulação do acto de liquidação, que aqui, erradamente, em frontal desconformidade com o direito processual tributário, formulou.
O acórdão recorrido menciona ainda que se não pronuncia pelas questões de constitucionalidade suscitadas por serem as mesmas questões novas não apreciadas na decisão singular recorrida. Porém, não havendo as mesmas sido apreciadas pela decisão recorrida o certo é que, na perspectiva do recorrente foi essa mesma decisão que ao decidir como decidiu fez uma interpretação do art.º 97.º do Código de Processo e Procedimento Tributário desconforme com a Constituição da República Portuguesa, com a qual não podia naturalmente contar o recorrente de molde a antecipá-la e dela se defender antecipadamente, sendo que a constitucionalidade das normas é de conhecimento oficioso.
Não se verifica, como referimos, qualquer interpretação do art.º 97.º do Código de Processo e Procedimento Tributário desconforme com a Constituição da República Portuguesa, nem preterição de quaisquer direitos do recorrente, devendo o processo prosseguir os seus trâmites normais.
Improcedem, pois, todos os fundamentos do recurso.” - (destaques e sublinhados nossos).

Em suma, tendo em consideração que a decisão de indeferimento do recurso hierárquico contende com a admissibilidade do meio gracioso impugnatório (pedido de revisão), a presente acção administrativa especial constitui meio próprio para o conhecimento da legalidade desta decisão, o que já não sucederá com o mérito daquele pedido de revisão que contende com a legalidade da autoliquidação, que apenas poderá ser discutida em sede de impugnação judicial, sendo por isso, de confirmar o despacho recorrido.

Sublinhe-se que esta interpretação e aplicação das normas jurídicas em causa não colocam em causa o direito à tutela jurisdicional efectiva do contribuinte.

Efectivamente, a presente acção administrativa especial sempre seguirá os seus termos para o conhecimento do pedido principal de anulação do acto de indeferimento do recurso hierárquico do acto de indeferimento do pedido de revisão da autoliquidação de IVA de 2007.
Assim sendo, se a presente acção administrativo especial for julgada procedente a final pelo TAF de Castelo Branco, então, a AT terá de conhecer do mérito do pedido de revisão oficiosa, ou seja, terá de decidir se o A. tem, ou não, direito à dedução do IVA relativamente à autoliquidação de 2007, aferindo da sua anulação, e consequentemente, decidindo sobre o pedido de reembolso do imposto pago em excesso, bem como a juros indemnizatórios. Tal significa que o pedido subsidiário formulado pelo A. de condenação à apreciação do mérito do pedido de revisão será satisfeito.

E, caso a decisão de mérito proferida lhe seja desfavorável, o A. terá a via contenciosa aberta para a discutir junto dos tribunais fiscais, designadamente, propondo uma impugnação judicial ao abrigo do disposto do art. 102.º, n.º 1, do CPPT.

Como muito bem se refere no acórdão do STA supra citado “O recorrente contra a decisão de indeferimento do pedido de revisão terá que usar o meio que utilizou. Para aferir da legalidade/ilegalidade do acto de liquidação haverá que utilizar o processo de impugnação judicial. Pode exercer todos os seus direitos, mas como as regras de direito processual e material são muito diversas haverá de fazer valer cada um desses direitos que entende violado, seguindo a forma processual respectiva.” (sublinhado nosso)

Por conseguinte, no processo judicial tributário, ao contrário do que sucede no processo judicial administrativo (cfr. art. 5.º do CPTA), não é possível na Acção Administrativa, a cumulação de pedidos a que correspondam formas processuais diferentes nos termos previstos no art. 97.º do CPPT.

Esta interpretação é a que mais se coaduna com a coerência do sistema processual tributário, pois no processo judicial de impugnação admite-se a cumulação de pedidos, porém, actualmente, até constitui pressuposto necessário, que aos pedidos corresponda a mesma forma processual (cfr. art. 104.º, n.º 1, alínea a), do CPPT).

Ao pedido de anulação do acto de indeferimento do recurso hierárquico que não conheceu do mérito do pedido de revisão por intempestivo corresponde a presente forma processual (acção administrativa especial) e ao pedido de condenação da AT ao reconhecimento do direito de dedução de IVA na autoliquidação de 2007 e reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, corresponde a uma forma processual diferente (impugnação judicial), verificando-se uma cumulação ilegal de pedidos, porque aquela é “adequada a fazer valer o primeiro pedido formulado se rege pelas normas processuais administrativas ao passo que o processo de impugnação judicial de acto de liquidação se rege, preferencialmente pelas regras o Código de Processo e Procedimento Tributário, não é possível nem fazer valer no mesmo processo os dois pedidos (…)” – v. acórdão do STA de 03/05/2017, proc. n.º 035/16, supra transcrito.

Nos termos do artigo 527.º do CPC aplicável ex vi do artigo 2.º alínea e) do CPPT a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte a que elas houver dado causa (n.º 1), entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for (n.º 2).

Nos presentes autos é vencida o Recorrente, e nessa medida deverá ser condenado em custas.

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. No processo judicial tributário, ao contrário do que sucede no processo judicial administrativo (cfr. art. 5.º do CPTA), não é possível na Acção Administrativa, a cumulação de pedidos a que correspondam formas processuais diferentes, nos termos previstos no art. 97.º do CPPT;

II. À impugnação dos actos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação, como sucede no caso de erro sobre os pressupostos de facto e de direito da autoliquidação de IVA, corresponde a forma processual impugnação judicial nos termos do art. 97.º, n.º, alínea d);

III. À impugnação ou condenação à prática de acto administrativo legalmente devido relativamente a outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do ato de liquidação, como sucede no caso de impugnação de acto de indeferimento, por intempestividade, do pedido de revisão interposto ao abrigo do art. 78.º da LGT, corresponde a forma processual Acção Administrativa - art. 97.º, n.º 1, alínea p);

IV. Na Acção Administrativa em que se impugna o acto de indeferimento, por intempestividade, do pedido de revisão interposto ao abrigo do art. 78.º da LGT e se peticiona a sua anulação, é ilegal da cumulação com o pedido de condenação da AT à prática do acto de devido, quando este comporte, como sucede nos autos, a apreciação da legalidade da autoliquidação de IVA.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e manter ao despacho recorrido.
****
Custas pelo A.
D.n.
Lisboa, 4 de Junho de 2020.

Cristina Flora

Tânia Meireles da Cunha

(voto a decisão, mas não a fundamentação conforme declaração de voto infra)

Anabela Russo

(voto a decisão, mas não a fundamentação conforme declaração de voto da 1.ª adjunta infra que subscrevo)



Declaração de voto:
Não subscrevemos a fundamentação do acórdão pelas razões que passamos a expor:

A questão colocada em recurso era apenas a de saber se o A., ao peticionar simultaneamente a anulação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e a condenação da Administração Tributária a “reconhecer o direito ao A. a deduzir o IVA respeitante ao ano de 2007, no valor de € 22.322,38, com o consequente reembolso pelo órgão competente da AT desse montante, acrescido de juros indemnizatórios”, cumulara ilegalmente pedidos.

No despacho saneador recorrido foi entendido que sim, aduzindo-se, como fundamento, em síntese, o facto de o ato de indeferimento ter na sua base exclusivamente uma apreciação quanto à (in)tempestividade desse pedido e o Tribunal, nestas situações, não se poder substituir ao órgão administrativo, mas apenas sindicar a sua atuação.

No presente acórdão, cuja decisão votamos, foi acolhida integralmente a fundamentação da sentença recorrida.

Entendemos, porém, como decidimos já no acórdão de 09.05.2020, proferido no processo n.º 509/16.4BECTB-A (de que fui relatora e a 2ª adjunta desta formação igualmente subscreveu), que a questão da cumulação ilegal de pedidos não deve ser aferida em função do mérito da pretensão, mas, tão-só, dos requisitos de cumulação de pedidos.

Donde, no caso concreto, entendemos que carece de suporte legal a fundamentação adiantada enquanto cumulação ilegal de pedidos. Todavia, já subscrevemos tal fundamentação, enquanto apreciação parcial do mérito dos autos e em virtude de, em conformidade, os autos prosseguirem para a apreciação do outro pedido de condenação à prática do ato devido formulado pelo A.