Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:523/05.5BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2020
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:CADUCIDADE;
ERRO EVIDENTE NA DECLARAÇÃO;
IRS.
Sumário:I. O prazo de caducidade do direito à liquidação de três anos, previsto no n.º 2 do art.º 45.º da LGT, pressupõe a ocorrência de “erro evidenciado na declaração do sujeito passivo”.

II. O erro evidenciado na declaração do sujeito passivo é o erro é detetável mediante simples análise dessa declaração, que a AT possa detetar por um mero exame da coerência dos seus elementos, sem recurso a qualquer outra documentação externa.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

A…… e L…… (doravante Recorrentes ou Impugnantes) vieram apresentar recurso da sentença proferida a 31.12.2014, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Castelo Branco, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) atinente ao ano de 2000.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, os Recorrentes apresentaram alegações, nas quais concluíram nos seguintes termos:

“A ) – Do anexo C da declaração modelo 3 de IRS de 1999 e 2000 resulta não só o apuramento feito pelos recorrentes da mais-valia fiscal como também a falta da sua tributação no exercício de 2000.

B ) – Apesar dos recorrentes não terem tributado em 2000 a mais-valia fiscal apurada, tal circunstância não afasta a figura do erro.

C ) - Na verdade, a simples leitura do anexo C da modelo 3 permitiu chegar à conclusão da não tributação da mais-valia em 2000 e nessa medida não é o fato de os recorrentes terem omitido a sua tributação que afasta a natureza de erro evidenciado na declaração.

D ) – Com efeito, o erro evidenciado na declaração não poderá deixar de ser, não só toda e qualquer informação favorável ou desfavorável ou ao sujeito passivo ou à Autoridade Tributária que conste nas declarações fiscais entregues pelos contribuintes nos termos legais como também a falta de informação que devia estar nas declarações e cuja falta resulta de forma clara e inequívoca da análise e ou leitura das respetivas declarações fiscais ou seus anexos.

F ) - De fato, a razão de ser da citada norma é, por um lado, permitir ao sujeito passivo que a sua situação fiscal nessa parte se torne definitiva e inatacável logo que seja decorrido o respetivo prazo e por outro lado, obrigar a Autoridade Tributária a ser diligente no exercício das suas funções e atribuições sempre que tem ao seu alcance as declarações dos contribuintes.

G ) - Aliás, assim como os contribuintes têm prazos para entregar as suas declarações fiscais sob pena de terem de sofrer as consequências legais da sua falta de entrega, também a Autoridade Tributária está vinculada a ter de analisar e pronunciar-se sobre as declarações dos contribuintes no prazo de três anos, sob pena de não o fazendo, os erros evidenciados em tais declarações não serem suscetíveis de originar correções de impostos pelo decurso do próprio prazo de caducidade.

H ) – A douta decisão recorrida efetuada errada aplicação do n º 2 do artigo 45º da LGT”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não contra-alegou.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Há erro de julgamento no tocante à caducidade do direito à liquidação, por ser aplicável o disposto no art.º 45.º, n.º 2, da LGT?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

1) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º 96…, de 14-08-2002, foi levada a cabo uma acção de inspecção externa, incidente sobre IRS e IVA dos exercícios de 2000 e 2001, com início em 06-11-2002 e fim em 19-11-2002 - cfr. fls. 1, 2 e 7 do processo administrativo [doravante PA] apenso;

2) A acção de inspecção externa culminou com o Relatório de Inspecção Tributário que consta de fls. 5 a 16 do PA apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, elaborado em 16-12-2002, sobre o qual recaiu Parecer e Despacho concordantes que constam de fls. 5 do PA apenso;

3) Tendo o RIT mencionado na alínea antecedente sido notificado aos impugnantes em 06-02-2003 – cfr. fls. 3 a 4 do PA apenso;

4) Em cumprimento Ordem de Serviço Interna n.º 113…, a Administração Tributária levou a cabo uma «análise interna do tratamento em sede de IRS, da diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias realizadas na alienação de bens do activo imobilizado, nos exercícios de 1999 e 2000 e com incidência na tributação dos exercícios de 2000, 2001, 2002 e 2003, ao sujeito passivo A……., com o NIF 169.730…, o CAE 45.211 e sede em S…… – 6400-… P…… - cfr. resulta de fls. 37 da Reclamação Graciosa [doravante RG] apensa;

5) A acção de inspecção interna teve início em 28-07-2004 e viria a culminar com a elaboração, em 12-10-2004, do Relatório Final constante de fls. 36 a 44 da RG apensa [e respectivos anexos], cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e donde se destaca, além do mais, o seguinte:

«II – Diligências efectuadas para realizar o procedimento de inspecção interno.

Procedemos às seguintes diligências no sentido de cumprir a Ordem de serviço interna nº 113…:

A) – Em 28/7/04 contactou-se telefonicamente e posteriormente via fax, o sujeito passivo, no sentido de solicitar elementos fiscalmente relevantes necessários à aferição do reinvestimento dos valores de realização do imobilizado alienado em 1999 e 2000 e correspondente tributação das mais valias realizadas.

O contribuinte enviou em 4/8/2004, apenas os mapas de amortizações de imobilizado dos anos de 2002 e 2003 e respectivas contas correntes, tendo informado que não enviava os mapas de mais-valias de 1999, porque o direito à liquidação tinha caducado e que não enviava os mapas de mais-valias e amortizações dos anos de 2000 e 2001, porque já tinha sido inspeccionado externamente em 14/8/2002 (O.S. 965…) pelo que na sua opinião se encontrava “precludido” o direito da A.F. de proceder a nova inspecção.

Perante o exposto notificou-se com carta registada e aviso de recepção, em 23/8/04, o contribuinte para comparecer na D.F. Guarda e apresentar os elementos fiscalmente relevantes solicitados anteriormente.

No dia 26/8/04 enviou um fax onde informou que não procederá à apresentação dos elementos solicitados, procedimento contrário ao disposto no artigo 128º nº 1 do CIRS, punido pelo artigo 117º nº 1 do RGIT.

B) – Em 24/8/2004 procedeu-se a nova notificação para apresentar os elementos fiscalmente relevantes relacionados com a tributação autónoma de viaturas ligeiras de passageiros dos anos de 2000, 2001, 2002 e 2003 e contribuinte adoptou o procedimento descrito no ponto A), pelo que de igual modo se verifica uma infracção ao artigo 128º nº 1 do CIRS, punida nos termos do artigo 117º nº 1 do RGIT.

III – TRIBUTAÇÃO DAS MAIS VALIAS – A. 41º e 44º CIRC

Após análise dos elementos fiscalmente relevantes disponíveis verifica-se:

3.1 – Mais-Valias realizadas e reinvestimento do valor de realização

Recorrendo aos elementos declarados nos anexos C das declarações de rendimento dos anos de 1999 a 2003, verifica-se que o sujeito passivo preencheu os referidos anexos com os seguintes valores:

Observações:

Linha 1 – As mais valias Fiscais dos anos de 1999 e 2000 são iguais às mais valias contabilísticas, tendo o sujeito passivo deduzido ao resultado tributável do ano de 1999 e 2000 as segundas e procedido ao diferimento da tributação das primeiras nos termos do artigo 44º do CIRC (actual 45º do CIRC), por remissão do artigo 32º do CIRS (o contribuinte não enviou o mapa das mais e menos valias)

Linha 5 – Confirma-se que o contribuinte procedeu ao reinvestimento na totalidade do valor de realização do imobilizado alienado nos anos de 1999 e 2000.

Anexa-se mapa com os valores reinvestidos e cujos elementos foram retirados do mapa de amortizações do ano de 2002 – Anexo I

3.2 – Tributação das mais valias diferidas

Ao analisar-se o Anexo C da modelo 3 dos exercícios de 1999 até 2003, verifica- -se que o contribuinte acresceu ao resultado tributável, as amortizações em excesso indicadas no quadro seguinte, as quais correspondem a veículos ligeiros de passageiros de valor superior a 29.927,87 euros tal como dispõe o artigo 33º nº 1 alínea e) do CIRC:

Linha 1 – O contribuinte não enviou os mapas de amortizações do ano de 1999, pelo que se desconhece a que veículo corresponde o valor de 5.648,89 euros, provavelmente será de veículo alienado no ano de 2000

Face ao exposto conclui-se que o contribuinte não procedeu à tributação da diferença positiva entre as mais e menos valias apuradas no ano de 1999 e 2000, cuja tributação foi diferida nos termos dos artigos 42º a 44º (actuais 43º e 45º) do Código do IRC, na redacção anterior à dada pela Lei n.º 30-G/2000. Além disso não indicou no mapa de amortizações a mais valia fiscal associada ao bem em que se tenha concretizado o reinvestimento, tal como obriga a Circular 10 de 14/3/94.

Consequentemente seleccionamos os bens em que consideramos ter sido concretizado o reinvestimento dos valores de realização, tal como se evidencia no Anexo 2 e aplicamos o regime de reintegrações previsto no artigo 32º nº 1 alínea g) do CIRC na redacção anterior à dada pela Lei n.º 30-G/2000, por remissão do artigo 32º do CIRS.

Assim resume-se no quadro seguinte as reintegrações não aceites para efeitos fiscais dos referidos bens, calculadas com base na aplicação da taxa de amortização à parte da diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias que lhe tiver sido imputada nos termos artigo 44º nº 6 e do artigo 32º nº 1 alínea g) ambos do Código do IRC na redacção anterior à dada pela Lei n.º 30-G/2000 e ainda, do artigo 21º.A do Decreto-Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro:

“Texto Integral com Imagem”

(…)

VI – Audição

(…).

4º - O contribuinte considera subjectiva, com falta de fundamentação e ainda insustentável a identificação dos bens onde se operou o investimento, porque na sua opinião o reinvestimento não se operou nos referidos bens. Aliás segundo o mesmo “… nos anos 2000, 2001 e 2002, o signatário adquiriu o seguinte imobilizado corpóreo, a saber: camion V…. 72-…-SG, Caixa de carga basculante 72-…-SG, travão eléctrico 72-…-SG, viatura ligeira de mercadorias 04-…-OV, viatura ligeira M….. 00-…-RG, central betuminoso SIM, viaturas pesadas 41-…-TZ, 41-…-TZ e 41-…-TZ, entre outros.”

Além disso o contribuinte é da opinião que o artigo 44º nº 6 do CIRC dispõe que “… a não tributação das mais-valias opera mediante a individualização efectuada pelo sujeito passivo, identificando os bens nos quais se efectua o reinvestimento”

Relativamente a este argumento esclarece-se que os “outros” (expressão utilizada pelo contribuinte no direito de audição), são os bens seleccionados pela Administração Fiscal, para efeitos de tributação autónoma, visto o contribuinte não ter identificado os mesmos no mapa de amortizações, tal como obriga o artigo 44º nº 6 do CIRC na redacção anterior à Lei 30-G/2000, de 29 de Dezembro que se passa a citar:

“O valor da diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias não tributando nos termos do nº 1 será deduzido ao custo de aquisição ou ao custo de produção dos bens do activo imobilizado corpóreo em que se concretizou o reinvestimento para efeitos da respectiva reintegração ou determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente aos mesmos – Artigo 44º nº 6 do CIRC”

Além disso informa-se que independente dos bens seleccionados o valor da mais valia fiscal a tributar nos anos seguinte seria o mesmo, porque as taxas de reintegrações são iguais nos bens seleccionados pela Administração Fiscal e nos bens citados pelo contribuinte e adquiridos nos mesmos exercícios.

Face ao exposto somo de opinião que se deverão manter as correcções propostas no capítulo III (…)»

6) Em 02-11-2004, pelo Director de Finanças foi outorgado o seguinte DESPACHO:

«Nos termos dos nºs 4 e 5 do artigo 65º do Código do IRS, altero os elementos declarados pelos sujeitos passivos, com base nos fundamentos e critérios constantes do anexo relatório dos Serviços de Inspecção Tributária elaborado após o exercício do direito de audição.

Correcções aos rendimentos da Categoria C (sujeito passivo A):

- Foi acrescido ao resultado líquido declarado o montante de € 19 056,64 correspondente ao valor que não pode ser considerado como amortização nos termos da al. g) do nº 1 do artº 32º do CIRC, aplicável por remissão do artº 31º do CIRS e calculado nos termos do artº 44º do CIRC.

- Foi incluído em despesas de representação e encargos de viaturas ligeiras de passageiros o montante de € 16 890,56, constituindo o total de despesas sujeitas a tributação autónoma nos termos do artº 4º do D.L. nº 12/90.

- Das correcções efectuadas resulta o rendimento líquido da mesma categoria no montante de € 161 186,25 e o conjunto dos rendimentos líquidos de € 168 486,69.

O sujeito passivo foi já notificado nos termos dos artºs 60º da LGT e RCPIT para o exercício do direito de audição em relação às correcções efectuadas; a notificação foi efectuada pela Inspecção Tributária no âmbito da acção inspectiva.» - cfr. fls. 34 da RG apensa;

7) Pelo Ofício n.º 674…, datado de 02-11-2004, foi o ora impugnante A........ notificado das correcções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável – cfr. fls. 32 da RG apensa;

8) Mediante a nota de cobrança n.º 2004 10910…, datada de 26-11-2004, foram os ora impugnantes notificados para efectuar o pagamento da quantia de € 11.690,37 até ao dia 05-01-2005, relativo a IRS/2000 cfr. resulta de 100 dos autos e 31 da RG apensa;

9) Em 14-04-2005, deu entrada no SF de Pinhel a reclamação graciosa constante de fls. 23 a 30 da RG apensa, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

10) Em 22-07-2005, foi elaborada a PROPOSTA DE DECISÃO constante de fls. 64 a 73 da RG apensa, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, mediante a qual concluía pelo indeferimento da aludida reclamação graciosa;

11) Notificado o ora impugnante da proposta de decisão mencionada na alínea antecedente [vide , fls. 74 e A/R no verso de fls. 75 da RG apensa], vieram os ora impugnantes exercer o direito de audição prévia, mediante o requerimento constante de fls. 77 a 78 da RG apensa;

12) Em 19-09-2005, foi elaborada a Informação constante de fls. 79 a 81 da RG apensa, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e donde se destaca o seguinte:

«(…)

4. No exercício do direito de audição, o reclamante vem manifestar discordância por não ter sido considerado que a inspecção que deu origem às liquidações reclamadas, se tratava de uma repetição de uma inspecção externa e não de uma inspecção interna, vem também alegar, e tentar demonstrar que não houve recusa de colaboração.

5. Relativamente ao tipo de inspecção efectuada, ficou demonstrado na proposta de decisão que a acção de inspecção realizada foi uma acção de inspecção interna, realizada nos serviços da administração tributária, tendo sido efectuada por análise formal e de coerência dos documentos. Não tendo sido, no exercício do direito de audição, alegado qualquer facto que altere a informação prestada anteriormente.

6. O contribuinte alega que não houve falta de colaboração com a inspecção tributária, relativamente aos anos de 2000 e 2001, aquando da determinação dos bens onde efectuou o reinvestimento. O contribuinte foi notificado por duas vezes, no sentido de serem enviados aos serviços de inspecção tributária os elementos fiscalmente relevantes necessários à aferição do reinvestimento dos valores de realização do imobilizado alienado em 1999 e 2000. Não tendo enviado os elementos solicitados.

Esta situação configura uma violação do dever de colaboração, previsto no n.º 4 do art.º 59º da LGT.

O contribuinte para tentar justificar a falta de colaboração verificada vem, alegar que pelo art.º 47º do RCPIT, é legítima a oposição aos actos de inspecção quando a mesma não esteja credenciada.

Mas o art.º 47º do RCPIT refere-se à falta de credenciação dos funcionários de inspecção, aquando da realização de uma inspecção externa. Esta credenciação está definida no art.º 46º do RCPIT, onde temos que os funcionários consideram-se credenciados se estiverem munidos de ordem de serviço ou de cópia do despacho do superior hierárquico que determina a realização do acto.

Não pode ser invocada qualquer falta de credenciação, pois refere-se a procedimentos de inspecção externa e refere-se a funcionários, não se refere a actos de inspecção. Pelo que, esta situação não se aplica ao caso em análise.» ;

13) Em 03-10-2005, em sede de reclamação graciosa foi proferida a seguinte DECISÃO:

«Não havendo razões para alterar a proposta de decisão, converto -a em definitiva, e com os fundamentos nela expressos, indefiro o pedido.

Notifique-se.» - cfr. fls. 79 da RG apensa;

14) A decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa, bem como os seus fundamentos foram notificados ao impugnante em 11-10-2005 – cfr. fls. 82 e 83 da RG apensa [designadamente o A/R anexo a fls. 83];

15) Em 18-10-2005, deu entrada no SF de Pinhel a presente impugnação judicialcfr. carimbo aposto no rosto de fls. 3 dos autos”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“O Tribunal alicerçou a sua convicção com base no exame crítico dos documentos juntos aos presentes autos”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda­-se em aditar a seguinte matéria de facto provada:

16) O documento mencionado em 8) foi recebido pelos impugnantes pelo menos a 22.12.2004 (cfr. fls. 2 a 10 da reclamação graciosa).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento quanto à caducidade do direito à liquidação

Alegam os Recorrentes que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que a situação dos autos se configura como erro evidenciado na declaração do sujeito passivo e, como tal, é de atentar ao prazo de caducidade do direito à liquidação de três anos previsto no n.º 2 do art.º 45.º da LGT.

O Tribunal a quo, a este respeito, considerou que as correções advêm da conjugação de toda a informação recolhida atinente aos sujeitos passivos e àquele período [dossier fiscal], pelo que não é de aplicar o prazo previsto no artigo 45.º, n.º 2, da LGT, entendendo ser de aplicar o prazo previsto no n.º 1 do mesmo art.º 45.º.

Vejamos então.

Nos termos do art.º 45.º da LGT (redação à época):

“1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

2 - Nos casos de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo ou de utilização de métodos indirectos por motivo da aplicação à situação tributária do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade previstos na presente lei, o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos”.

O “erro evidenciado na declaração do sujeito passivo” é um erro de coerência, evidente e evidenciado pela simples análise da declaração apresentada pelo sujeito passivo.

Quer isto dizer que se trata de erro imediatamente percetível, sem necessidade de atender a outros elementos complementares, ainda que esses elementos estejam em poder da administração tributária [1].

Ora, a situação dos autos não se enquadra nessa situação.

Com efeito, como decorre da matéria de facto assente, a liquidação impugnada teve como ponto de partida a análise dos elementos declarados pelos Recorrentes.

Não obstante, como resulta da análise do relatório de inspeção tributária (RIT) [cfr. facto 5)], que constitui o fundamento da liquidação em crise, as conclusões extraídas pela administração tributária (AT) foram-no após a análise de outros elementos, para além da declaração do sujeito passivo.

Assim, para efeitos de apreciação das amortizações dos bens onde foi efetuado o reinvestimento, a AT teve, designadamente, de lançar mão de elementos constantes do mapa de amortizações relativo ao ano de 2002, a partir do qual elaborou uma relação dos bens adquiridos nos diversos anos e respetivos valores de aquisição e calculou o valor das reintegrações não aceites como custo.

Trata-se de dados que não constam e nem tinham de constar da declaração de rendimentos apresentada e, como tal, a análise dessa declaração, em singelo, não permitiria à AT extrair as conclusões extraídas. Com efeito, atentando nos campos que integram a declaração modelo 3 de IRS (cfr. as Portarias n.ºs 35/2000, de 28 de janeiro, e 45-A/2001, de 22 de janeiro), das mesmas não constam os elementos que a AT teve de lançar mão, para efetuar as correções constantes do RIT, designadamente os elementos desagregados relativos a amortizações e reintegrações.

Aliás, há que ter em conta que, para além da apresentação da declaração de rendimentos (v. art.º 57.º na redação do CIRS vigente em 2001 – ano da apresentação da declaração de rendimentos de 2000), existem outras obrigações acessórias declarativas, de entre as quais a apresentação da então declaração anual de informação contabilística e fiscal (cfr. art.º 113.º do CIRS – redação em vigor em 2001), devendo, até ao prazo da apresentação desta, ser organizado o processo de documentação fiscal (comummente designado de dossier fiscal), então previsto no art.º 129.º do CIRS e cujos elementos integrantes estavam então definidos na Portaria n.º 359/2000, de 20 de junho. O mapa de amortizações, entre outros, trata-se de elemento que deve constar do referido dossier fiscal.

Ou seja, a mera análise da coerência da declaração apresentada pelos impugnantes não é de molde às correções operadas, que só foram possíveis considerando outros elementos adicionais, que não constavam da declaração modelo 3 nem tinham de aí ser declarados.

Logo, é de aplicar o prazo de quatro anos previsto no n.º 1 do art.º 45.º, da LGT, pelo que a liquidação em crise, tendo sido emitida antes de 31.12.2004, o foi antes de decorrido o respetivo prazo de caducidade.

Como tal, carecem de razão os Recorrentes.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pelos Recorrentes;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 14 de janeiro de 2020

(Tânia Meireles da Cunha)

(Cristina Flora)

(Patrícia Manuel Pires)


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[1] Cfr., a este propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 24.05.2016 (Processo: 0991/15) e jurisprudência no mesmo citada. V. igualmente José Maria Fernandes Pires (Coord), Maria João Menezes, José Ramos Vidal e Gonçalo Bulcão, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, Coimbra, 2015, p. 403, e Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária – comentada e anotada, 4.ª Ed., Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 361.