Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:931/16.6BLSB
Secção:CA
Data do Acordão:06/14/2018
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:RESPONSABILIDADE DO ESTADO PELA DELONGA NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA;
LEI N.º 67/2007, DE 31-12; VIOLAÇÃO DO DIREITO À JUSTIÇA EM PRAZO RAZOÁVEL;
PROCESSO-CRIME; ILICITUDE; DEMORA NA FASE DO INQUÉRITO;
Sumário:I – Para aferir da ilicitude decorrente de um atraso na decisão judicial, há que considerar, primeiramente, de forma analítica o (in)cumprimento dos vários prazos legais para a prática dos vários actos e dos correspondentes prazos para a ocorrência das várias fases processuais, atendendo, ainda, às circunstâncias do caso concreto e designadamente: (i) à complexidade do caso; (ii) ao comportamento processual das partes; (iii) à actuação das autoridades competentes no processo; (iv) e à importância do litígio para o interessado;
II - Posteriormente, há que encetar um segundo raciocínio, já não analítico, mas global, em que a aferição do pressuposto da ilicitude decorrente da excessiva demora do processo ou do atraso na decisão judicial se afere pela totalidade do período de tempo em que tal processo se desenvolveu;
III – Não ocorre violação do direito à justiça em prazo razoável quando relativamente um processo-crime, entre a data da abertura do inquérito e o acórdão final proferido em 2.ª instância, mediaram cerca de 4 anos e 10 meses;
IV – A verificação de uma maior delonga na fase do inquérito, que demorou cerca de 2 anos e 6 meses, motivada pelo aguardar de uma perícia requerida ao GTI da PJ e justificada processualmente pelo facto de esse gabinete da PJ ser composto apenas por 5 funcionários especialistas e estar assoberbado de trabalho, por si só, não conduz à ilicitude que se se exige para a responsabilização do Estado;
V - Nas circunstâncias do caso concreto, atendendo à complexidade e exigências da peritagem informática que se tinha que fazer, aos meios ao dispor do Tribunal e ao comportamento do próprio GTI, que justificou prontamente o seu atraso, assim como, a toda a restante tramitação processual, que foi célere nas suas fases seguintes, não obstante a maior dilação da fase de inquérito, a mesma não pode ser rotulada de ilícita ou censurável, pois a demora que foi cometida não poderia ser evitada ou atenuada. Tratou-se, pois, de uma demora desculpável. Ademais, a maior demora desta fase acabou por ficar mitigada face à celeridade que se imprimiu a todo restante do processo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO
M… P… dos S… S… interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa, que julgou verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta do referido TAC e determinou a absolvição parcial da instância pelo R., o Estado Português (EP), com relação ao pedido de pagamento de uma indemnização no valor de €5.000,00 por erro judiciário, assim como, julgou improcedente o pedido de pagamento de uma indemnização por atraso na administração da justiça, no valor de 4.000,00€, para ressarcimento de danos não patrimoniais.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: “1- o autor foi perseguido desde 2011 até 2015, por 3 anos e 8 meses.
2- a prova recolhida foi declarada nula e o arguido libertado em 7-3-2012.
3- o Estado Português perseguiu, entrou no domicilio do autor, censurou-o por vislumbrar a internet e condenou-o, tudo em 3 anos e 8 meses.
4- a competência do Tribunal para apreciar da vexata questio é pertinente.
5- constata-se que o réu violou os arts. 6º- 1 e 8° da Convenção Europeia, 16°- 3 da Lei 109/2009 e 32°- 8 da Lei Fundamental; a Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a Convenção Europeia devem ser respeitadas em Portugal; in casu foi ostensivamente ostracizada!
6- a pendencia de um pendencia processual processo por mais de 1 (um)ano constitui inadmissível: injustificada perseguição e
Acórdãos TCAN Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte Processo: 02767106.3BEPRT
Secção: 1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão: 05-07-2012
Tribunal: TCAN
Relator: Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
ATRASO NA JUSTIÇA
2. Como tese geral, e sufragando o entendimento do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que um processo que demore mais de três anos numa instância excede o prazo razoável.
8. Os danos morais por atraso na realização da justiça presumem-se;”.

O Recorrido EP, aqui representado pelo Ministério Público (MP), nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “a)- A Entidade demandada é uma República soberana e um Estado de direito, subordinado à CRP e fundado na legalidade (artºslº a 3º/ 2 da CRP)
b)- Através dos Órgãos competentes, prossegue criminalmente, os autores de condutas penais
e) - Os prazos do Inquérito são "ordenadores ou disciplinares"
d)- O conceito de excesso do prazo legal, no Inquérito, tem de ser conjugado com o da complexidade da investigação e de obtenção de provas
e) - No caso concreto, esta careceu de apreensão do computador e respetivo exame pericial, efetuado por Especialistas da PJ
f) - A pedido do ilustre Mandatário do Recte, foi adiado o dia designado para julgamento, carretando protelamento processual, por um Mês, a abater na duração alegada
g)- Antes, usara da faculdade de requerer abertura de instrução contraditória, que perdurou, por mais de 2 Meses, a serem considerados
h)- Os pressupostos da responsabilidade acionada são cumulativos
i)- Não estão provados os pressupostos da ilicitude e culpa

Colhidos os vistos, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – OS FACTOS
Na decisão recorrida foram dados por provados os seguintes factos, que se mantêm:
A. Por ofício, com a referência NAI 2845…, de 14.07.2011, o Chefe de Sector da Unidade de Administração Financeira, Patrimonial e Segurança da Polícia Judiciária informou o Procurador Adjunto de Turno no DIAP do início de diligência do inquérito NUIPC 48....0JDLSB, procedendo ainda ao envio de cópia da denúncia recebida na Polícia Judiciária, em 22.06.2011, relativa a um crime de pornografia infantil através da internet (cfr. documento n.º 2 junto aos autos com a contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
B. Em 06.03.2012, M... P... dos S... S... foi detido e constituído arguido pela Polícia Judiciária, em sua casa, na Rua V… M…, 3, A…, R…, T… V…, no âmbito do processo n.º 48...0JDLSB, tendo sido apreendido um computador portátil (admitido por acordo; cfr. artigo 1.º da petição inicial e 20.º da contestação e documento n.º 11-A junto aos autos com a contestação, e que se dá aqui por integralmente reproduzido).
C. Em 07.03.2012, no âmbito do aludido processo n.º 48…..0JDLSB, M... P... dos S... S... foi interrogado pela Juiz de Instrução Criminal de T… V…, tendo sido decidido que: «(…) verificamos que a junção aos mesmos dos elementos informáticos constantes de fls. 76 a 86, nos quais se alicerça o requerimento ora apresentado pelo Ministério Público, não foi precedida de apresentação ao Juiz de Instrução, para efeitos de ponderação da respectiva junção aos autos em função dos interesses do caso concreto.
Assim sendo, verifica-se uma nulidade de valoração de tal prova (…) inquina os autos processuais subsequentes, mormente a apresentação do Arguido o primeiro interrogatório judicial.
Pelo exposto, declaro a sobredita nulidade, e em consequência, determino:
- Se restitua, de imediato, o Arguido à liberdade (…)» (admitido por acordo; cfr. artigo 2.º da petição inicial e 20.º da contestação e documento n.º 13 junto aos autos com a contestação, e que se dá aqui por integralmente reproduzido).
D. Em 30.03.2012, no âmbito do processo n.º 48….0JDLSB, a Procuradora- Adjunta do Ministério Público solicitou à Polícia Judiciária a realização de uma pesquisa no computador apreendido, com vista à extracção para suporte digital de ficheiros com conteúdo pornográfico, visando menores (cfr. documento n.º 14 junto aos autos com a contestação, e que se dá aqui por integralmente reproduzido).
E. Em 14.05.2012, no processo n.º 48….0JDLSB foi elaborado um “auto de abertura de ficheiros”, tendo sido autorizado pelo Juiz de Direito o exame ao computador do arguido, M... P... dos S... S... (cfr. documento n.º 14-A junto aos autos com a contestação, e que se dá aqui por integralmente reproduzido).
F. Por ofício datado de 23.05.2013, referente ao Proc. n.º 48….0JDLSB a Directoria de Lisboa e Vale do Tejo da Polícia Judiciária informou a Procuradora Adjunta do serviços do Ministério Público de T… V… (1.ª Delegação) que «(…) a pendência a cargo do Grupo Técnico de Informática (GTI) da 8.ª Secção da DLVT é de tal forma elevada que ultrapassou largamente a capacidade de resposta em tempo útil deste grupo, composta apenas por cinco funcionários especializados. Por tal é dada prioridade aos pedidos referentes a inquéritos com arguidos presos, em fase de prescrição e outros cuja prova digital se encontra em risco de perecibilidade, (…) razão pela qual ainda não foi possível realizar o exame solicitado (…)» (cfr. documento n.º 15 junto aos autos com a contestação, e que se dá aqui por integralmente reproduzido).
G. Em 13.03.2014, foi elaborado o relatório do exame efectuado ao computador portátil apreendido no âmbito do processo n.º 48….0JDLSB (cfr. documento n.º 16 junto aos autos com a contestação, e que se dá aqui por integralmente reproduzido).
H. Em 09.04.2014, o Procurador Adjunto dos Serviços do Ministério Público de T… V…., consignou que naquela data foram-lhe apresentados os autos do processo n.º 48….0JDLSB, acompanhados do relatório de exame efectuado ao computador apreendido ao arguido, bem como dos suportes digitais no qual estão armazenados os ficheiros informáticos, contendo imagens/filmes de abusos sexuais de menores (cfr. documento n.º 41 junto aos autos com a contestação, e que se dá aqui por integralmente reproduzido).
I. Naquele mesmo processo n.º 48….0JDLSB, M... P... dos S... S... foi, em 15.09.2014, acusado de 6 crimes de pornografia de menores, por ter descarregado vídeos da internet (admitido por acordo; cfr. artigo 3.º da petição inicial e 20.º da contestação e documentos juntos aos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos).
J. No âmbito do processo n.º 48….0JDLSB, na sequência da prolação da acusação pública, M... P... dos S... S... requereu, em 02.10.2014, a abertura de instrução, o que foi deferido por despacho de 06.11.2014 (cfr. documento n.º 17 junto aos autos com a contestação, e que se dá aqui por integralmente reproduzido e documentos juntos aos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos).
K. Em 15.12.2014, no processo n.º 48….0JDLSB, o Juiz do Tribunal de Loures – Instância Central Secção de Instrução Criminal - declarou encerrada a instrução e decidiu pela pronúncia de M... P... dos S... S... como autor material de 6 crimes de pornografia de menores (cfr. documento n.º 17 junto aos autos com a contestação, e que se dá aqui por integralmente reproduzido).
L. Por despacho de 19.02.2015, o Juiz de Direito do Tribunal de Loures – Instância Central, Secção Criminal – admitiu a contestação, bem como o rol de testemunhal apresentado pelo arguido no processo 48…1.0JDLSB, e na sequência de requerimento apresentado pelo mandatário do arguido, foi designada, em substituição da data previamente determinada para a realização do julgamento, o dia 08.05.2015, data também sugerida (cfr. documento n.º 57 junto aos autos com a contestação, e que se dá aqui por integralmente reproduzido).
M. Em 08.05.2015, no processo n.º 48….0JDLSB, M... P... dos S... S... foi julgado no Tribunal de Loures, e em 15.05.2015, foi condenado, como autor material, pelo cometimento de um crime de pornografia de menores, em 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa pelo período de 1 ano e 6 meses; tendo o Ministério Público recorrido de tal decisão, que veio a transitar em 06.11.2015 (admitido por acordo; cfr. artigos 4.º, 6.º, 7.º e 8.º da petição inicial e 20.º da contestação e documentos juntos aos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos).
N. Em 20.05.2015, no âmbito do processo n.º 48....0JDLSB, M... P... dos S... S... renunciou ao prazo para arguir nulidades, reclamação ou recurso (cfr. documentos juntos aos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos).
O. O Ministério Público interpôs recurso da decisão condenatória proferida no processo n.º 48….0JDLSB, o qual foi julgado improcedente por acórdão de 06.10.2015 do Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. documentos juntos aos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos).
P. Por despacho proferido em 22.03.2016, foi deferido o pedido de protecção jurídica, nas modalidades de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo, formulado por M... P... dos S... S... para propor “acção administrativa comum” (cfr. documento junto aos autos com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
Q. Em 19.04.2016 foi registada a entrada, via SITAF, de petição inicial que originou os presentes autos (cfr. fls. dos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidas).

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste processo, tal como vêem delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir do erro decisório, da violação dos art.ºs 6.º e 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) , 16.º, n.º 3 da Lei n.º 109/2009 e 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa (CRP), por não ter sido atribuída ao Recorrente uma indemnização por danos não patrimoniais, quando está provado nos autos que ocorreu um atraso na administração da justiça, decorrente de uma demora no processo criminal de 3 anos e 8 meses.

Diga-se, desde já, que a decisão recorrida é para manter, por ser totalmente acertada.
O direito a uma decisão judicial em prazo razoável foi consagrado no art.º 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP), na versão introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20-09.
Esse mesmo direito está também consagrado nos art.ºs. 6.º e 13.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), de 04-11-1950 (aprovada para ratificação pela Lei n.º 65/78, de 13-10, com depósito em 09-11-1978 e desde essa data aplicável na ordem jurídica interna – cf. aviso no DR, 1.ª Série, n.º 1/79, de 21-01-1979) e tem igualmente protecção nos art.ºs 8.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10-12-1948 (publicada no DR de 09-03-1978) e 14.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (aprovado para ratificação pela Lei n.º 29/78, de 12-06, com depósito em 15-06-1978 e desde essa data aplicável na ordem jurídica interna – cf. aviso no DR, 1.ª Série, n.º 187/78, de 16-08-1978).
Por seu turno, o art.º 22.º da CRP consagrava desde a revisão de 1982 (Lei-Constitucional n.º 1/82, de 30-09-1982) um princípio geral da responsabilidade civil do Estado e demais pessoas colectivas públicas.
Naquela data inicial, estava em vigor o Decreto-Lei n.º 48051, de 21-11-1967, que não consagrava em termos expressos a responsabilidade do Estado pelo funcionamento defeituoso do serviço público de justiça e designadamente pela delonga anormal na administração da justiça.
Todavia, a doutrina e a jurisprudência largamente maioritárias passaram a considerar que o artigo 22.º da CRP determinava um princípio geral de responsabilidade civil do Estado por danos causados no exercício das suas funções – política, legislativa, jurisdicional ou administrativa – e que era uma norma directa e imediatamente aplicável, servindo, por isso, de fundamento para a interposição de uma acção de responsabilidade civil extracontratual do Estado por facto ilícito e culposo (cf. neste sentido, o Ac. do STA, n.º 26535, de 07-03-1989, que deu o mote à alteração jurisprudencial nesta matéria, ou mais recentemente fazendo a referência à anterior jurisprudência o Ac. do STJ n.º 368/09.3YFLSB, de 08-09-2009. Vide também, entre outros, os Acs. do, do STA n.º 0533/09, de 19-11-2009 ou n.º 0122/10, de 05-05-2010 ou n.º 0144/13, de 27-11-2013. Na doutrina, vide, entre muitos outros Jorge Miranda - “A Constituição e a Responsabilidade Civil do Estado” - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, Coimbra, 2001, pp. 927-934; JJ Gomes Canotilho - Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4º ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2000, p. 496; Fausto Quadros - “Omissões legislativas sobre direitos fundamentais”. Nos Dez Anos da Constituição, Lisboa INCM, 1987, pp. 60- 61; Rui Medeiros - A Decisão de Inconstitucionalidade, Os Autores, o Conteúdo e os Efeitos da Decisão de Inconstitucionalidade da Lei. Lisboa: Universidade Católica Editora, 1999, pp. 576-620; Manuel Afonso Vaz - A Responsabilidade Civil do Estado, Considerações Breves sobre o seu Estatuto Constitucional. Porto: Edição UCP, 1995, pp. 7-13; Maria da Glória FP Dias Garcia - A Responsabilidade Civil do Estado e Demais Pessoas Colectivas Públicas. Lisboa: CES, 1997, pp. 40-46; Maria Rangel de Mesquita - “Responsabilidade do Estado e Demais Entidades Públicas: o Decreto-lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967 e o Artigo 22º da Constituição”. Perspectivas Constitucionais, Nos 20 anos da Constituição de 1976, vol. II, Coimbra: Coimbra Editora, 1997; Isabel Celeste M. Fonseca - “A responsabilidade do Estado pela violação do prazo razoável: quo vadis?”. Revista do Ministério Público, Ano 29, Jul-Set. 2008, nº 115, pp. 8-9).
Entretanto, foi publicada a Lei nº 67/2007, de 31-12, que no seu artigo 12.º vem prever em termos expressos que “é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa”.
Nos termos da Lei nº 67/2007, de 31-12, são pressupostos - cumulativos - para a efectivação da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas na administração da justiça, a existência de um facto ilícito e culposo, que tenha provocado danos e a verificação de um nexo de causalidade entre aquele facto e os danos verificados.
O facto é entendido como um acto conteúdo positivo ou negativo, como uma conduta de um órgão ou do seu agente, no exercício das suas funções e por causa delas.
No caso, o facto corresponderá ao acto ou à omissão da administração (da justiça, vg. aos tribunais), de proceder à regular tramitação e decisão num processo.
Exige-se, depois, a ocorrência de uma ilicitude, reconduzível à violação por aquele facto de normas legais e regulamentares ou princípios gerais aplicáveis, ou à prática de actos materiais que infrinjam tais normas e princípios, ou que infrinjam as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser consideradas (cf. art.ºs. 7.º e 12.º da Lei nº 67/2007, de 31-12).
Para aferir da ilicitude decorrente de um atraso na decisão judicial, a jurisprudência nacional, seguindo o entendimento que já vinha sendo tomado pelo TEDH, a propósito da aplicação do art.º 6.º, n.º 1, da CEDH, vem invocando que para a apreciação da violação do prazo razoável, há que considerar, primeiramente, de forma analítica o (in)cumprimento dos vários prazos legais para a prática dos vários actos e dos correspondentes prazos para a ocorrência das várias fases processuais.
Verificada a violação de um dado prazo, essa constatação não será, contudo, o bastante para se concluir pela violação do direito a uma decisão em prazo razoável. Diversamente, há então que atender também às circunstâncias do caso concreto: (i) à complexidade do caso - aqui relevando o número de partes ou de testemunhas ou o número de meios de prova a produzir; (ii) o comportamento processual das partes; (iii) a actuação das autoridades competentes no processo; (iv) e a importância do litígio para o interessado – vg., havendo que apreciar-se o concreto assunto que é discutido no processo e a importância que o mesmo reveste para o respectivo autor ou os próprios bens que se pretendem salvaguardar com o litígio.
Assim, verificando-se um atraso no cumprimento de prazos por razões ainda justificadas face aos termos do concreto litigio, ou derivadas de comportamentos provocados pelas próprias partes, há que afastar, nestas situações, o preenchimento do conceito de “prazo razoável”.
Posteriormente, há que encetar um segundo raciocínio, já não analítico, mas global, em que a aferição do pressuposto da ilicitude decorrente da excessiva demora do processo ou do atraso na decisão judicial se afere pela totalidade do período de tempo em que tal processo se desenvolveu. Para o cômputo desse prazo global releva não apenas a fase declarativa, desde o seu início, mas também a fase de execução judicial, importando apurar, no todo, o tempo em que decorreu até que uma dada pretensão formulada em juízo fosse efectivamente conhecida ou satisfeita.
Assim, como se defende no STA no Ac. n.º 0319/08, de 09-10-2008, “Deve em seguida passar a analisar-se na globalidade o tempo de duração da acção e o seu estado e, se a conclusão que se recolher deste conspecto for clara e seguramente no sentido de que foi ultrapassado o prazo razoável não deveremos perder-nos na floresta dos meandros processuais à procura de saber se foi ou não cumprido religiosamente cada um dos prazos dos actos daquele percurso. Uma situação deste tipo pressupõe evidentemente uma opinião praticamente unânime de um universo de apreciadores que o julgador pode prefigurar e portanto ocorre apenas quando a demora processual seja chocante, inaceitável, para os critérios do homem comum e das suas expectativas ponderadas sobre o andamento da máquina da administração da justiça.” (sobre a apreciação do pressuposto da ilicitude por quebra do direito à justiça em prazo razoável, para além do acórdão do STA, acima citado, vide, entre outros, os Acs. do STA n.ºs. 122/09, de 08-07-2009, 090/12, de 10-09-2010, 122/10, de 05-05-2010, 144/13, de 27-11-2013 ou 72/14, de 21-05-2015. Entre a jurisprudência do TEDH remete-se para os Acs. n.ºs. 53615/08, de 25-09-2012, Novo e Silva c. Portugal, 75529/01, de 08-06-.2006, Sürmeli c. Alemanha, 35382/97, de 06-04-.2000, Comingersoll SA c. Portugal, 33729/06, de 10-06-2008, Martins Castro e Alves Correio de Castro c. Portugal, 39297/98, de 08-03-2001, Pinto de Oliveira C. Portugal, 12986/87, de 24-08-1993, Scuderi c. Itália ou 12598/86, de 19-02-1992, Viezzer c. Itália).
Refiram-se, a este propósito, as palavras de Isabel Celeste da Fonseca, quando lembra que “o Tribunal de Estrasburgo já afirmou que a duração razoável corresponde em princípio à duração média de um processo, sendo certo que – em princípio, sublinhe-se – a duração em média em 1.ª instância deve corresponder a 3 anos, ou dois anos e sete meses, se atendermos às causas em matéria laboral ou relativas a pessoas. E a duração média de todo o processo deve corresponder, em princípio, sublinhe-se de novo, a um período que vai de 4 a 6 anos, salvo casos especiais, em que 2 anos pode significar duração excessiva, tendo em conta a particularidade de certas situações jurídicas litigiosas” (cf. da Autora, “Violação do prazo razoável e reparação do dano: quantas novidades, mamma mia! Anotação ao Ac. do STA de 09-10-2008, Proc. 319/08”, in CJA, Braga, Cejur, n.º 72, (Nov-Dez) 2008, pp. 45-46).
Quanto à culpa, é entendida enquanto um juízo subjectivo ou de censurabilidade, que liga o facto ao agente, por ter praticado a própria conduta ilícita ou por ter violado regras jurídicas ou de prudência que tinha obrigação de conhecer e adoptar.
Por aplicação dos art.ºs. 10.º, n.º 1, e 12.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12, a culpa é apreciada pela diligência que é exigível, em abstracto, a um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor em face do circunstancialismo próprio do caso concreto.
Estando em causa uma responsabilidade pelo ilícito, não se exige uma culpa subjectivada, a culpa personalizável no próprio autor do acto, aceitando-se como bastante uma culpa do serviço, globalmente considerado. Considera-se, pois, que da circunstância dos serviços de justiça não funcionarem de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são expectáveis num Estado de Direito, decorre a indicada culpa, que aqui é apreciada enquanto uma culpa anónima ou de serviço (cf. art.º 7.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12).
Por aplicação do art.º 10.º, n.º 2, da Lei n.º 67/2007, de 31-12, há aqui uma inversão da regra geral do ónus da prova prevista no art.º 344.º, n.º 1, do CC, presumindo-se a culpa, salvo prova em contrário (cf. art.º 350.º, n.º 2, do CC).
No que concerne ao pressuposto dano, corresponderá à lesão ou ao prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial produzido na esfera jurídica de terceiros, decorrente da demora na tramitação do processo, ou na decisão, ou na adopção tempestiva procedimentos cautelares e de medidas provisórias que tenha sido oportunamente requeridas para se acautelar direito.
Atendendo à concreta situação, que não se coaduna com um princípio de restauração natural, aqui afasta-se a regra do 562.º do CC, concretizando-se o direito à reparação pelo dano, sempre, através de uma prestação pecuniária.
Por via da jurisprudência do TEDH tem sido igualmente entendido que se deve presumir a existência de danos não patrimoniais como consequência da demora excessiva de um processo judicial, não sendo necessário ao A. alegar e provar esses mesmos danos. Será um dano comum, que se apura de acordo com as regras da vida, inerente a todas as pessoas (singulares) que são vítimas de um atraso na justiça. Logo, a alegação e prova só nestas acções só serão exigíveis nos casos em que os danos excedam os normalmente produzidos nestas situações (cf. neste sentido, entre outros, os Acs. do TEDH n.ºs 62361, de 29-03-2006, Riccardi Pizzati c. Itália ou 50262/99, de 22-06-2004, C. Bartl c. República Checa).
Seguindo a jurisprudência do TEDH será também possível atribuir às pessoas colectivas uma indemnização por danos não patrimoniais, mas aqui e ficarem alegados e provados nos autos, vg. porque se verifique que da demora resultaram dificuldades de gestão, organização ou planeamento da empresa, danos para a sua imagem ou dificuldades financeiras.
Tal presunção da existência de danos não patrimoniais é, no entanto, ilidível, aceitando-se que haja casos em que a duração excessiva do processo provoca apenas um dano moral mínimo ou, até nenhum dano moral (cf. art.ºs 346.º e 351.º do CC).
Quanto ao montante do dano não patrimonial, regem os art.ºs. 496.º, nº 3 e 494.º do CC, quando indicam que o montante da indemnização deve ser fixado equitativamente, tendo em atenção a situação económica do lesante e do lesado e as demais circunstâncias do caso, como o grau de culpabilidade do agente (cf. também art.º 41.º da CEDH).
Ainda aqui, há igualmente que atender à jurisprudência do TEDH, que tem exigido que a indemnização a atribuir pelo juiz nacional seja razoável e em montante idêntico aos atribuídos por aquele TEDH para casos semelhantes. Para aferir os casos semelhantes o TEDH compara os números de anos, o número de jurisdições em que os casos correram, a importância dos interesses em jogo, o comportamento das partes e considera as situações para um mesmo país (c. neste sentido, entre outros, os Acs. do TEDH n.º 36813/97, de 29-03-2006, Scordino c. Itália, 64699/01, de 29-03-2006, Musci c. Itália ou 64890/01, de 10-11-2004, Apicella c. Itália).
Ou seja, para aferir do quantum da indemnização a arbitrar nos processos de indemnização decorrentes de atraso na decisão de processo judicial deve considerar-se os padrões fixados, quer na jurisprudência nacional, quer do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Sobre o assunto, indicando os vários montantes para os casos “semelhantes”, pronunciou-se detalhadamente o STA no Ac. n.º 01004/16, de 11-05-2017, ali se referindo o seguinte: ”quanto aos montantes que concretamente têm sido fixados pelo «TEDH» no quadro de petições dirigidas contra o Estado Português, aqui também R., invocando a violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, ressaltam, nomeadamente, as condenações de:
- 4.000,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 27.10.2009, no c. «Ferreira Araújo do Vale», §§ 22, 24 e 27 - relativo ao atraso verificado em ação (declarativa e executiva) instaurada no Tribunal de Trabalho ainda pendente e que se estendia já por 04 anos e 09 meses para uma só instância];
- de 3.500,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 13.04.2010, no c. «Ferreira Alves n.º 6», §§ 23 e 51 - relativo ao atraso verificado, nomeadamente, em ação de regulação de poder paternal/direito visitas que durou 07 anos e 11 meses, para dois graus de jurisdição];
- de 28.000,00 € [para um A.] [valor final esse correspondente à redução ao montante de 43.000,00 € do que foi o montante arbitrado ao mesmo na ação indemnizatória interna] e de 11.000,00 € [para outros dois AA.] [valor final esse correspondente à redução ao montante de 21.000,00 € do que foi o montante arbitrado aos mesmos na ação indemnizatória interna] [no Ac. daquele Tribunal de 12.04.2011, no c. «Domingues Loureiro e outros», §§ 55, 60 e 68 - relativo aos atrasos verificados em ação cível (acidente de viação) e na ação indemnizatória fundada no atraso na administração da justiça, que, respetivamente, duraram 14 anos, e 20 dias para três instâncias percorridas, e 12 anos, 06 meses e 19 dias, numa só instância];
- de 1.200,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 20.09.2011, no c. «Ferreira Alves n.º 7», §§ 38 e 53 - relativo ao atraso verificado em ação cível para cobrança de dívida que durou 08 anos, 08 meses e 12 dias para três instâncias percorridas];
- de 7.600,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 04.10.2011, no c. «Ferreira Alves n.º 8», §§ 69/71 e 95 - relativo ao atraso verificado em três ações cíveis que duraram, respetivamente, 10 anos, 06 meses e 28 dias para duas instâncias, 12 anos, 05 meses e 01 dia para duas instâncias, e 09 anos e 14 dias para quatro instâncias];
- de 16.400,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 31.05.2012, no c. «Sociedade C. Martins &Vieira n.º 4», §§ 48/49 e 68/70 - relativo ao atraso verificado em duas ações cíveis (falência/verificação créditos e ação para efetivação de responsabilidade contratual por construção defeituosa de um imóvel) que, respetivamente, duraram 15 anos, 05 meses e 03 dias, para três instâncias, e 04 anos, 03 meses e 28 dias para duas instâncias] [aquele montante corresponde ao valor global arbitrado, resultante da soma duma primeira verba indemnizatória de 14.400,00 € (respeitante aos danos não patrimoniais decorrentes do atraso na ação falimentar) e duma segunda de 2.000,00€ (relativa aos danos pelo atraso na outra ação)];
- de 5.000,00 € [para uns requerentes] e de 4.800,00 € [para outros requerentes] [no Ac. daquele Tribunal de 16.04.2013, no c. «Associação de Investidores do Hotel Apartamento Neptuno e outros», §§ 48/50 e 77 - relativo ao atraso verificado em ações cíveis (de recuperação empresas, de falência, de reclamação e verificação créditos e ação para execução especifica de contrato-promessa) que, respetivamente, duraram 16 anos, 01 mês e 01 dia, para três instâncias, 18 anos, 04 meses e 13 dias para três instâncias, 14 anos, 03 meses e 20 dias em duas instâncias, e 14 anos, 05 meses e 12 dias numa só instância];
- de 15.600,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 30.10.2014, no c. «Sociedade C. Martins &Vieira e outros», §§ 50 e 73 - relativo ao atraso verificado em processo penal que durou 14 anos e 09 meses numa só instância] [quantia essa a ser repartida pelos três requerentes - 5.200,00 €];
- de 3.750,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 04.06.2015, no c. «Liga Portuguesa de Futebol Profissional», §§ 88 e 100 - relativo ao atraso verificado em ação laboral que durou 09 anos e 07 meses, para três instâncias];
- de 11.830,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 29.10.2015, no c. «Valada Matos das Neves», §§ 111 e 117 - relativo ao atraso verificado em ação de reconhecimento de direito quanto à existência de contrato trabalho com autarquia que durou 09 anos, 11 meses e 20 dias, num único grau de jurisdição].
LIII. Já no plano interno e quanto aos litígios que concretamente têm sido julgados por este Supremo e os montantes fixados nas condenações do Estado Português por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável resulta, nomeadamente, o seguinte:
- 5.000,00 € [2.500,00 € para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 28.11.2007 (Proc. n.º 0308/07) - relativo ao atraso verificado em ação cível (despejo), que intentada em 18.01.1995 ainda estava pendente em 2003, percorrendo duas instâncias];
- 5.000,00 € [2.500,00 € para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 09.10.2008 (Proc. n.º 0319/08) - relativo ao atraso verificado em execução sentença cível, intentada em 30.01.1997 e que perdurou até 22.02.2002, data em que foi declarada suspensa a instância nos termos do art. 882.º do CPC (na redação à data vigente), percorrendo duas instâncias];
- 10.000,00 € [no Ac. do STA de 09.07.2009 (Proc. n.º 0365/09) - relativo ao atraso verificado em ação cível (acidente de viação) intentada em 15.07.1983 e que perdurou até 30.10.2003 (data em que se iniciaria a audiência de discussão e julgamento e em que o processo terminou por transação), correspondendo a uma duração superior a 20 anos numa só instância];
- 10.000,00 € [para um A.] e 5.000,00 € [para cada um dos dois outros AA.] [no Ac. do STA de 01.03.2011 (Proc. n.º 0336/10) - relativo ao atraso verificado em ação cível (inventário facultativo instaurado em 13.12.1981), pendente à data da instauração indemnizatória, ia para 26 anos, e sem que tivesse terminado, tendo percorrido duas instâncias];
- 3.550,00 € [para um A.] e 1.500,00 € [para o outro A.] [no Ac. do STA de 15.05.2013 (Proc. n.º 01229/12) - relativo aos atrasos verificados em processos tributários (impugnações judiciais - uma relativa a «IVA» e outra a «IRC»), processos que, tendo sido apresentados em juízo em 19.02.2003 só foram julgados em 18.10.2006, isto é, cerca de 03 anos e 08 meses depois da sua apresentação, sem que tivessem ocorrido incidentes anormais e em que os atrasos, fundamentalmente, resultaram de duas «paragens» do processo, a primeira, entre a contestação e a inquirição de testemunhas - mais de um ano - e, a segunda, entre a notificação para a apresentação das alegações finais e o julgamento - quase dois anos -, tendo percorrido apenas uma instância];
- 4.000,00 € [no Ac. do STA de 14.04.2016 (Proc. n.º 01635/15) - relativo ao atraso verificado em processo de menores (regulação do poder paternal), instaurado em 07.07.1999 e concluído em 18.01.2011, sempre na mesma instância, sendo que no valor arbitrado foi considerado apenas o período de duração (de 04 anos) e até ao seu termino correspondente ao período que a A. interveio, após ter atingido a maioridade];
- 4.800,00 € [para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 30.03.2017 (Proc. n.º 0488/16) - relativo ao atraso verificado em processo penal, no qual foi deduzida acusação em 30.04.2003 e que após cerca de 12 anos (à data da emissão da sentença na ação indemnizatória - 23.07.2015) ainda estava pendente mercê de suspensão aguardando a decisão dos processos tributários de impugnação judicial instaurados relativamente às liquidações de «IRC» e de «IVA»].
Mais se refira, que atendendo à jurisprudência do TEDH, vão sendo apontados a título meramente indicativo os valores que oscilam entre 1.000,00€ e 1.500,00€ por cada ano de demora do processo – cf. neste sentido os Acs do TEDH n.ºs 65102/01, de 29-03-2006, Mostacciuolo v. Italy (n.º 2), 65075/01, de 29-03-2006, Giuseppina and Orestina Procaccini c. Italy, 64886/01, de 29-03-2006, Cocchiarella c. Italy, 64699/01, de 29-03-2006, Musci c. Itália ou 64890/01, de 10-11-2004, Apicella c. Itália. Assim apontando Fonseca, Isabel Celeste - “Violação do prazo razoável e reparação do dano: quantas novidades, mamma mia! Anotação ao Ac. do STA de 09-10-2008, Proc. 319/08”, in CJA, Braga, Cejur, n.º 72, (Nov-Dez) 2008, pp. 45-46; Ac. do STA n.º 07472/11, de 12-05-2011.
Para a efectivação da responsabilidade exige-se, ainda, a verificação do pressuposto do nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Aplica-se aqui, tal como para os demais casos da responsabilidade do Estado pelo ilícito, a teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, tal como vem formulada no art.º 563.º do CC, preceito segundo o qual a “obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. Ou seja, só ocorre este nexo quando os danos, em abstracto, são consequência apropriada do facto. Igualmente, se para a produção do dano a condição é de todo indiferente ou só se tornou condição em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, essa condição não será causa adequada do dano que se alega.
De referir, ainda, que a mais recente jurisprudência do STA em matéria de responsabilidade civil do Estado Português decorrente de atraso na administração da justiça, na esteira do Ac. do TEDH n.º 73798/13, de 29-10-2015, Valada Matos c. Portugal, vem entendendo uniformemente que por força de um princípio da subsidiariedade, e por aplicação dos art.ºs 6.º, 113.º, 34.º, 35.º e 41.º da CEDH, compete, em primeira linha, ao juiz nacional reparar de forma razoável as violações dos direitos e liberdades que vem consagrados naquela Convenção, intervindo o TEDH apenas numa segunda linha, se esgotados os mecanismos nacionais e quando não tenha havido uma resposta reparatória que possa considerar-se satisfatória – cf. neste sentido os Ac. do STA n.º 488/16, de 30-03-2017 e Ac. do STA n.º 01004/16, de 11-05-2017.
Nesta mesma lógica, se se entender que a resposta nacional não é satisfatória, é possível o recurso àquele TEDH para efectivar correspondente o direito indemnizatório, como que duplicando-se as apreciações judiciais sobre o mesmo assunto.
Como se explica no Ac. do STA n.º 01004/16, de 11-05-2017, a possibilidade “de “duplicação” de meios essa que será tão mais frequente quanto menor for a efetividade dos meios indemnizatórios internos em matéria de duração excessiva dos processos judiciais, efetividade a ser aferida à luz dos critérios definidos pelo próprio «TEDH» [e que são os seguintes: i) a ação de indemnização deve ser decidida em prazo razoável; ii) a indemnização deve ser prontamente paga, em princípio, no mais tardar seis meses após a data em que a decisão que concede a indemnização se tornou exequível; iii) as regras processuais que regem a ação de indemnização devem ser conformes aos princípios de equidade garantidos pelo art. 06.º da «CEDH»; iv) as regras sobre custas judiciais não devem representar um encargo excessivo para os litigantes cuja ação é fundada; v) o montante das indemnizações não deve ser insuficiente em comparação com os montantes concedidos pelo Tribunal em casos semelhantes] [cfr., entre outros, os Acs. do «TEDH» de 10.04.2008 (c. «Wasserman v. Rússia/n.º 2», §§ 49 e 51), de 15.01.2009 (c. «Bourdov v. Rússia/n.º 2», § 99), e de 29.10.2015 (c. «Valada Matos das Neves v. Portugal», §§ 72/73)], e inerentes decorrências relativamente ao grau de certeza jurídica e de efetividade quanto ao uso do meio contencioso interno para que este possa e deva ser utilizado para os efeitos do art. 35.º, § 1 daquela Convenção [necessidade de esgotamento de «todas as vias de recurso internas»], o qual, no caso português, foi considerado existir, a partir de 27.05.2014, impondo-se, assim e para efeitos do contencioso junto daquele Tribunal, a necessidade do uso/esgotamento dos meios internos após tal data [cfr. o citado Ac. do «TEDH» de 29.10.2015 (c. «Valada Matos das Neves v. Portugal», §§ 102/106) em contraposição com o que o mesmo Tribunal havia concluído, anteriormente, no Ac. de 10.06.2008 (c. «Martins Castro e Alves Correia de Castro v. Portugal», § 56)].
XIV. De notar, ainda, que no quadro do processo deduzido junto do «TEDH» e da possibilidade da sua apresentação quando foi usado também o meio contencioso interno aquele Tribunal, ao abrigo do disposto no art. 34.º da «CEDH», afere e controla tal uso pela exigência do dever de preenchimento por parte do requerente, mormente, da condição relativa ao ter de deter e de manter a qualidade de “vítima” em todos os estádios do processo [cfr., entre outros, os Acs. do «TEDH» de 07.05.2002 (c. «Bourdov v. Rússia», § 30), de 29.03.2006 (Pleno/Grande Câmara - doravante «GC») (c. «Scordino v. Itália/n.º 1», §§ 179/182) e de 07.06.2012 (c. «Centro Europa 7 S.R.L. e Di Stefano v. Itália», §§ 80/82)].
XV. E que uma decisão ou uma medida favorável ao requerente só é suficiente para lhe retirar a qualidade de “vítima”, para os efeitos do referido preceito, se as autoridades nacionais reconheceram explicitamente ou em substância, e se repararem a violação da Convenção [cfr. nomeadamente, para além do citado Ac. do «TEDH» de 29.03.2006 (GC) (c. «Scordino v. Itália/n.º 1», § 180); ainda os Acs. do mesmo Tribunal de 26.07.2005 (c. «Siliadin v. França», §§ 61/63), de 01.06.2010 (GC) (c. «Gäfgen v. Alemanha», § 115), e de 12.09.2012 (GC) (c. «Nada v. Suíça», § 128)], sendo que apenas quando estas condições estejam preenchidas a natureza subsidiária do mecanismo de proteção da Convenção se oporá ou impedirá um exame da queixa [cfr., entre outros, Acs. do «TEDH» de 20.03.2003 (c. «Jensen e Rasmussen v. Dinamarca (dec.)», I), e de 31.01.2008 (c. «Albayrak v. Turquia», § 32)], na certeza de que a questão de saber se o requerente continua a ser vítima pode também depender do montante da indemnização concedida pelas jurisdições internas e da efetividade (incluindo a prontidão) do “recurso indemnizatório” [vide, entre outros, Acs. do «TEDH» de 20.12.2001 (c. «Normann v. Dinamarca - dec.», §§ 7/9), e de 29.03.2006 (GC) (c. «Scordino v. Itália/n.º 1», § 202)].”
Feito o anterior enquadramento, apreciemos, em concreto, o caso dos autos, considerando o que antes ficou dito.
Diz a Recorrente que o atraso na administração da justiça ocorreu porque foi perseguido de 2011 a 2015, por 3 anos e 8 meses.
Corresponderão tais datas, à do início do inquérito NUIPC 48....0JDLSB, comunicado em 14-07-2011 ao PGA de turno do DIAP e ao Acórdão do TRL de 06-10-2015, que julgou improcedente o recurso apresentado pelo MP da decisão condenatória proferida em 1.º instância.
Assim, verifica-se, que após a abertura daquele inquérito e do processo-crime n.º 48....0JDLSB, em 06-03-2012, o então arguido e ora Recorrente foi detido e constituído arguido. Nessa sequência, foi necessário efectuar uma pesquisa no computador do arguido, que havia sido apreendido, pelo GTI da PJ. Requerida tal perícia em 30-03-2012, a mesma só veio a ser efectuada 13-03-2014, tendo sido justificada a demora pela elevada pendência de trabalho a cargo daquele GTI. Segue-se a acusação, ocorrida em 15-09-2014. Requerida a abertura da instrução pelo então arguido e ora Recorrente, em 02-10-2014, foi proferido um despacho de pronúncia de 15-12-2014. Prosseguindo o processo-crime, foi admitida a contestação em 19-02-2015 e realizado o julgamento, cuja data foi uma vez adiada por requerimento do então arguido e ora Recorrente. Em 15-05-2015, o arguido foi condenado, por decisão então proferida e dessa decisão foi interposto recurso pelo MP, o qual foi julgado improcedente por acórdão do TRL de 06-10-2015.
Assim, da apreciação analítica da tramitação daquele processo é possível concluir, que não obstante ter ocorrido uma análise pericial ao computador do arguido, uma abertura de instrução e um recurso, entre a abertura do inquérito e o acórdão final mediaram não mais que 4 anos e 10 meses (e não os 3 anos e 8 meses que o Recorrente refere).
Face à factualidade apurada, anota-se, ainda, que a única delonga não justificada terá resultado do tempo em que se aguardou a perícia efectuada pelo GTI da PJ – pedida em 30-03-2012, mas só apresentada em 13-03-2014. Quanto às razões dessa demora, ficaram expressas no facto F.
Ou seja, ter-se-á que admitir que o presente processo teve uma demora, teórica e abstractamente não expectável, decorrente daquela perícia. Porém, em concreto, a referida dilação ficou explicada pelo facto de haver uma grande pendência de trabalho no GTI, que era composto apenas por 5 funcionários especialistas e pelo facto de estar a ser dada prioridade aos processos com arguidos presos, em fase se prescrição, ou em casos de risco de perecibilidade da prova.
Conforme decorre dos art.ºs. 276.º, n.ºs 1, 3, 5, do Código de Processo Penal (CPP), 176.º, n.º 1, als. c), d) e 177.º, n.º 6, do Código Penal (CP), para o presente inquérito a lei apontava um prazo de duração de 8 meses, contado desde 06-03-2012, a data em que o Recorrente foi constituído arguido. Ora, no caso dos autos, a acusação foi deduzida em 15-09-2014, muito depois dos 8 meses indicados no art.º 276.º do CPP.
Refira-se, no entanto, que os prazos vêm referidos no art.º 276.º do CPP, para a duração do inquérito, têm sido entendidos como meramente ordenadores e não peremptórios (cf. neste sentido, entre outros, os Acs. do TRL n.º 8597/2008-5, de 27-01-2009, n.º 121/08.1TELSB-B.L1-3, de 17-03-2010, TRC n.º 5/13.1IDCTB-B.C1, de 26-10-2016, TRE n.º 36/08.3ZRFAR-A.E1, de 13-10-2009 ou TRP n.º 134/12.9GBVNG-B.P1, de 25-09-2013).
Por conseguinte, porque o referido prazo era meramente indicativo e porque a extensão da fase do inquérito para além dos 8 meses está directamente relacionada com circunstância de o GTI da PJ estar assoberbado de trabalho, há que entender, no caso dos autos, que a mera ocorrência de uma fase de inquérito por cerca de 2 anos e 6 meses, por si só, não conduz à ilicitude que se se exige para a responsabilização do Estado.
Nas circunstâncias do caso concreto, atendendo à complexidade e exigências da peritagem informática que se tinha que fazer, aos meios ao dispor do Tribunal e ao comportamento do próprio GTI, que justificou prontamente o seu atraso, assim como, a toda a restante tramitação processual, que foi célere nas suas fases seguintes, não obstante a maior dilação da fase de inquérito, a mesma não pode ser rotulada de ilícita ou censurável, pois a demora que foi cometida não poderia ser evitada ou atenuada. Tratou-se, pois, de uma demora desculpável. Ademais, a maior demora desta fase acabou por ficar mitigada face à celeridade que se imprimiu a todo restante do processo.
Ou seja, ainda que se admita que a demora na referida perícia deva ser imputada a um mau funcionamento dos serviços do Estado, por não disporem dos meios necessários e suficientes para efectuarem as perícias informáticas que são requeridas nos processos judiciais ou criminais, essa mesma demora, no geral do processo em apreço, não pode ser considerada com relevo suficiente para se constituir um acto ilícito. Na verdade, atendendo ao contexto em que decorreu o inquérito, a toda a restante tramitação e à celeridade com que a mesma ocorreu, justifica-se o comportamento mais retardado da administração da justiça, directamente decorrente do atraso no trabalho do GTI, que provocou uma demora pontual, mas que acabou por se esbater frente à restante rapidez do processo.
Como resulta da factualidade apurada, as intervenções de relevo para a esfera jurídica do Recorrente ocorreram apenas a partir de 06-03-2012, a data em que o mesmo foi detido, na sequência do processo-crime que contra ele foi aberto. Entretanto, apresentada em 09-04-2014 a perícia feita pelo GTI ao PGA, logo em 15-09-2014, cerca de 5 meses depois, é deduzida a acusação. Aberta a instrução em 02-10-2014, por iniciativa do arguido, em 15-12-2014, menos de 2 meses depois, é a mesma encerrada e é proferido o despacho de pronúncia. Ocorre o julgamento e a respectiva decisão final é prolatada em 15-05-2015, menos de 3 meses após a admissão da contestação. Igualmente, a decisão tomada em recurso pelo TRL é proferida cerca de 5 meses após a decisão de 1.ª instância.
Assim, apreciado o processo nas suas várias vicissitudes e diferentes fases, constata-se, que o mesmo ocorreu de forma célere, salvo no momento em que foi necessária a peritagem pelo GTI da PJ. Quanto à maior delonga dessa peritagem, acabou por ficar mitigada ou diluída frente à restante celeridade com que ocorreu o processo, como já se disse.
No que concerne à fase da instrução - que foi motivada pelo facto do arguido a ter requerido – demorou pouco mais de 2 meses, designadamente, demorou entre 02-10-2014, a data do requerimento para a abertura de instrução, até 15-12-2014, a data do despacho de pronúncia, sendo que o CPP, no art.º 306.º, n.º 1, indica um prazo de 4 meses para esta fase.
Por seu turno, a fase de julgamento decorreu de 19-02-2015 a 15-05-2015, isto é, por cerca de 3 meses.
Como acima se indicou, o conceito de violação do direito à justiça em prazo razoável não se reconduz à verificação da preterição de um dado prazo processual ou da maior delonga de uma dada fase processual, mas deve ser apreciado numa perspectiva conjunta e atendendo às especificidades concretas de cada processo judicial.
Como bem se refere na decisão sindicada, remetendo para o Ac. do STA n.º 083/09, de 10-09-2009, onde se julgou questão similar à dos autos, “a violação das regras legais ou regulamentares só deve considerar-se ilícita se decorrer de uma conduta censurável e, por conseguinte, e por via de regra, a ilicitude tem de estar associada à culpa e só será relevante se essa reunião ocorrer. O que quer dizer que, provado o desrespeito do prazo em que o referido Inquérito deveria ter sido concluído, isto é, provada a violação objectiva da norma legal que estabelece um prazo para essa conclusão importará provar ainda que essa violação se ficou a dever a uma falta que podia e devia ter sido evitada, isto é, que ela se ficou a dever a culpa do agente. E isto porque “agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo.” A. Varela, “Das Obrigações em Geral, I, pg. 571. A qual - por força do disposto no art.º 4.º do DL 48.051 - “é apreciada nos termos do art.º 487.º do Código Civil”, isto é, na falta de outro critério legal, “pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias de cada caso.” (art.º 487.º/ 2 do CC).
Sendo assim, isto é, sendo a culpa um conceito que exprime um juízo de censura sobre um determinado comportamento (ou sobre a ausência deste) que parte do pressuposto de que o agente, nas concretas circunstâncias do caso, podia e devia adoptar a conduta exigível, só se poderá afirmar que o agente agiu com culpa quando for possível concluir que ele tinha condições para adoptar a conduta devida e que o não fez por razões indesculpáveis. Isto é, quando se puder concluir que podia ter evitado, e não evitou, a prática do facto ilícito.
Não se podendo, assim, em princípio, falar de autonomização da ilicitude em relação à culpa cumprirá apurar se os serviços da administração da justiça encarregues do Inquérito ora em causa tiveram possibilidade de cumprir os prazos fixados na lei e se o não fizeram por razões juridicamente censuráveis.
(…) 4. Nos termos do art.º 276.º do CPP o M.P. tem de encerrar o inquérito, arquivando-o ou deduzindo acusação, no prazo máximo de seis meses após a sua instauração, prazo esse que pode ser elevado até 12 meses nos casos referidos no n.º 3 do art.º 215.º, isto é, nos casos em que esteja em causa a investigação de crimes graves e essa investigação se revelar de excepcional complexidade.
Tais prazos - como este Tribunal tem afirmado - são meramente ordenadores ou disciplinares, visto se destinarem a balizar a tramitação processual, pelo que, para além da relevância que possam ter na formação do prazo prescricional, o seu desrespeito não constitui ilegalidade passível de afectar o processo podendo, apenas, implicar infracção disciplinar para as entidades que os desrespeitaram.
Deste modo, e pese embora esse desrespeito constituir violação da apontada norma - como do disposto no n.º 4 do art.º 20 da CRP e no § 1.º do art.º 6.º da CEDH - certo é que ele não corresponde, necessariamente, à prática de um facto ilícito e culposo, uma vez que só assim será se a conclusão do processo tiver ocorrido para além de um prazo razoável e disso se ter ficado a dever a negligência ou dolo dos serviços de justiça titulares do processo.
Ora, a definição do que seja um prazo razoável não só não é meramente objectiva como também essa qualificação não pode ser atribuída em abstracto antes havendo de ter em consideração as circunstâncias concretas de cada caso, designadamente as relacionadas com natureza e complexidade do processo, a conduta do Requerente e o comportamento das autoridades competentes (Magistrados, órgãos de polícia e agentes dos serviços de justiça). O que quer dizer que o facto da conclusão do processo ter excedido o prazo legal, pode não ser qualificado como ilícito e culposo – Vd., entre outros, Acórdãos deste STA de 15/10/98 (rec. 36.811) e de 17/03/2005 (rec. 230/03).. Ou seja, a violação do direito a uma decisão num prazo razoável só pode gerar a obrigação de indemnizar se as circunstâncias concretas do caso ditarem que ela podia ter sido alcançada num prazo inferior ao que efectivamente foi e que tal só aconteceu por incúria ou negligência dos operadores judiciários. Não olvidando nunca que o direito ressarcitório depende da reunião cumulativa de todos os pressupostos de responsabilidade civil pois que só daí pode resultar a ilegalidade funcional de que emerge essa responsabilidade. – Vd., entre outros, Acórdãos deste Supremo de 17/03/2005 (rec. 230/03), de 17/01/2007 (rec. 1164/06) e de 28/11/2007 (rec. 308/07).”
Admite-se, que estando em causa um processo-crime, o litígio assumisse para o arguido e agora Recorrente uma maior importância, pelo que se reclamava um tempo relativamente curto de resolução do processo.
No entanto, tal tempo terá sido respeitado, pois, não se pode rotular como excessivo um tempo de cerca de 4 anos e 10 meses para a tramitação de um processo-crime, desde a data do início do inquérito e até à ocorrência de uma decisão em sede de 2.ª instância, considerando, ainda, que ocorreu um exame pericial ao computador do arguido, que este requereu a abertura da instrução e um adiamento do julgamento e que da decisão de 1.ª instância ainda foi interposto recurso pelo MP.
Como acima se indicou, o TEDH e no seu seguimento a doutrina e jurisprudência nacionais, vêm assinalando como um tempo razoável para a tramitação de uma acção declarativa em 1.ª instância, o período de 3 anos ou quando diga respeito a causa relativas a pessoas, um tempo de 2 anos e 7 meses para a 1.º instância e de até 6 anos no seu todo.
Ora, neste caso, entre 06-03-2012, a data em que o Recorrente foi constituído arguido e a dedução da acusação, em 15-09-2014, não se ultrapassaram 3 anos. Depois entre a data da admissão da contestação do arguido – em 19-02-2015 e a data da decisão de 1.ª instância, prolatada em 15-05-2015, não mediaram mais que 4 meses.
No total do processo – que inclui as vicissitudes desde o início do inquérito até ao julgamento final, do recurso pelo TRL – também não se ultrapassou os 5 anos.
Em conclusão, no caso em apreço não está verificado o requisito da ilicitude que dá lugar à obrigação de indemnizar.
Porque os pressupostos da responsabilidade do Estado são cumulativos, claudicando o requisito da ilicitude, claudica, desde logo, o direito do A. a ver o R. EP condenado a esse título.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida;
- custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe for concedido (cf. art.ºs. 527.º n.º s. 1 e 2, do CPC, 7.º, n.º 2, 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).
(Sofia David)

(Nuno Coutinho)

(José Correia)